Dietas | Leia as reportagens na íntegra |
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A alforria dos gordosPesquisas sobre obesidade mostram que é possível ser rechonchudo (sem excessos!) e saudável Karina Pastore
A moça da foto acima é gorda. Alguém discorda? Aos 24 anos, a dançarina de flamenco Isabeau Christine tem 1,70 metro de altura e 84 quilos. É muito? Depende. A tomar por exemplo a silhueta impossivelmente longilínea da modelo australiana Elle MacPherson, apelidada "O Corpo", ou o perfil famélico da inglesa Kate Moss, o manequim 50 de Isabeau é uma afronta aos padrões estéticos vigentes. Não seria se fosse 30 quilos mais magra. Diante do espelho, no entanto, ela se sente bem. Saúde ameaçada? Há menos de um mês, Isabeau procurou um médico. Amigos e parentes assustavam-na com a insistência de que tecido adiposo em excesso é um risco de vida. Seguiam uma linha de raciocínio que, desde a década de 50, relaciona o acúmulo de gordura a males cardíacos, hipertensão, diabete, colesterol alto, pedras na vesícula, cânceres de mama, útero, ovário e cólon e disfunções hormonais. A lista é apavorante. Exemplos como o de Isabeau, cuja bateria de exames revelou pressão, colesterol e açúcar no sangue normais, estão levando a medicina a tentar entender melhor a partir de que momento alguns quilos a mais representam uma verdadeira ameaça à saúde. Um polêmico estudo da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, acaba de mostrar que o peso moderadamente acima do normal tem pouco a ver com um incremento nas taxas de risco de morte prematura. O trabalho é uma espécie de Lei Áurea para os gordinhos. Põe a questão da obesidade no lugar certo: um problema estético que se converte em mal orgânico apenas se em excesso, ou quando acompanhada de sedentarismo e doenças pré-existentes. A seguir, as atuais conclusões da medicina sobre a gordura. Saúde, Isabeau! Que se faça aqui a diferença entre gordos e obesos. Pesadas são pessoas com índice de massa corpórea (IMC) entre 25 e 30 (veja quadro). Obesas, as que apresentam IMC superior a 30. Além dos fatores de risco mencionados acima, a forma como a gordura se distribui no corpo conta, e muito, no grau de perigo a que os moderadamente pesados estão expostos. As mulheres, apesar de tradicionalmente mais gordas, correm menos riscos do que os homens. Sua gordura, em vez de se concentrar principalmente na barriga, como nos homens, tende a se acumular sobretudo nas coxas, nas nádegas, nos quadris e nos seios. Nos homens, o tecido adiposo em geral se deposita entre as alças intestinais. A conseqüência é dramática. Os barrigudos apresentam três vezes mais risco de desenvolver diabete e doenças cardiovasculares. A redenção da gordura moderada aconteceu porque os médicos perceberam lacunas metodológicas fundamentais nas estatísticas que relacionavam o peso dos pacientes aos índices de mortalidade. "A gordura virou o único vilão numa história que está cheia de bandidos", diz o cardiologista Sérgio Diogo Giannini, diretor do setor de prevenção do Instituto do Coração de São Paulo. Os bandidos a que se refere o doutor Giannini vão desde o sedentarismo e a classe social até a genética. A inatividade física, por exemplo, se associa a 35% das doenças cardiovasculares fatais, a 35% das mortes por diabete e a 32% dos óbitos por câncer de colo. O Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos avaliou que a prática regular de exercícios reduz em até 60% a probabilidade de uma mulher vir a ter câncer no seio. Um estudo recente da Universidade de Michigan mostra que uma pessoa com parentes próximos vítimas de infarto tem 50% mais de risco de sofrer um ataque repentino do coração. Ou seja, muitas vezes o obeso morre porque leva vida sedentária ou tem propensão genética e não, simplesmente, porque é obeso. É claro que a gordura excessiva faz mal à saúde. O estudo da Universidade da Carolina do Norte, publicado na revista The New England Journal of Medicine, é muito rigoroso em relação às pessoas com índices de massa corporal superior a 30. Os pesquisadores anotaram que, para IMCs além de 32, a incidência de mortes prematuras chega a duas vezes mais do que em relação a indivíduos com IMC até 27. Do ponto de vista do padrão estético vigente, chega a existir um gabarito para o corpo ideal é o que seguem as agências de modelos na hora de recrutar candidatas. Perfeita é a silhueta longilínea, ossuda, levemente esculpida com alguns músculos. Do ponto de vista médico, é bem diferente. Segundo o endocrinologista e professor da Universidade de São Paulo Alfredo Halpern, o que existe, para cada indivíduo, é o "peso factível", ou "peso mínimo saudável". Não se sabe ao certo o que é mais importante na determinação desse peso. Alguns pesquisadores sugerem que ele seja estabelecido nos primeiros anos de vida, como uma resposta à disponibilidade de alimentos. Outros acham que mais importante do que o fator ambiental é a herança genética. Não é difícil identificar esse peso. Qualquer pessoa que já tenha entrado numa dieta alimentar rigorosa percebe que perder os primeiros quilos é fácil. A partir de um ponto determinado, os esforços para emagrecer começam a surtir menos efeito. Esse é o chamado "peso factível". Emagrecer além dele pode significar uma obediência ao padrão estético, mas sacrifica a natureza do organismo, entrando no terreno do risco à saúde. Os médicos sabem que não se pode mudar esse limite. Não adiantam exercícios físicos, dietas ou os dois juntos. As drogas até conseguem "enganar" a natureza. Mas o efeito delas dura apenas enquanto forem ingeridas. Depois, tudo volta ao que era antes. Em geral, sim. Entre os 30 e os 60 anos, homens e mulheres tendem a ganhar uma média de 4 quilos por década. Isso acontece porque o metabolismo fica mais lento, ou seja, queima mais lentamente as calorias que ingere. A aparência flácida que as pessoas ganham com o passar dos anos não é resultado apenas desse fenômeno. Dois outros também contribuem. O primeiro é a perda de massa muscular. O segundo fator, mais presente entre as mulheres, é a descalcificação óssea. Como os músculos e ossos pesam mais do que a gordura, e são eles que estão indo embora, o ganho em peso de 3 a 4 quilos na verdade corresponde a um incremento na massa gordurosa bem maior. Calcula-se que chegue a 7 ou 8 quilos. Por isso os médicos são tão enfáticos ao recomendar exercícios físicos. A atividade física compensa também a queda nos níveis metabólicos com a queima extra de calorias. O corpo é natureza, e na natureza não existe filosofia, estética, moda. O que existe é a programação para a sobrevivência. Nesse caso, a mente e o corpo operam em registros opostos. Um indivíduo pode decidir que o melhor para si é privar-se da quantidade de alimentos a que está habituado, para emagrecer. Seu corpo entende que corre o risco de perecer de fome. Para se prevenir, de um lado, reduz os níveis de atividade metabólica, de forma a economizar o estoque de energia. De outro, aumenta a eficiência com que absorve as calorias dos poucos alimentos que ingere. É por isso que 95% das pessoas que emagrecem muito depois de uma dieta acabam recuperando todos os quilos perdidos em pouco tempo fenômeno conhecido por "efeito ioiô". Quando o período do regime acaba, e volta-se a ingerir a quantidade normal de alimentos, os níveis metabólicos baixos seguem garantindo a estocagem extra de calorias. Em busca do corpo saudável e não necessariamente do corpo que se julga perfeito, a briga contra a balança não requer medidas drásticas. Perder 10% do peso total é o suficiente para acabar com os efeitos deletérios da gordura. O coração hiperatrofiado diminui de tamanho. Nove em cada dez hipertensos voltam a apresentar pressão normal. Durante o sono, o número de paradas respiratórias cai para menos da metade. Ao se livrar de 13 quilos, um homem de 1,70 de altura e 130 quilos, por exemplo, continua na categoria dos obesos. Mas deixa de sofrer dos males da obesidade. "Antes, só ficaríamos contentes se esse paciente passasse a pesar 70 quilos", diz o doutor Halpern. "O objetivo de luta mudou." Obesidade é tendência genética que se combina com fatores externos, como o sedentarismo e a quantidade de alimentos ingerida. Para demonstrar que existe mesmo a propensão inata, o médico canadense Claude Bouchard, da Universidade Laval, em Quebec, manteve doze pares de gêmeos idênticos internados por 100 dias. Alimentou a todos com a mesma dieta hipercalórica. Controlou o nível de atividade física. Quando receberam alta, os 24 rapazes estavam mais gordos. Mas em níveis diferentes. Alguns tinham ganho apenas 3 quilos. Outros, até 12 quilos. Dentro de cada dupla de irmãos, porém, os incrementos de gordura foram semelhantes. Isso é genética. Por muitos anos, os médicos atribuíram a obesidade a um caráter desmazelado, preguiçoso e auto-indulgente. As pesquisas genéticas estão livrando pelo menos alguns gordos dessas pechas. A mais decisiva foi a que descobriu uma proteína no sangue, a que se chamou de leptina, responsável por avisar ao cérebro a hora de parar de comer. Os cientistas notaram que alguns ratos gordos possuíam um defeito genético que impedia a produção dessa substância e, por isso, os animais só paravam de comer quando não havia mais comida à disposição. No final do ano passado foi encontrada a primeira família humana portadora do mesmo problema. Como nos ratos, a falta da leptina conduziu a quadros de obesidade. Não dá, no entanto, para culpar apenas a genética. Engordar é antes de mais nada fruto de uma economia energética. Quem come muito e não gasta caloria engorda mesmo. Tendo ou não predisposição para a obesidade. Ninguém acha que é rica demais ou magra demais, zombam as socialites americanas. Pesquisas feitas nos EUA confirmam que um sujeito 10 quilos mais pesado do que outro recebe pelas mesmas funções, no final do ano, 12.000 dólares menos de salário. No mercado de casamentos, os gordos também levam a pior. Um estudo da Universidade Harvard mostrou que as mulheres obesas têm 20% menos chance de conseguir um marido em relação às magras. A neurose coletiva por perder peso não é à toa, como se vê. "Os médicos são procurados por mais gente que não precisa mas quer perder peso do que por quem realmente necessita emagrecer por causa da saúde", afirma o endocrinologista Alfredo Halpern. Em alguns casos, a preocupação beira a insanidade. Fora os quadros extremos de anorexia e bulimia, distúrbios que atingem no máximo 3% das mulheres jovens, o emagrecimento excessivo tem conseqüências orgânicas sérias e pouco divulgadas. Uma delas é o descontrole hormonal. Mulheres submetidas a dietas rigorosas passam a apresentar dificuldade para engravidar. O corpo interpreta a falta de alimento como uma ameaça à vida do indivíduo. O cérebro ordena, então, que o organismo suspenda a atividade reprodutiva para evitar perdas desnecessárias de energia. Dietas drásticas podem também alterar o sistema imunológico por causa das deficiências nutricionais, como a falta de zinco, que baixam a produção de anticorpos. Além disso, a perda excessiva de peso é fator de risco para a formação de pedras na vesícula. Num organismo privado de comida, as substâncias produzidas na vesícula para digestão dos alimentos perdem a utilidade. Concentradas no órgão, viram pedras.
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Fotomontagem sobre fotos de Eduardo Pozella/Egberto Nogueira |
Tcha-Tcho |
Efeito ioiô: depois de seis meses de dieta, Rafaela Fischer, de 19 anos, perdeu 18 quilos. Foi a glória. Em menos de três meses, porém, a filha da atriz Vera Fischer voltou a engordar. Ganhou de volta 10 quilos | |
Foto: Publius Vergilius |
Foto: Claudio Rossi | Kathy Faldini, empresária Idade: 53 anos Peso: 74 quilos Altura: 1,67 metro Toma Xenical há vinte dias e emagreceu 2 quilos "Estou tomando Reductil junto com Xenical. Acho que poderia ter perdido mais peso se tivesse controlado melhor minha alimentação. Eu gosto de ter vida normal, comer de tudo. Fiz Vigilantes do Peso, mas após alguns meses cansei de fazer comida especial todo dia. Depois me internei em um spa e quase morri de fome. Não consegui ficar mais de quatro dias. Quando saí de lá, parei em uma banca de frutas e comi sem parar! Também tentei aquela dieta do Émerson Fittipaldi, mas não gostava de só comer aquelas coisas. Pelo menos agora eu posso tudo, desde que modere a quantidade. Dá para ter uma vida normal." |
Foto: Egberto Nogueira | Ruy Marco Antonio, pediatra Idade: 55 anos Peso: 99 quilos Altura: 1,85 metro Toma Xenical há um mês e emagreceu 11 quilos "Sou um gordo profissional, daqueles que sonham com comida. Desde os 30 anos de idade estou acima do meu peso. Já cheguei a pesar 110 quilos! Agora decidi emagrecer de uma vez por todas, porque comecei a ter problemas com meu colesterol por causa da obesidade. Não gosto daqueles remédios de emagrecimento que atuam no sistema nervoso. Esses medicamentos acabam provocando mau humor e ansiedade. O Xenical é um achado, não causa nada disso. Sem falar que, como ele elimina boa parte da gordura que se ingere, não preciso me privar das coisas que gosto. Dá para abusar, sem culpa: Xenical tira até remorso." |
Foto: Egberto Nogueira | Mônica Medeiros de Lima, escrivã Idade: 39 anos Peso: 130 quilos Altura: 1,60 metro Toma Xenical há dois meses e emagreceu 17 quilos "Nunca perdi tanto peso em tão pouco tempo — e sem sofrer. Olha que faço dieta desde que tenho 19 anos. Usei todos os moderadores de apetite que se possa imaginar: Hipofagin, Inibex, Dualid... Ficava histérica, impaciente. O pior é que eu como porque fico ansiosa. Um dos remédios que deram mais resultado para mim foi justamente o Prozac. Eu ficava tranqüila, sem aquele desejo compulsivo por comida. Como sou desregrada, acabei abandonando o tratamento. Agora estou decidida a perder peso de vez. Quero emagrecer mais uns bons quilos com o Xenical e, quem sabe, até fazer aquela cirurgia que diminui o estômago." |
Sonia Borges, secretária Idade: 39 anos Peso: 89 quilos Altura: 1,60 metro Toma Xenical há cinco meses e emagreceu 14 quilos "Continuo comendo de tudo, simplesmente diminuí a quantidade. No meu prato pode ter macarrão, arroz, feijão, carne, aquilo tudo que geralmente é proibido pelas dietas. Mas, logo que comecei a tomar Xenical, não seguia regime nenhum. Mesmo assim, perdi 10 quilos em três meses. Foi meu recorde. E eu já tomei Hipofagin e outros inibidores de apetite, que me deixavam deprimida e nem faziam tanto efeito no emagrecimento. Também já tentei um monte de dietas, mas comigo não adianta nada. Preciso de remédio mesmo. Meu sonho é chegar a 60 quilos, mas acho que aí é querer demais... Se conseguir perder mais 10 quilos, fico feliz: para quem chegou a pesar 103 quilos, vai ser ótimo!" | Foto: Claudio Rossi |
A nova era dos medicamentosViagra é para impotência. Propecia, para calvície. Xenical, para obesidade. Zomig, para enxaqueca. Prozac, para depressão. Nenhum deles cura a doença à qual se destinam. Representam, no entanto, a nova era dos remédios, um prodígio que já movimenta 300 bilhões de dólares por ano em todo o mundo, valor que os especialistas estimam que poderá ser duplicado em apenas cinco anos. O segredo dessa multiplicação é até simples. O impotente terá de tomar o Viagra para sempre. O homem sujeito à calvície terá de ingerir as cápsulas do Propecia enquanto não resolver dar adeus às madeixas. Nunca uma indústria mudou tão espetacularmente de foco. Segundo a revista americana Business Week, "até recentemente, a maior parte das pesquisas estava voltada para a cura de doenças que ameaçavam a vida ou que eram muito debilitantes. Mas as novas megadrogas têm como alvo condições médicas que estão entre a dor e o desconforto, nas quais o tratamento poderia até ser considerado opcional". É a chamada química do bem-estar. Bocas sequiosas por esses medicamentos é o que não falta. Até duas décadas atrás, um homem ou uma mulher de 40 anos entrava inevitavelmente na fase de declínio da vida. A expectativa era de que vivesse mais duas décadas, em meio a doenças. Com a esperança de vida ampliada em 50%, um indivíduo de 40 anos não está mais apenas aguardando o amargo fim. Sabe que está só na metade da existência. Que pode aproveitar muito mais. Que precisa manter-se rijo, produtivo e — por que não? — bonito por muito mais tempo. De preferência, sem rugas, feliz e com os cabelos bem assentados no cocuruto. Fica-se mais jovem assim, e vale-se mais no mercado de trabalho. A satisfação de uma ereção poderosa renderá ao laboratório Pfizer, que produz o Viagra, 2 bilhões de dólares no primeiro ano de comercialização. A ânsia por uma personalidade livre dos cenários sombrios da depressão já capitaliza o laboratório Eli Lilly, que fabrica o Prozac, com outros 2,4 bilhões de dólares por ano. Os cabelos que o Propecia não deixa despencar encheram os cofres do laboratório Merck Sharp & Dohme. Nessa montanha de dinheiro estão enterradas duas boas notícias: 1) É dinheiro ganho honestamente, porque esses remédios funcionam mesmo. Nunca houve drogas tão eficientes, com tão poucos efeitos colaterais. Ainda que a cura dos problemas que eles aliviam não esteja nem no horizonte, ficou mais fácil e melhor enfrentar o processo de envelhecimento e as angústias da vida; 2) Mais pílulas milagrosas vêm por aí. No momento em que este texto está sendo escrito, nada menos do que 100 bilhões de dólares voam pelo mundo custeando pesquisas, laboratórios e equipamentos. As drogas do bem-estar vieram para ficar. |
Com reportagem de Alexandre MansuR |
UM TIRO NO CORAÇÃO
que é tomado por 300 000 pessoas no Brasil
Foto: Frederic Jean | Foto: Moreira Mariz |
Vários brasileiros tiveram problemas com os efeitos colaterais dos remédios da família do Redux. O diretor de teatro Cacá Rosset (à esq.) ficava agitado e sentia a boca seca. O deputado federal Roberto Jefferson, o maior peso pesado do Congresso, teve crises de insônia e chegou a ficar 47 horas seguidas sem dormir: "O remédio me fazia cheirar mal. Eu tinha um suor ácido" |
Os Redux brasileiros
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A nova geração de remédios
Reportagens 27 de novembro de 1996 Gordura tem remédio Depois da era das bruxarias, um medicamento assume o posto de maior aliado do gordo na hora da dieta Não desanime. Gordura já tem remédio. 'Em vinte anos de experiência médica, tratando milhares de obesos, nunca vi coisa igual: alguns de meus pacientes perderam 22 quilos em três meses apenas com remédios, sem dieta ou exercícios', diz o endocrinologista americano Benjamin Krentzman, que clinica na Califórnia, o Estado americano onde todo mundo quer parecer filho de Jane Fonda com Arnold Schwarzenegger. 'Esta é a década do ataque final à obesidade crônica', completa Krentzman, um entusiasta das novas drogas, várias delas já receitadas no Brasil. Elas são uma esperança real para os gordos derrotados pelas dietas mais exóticas e malhação de pára-quedista. Até bem pouco tempo atrás, a maioria das drogas para combater a obesidade era feita à base de substâncias hipnóticas e anfetaminas, que podem provocar alucinações e viciar os pacientes. Com o surgimento do Redux, do Isomeride e assemelhados, a saída química tornou-se mais aceitável para os gordos crônicos. Nos Estados Unidos, a obesidade é um problema de saúde pública. Apesar de comerem 40% menos calorias que nos anos 80, e apesar de 50 milhões deles freqüentarem academias de ginástica, os americanos estão mais gordos. Na década passada, um em cada quatro americanos era obeso. A relação hoje é de um em cada três. No Brasil, o número é quase o mesmo. O que se julgava apenas um distúrbio do comportamento - comer muito e exercitar-se pouco - passou a ser visto como uma disfunção biológica. Ou seja, o emagrecimento agora deve ser orientado e acompanhado por profissionais da medicina, e não pelos conselhos de atrizes de televisão e seus gurus psicoquímicos. 'Chegou a hora de tirarmos a questão da obesidade das mãos das publicações populares com suas dietas milagrosas, dos curandeiros e seus chás exóticos, e devolvê-la aos consultórios médicos', diz C. Everett Koop, o respeitadíssimo médico americano que foi ministro da Saúde no governo Reagan e hoje dirige a Shape Up America (Entre em Forma América). Koop alerta que a obesidade está intimamente relacionada com as mortes por ataque cardíaco, diabete e hipertensão, além de ser um agravante nos casos de artrite e uma das causas do câncer de colo e da próstata, em homens, e do câncer cervical, em mulheres. 'Pela primeira vez, temos drogas eficazes para tratar os casos mais graves, e é preciso agir', diz Koop. Preguiça - A conversão do ex-ministro da Saúde, antes contrário às drogas emagrecedoras, é resultado de um exame sério das estatísticas. 'Só dietas e exercícios não conseguem fazer um gordo emagrecer e manter-se magro', diz Koop. As notícias do sucesso do ataque químico à gordura vêm acompanhadas de descobertas sobre a origem genética da obesidade e dos labirintos fisiológicos que perpetuam a gordura no corpo. 'Por um mecanismo ancestral de sobrevivência, um ou vários genes mandam o corpo armazenar gordura mesmo quando não há escassez de comida', explica o endocrinologista paulista Geraldo Medeiros, um dos mais atualizados médicos brasileiros. 'A desativação desse gene já foi tentada com sucesso em cobaias e a primeira experiência humana é esperada para daqui a alguns anos.' Pela primeira vez se reconhece amplamente, graças às pesquisas, que as pessoas obesas são derrotadas pelas dietas e abandonam logo a malhação, não por falta de força de vontade, mas por uma poderosa imposição genética. É uma libertação: os gordos não são mais vistos como depósitos humanos onde a gordura se acumula por preguiça ou gula. Gordura não é pecado. É doença, e como tal deve ser tratada. Descobriu-se não apenas quais são as substâncias químicas responsáveis pela ligação entre a cabeça e a barriga, mas também como quebrar essa cadeia. Pacientes que tomam, por exemplo, comprimidos de fenproporex e dexfenfluramina, princípio ativo do Redux americano e do brasileiro Isomeride, satisfazem-se com apenas um terço da quantidade de comida a que estão acostumados. 'Quando o paciente obeso se dá por satisfeito, e recusa a batata, o pão com manteiga ou um pedaço de bolo, é sinal de que o remédio está agindo', diz Xavier Pi-Sunyer, diretor do Centro de Pesquisa da Obesidade do Hospital St. Luke’s Roosevelt, em Nova York. O que Pi-Sunyer descreve é um fenômeno impressionante: auxiliado por um composto químico sintético, o organismo de um gordo passa a se comportar como o de uma pessoa magra. A ajuda extra da farmacologia não é a derrota total da gordura. Tratar com remédios a obesidade patológica e, em alguns casos, o desconforto estético de uns quilos a mais tem conseqüências que é preciso enfrentar. Remédio é remédio. Funciona, mas tem efeitos colaterais. Funciona, mas não igualmente para todo mundo. Funciona, mas não pode ser tomado - em hipótese alguma - sem supervisão médica enquanto durar o tratamento. 'Não existe mágica na terapia com remédios, seja o Redux ou outro qualquer', diz Medeiros. 'O que existe são resultados positivos, obtidos num prazo curto, quando comparado a outras abordagens.' Cérebro inundado - o Redux, primeiro medicamento contra a obesidade aprovado pelo FDA, a agência que controla a indústria farmacêutica nos Estados Unidos, está gerando uma onda de esperança sem precedentes. Um pouco se deve ao fato de ter conseguido vencer as barreiras do FDA. O princípio ativo do Redux, a dexfenfluramina, já vinha sendo receitado por endocrinologistas no Brasil havia alguns anos. Na fórmula do Redux, porém, a dexfenfluramina aparece sem alguns efeitos indesejáveis de formulações mais antigas. Além disso, o remédio foi acondicionado em cápsulas que dão aos médicos segurança muito maior no que diz respeito ao grau e ao tempo de absorção da substância ativa no corpo. O Redux é da família dos serotoninérgicos. Isso significa que ele inunda o cérebro do paciente de serotonina, substância química que é naturalmente produzida pelo organismo em situações prazerosas, entre elas a de estômago cheio (veja ilustração na pág. 72). Ou seja, quem toma Redux está enganando o estômago. Basta um pouco de comida e o cérebro, já submerso na serotonina vinda do remédio, avisa ao estômago que não precisa mais comer, pois o organismo está satisfeito. 'Apenas mudamos os personagens no jogo da enganação: antes o gordo enganava a si próprio correndo à geladeira de madrugada para satisfazer o chamado do cérebro por serotonina, e agora estamos enganando o estômago, informando-o quimicamente de que não precisamos mais de comida', diz o médico Benjamin Krentzman, que experimenta em si mesmo as terapias químicas que receita a seus pacientes. Krentzman mantém uma página na Internet (http://www.loop.com/~bkrentzman/ index.html), que se tornou uma fonte de informações sobre o uso do Redux e de outras drogas emagrecedoras. Médicos de todo o mundo mandam suas experiências para Krentzman, que as exibe na Internet. Pela página de Krentzman pode-se saber que as autoridades de dezenas de países estão preocupadas com a possibilidade de o Redux se tornar um remédio popular - ou seja, passar a ser tomado sem receita médica, por indicação de amigos. Não é difícil isso ocorrer. Consumidores brasileiros têm importado caixas de sessenta comprimidos de Redux por 150 dólares a unidade, num ritmo frenético. A popularização dessas promessas químicas pela automedicação seria um desastre, alertam os médicos. 'O pior mal que alguém pode se fazer é tomar essas drogas sem acompanhamento médico', diz o endocrinologista paulista Alfredo Halpern. Risco - Existe uma enorme zona de sombra a respeito do Redux e suas drogas coirmãs, aquelas que mexem com o equilíbrio da serotonina no cérebro. Para início de conversa, há uma séria dúvida entre os médicos americanos se a dose recomendada pelo próprio fabricante, o laboratório Wyeth-Ayerst, não é exagerada. Krentzman adianta que, com um terço da dose diária recomendada, ele vem obtendo resultados positivos já nas primeiras semanas de tratamento. Ele sugere que as doses de manutenção podem ser ainda mais reduzidas. A dexfenfluramina muda radicalmente o metabolismo do corpo e age diretamente sobre o cérebro. Ao liberar a dexfenfluramina, as autoridades de saúde americanas adiantaram que o remédio só deve ser receitado para pessoas obesas em quem a gordura seja um fator de risco para a saúde ainda maior do que o embutido na droga emagrecedora. O FDA considera gorda, para efeito de tratamento com Redux, a pessoa que tenha índice de massa corporal, ou IMC, maior ou igual a 30. Esse índice é o mais novo e adequado indicador médico de gordura de aceitação universal (veja ilustração acima) Tem-se o IMC dividindo o peso em quilos pela altura em metros elevada ao quadrado. Quem, por exemplo, mede 1,62 metro e pesa 80 quilos tem IMC de 30 e, portanto, pelo rigor das recomendações americanas já se poderia habilitar a tomar Redux ou outra droga emagrecedora. Nessas pessoas, os quilos a mais representam um risco maior para a saúde do que os comprimidos para emagrecer. Segundo cálculo do pesquisador Landis Lum, professor da escola de medicina da Universidade do Havaí - Estado americano onde a gordura é quase epidêmica -, o Redux pode salvar vidas de pessoas obesas. Acompanhe o raciocínio do doutor Lum: 'Pelo que se sabe dos efeitos letais da droga, ela pode matar até quarenta pacientes em cada milhão. Ora, em pessoas de índice de massa corporal na casa dos 30, a diabete, os derrames e ataques cardíacos provocados pelo excesso de peso matam mais - 280 em cada milhão de pessoas. Pode-se afirmar, portanto, que o Redux salva 240 vidas por milhão'. Ótimo. Mas no caso do Redux, mesmo os efeitos colaterais brandos são bastante incômodos: diarréia, boca seca, sonolência e sonhos agitadíssimos. José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, vice-presidente da Rede Globo, tomou o Redux, reconhece que o remédio fez com que emagrecesse de maneira significativa, mas não agüentou o tranco. 'É insuportável ficar com a boca seca o tempo todo', conta Boni, que também ficou com sua vida onírica de cabeça para baixo. 'Alguns sonhos eram tão vivos que eu acordava rindo.' O Redux também pode provocar uma rara e progressiva hipertensão pulmonar, ou PPH, letal na maioria dos casos. Na média, a PPH ataca dezoito pacientes que tomam Redux em cada grupo de 1 milhão. Alguns estudos, ainda dependendo de confirmação, indicam que esse número pode chegar a quarenta mortes por milhão. A estatística pode parecer sinistra, mas é um número menor do que o de mortes associadas a uma simples aspirina, e substancialmente menor do que o risco de tomar pílulas anticoncepcionais ou penicilina. Ao menor sinal de inchaços nas extremidades dos dedos, desmaios, falta de ar, dores no peito, o paciente deve parar de tomar imediatamente o remédio e procurar ajuda médica. Os sintomas acima são os que precedem as crises fatais de PPH. 'Para evitar um desastre desses, o médico precisa examinar com muito cuidado seus pacientes. Quem tem problemas de psicose maníaco-depressiva, insuficiência renal ou hepática não pode tomar dexfenfluramina', avisa o médico Geraldo Medeiros. Meta realista - Como regra geral, os médicos estão receitando Redux para pessoas cujo IMC seja maior ou igual a 27. Por tal critério, um homem com 1,83 metro de altura e 90 quilos de peso já se habilitaria a receber tratamento químico. Uma mulher de 1,65 metro de altura e 74 quilos de peso também poderia considerar o tratamento com remédios. 'Não vejo por que não usar Redux em doses mínimas nos casos estéticos', diz Krentzman. São poucos os médicos que assumem publicamente essa atitude. A maioria prefere tratar a dexfenfluramina e as outras drogas como potencialmente perigosas, embora aceitem a idéia de receitá-las em casos cosméticos, desde que o paciente esteja com boa saúde. Em cobaias de laboratório, a dexfenfluramina provocou distúrbios e degenerações cerebrais. Até hoje nenhum caso desse perigoso efeito colateral no cérebro foi registrado em seres humanos. Um estudo de acompanhamento dos efeitos do Redux, feito durante um ano inteiro na Europa com 10 milhões de pacientes em regime de redução de peso, não apontou um único caso de ataque ao cérebro ocasionado pela droga. A tendência dos remédios para emagrecer é se tornarem, com o tempo, menos arriscados. Os médicos passarão a entender melhor seu funcionamento e é de se esperar que surjam novas versões menos agressivas e mais adequadas ao uso diário e prolongado. Por enquanto, a dexfenfluramina só deve ser utilizada para dar um impulso psicológico inicial ao paciente que decide tratar sua obesidade. Mesmo porque os estudos mostram que, num prazo entre cinco meses e um ano, o remédio perde o efeito. As terapias de manutenção são feitas, então, com outras drogas, como o fenproporex, que também age sobre o sistema nervoso central. O fenproporex libera adrenalina entre os neurônios, inibindo o apetite selvagem. Um trabalho seminal do geneticista canadense Claude Bouchard, da Universidade de Laval, no Quebec, mostrou a relação direta entre alguns genes e a ocorrência da obesidade, da diabete e dos distúrbios da tireóide (veja ilustração acima). Um desses genes ajudaria a explicar por que comendo menos calorias, exercitando-se mais e fazendo toda sorte de dietas, o número de indivíduos gordos só aumenta. Os seres humanos estariam se tornando a cada geração indivíduos metabolicamente mais eficientes - ou seja, capazes de realizar mais trabalho físico com uma quantidade menor de calorias. 'A humanidade está se aprimorando geneticamente numa direção um tanto estranha. Estamos nos tornando grandes estocadores de gordura. A obesidade está dobrando a cada cinco anos no mundo. Nós temos uma epidemia pela frente, uma maré gigante de problemas para a saúde pública dos países ocidentais', diz Philip James, especialista escocês, autor de um estudo mundial sobre a questão da gordura em nações industrializadas. 'Ainda estamos distantes de uma vitória completa contra a obesidade. Por uns bons anos ainda será quase impossível transformar uma pessoa gorda num indivíduo definitivamente magro', reconhece o pesquisador nova-iorquino Pi-Sunyer. 'Mas o ataque coordenado à gordura com drogas, exercício e dieta de baixas calorias é a terapia mais potente de que dispomos.' Pi-Sunyer acha racional esperar que um gordo sadio possa conseguir facilmente, combinando as três armas acima, perder 10% do peso corporal no primeiro ano de tratamento e mais 10% no ano seguinte. Daí para a frente manter-se nesse patamar pelo resto da vida será uma meta mais realista. Para quem dispunha apenas de falsas esperanças, o avanço é enorme. O peso de perder peso As novas drogas para emagrecer são uma esperança a mais para os gordos decepcionados com os resultados das dietas e dos exercícios. O tratamento químico, porém, tem limitações APENAS EXERCÍCIO É dureza queimar calorias com exercício físico. Apenas o que se acumula com o café da manhã normal (pão com manteiga, leite integral, café com açúcar, cereais e suco de frutas) durante uma semana, equivale a 2 500 calorias. Para suar 2 500 calorias é preciso correr 5 quilômetros diadiamente, seis vezes por semana, ou então nadar meia hora todos os dias. Ou jogar tênis durante uma hora, seis dias por semana. Para queimar o mesmo número de calorias andando, é preciso caminhar 7 quilômetros por dia, também seis dias por semana. Um estudo do NIH, o reputado instituto americano de saúde, mostra que mesmo os gordos mais obstinados emagrecem apenas de 2 a 3,5 quilos ao final de um ano de malhação rigorosa. Depois de três anos se esfalfando, 94% dos gordos desistem de se exercitar e voltam a ganhar peso. APENAS DIETA Quase ninguém consegue perder e manter o peso apenas comendo menos. Um estudo sobre a flutuação do peso corporal, feito por médicos dos Estados Unidos e da Suécia, acompanhou 3 000 mulheres americanas voluntárias durante 32 anos, na cidade de Framingham. Depois de um ano de dieta, nove em cada dez mulheres haviam perdido apenas um terço da gordura corporal da qual esperavam livrar-se. Ao final de cinco anos, todas as mulheres estavam gordas novamente. O estudo mostrou que, na média, 85% das mulheres e homens gordos que emagrecem com dietas voltam ao peso original dois anos depois de te vencido parcialmente a obesidade DIETA + EXERCÍCIO A combinação é eficientíssima, mas poucos gordos conseguem mantê-la por muito tempo. Um estudo da Associação Americana de Cardiologia mostra que os primeiros 5 quilos que as pessoas obesas perdem com regime e exercício são os mais saudáveis. Os índices de colesterol diminuem, o coração trabalha com carga menor, a oxigenação dos tecidos aumenta. Mas poucos mantêm as conquistas. Segundo um estudo da NIH, apenas 10% dos obesos que se exercitam e fazem dieta conseguem permanecer 5 quilos abaixo do peso original por mais de três anos. REMÉDIO O mais extenso e prolongado estudo sobre os efeitos da dexfenfluramina, o princípio ativo o Redux, acompanhou 900 pacientes durante um ano, nos Estados Unidos. No final da experiência, feita pelo laboratório Wyeth-Ayerst, cerca de 350 dos pacientes haviam perdido 5% de peso, por volta de 370 deles perderam 10% e quase 180 estavam 15% mais magros. O Redux e outras drogas perdem a eficiência entre cinco meses e um ano de uso continuado. Os médicos acreditam que o estímulo da vitória inicial contra a obesidade proporcionada pelos remédios é vital para o controle da obesidade, mas não conseguem avaliar seu efeito a longo prazo. DIETA + REMÉDIO + EXERCÍCIO A combinação ideal. As drogas animam o obeso a exercitar-se porque reduzem rapidamente sua massa corporal. A dexfenfluramina torna as dietas mais suportáveis. Não existem, ainda, estudos de longo prazo sobre essa combinação. |
21 de dezembro de 1994
A chave para ganhar
a guerra do peso
fim de ano, os médicos ensinam os
truques que garantem um corpo magro
para sempre. Atenção: não é preciso
morrer de fome no spa nem apelar
para dietas mirabolantes e
arriscadas
A obesidade cresce, e a indústria do emagrecimento se multiplica, sobretudo no país onde mais se come em todo o mundo, os Estados Unidos. Os americanos gastam 33 bilhões de dólares por ano em dietas de emagrecimento. O que eles torram para não comer é um terço de tudo o que o Brasil desembolsa para comer. A previsão de gastos para 1996, conforme o Obesity and Health, um centro americano de estudos da obesidade, é de 48 bilhões de dólares, mais que o PIB do Chile. As americanas obesas somam 35% das mulheres, e os obesos, 31% dos homens. E não é por falta de combate que há tanta gente redonda no mundo de hoje: 70% das pessoas com livre acesso à comida tentaram, tentam ou tentarão perder peso.
Fraqueza de vontade, olhos maiores do que o estômago e preguiça são algumas das acusações lançadas contra os gordinhos e as gordinhas, permanentemente siderados pelo perfil longilíneo de modelos como Kate Moss ou Cindy Crawford. Como conquistar aquela cinturinha é que são elas. De tempo em tempo, os cientistas inventam um vilão e surgem regimes "revolucionários". Foram mais de 500 dietas diferentes nos últimos cinqüenta anos. Apareceram e desapareceram com a mesma rapidez com que seus seguidores perderam e voltaram a ganhar peso, no famoso "efeito sanfona". É um terrível engorda, emagrece, engorda, emagrece... Relatórios americanos mostram que, em média, as pessoas que fazem regimes recuperam dois terços do peso perdido em um ano e quase tudo em cinco.
Os eternos rechonchudos não se convencem. Continuam a acreditar que, da noite para o dia, vai surgir alguém ou alguma coisa que os fará dormir gordos e acordar magros. Primeiro, cismou-se de jogar a culpa toda nos carboidratos. Todo mundo se lembra daquela fase terrível. Adeus pãezinhos, sorvetes, doces, refrigerantes, espaguetes e nhoques. Em 1976, um médico americano que se tornaria famoso, Robert Atkins, lançou o seguinte grito de guerra ao peso: o certo seria combater a gordura com gordura. Quem só comesse picanha, torresmo, hambúrguer e outras coisas gordurentas poderia emagrecer até 10 quilos por mês. Funcionava mesmo. Na ausência de carboidratos, o organismo produz compostos químicos chamados cetonas, que tiram o apetite. O doutor Atkins faturou alto vendendo manuais de auto-ajuda. O único problema é que não havia artéria que resistisse. Os níveis de colesterol aumentavam drasticamente e os riscos de um problema cardiovascular se tornavam dramáticos.
Abaixo o antigo regime! Numa virada sensacional, quase duas décadas depois, Atkins foi para o espaço e a gordura se tornou o inimigo público número 1. O candidato a manequim aprendeu então que deveria limitar-se aos carboidratos - pães, massas e até açúcar! Kelly Brownell, diretor do Centro de Alimentação e Distúrbios de Peso da Universidade Yale, chegou a sugerir que as gorduras, chamadas cientificamente de lipídios, mereceriam o mesmo tratamento dispensado nos Estados Unidos ao cigarro. "Elas deveriam ser taxadas pesadamente e transformadas em artigos socialmente inaceitáveis." Até que resolveria, ao menos para reduzir a obesidade. Um pequenino problema, contudo, atrapalharia a performance do novo regime. As gorduras são essenciais ao metabolismo das vitaminas A, D, E e K. "Elas só são absorvidas pelo organismo se estiverem na presença de gordura", alerta a nutricionista paulista Anna Beatriz Guimarães Oliva. Ou seja, gorduras com moderação ajudam. Não esqueça de pôr moderação nisso. O maior vilão do peso e da saúde não é o açúcar do café nem a macarronada da cantina. É mesmo a gordura que todos gostam de pôr no prato na forma de batata frita, de carne vermelha, de manteiga, de creme de leite e outras atrações.
Entre as duas dietas que iam aos extremos, proibindo numa hora os carboidratos e na outra as gorduras, tentaram-se soluções ensandecidas - que também funcionavam a curto prazo, diga-se. Afinal, perde-se peso com qualquer dieta, por mais louca que seja. O problema é manter o peso baixo e evitar problemas de saúde durante a tentativa. Quem não se lembra da famosíssima dieta de Beverly Hills? Era um primor de sectarismo alimentar. Só se podia comer frutas - seis semanas à base de muito abacaxi e morango, principalmente. Dava certo, porque essas frutas possuem propriedades especiais que ativam as enzimas responsáveis pela digestão. Um pequenino problema, contudo, acontecia. Paupérrima em potássio e cálcio, essa dieta condenava os gorduchos a câimbras recorrentes e a bocas cheias de aftas. E, cá entre nós, não dá para passar o resto da vida comendo abacaxi, certo? Também houve a dieta do amor, chamada de "Vem cá, meu bem, vamos emagrecer?", criada no início da década de 80 pelo americano Richard Smith. No livro Como Emagrecer Fazendo Sexo, Smith propunha: duas horas de sexo entusiasmado queimam um suflê de chocolate, ou um leitão à pururuca, ou um supersundae. Um orgasmo, garantia o autor, consumiria 160 calorias em dezenove segundos. Corria-se o risco de uma bela congestão, é verdade.
Por que as pessoas engordam?
Depois de tantas idas e vindas, os médicos agora preferem soluções menos mirabolantes. O importante é aprender como comer e escapar da propaganda enganosa. Quem já não se viu diante da prateleira de um supermercado escolhendo produtos com baixo teor de gordura como se isso bastasse para emagrecer? Muitas pessoas evitam comidas que sejam carregadas de gordura na fórmula e mesmo assim não param de ver a barriga aumentando. Infelizmente, a maioria não tem idéia do que está comprando na prateleira do supermercado. Uma pesquisa feita pelo Laboratório Central de Saúde Pública Noel Nutels, do Rio de Janeiro, analisou sessenta produtos ditos dietéticos vendidos no mercado nacional e encontrou informações enganosas ou deficientes em quarenta deles. Do jeito que estão, as embalagens contêm informações que mais confundem o consumidor do que o esclarecem. Seria um problema fácil de resolver - bastaria exigir dos fabricantes mais precisão nos rótulos. Acontece que, em alguns casos, nem mesmo os próprios cientistas conseguem chegar a um acordo sobre os benefícios ou malefícios causados pelos alimentos. A margarina é um exemplo. Primeiro, ela foi incensada como um substituto mais saudável da manteiga - não entupiria as artérias como o derivado do leite. Agora, estudos recentes, divulgados na edição de 5 de dezembro da revista americana Newsweek, puseram essa teoria abaixo. A margarina contém - sim - substâncias que podem obstruir os vasos sanguíneos tão eficientemente quanto a manteiga.
Em meio às dúvidas, uma definição existe: o correto para emagrecer com saúde, acreditam hoje os especialistas, é comer de tudo. Quer vatapá? Pode. Feijoada? Pode. Um delicioso tender natalino? Pode. Pode tudo, desde que exista autocontrole. O endocrinologista Alfred Halpern, professor da USP, por exemplo, abomina a palavra "regime". "O termo é sinônimo de prisão, cerceamento de liberdade e pressupõe que seja temporário", diz ele. E dieta é para sempre. Só acaba no dia da morte, faz coro o endocrinologista Bernardo Wajchenberg, professor da Universidade de São Paulo. Calma! Um pouco mais adiante virão algumas dicas valiosas sobre como se controlar. Por enquanto, vamos desmascarar os agentes da obesidade. Atenção, eles não são nada secretos.
Quando alguém se delicia com um sorvete de creme, ingere gordura, carboidratos e proteínas. As proteínas são típicos agentes do bem - não engordam e são essenciais à vida. O drama está nas gorduras e nos carboidratos. No caso do sorvete, a gordura vem do leite e os carboidratos, do açúcar. Ao serem digeridas, as moléculas de gordura e carboidrato são quebradas, liberando energia - as famosas e assustadoras calorias. Repetido à exaustão, o conceito de caloria foi extraído da física. No sentido estrito, designa a quantidade de calor que, aplicada a 1 grama de água, eleva sua temperatura em 1 grau centígrado. Para os gordos ou candidatos a, o termo tornou-se sinônimo de catástrofe, apesar de essa energia ser essencial para sustentar os processos vitais. O problema é que na maioria das vezes se ingere mais comida do que o necessário. O excedente fica guardado sob a forma de gordura. Aí, é um deus-nos-acuda - pneus, culotes e barrigas saltando para todos os lados.
A obesidade é também genética?
Em seu simbolismo, é quase uma fábula. Mas a história real de uma tribo indígena americana, os pimas, narra como a tendência à obesidade, de virtude genética, se tornou uma danação. Até que os homens brancos chegassem, os pimas, que vivem no Estado do Arizona, eram todos magros. Para comer tinham de caçar. Muito esforço físico, portanto. Nas entressafras, não havia geladeira, é claro, e eles passavam fome. Morreriam todos se a natureza não tivesse dotado alguns indivíduos de um mecanismo para poupar energia, dizem os pesquisadores Peter Bennet e Eric Ravussin, do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, autores da pesquisa que é hoje citada por todos os endocrinologistas que lidam com gordotas.
A velha seleção natural de Darwin funcionando, é claro que os pimas capazes de acumular mais energia foram os que sobreviveram e se multiplicaram. A chegada do homem branco, contudo, transformou a vida desses índios. A comida tornou-se abundante. Sem precisar correr atrás da caça, sem passar longos períodos de fome, a antiga capacidade de poupar energia transformou-se em tecido adiposo. Hoje, a obesidade entre os pimas é epidêmica - 75% são obesos e 50% sofrem de diabetes. Ter o gene da obesidade é um fator de proteção contra catástrofes, guerras e fome, é certo. Mas é também prejuízo garantido em tempos de abastecimento normal de alimentos. Facilidades como o disk pizza ou a lanchonete na porta de casa fazem com que se coma mais freqüentemente e em maior quantidade, disparando os mecanismos genéticos de acúmulo de gordura. "Avalio que 45% dos obesos que chegam ao meu consultório possuem características genéticas que os predispõem à obesidade", afirma o endocrinologista Geraldo Medeiros, do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Qual o tipo de alimento que mais engorda?
Os regimes que pregam a abstenção drástica de gorduras se baseiam no fato de essas substâncias serem facilmente transformadas em tecido adiposo. Quando a pessoa come carboidrato - batatas por exemplo -, 25% das calorias ingeridas nessa refeição serão queimadas pelo organismo apenas no processamento do alimento. Com as gorduras, o trabalho é bem menor. Gasta-se apenas 3% do seu valor calórico no metabolismo. Um exemplo: comendo-se 200 gramas de manteiga, perdem-se só 10 gramas no processamento metabólico. Outros 190 gramas ficam guardados em forma de gordura. Conclusão: grama por grama, gorduras engordam muito mais do que carboidratos. Outro problema: gorduras enganam. "Quando se come gordura, a sensação que se tem ao cruzar os talheres sobre o prato é de saciedade, mas dura pouco", diz o endocrinologista paulista Bernardo Wajchenberg. É assim porque o esforço que o organismo faz para digerir lipídios é muito menor. Quando se come gordura vai-se ter fome muito mais rapidamente do que quando se come carboidrato.
Como já se disse, gordura é ruim, mas nem tanto se ingerida com parcimônia, e isso é o que falta. Os americanos ingerem uma média monstruosa de gorduras por dia - 46% do total calórico de sua alimentação vem sob a forma de lipídios. Já os japoneses, povo naturalmente esbelto, consomem apenas 28% de seu total calórico sob essa forma. Essa é a média que se preconiza hoje em dia como a ideal. Ou seja, se o consumo for de 1.800 calorias por dia - a média do brasileiro -, 500 devem vir da gordura. Isso significa 60 gramas de gordura diárias, ou catorze colheres de chá rasas.
Os lipídios que fazem a humanidade inchar são consumidos sobretudo sob a forma de carne. Esse é um ponto que vale a pena deixar bem claro. Não há necessidade de comer carne todo dia. Três bifes por semana bastam. Wajchenberg faz um alerta: "Quanto mais vermelha e macia for a carne, mais rica em gordura ela é". Nas outras refeições, os bifes podem ser substituídos pelas leguminosas - o feijão, a ervilha ou a lentilha. Evitar excessos não significa eliminar. A carne tem grandes virtudes. Ela é excelente para a absorção de proteínas. Atenção, porém, para o preparo dela. Num hambúrguer, por exemplo, encontram-se apenas as chamadas gorduras saturadas, que aumentam o risco de doenças cardiovasculares e de câncer de mama, no caso das mulheres.
Para quem quer emagrecer, mais grave ainda é que hambúrguer é sinônimo de fast food. Vem acompanhado de batatas fritas, milk-shake e refrigerantes, verdadeiras bombas calóricas. O hábito já está tão arraigado que mais de 200 franquias de fast food são abertas a cada ano no Brasil. Num só lanchinho desses, consomem-se até 1.050 calorias. É dose para lutador de sumô, concorde-se. Para queimar tanta energia, seriam necessários 54 minutos de corrida, 94 de natação, 128 de exercícios na bicicleta ergométrica ou 202 de caminhadas. Só um atleta ou um cortador de cana conseguem continuar esbeltos em regime diário de lanchonete. Os nutricionistas são unânimes em dizer que o mínimo que alguém pode fazer em prol de uma silhueta mais agradável é exatamente cortar o fast food da dieta. Outras providências que ajudam: evitar o açúcar refinado e as frituras. "Não conheço um obeso que não tenha perdido peso com essa receita mínima", afirma Geraldo Medeiros. Segundo os especialistas, já está provado que as dietas ricas em carboidrato são as melhores. O macarrão, o arroz, o feijão e a batata foram redimidos. Não vale o macarrão com molho à bolonhesa, creme de leite ou bacon, ricos em gordura. Vale, sim, o ao sugo. O tradicional arroz com feijão, tudo bem. Tudo mal com o arroz que brilha de óleo e o feijão incrementado com paio. Batata cozida ou assada é bom. Frita, uma catástrofe. O que não pode de jeito nenhum são doces, chocolates ou bolos - riquíssimos em gordura. É melhor comer compotas ou tomar sorvetes de fruta.
Qual é a fórmula ideal para emagrecer?
Respondem os endocrinologistas mais atualizados que o correto é pensar na dieta como um todo e mudar o comportamento alimentar. "Há sempre uma forma pela qual, dentro do padrão de vida e dos hábitos de cada um, se possa encontrar uma maneira de viver bem, comer relativamente de tudo e perder peso", escreve o doutor Alfredo Halpern em seu livro Entenda a Obesidade. E Emagreça, lançado na terça-feira passada. Não adianta impor restrições severas ao executivo que vive a fechar negócios sobre a mesa de um restaurante. Não resolve nada proibir de comer doces um desvairado por açúcares. "Ele até pode emagrecer se for prescrito um regime sem açúcar, mas juro que assim que comer um doce de novo retomará o vício e devorará caixas e caixas de chocolate, voltando a engordar", ameaça Halpern.
De todas as dietas já prescritas, a mais festejada é também a mais antiga. Data dos tempos da velha Grécia, dos fenícios, dos romanos, para citar alguns dos povos que a praticaram. É a dieta do Mediterrâneo. Muito pão, vegetais, peixes, cereais, frutas, nozes, azeite de oliva e três copos diários de vinho tinto integram a lista de ingredientes. Carnes vermelhas, manteiga e creme de leite, alimentos fartos em gorduras, devem ser consumidos com moderação de faquir. O bem maior da dieta do Mediterrâneo vai para além da estética. Está cientificamente provado que ela serve de barreira aos problemas do coração. Nos anos 50, o epidemiologista americano Ancel Keys produziu o estudo Sete Países, uma investigação sobre os hábitos alimentares e a saúde de cerca de 13.000 pessoas na Grécia, Itália, Finlândia, Holanda, Iugoslávia, Japão e Estados Unidos. As maiores taxas de doenças coronarianas foram detectadas na Finlândia, onde se consumiam 40% do total calórico em forma de gordura. As mais baixas foram verificadas em Creta, cujo consumo de gordura era o mesmo. A diferença: os finlandeses ingeriam muita gordura animal e os habitantes de Creta comiam gordura vegetal. Em Creta, as pessoas umedecem o pão com azeite, cozinham legumes no azeite, até bebem azeite puro. Palmas para o óleo de oliva! Segundo a Organização Mundial de Saúde, no norte da França, de cada dez pessoas, cinco morrem do coração. Ao sul, a proporção cai para uma em cada dez. Os hábitos alimentares do sul assemelham-se aos da Grécia.
Quanto tempo é preciso para emagrecer?
Quem quer perder peso sempre tem pressa. A pessoa leva trinta anos para engordar e quer emagrecer em uma semana. Além de controle, é preciso paciência. O organismo não é burro. Os 25 bilhões de células de gordura espalhadas pelo corpo, depois de um regime, esvaziam-se. Mas continuam lá, como pequenos animais famintos. Basta uma caloria em excesso para que elas voltem a inchar. Células cheias, gorduras à mostra! O organismo tentará sempre readquirir os quilos perdidos e, quanto mais tempo se mantém o peso ideal, maiores as chances de domesticar aqueles minúsculos seres ávidos de comida. Portanto, escolha aquela segunda-feira em que você começará, de preferência depois de um Natal e um réveillon sem dieta, mas também sem os exageros que inevitavelmente se transformam em arrependimento. A partir da segunda-feira de largada, todos os dias serão segundas-feiras, até que o corpo se acostume a carregar murchas as células de gordura. Por quanto tempo? Tantos meses quanto os quilos perdidos. Tendo perdido 30 quilos, prepare-se para um controle rigoroso de peso por um mínimo de trinta meses.
Há saídas que se prometem milagrosas. Remédios, por exemplo. O Brasil é um dos recordistas mundiais no consumo de anfetaminas, as "bolinhas para emagrecer". Pesquisa da Escola Paulista de Medicina mostra que entre 1988 e 1992 seu consumo anual saltou de 8 para 23 toneladas. Todas elas fazem o candidato à magreza comer menos. Fazem-no, contudo, à custa de viciar o seu consumidor. Existem opções ainda mais radicais. Há gente que se submete a cirurgias gástricas para diminuir o tamanho do estômago e, assim, reduzir a capacidade de ingestão de comida. Nos Estados Unidos, 20.000 pessoas já foram submetidas ao regime da faca. Não é uma cirurgia complicada. Pedaços de estômago não são extraídos, e sim grampeados. Com isso, o órgão não suporta mais uma grande quantidade de alimento e, à força, a pessoa se acostuma a comer menos. Obtém-se uma perda de 25% a 35% em relação ao peso inicial. É um recurso para pessoas em situação extrema, aquelas que têm peso muito exagerado e problemas sérios de saúde em decorrência desse excesso.
Não dá para escapar da academia de ginástica?
Exercícios, dizem os especialistas, são bons sempre. Quinze minutos de bicicleta têm a capacidade de neutralizar uma panqueca com calda. Trinta e cinco minutos de caminhada, uma porção de camarões fritos. Quarenta minutos de natação, uma fatia de torta de uva passa. Mas as atividades físicas não precisam ser feitas em academias. No jogo de amarelinha das meninas ou no futebol de rua dos meninos, ou na caminhada do executivo até o escritório, calorias são queimadas. O importante é levar a ginástica aonde der. Para os que querem emagrecer, quanto mais melhor. O homem moderno vive num mundo que, gradativamente, vai suprimindo o movimento dos músculos. As portas da garagem hoje se abrem por controle remoto, da mesma forma que não é mais preciso levantar-se da poltrona para trocar o canal da televisão. A batedeira de bolo evita que a cozinheira gaste calorias agitando os músculos do braço. A enceradeira elétrica deixa o chão brilhando sem tirar nenhuma caloria da dona de casa.
O shopping center tem escadas rolantes. São operações em que se perde uma pequena quantidade de calorias, mas no fim do dia faz diferença. Então, é um bom truque andar um pouco até a loja do bairro em vez de ir de carro ou trocar o elevador pelas escadas. E a última coisa: é possível, sim, enganar o organismo com seus bilhões de células de gordura sedentas de comida. Quando se faz ginástica de manhã, o corpo humano, sem alimentos à disposição, entra em estado de alerta e ordena que os lipídios sejam queimados mais depressa. A armadilha dura por várias horas seguidas e, mesmo que se coma depois, as reações químicas continuam lá, consumindo calorias. Que venha então a ceia de Natal! •
O gene do apetite
Cientistas do Instituto Médico Howard Hughes, da Universidade Rockefeller, em Nova York, acabam de anunciar a descoberta de mais um gene relacionado à obesidade. A pesquisa foi realizada em ratos, mas genes semelhantes foram encontrados no tecido adiposo humano. Acreditam os cientistas que esse gene envia mensagens ao cérebro advertindo que o organismo armazenou gordura suficiente, sempre que a despensa biológica está repleta. É o gene que avisa: "Chega de comida". Está dado o sinal vermelho que põe fim à refeição. Quando esse gene, por qualquer motivo, comunica-se mal com o cérebro, a comilança não se interrompe. Com o tempo, os ratos com deficiências genéticas engordaram três vezes mais que o normal.
Coordenada pelo médico Jeffrey Friedman, a pesquisa comparou o DNA do rato com o DNA humano e identificou genes parecidos para o controle do apetite. Por enquanto, ainda não foi possível descobrir se nos homens essas alterações genéticas são tão comuns quanto nos ratos. Uma coisa é certa: a falta de um mensageiro genético para o apetite não explica todos os tipos de obesidade. Afinal, já foram isolados até agora cinco diferentes genes relacionados a quilos em excesso - sempre em ratos.
Ainda há muito que se investigar na relação entre genética e tecido adiposo. Os geneticistas não conseguem explicar, por exemplo, por que, a cada década, as pessoas ficam em média de 3 a 5 quilos mais gordas. Por enquanto, fica-se com a velha teoria, que provavelmente é a única correta: a humanidade está comendo cada vez mais e fazendo cada vez menos ginástica. Acontece que essa regra não vale para todos. Algumas pessoas comem muito, são sedentárias e têm corpo de manequim. É aí que entra a genética. "As pessoas podem se tranqüilizar porque obesidade não é sempre sinônimo de falta de caráter, resultado da preguiça ou falta de vontade", diz o médico americano Michael Hamilton, diretor do Centro de Dieta e Boa Forma da Universidade Duke.
http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_21121994.shtml
A galopante dietomania
Calorias não engordam, ginástica da Força Aérea Canadense, teste de Cooper, regime dos astronautas, internamentos em clínicas de endocrinologia - os gordos, crédula e vorazmente, experimentam de tudo para se livrar de seus quilos a mais. Mas nada disso adiantará, independente da eventual seriedade do método, enquanto o próprio paciente não se decidir realmente a emagrecer, respondem os dietistas, num raro exemplo de unanimidade na classe médica. Bonachões, os gordos concordam. Na verdade, há gordos e gordos a aceitarem e consumirem as fórmulas ensinadas pelos regimes. Existem os que necessitam de um tratamento, os obesos. Existem os que se encontram acima do peso - ligeira ou acentuadamente - e por isso se cuidam. E, finalmente, vem a classe dos que não têm problema de gordura, mas se incorporam aos fiéis das dietas por mera preocupação estética ou porque estão possuídos, apesar de magros, pelo medo de engordar.
Dietas radicais entram na moda e saem como os cortes de cabelo ou o comprimento das saias. Mas nunca se viu um esquema alimentar causar tanto furor quanto a dieta proposta pelo americano Robert Atkins. O que receita esse cardiologista americano de 69 anos, saudável e magro como um triatleta, contraria tudo o que gordinhos e gordinhas ouviram de seus médicos nos últimos anos. Esqueça os chás, as pílulas de ervas, a irritante contagem de calorias ou as refeições insatisfatórias à base de vegetais, peixes e carnes magras. O doutor Atkins está conquistando milhões de seguidores fervorosos nos Estados Unidos (e ao mesmo tempo colecionando inimigos poderosos na comunidade científica) advogando uma dieta com alta dose de comidas antes proibidas. Atkins sustenta que, para emagrecer rapidamente e continuar magros, os obesos podem comer gorduras e proteínas à vontade – carne vermelha, ovos e manteiga. Ao mesmo tempo, devem evitar a ingestão de carboidratos – ou seja, pães, farinha e macarrão. Açúcar, doces, chocolates, pudins, então, não podem nem passar perto da mesa.
Quem luta contra o excesso de peso há mais tempo deve lembrar-se da dieta de Atkins. Proposta pela primeira vez nos anos 70, foi um sucesso avassalador de público, mas sumiu rapidamente quando o medo do colesterol e de outras gorduras do sangue associadas a doenças cardíacas afastou muitas pessoas das comidas suculentas. Agora a pregação do doutor Atkins está sendo de novo ouvida com enorme interesse. "Quem evitou carnes e ovos e se submeteu a dietas à base de leite magro, aveia e verdurinhas foi vítima de um engodo. Ninguém disse a essas pessoas que uma dieta sem gorduras as obriga a comer carboidratos, justamente o ingrediente que as torna gordas", diz o doutor Atkins, no tom profético que todo proponente de dietas populares assume ao defender suas idéias. Atkins é o nome mais quente do momento em sua área de atuação. Além de quase 30.000 clientes tratados diretamente por ele e sua equipe na clínica de Nova York, Atkins está ajudando a criar uma verdadeira indústria da dieta de baixo consumo de carboidratos. Novos especialistas no assunto brotam todos os dias nos talk-shows da televisão americana e seu livro recente, Dr. Atkins New Diet Revolution (A Nova Dieta Revolucionária do Dr. Atkins), ainda sem tradução em português, já vendeu 6 milhões de exemplares.
Tamanho sucesso não poderia passar em branco na comunidade dos cientistas dedicados a ajudar as pessoas a emagrecer. Os médicos dessa especialidade formam uma patota mais apaixonada por uma discussão e uma boa briga que fãs de futebol. A polêmica gerada pela dieta do doutor Atkins atingiu o auge há algumas semanas, quando a questão foi parar na Casa Branca. E não foi na cozinha. Dan Glickmann, secretário de Agricultura do governo Bill Clinton, teve a idéia de promover um debate nacional sobre o tema em Washington depois de uma conversa, durante um jantar na sede do governo americano, com o maior opositor de Atkins, o também cardiologista californiano Dean Ornish, autor de cinco livros. Dois deles, A Dieta de Salvando o Seu Coração e Salvando o Seu Coração (Editora Relume-Dumará), já foram publicados no Brasil. Três obras suas ficaram meses na lista de best-sellers do New York Times. Guru do casal Clinton, de atores de Hollywood como Michael Douglas e Dustin Hoffman e de toda a geração milionária hi-tech-zen do Vale do Silício, Ornish é uma espécie de Mahatma Gandhi da medicina. Ele sustenta ter conseguido não apenas evitar doenças cardíacas mas reverter lesões coronarianas com orações, meditação e uma dieta riquíssima em frutas, grãos integrais e totalmente destituída de qualquer alimento de origem animal: nada de leite, carnes brancas nem peixes. Na dieta de Ornish todas as gorduras somadas não podem passar de 10% dos ingredientes ingeridos no decorrer de um dia.
O confronto dos opostos não podia deixar de ser memorável. Foi. Os dois já vinham trocando ofensas e acusações mútuas, e a desavença é tratada como "a guerra das dietas" na imprensa americana, mais dependente de um epíteto que os gordos de muita comida. O assunto foi capa da revista Time, ocupou páginas e mais páginas de matérias nas revistas semanais Newsweek e US News & World Report. Reunidos por Glickmann em Washington há dois meses, Atkins e Ornish deram um espetáculo. O confronto de teses tão opostas foi enriquecido por um punhado de médicos com propostas intermediárias – especialistas que aconselham apenas moderação à mesa e exercícios físicos, sem nenhum radicalismo. A parte mais esperada do debate foi a exposição de Atkins, que ocupou o palco do alto de sua popularidade atual na condição de candidato que lidera as pesquisas. Ele apresentou os resultados preliminares dos dois únicos estudos científicos feitos com seus seguidores. Sua explanação inicial foi um bom resumo de por que a dieta de baixos teores de carboidrato espocou no começo dos anos 70 e sumiu em seguida, para ressurgir agora com força total.
Atkins, em síntese, disse que sua dieta voltou à moda porque, apesar de ter aderido em massa às comidas com pouca gordura no final dos anos 70 e durante toda a década de 80, a população americana continuou ganhando peso e tendo complicações fatais por causa do entupimento das artérias do coração. Os números lhe dão razão. Mesmo com as prateleiras dos supermercados abarrotadas de produtos dietéticos, os Estados Unidos têm 55% da população acima do peso. E o ataque cardíaco figura como a principal causa de morte súbita não violenta do país. No fundo as pessoas estão se alimentando muito pior do que antes. O processo de engorda não está restrito aos Estados Unidos, embora seja um exagero naquele país. Quem já foi à Disney World percebe com clareza que se os americanos não viajassem para fora do país poderiam pensar que pesar 120 quilos é normal. É uma constante entre os moradores de países ocidentais desenvolvidos e daqueles em desenvolvimento que copiam o modo de vida americano. Na população brasileira, 40% encontram-se acima do peso. Desses, 11% são obesos, ou seja, gordos para quem carregar quilos a mais gera prejuízos à saúde. Com a proliferação dos produtos industrializados nos supermercados, a população está ingerindo mais alimentos processados, mais açúcar e mais calorias. Por quê? A resposta surgiu na reunião de Washington, realizada na sede do Ministério da Agricultura. Ela é simples. Na tentativa de tornar mais palatáveis seus produtos fabricados com pouca gordura, a indústria carregou no açúcar. Resultado: os americanos comem hoje 7% mais calorias do que há vinte anos. E como a indústria alimentícia americana influencia diretamente todo o mundo ocidental, milhões e milhões de pessoas passaram também a ingerir mais calorias do que as contidas na dieta de seus pais e avós.
Quando o debate esquentou, a precisão científica foi eclipsada pela retórica do convencimento:
Atkins – Minha dieta é a primeira com efeito de longo prazo. Ela é fácil de seguir. O paciente nunca se sente faminto. Você pode ir a restaurantes e pedir os pratos mais saborosos. Você come mais calorias e ainda assim perde peso.
Ornish – Quando ouço esse tipo de coisa tenho vontade de arrancar os últimos cabelos que me restam. Falar que bacon e salsicha fazem bem é um ótimo jeito de vender livros, mas é uma atitude irresponsável e coloca a saúde daqueles que seguem a dieta em risco.
Atkins – O baixo teor de gordura da dieta proposta por Ornish dificulta a absorção das vitaminas lipossolúveis A, D, E e K, além de provocar alterações hormonais.
Ornish – As dietas ricas em gorduras enchem os pacientes de substâncias que sabidamente provocam doenças e os privam de outras que também sabidamente as evitam.
Atkins – As alegações de que minha dieta provoca lesões nos rins e no fígado devem ser recusadas imediatamente, pois não passam de invenções. Os carboidratos, sim, estão na base de muitos males à saúde.
O debate promovido pelo ministro americano terminou sem que Atkins e Ornish conseguissem demover um ao outro de suas posições. Atkins levou dados segundo os quais 85% dos pacientes com problemas cardíacos que o procuraram – afinal ele é cardiologista – e seguiram sua dieta da forma que ele recomendou obtiveram melhoras dos sintomas. Ornish tinha dados ainda mais relevantes. De acordo com ele, 91% dos pacientes que cortaram o consumo de gordura radicalmente e passaram a meditar e a orar regularmente tiveram bloqueios coronarianos removidos. Ambos os estudos são vistos com ceticismo pelos melhores especialistas. São considerados radicais demais à luz do pouco que a ciência tem de certeza sobre como funciona o metabolismo humano. A própria existência de dois luminares como Dean Ornish e Robert Atkins defendendo posições tão antagônicas é uma prova de que se sabe muito pouco sobre o assunto. Afinal, gordura em excesso sem carboidrato emagrece e evita doenças, como propõe Atkins? Ou Dean Ornish é quem tem razão, e o ideal é evitar gorduras e buscar quase toda a energia de que se necessita em comidas à base de carboidrato? Bem, a medicina não consegue esconder suas dúvidas a respeito do tema. É uma indecisão que no campo da física equivaleria aos sábios estarem ainda debatendo se o Sol é mesmo o centro do sistema de planetas a que pertence a Terra.
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Coma menos açúcar – A quantidade de açúcar que a maioria das pessoas ingere atualmente é muito maior que a capacidade do fígado de metabolizá-la. A razão disso está na história evolutiva da linhagem humana. O fígado, assim como todos os outros órgãos, tomou sua forma final numa época em que o ser humano não havia ainda criado as técnicas de refinar o açúcar, que se tornou abundante e barato só por volta de 1900. O resultado disso é que temos um fígado perfeito para lidar com a dieta de 400.000 anos atrás, incomparavelmente mais pobre em açúcar que a atual. O doutor Atkins acha que o abuso do açúcar nos últimos 100 anos explica a maioria dos casos de obesidade e ataques cardíacos precoces que abreviam a vida de milhões de pessoas a cada ano.
Modere-se – Coma menos: diminua a quantidade dos alimentos que coloca no prato. Coma melhor: escolha sempre o pedaço de carne menos gorduroso. Evite farinhas, bolachas e biscoitos.
Exercite-se – Caminhar em passo acelerado durante uma hora, pelo menos três vezes por semana, ajuda o metabolismo corporal de modo eficaz. O exercício torna mais eficiente o trabalho da insulina no organismo. Isso é decisivo. Uma descoberta recente da ciência dá conta de que a capacidade de produção de insulina no organismo não pode ser estendida. As pessoas nascem com um estoque determinado da substância. Uma vez esgotada, só pode ser reposta artificialmente. É o que ocorre com os pacientes de tipos mais agressivos de diabete tardio. Nessas pessoas, o organismo simplesmente não consegue produzir mais insulina. Nos diabéticos juvenis, em geral, o que ocorre é que, mesmo o organismo produzindo a substância, as células corporais, por um defeito genético, não sabem como utilizá-la.
A favor de Robert Atkins diga-se que toda a ciência que embasa sua dieta tem a ver com o papel da insulina no organismo. Atkins sustenta, nesse ponto com toda a boa ciência do lado dele, que carboidratos são transformados em açúcar no sangue. Quem come um pão ou um prato de macarrão pode não saber mas está comendo, em última análise, açúcar. Também nenhum médico discorda do processo que se segue: o açúcar circulante sinaliza ao pâncreas para produzir insulina, justamente a substância que funciona como uma chave na superfície das células. Esse hormônio abre caminho para as moléculas de açúcar ultrapassarem a membrana celular para que possam ser utilizadas como combustível. Com insulina suficiente no sangue, o açúcar se transforma em energia, o que é vital para todos os seres vivos. Ocorre que, quando há excesso de açúcar circulante, o pâncreas inunda a corrente sanguínea de insulina e o sistema entra em pane. As células não conseguem entender os sinais da insulina para deixar o açúcar entrar. Resultado: o corpo é obrigado a estocar o açúcar excedente para uso futuro. O oganismo faz isso transformando o açúcar em gordura. Este é o ciclo que o doutor Atkins acredita poder quebrar com sua dieta hiperprotéica.
O modelo de Atkins sugere que é possível fazer essa geringonça biológica funcionar ao contrário. Ou seja, em vez de acumular gorduras, seu funcionamento as queimaria. Isso poderia ser conseguido porque sabidamente o pâncreas, na ausência de açúcar circulante, não precisa produzir insulina. Com pouco açúcar na corrente sanguínea, o pâncreas produziria pouca insulina, não sobrecarregaria as células e tudo funcionaria como um motor bem regulado. Melhor ainda: sem ter de onde tirar energia para funcionar, já que as gorduras e proteínas são combustíveis ineficientes, o organismo passa a queimar a gordura estocada de forma a compensar a deficiência. O resultado é um emagrecimento rápido, constante e, mantidas as mesmas condições, livre de recaídas. Robert Atkins sustenta que as recaídas são menos freqüentes entre os seguidores de sua dieta porque, comendo gordura à vontade, eles estão sempre saciados. Não existe aquela sensação constante entre os que fazem dieta de que se está perdendo uma das grandes dimensões da vida que é comer bem. Atkins argumenta também que sua dieta é a mais "natural", pois reproduziria as condições alimentares que acompanharam a humanidade por quase todo o período evolutivo – seguramente até o surgimento das sociedades industriais. "Os vegetarianos têm sugerido que a dieta humana natural é baseada em grãos, já que eles vêm sendo cultivados pelas civilizações há 5.000 anos na forma de trigo, arroz ou milho. Sim. Mas o que se comia nas centenas de milhares de anos que precederam a civilização dos grãos? O que faziam ao lado das fogueiras primitivas os ossos de animais encontrados pelos escavadores? E o que os homens primitivos faziam com aquelas lanças e outras armas de caça? Usavam-nas para abrir cartas?", pergunta Atkins com ironia.
Bom mesmo que ele se arme de ironias e muita disposição para a briga. O ressurgimento do interesse por sua dieta está reavivando na mesma intensidade as críticas que ajudaram a enterrá-la nos anos 70. "A dieta de Atkins remove as fibras da alimentação. Isso provoca constipação, desidratação e, conseqüentemente, fraqueza e náusea entre seus seguidores. Além de forçar demais os rins", diz Keith Ayoob, professora de nutrição na Albert Einstein College, de Nova York. Outros críticos sustentam que qualquer dieta restritiva funciona a curto prazo, quando o objetivo é apenas perder peso. Mas a que preço para o organismo? "As piores dietas são aquelas que reduzem ou privam um grupo inteiro de alimentos, sejam eles carboidratos, proteínas ou gorduras", afirma o brasileiro Alfredo Halpern, vice-presidente da Associação Internacional contra a Obesidade. "Em algum momento, o corpo irá precisar daquilo que lhe foi tirado." Sem contar o fato de que, em geral, elas são monótonas e difíceis de ser seguidas por muito tempo. O resultado é que, invariavelmente, os quilos acabam voltando com a mesma rapidez que foram perdidos. Um estudo realizado pelo governo americano analisou vários tipos de dietas comerciais e constatou que dois terços dos que se submeteram aos regimes voltaram à forma antiga no prazo de um ano. Num período de até cinco anos, 97% recuperaram a velha forma roliça. Isso significa que, independentemente da dieta que se escolha, é preciso saber que o sacrifício tem de ser feito continuamente. Caso contrário, os quilinhos indesejáveis vão voltar a incomodar e não haverá doutores Atkins ou Ornish que dêem jeito. 19/4/2000
http://veja.abril.com.br/190400/p_114.html
Comer e emagrecer
de baixos carboidratos atraem milhões de
seguidores apesar de ainda enfrentarem
a desconfiança da medicina tradicional
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Carboidratos? Sim. A ciência do emagrecimento voltou seus canhões para esses pequenos blocos de energia presentes no açúcar, nos pães, nos biscoitos, nas massas e, infelizmente, também em diversos vegetais, como a cenoura e os brócolis, e em muitas frutas. Sua presença excessiva no organismo desencadeia processos químicos que, em última análise, mandam o corpo humano estocar gordura. Em resumo, carboidrato demais engorda. Embora as idéias básicas sobre os efeitos dos carboidratos já tenham sido rascunhadas há muitos anos, só agora essa linha nada convencional de ataque à obesidade ganhou credibilidade em parte da comunidade médica. A nova onda pode ser medida pelo sucesso dos livros anunciando variações em torno da disciplina na ingestão de carboidratos. Pode ser avaliada também pela multidão de adeptos que está conquistando. São milhões em todo o mundo. VEJA ouviu mais de uma centena de personalidades nacionais incomodadas com os números que aparecem no visor da balança. Quase a metade delas aderiu a algum tipo de "dieta metabólica", como são chamados os regimes que, com a diminuição dos carboidratos, tentam intervir na maneira de o corpo funcionar.
DIETA DA RESTAURAÇÃO O que se pode comer: proteínas e gorduras. Carboidratos, só até as 6 da tarde. O que não se pode comer: carboidratos de alto índice glicêmico (pães, massas e doces) à noite. Prós: a perda de peso é rápida e não há grandes restrições calóricas. Aumenta a disposição. Contras: sem exercícios físicos, pode até engordar.
Cristiana Oliveira, atriz: veterana de 22 anos de dietas. Come pouco e passou a evitar o carboidrato noturno. Faz duas horas de ginástica por dia. >> Emerson Fittipaldi, empresário: evita carboidratos à noite. No café da manhã toma leite de arroz. Malha diariamente. Fause Haten, estilista: trocou o manequim 44 pelo 40. Evita refrigerantes, carnes vermelhas e não come carboidratos à noite. Lucélia Santos, atriz: perdeu 2 quilos. Ganhou massa muscular. Nada de carboidratos à noite. Toma suplementos naturais. |
Os especialistas que seguem essa linha divergem, no entanto, quanto ao grau de aversão que o candidato a perder peso deve ter dos carboidratos. A mais branda das receitas é chamada "dieta da restauração", modismo de academia, que só proíbe a ingestão de carboidratos depois das 6 da tarde. A idéia é que eles são mais nocivos durante o sono, quando afetariam a liberação do hormônio do crescimento, substância comprovadamente capaz de, nas pessoas adultas, induzir a formação de músculos e eliminar gorduras. Em seguida vem o regime conhecido no Brasil como "ponto Z", adaptação da famosa dieta americana The Zone. Em termos de carboidratos ele é muito menos amigável com os grãos, as massas e os doces que a tradicional "pirâmide dos alimentos", que os nutricionistas aprendem nas escolas há décadas e que prescreve a alimentação saudável com uma média de 60% de carboidratos, 20% de gordura e apenas 20% de proteínas. A dieta do ponto Z admite a ingestão de até 40% de carboidratos. Um pouco mais radicais são as dietas hiperprotéicas, que toleram 60 gramas de carboidratos por dia – o equivalente a duas fatias de pão dietético ou três colheres de granola. É nada para quem está acostumado ao arroz-feijão-batata-macarrão. Finalmente, no extremo mais radical da luta contra o carboidrato está o médico que popularizou essa linha de regime, o americano Robert Atkins. Pelo regime preconizado por Atkins, só se podem comer 20 gramas diárias de carboidratos nos primeiros dias da dieta, passando depois a 40 gramas ou um pouco mais. Coma uma maçã e você já estará ultrapassando o limite.
PROTÉICAS O que se pode comer: carnes, queijos magros, saladas e frutas O que não se pode comer: pães, massas, doces e gorduras Prós: a perda de peso é rápida. Contras: o corte de carboidratos pode levar à perda de líquidos e massa muscular.
Quem já tentou: Mônica Carvalho, atriz: há quatro meses come só carnes brancas grelhadas, saladas e frutas. Perdeu 3 quilos. >> Leandra Leal, atriz: quer baixar seu porcentual de gordura corporal de 24% para 15%. Suas refeições têm de ter carnes, verduras e frutas. Carlos Velloso, presidente do STF: aveia e bolacha cream cracker no café da manhã são as únicas porções de carboidratos que ingere. Desde dezembro perdeu 1 quilo e meio. Quer livrar-se de outros 4. Antonio Carlos Magalhães, senador: perdeu 2 quilos em três semanas eliminando totalmente o açúcar. Come proteínas, legumes e frutas. Toma Xenical e caminha uma hora todos os dias. |
Lançada em 1972, a dieta Atkins ainda hoje é o mais popular e mais controvertido método de perda de peso nos Estados Unidos. Não sem oposição. Ele despertou ondas de protesto quando pela primeira vez sintetizou um método fácil – e muito agradável – de ser seguido para perder peso. Com a dieta Atkins, come-se muito. Não existe fome. O médico foi tão atacado que sua dieta se tornou quase uma seita, ou melhor, um cisma, que esteve no limbo por quase três décadas. Ressurgiu como sucesso de público há alguns anos, em parte porque os estudos recentes sobre o metabolismo humano mostraram que, com os parcos conhecimentos existentes sobre o metabolismo nos anos 70, Atkins já sabia ler os sinais que observava em seus clientes. O médico coleciona milhares de relatos atestando que, após os catorze dias daquilo que ele batizou de "fase de indução", seus seguidores perdem até 10 quilos. Atkins sustenta também que a maioria de seus adeptos não volta a recuperar o peso perdido. Ao todo, mais de 25 000 pacientes já passaram por sua clínica em Nova York. Privado de carboidratos, o corpo humano, segundo Atkins, viraria uma usina, passando a queimar freneticamente a gordura acumulada. O resultado é uma verdadeira revolução metabólica dentro do organismo. O tecido adiposo é "derretido" e vai parar na corrente sanguínea na forma de cetonas, pequenos fragmentos à base de carbono. Atkins afirma que a maioria de seus pacientes descreve sensações prazerosas nessa fase do regime, que ele chama de "cetose benigna".
HIPERPROTÉICAS O que se pode comer: Na versão radical de Atkins, carnes, ovos, queijos, bacon e alguns poucos vegetais. São permitidos de 20 a 40 gramas de carboidratos por dia. O que não se pode comer: arroz, pães, doces e raízes. Prós: a perda de peso é rápida e a dieta é fácil de ser seguida. Contras: pode haver aumento no colesterol e sobrecarga na função hepática. Há perda de massa muscular. Luiza Tomé, atriz: teve náuseas e vontade louca de comer carboidrato. Sucumbiu a uma macarronada. Venceu a crise. Continuou só nas verdurinhas e grelhados e perdeu os 4 quilos que precisava em um mês. Está com 53 quilos. >> Vera Fischer, atriz: por três meses, seguiu à risca uma dieta que permitia até 40 gramas de carboidrato, o que equivale a duas saladas por dia. Perdeu 15 quilos. Hoje seu médico libera duas torradas de glúten e duas frutas. Ney Suassuna, senador: perdeu 15 quilos em três meses. Segue o método Atkins e toma Xenical. Faz 500 abdominais diárias. Quer perder mais 5 quilos. |
"Isso tudo é uma grande besteira", rebate Atkins. "Você acha que se isso fosse verdade eu estaria vivo depois de 38 anos seguindo minha própria dieta?" De fato, o doutor Atkins parece estar em forma. Com 1,83 metro de altura e 89 quilos, ele é ativo e lúcido. Garante também que sua pressão arterial, níveis de açúcar e gordura do sangue estão estáveis. Best-seller no mundo inteiro, Atkins amealhou boa parte de sua fortuna, estimada em cerca de 200 milhões de dólares, em direitos autorais. Nos Estados Unidos, seus livros não costumam ter tiragens inferiores a 700.000 exemplares, rendendo adiantamentos que chegam à casa de pelo menos 1 milhão de dólares ao autor. Lançado há três anos, A Nova Dieta Revolucionária do Dr. Atkins vendeu cerca de 6 milhões de exemplares. No Brasil, já foram vendidos perto de 6.000 livros em dois meses.
BODY FOR LIFE
O que se pode comer: seis refeições diárias, com porções de proteína e carboidrato. O que não se pode comer: gorduras. Prós: o programa une exercícios com dieta e promove reeducação. Tem um dia de folga semanal. Contra: é rígido e estimula desistências. Quem já tentou: Flávio e Gustavo Mendonça, gêmeos do SuperPositivo: perderam 20 e 22 quilos. De manhã comem claras de ovo, ricota e batata cozida. No almoço e no jantar, proteínas, verduras, carboidratos e shakes protéicos. Treinam pesado seis vezes por semana. >> |
"Sempre acreditei que a saúde é inimiga da depressão", diz Atkins, refestelado em sua poltrona violeta, num consultório povoado de obras de arte modernosas. Comandando diariamente um batalhão de oitenta empregados, entre médicos, enfermeiros e nutricionistas, ele cobra entre 1.400 e 2.500 dólares por pacotes de tratamentos que incluem consultas, exames e sessões de fisioterapia. Os preços variam de acordo com o número de consultas e exames prescritos. A maioria da clientela do Atkins Center é composta por americanos de classe média cujos seguros de saúde cobrem o custo do atendimento. "Eu me cansei de tratar esse pessoal de Hollywood", diz Atkins. "Eles aparecem a primeira vez e depois começam a fugir dos regimes e faltar às consultas."
EQUILIBRADAS O que se pode comer: um pouco de tudo, desde que não ultrapasse a quantidade diária permitida de calorias. As mais conhecidas são a dieta dos pontos e a dos Vigilantes do Peso. O que não se pode comer: a príncipio nada é proibido. Prós: a dieta leva à reeducação alimentar. O paciente dificilmente sente fome. Contras: na dieta dos pontos, os pacientes acabam preferindo alimentos pouco saudáveis. Nos Vigilantes do Peso, pode ficar muito dependente das reuniões semanais. Quem já tentou:
Ivete Sangalo, cantora: ela perdeu 5 quilos em três meses malhando com personal trainer e comendo de tudo um pouco. Ficam de fora de seu cardápio só chocolates, frituras e doces. >> Lucília Diniz, empresária: perdeu 30 dos 100 quilos em um ano seguindo um método próprio. Hoje tem sua própria linha de produtos light. Angélica, apresentadora: dois anos num programa de reeducação alimentar. Perdeu 8 quilos comendo bem no café da manhã e pouquísismo à noite. Frituras e doces, nem pensar. Malha quatro vezes por semana. Carla Perez, dançarina: a ex-loira do Tchan vivia de sanduíches. Foi ao médico, detectou o colesterol elevado. Consome quantidades pequenas de pães, sucos, água-de-coco, feijão, arroz e carne. Perdeu 4 quilos. Costanza Pascolato, consultora de moda: segue a dieta dos Vigilantes do Peso. Freqüentou reuniões de grupo, aprendeu a comer moderadamente e perdeu 8 quilos. Está em manutenção. Luciano do Valle, comentarista esportivo: perdeu 10 quilos em dez meses com reeducação alimentar. Aboliu o açúcar e anda na praia todos os dias. Danielle Winits, atriz: desde que começou sua reeducação alimentar perdeu 10 quilos. Aprendeu a escolher melhor o que come e evita consumir muito leite. Faz exercícios diários. Alexandre Herchcovitch, estilista: perdeu 12 quilos em seis meses com a dieta dos pontos. Voltou a engordar e começou o regime outra vez. Já perdeu 8 novos quilos. Antonio Calloni, ator: baixou de 104 quilos para 92 quilos em cinco meses. Segue a dieta dos pontos e caminha na orla carioca. Toma vinho todas as noites. Suzy Rêgo, atriz: há dez anos abandonou as dietas radicais e aderiu à reeducação alimentar. Faz exercícios diariamente e abre exceções para compromissos sociais. Perdeu 10 quilos. |
O americano Morrison Bethea, autor de uma dieta metabólica quase tão radical quanto a de Atkins, lembra que apenas a restrição calórica e exercícios, em geral, são insuficientes para acertar o alvo em que os pacientes miram. As pesquisas mostram que nove em cada dez pessoas que fazem dieta querem perder pelo menos 30% da massa corporal. Do ponto de vista puramente médico, perder 5% e manter-se assim por um ano já é o bastante. "As pessoas querem emagrecimento rápido e duradouro, essa é a verdade", diz ele. Bethea é autor do livro Sugar Busters (Exterminadores do Açúcar), que condena os carboidratos, dos quais o açúcar refinado é o representante mais agressivo. Ele diz que, no caso de alguns pacientes com predisposição genética para obesidade, cerca de 20% de todos os gordos, a dieta de alta proteína e baixo carboidrato é a única saída para emagrecer.
Outra ala dos inimigos dos carboidratos sustenta que privar-se deles traz até benefício adicional à saúde: a regularização hormonal. "Com uma alimentação adequada é possível obter a liberação máxima de hormônio do crescimento", diz o geriatra Eduardo Gomes de Azevedo. Ele aconselha seus pacientes a cortar totalmente a ingestão de carboidratos depois das 6 da tarde, de modo a não interferir na síntese desse hormônio que ajuda o corpo a criar músculos em vez de gorduras. "Desde que iniciei a dieta de indução do hormônio do crescimento ganhei músculos e emagreci e me sinto muito disposta para praticar esporte", comemora a apresentadora Cléo Brandão, que perdeu 5 indesejáveis quilos em um único mês. Lucélia Santos e Emerson Fittipaldi também adotaram a dieta que promete induzir a liberação de hormônio do crescimento pelo corte dos carboidratos na dieta vespertina.
Mesmo diante dos formidáveis resultados práticos obtidos pelas dietas que mantêm os carboidratos longe do prato, as autoridades de saúde acham que é preciso ainda muita investigação científica para dar-lhe uma chancela oficial. Muitos dos mecanismos citados por Robert Atkins para explicar o sucesso de sua dieta ainda são rejeitados. Como tudo o mais que altera o metabolismo humano, as dietas que mexem com a síntese de hormônios e mudam a química corporal não oferecem certezas. A única certeza, aliás, que cruzou a fronteira do século XXI junto com a endocrinologia é que cada caso é um caso. Muitos pacientes gordinhos vão beneficiar-se das dietas tradicionais que visam apenas racionalizar a alimentação, evitando excessos. Outros vão ter de recorrer a métodos mais drásticos. Cabe aos médicos dizer quem se encaixa em cada um dos casos.
ALTERNATIVAS O que se pode comer: depende da dieta. Geralmente são regimes de baixas calorias. Prós: a perda de peso é constante. Contra: a pessoa volta a engordar em pouco tempo.
Xuxa, apresentadora: não come carne vermelha desde os 13 anos. Faz duas refeições por dia, evita sal e bebidas alcóolicas. Segue a orientação do livro sobre a dieta do sangue. Yeda Crusius, deputada federal: no café da manhã e no almoço só ingere um composto à base de produtos naturais diuréticos. No jantar, come verduras, grelhados e legumes. Galvão Bueno, comentarista esportivo: perdeu 14 quilos seguindo uma dieta própria. Deixou de lado as bebidas alcoólicas, toma só vinho. Nos restaurantes fez da entrada seu prato principal. Corre, anda e joga golfe. Simone, cantora: trocou alimentos gordurosos por refeições leves. Duas vezes por semana passa cinco horas fazendo massagem redutora. Em dois meses, perdeu 6 centímetros de cintura. Emmanuel Bassoleil, chef: a cada três meses passa uma temporada de sete dias num spa naturista onde são proibidas carne vermelha e comida com conservantes. Já perdeu 10 quilos. |
a juventude
previnem e até ajudam a curar doenças.
Além disso, uma boa dieta pode atrasar
o processo de envelhecimento
em até vinte anos
Monica Weinberg
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Fotos Claudio Rossi |
Academia de ginástica (acima) e o hospital Incor, em São Paulo: alimentos funcionais usados para melhorar a forma física e prevenir doenças |
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