OBSERVAÇÃO IMPORTANTE:

Os textos a seguir são dirigidos principalmente ao público em geral e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes de cada assunto abordado. Eles não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores às informações aqui encontradas.

Mens sana in corpore sano ("uma mente sã num corpo são") é uma famosa citação latina, derivada da Sátira X do poeta romano Juvenal.


No contexto, a frase é parte da resposta do autor à questão sobre o que as pessoas deveriam desejar na vida (tradução livre):

Deve-se pedir em oração que a mente seja sã num corpo são.
Peça uma alma corajosa que careça do temor da morte,
que ponha a longevidade em último lugar entre as bênçãos da natureza,
que suporte qualquer tipo de labores,
desconheça a ira, nada cobice e creia mais
nos labores selvagens de Hércules do que
nas satisfações, nos banquetes e camas de plumas de um rei oriental.
Revelarei aquilo que podes dar a ti próprio;
Certamente, o único caminho de uma vida tranquila passa pela virtude.
orandum est ut sit mens sana in corpore sano.
fortem posce animum mortis terrore carentem,
qui spatium uitae extremum inter munera ponat
naturae, qui ferre queat quoscumque labores,
nesciat irasci, cupiat nihil et potiores
Herculis aerumnas credat saeuosque labores
et uenere et cenis et pluma Sardanapalli.
monstro quod ipse tibi possis dare; semita certe
tranquillae per uirtutem patet unica uitae.
(10.356-64)

A conotação satírica da frase, no sentido de que seria bom ter também uma mente sã num corpo são, é uma interpretação mais recente daquilo que Juvenal pretendeu exprimir. A intenção original do autor foi lembrar àqueles dentre os cidadãos romanos que faziam orações tolas que tudo que se deveria pedir numa oração era saúde física e espiritual. Com o tempo, a frase passou a ter uma gama de sentidos. Pode ser entendida como uma afirmação de que somente um corpo são pode produzir ou sustentar uma mente sã. Seu uso mais generalizado expressa o conceito de um equilíbrio saudável no modo de vida de uma pessoa.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Mens_sana_in_corpore_sano


segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Arquivo Veja - Dietas

Dietas Leia as reportagens na íntegra


   
29/5/1974
Dietas
  21/12/1994
Gordura
  27/11/1996
Remédios
   
24/9/1997
Obesidade
  4/2/1998
Obesidade
  21/10/1998
Xenical
   
19/4/2000
Guerra das dietas
  28/2/2001
Dieta sem fome
  2/6/2004
Dieta e longevidade


 
   
14/12/2005
Gordura
  15/2/2006
Dieta e saúde
  30/8/2006
Açúcar
   
21/3/2007
30 anos de dietas
  11/7/2007
Metabolismo
  30/4/2008
Dieta equilibrada
A primeira reportagem de capa de VEJA sobre dietas foi publicada em 1974, quando ganhava força a discussão sobre os diferentes tipos de regime para emagrecer. A Dieta Revolucionária do Dr. Atkins foi um grande sucesso nos anos 1970. Duas décadas depois, VEJA publicava uma reportagem sobre o combate à gordura, destacando que muitas coisas tinham mudado desde aquela primeira reportagem.
A nova ordem na última década do século XX condena os exageros e permite uma alimentação com prazer. O costume de "beliscar" alimentos durante o dia é descrito como um ato menos maléfico para o aumento da taxa de colesterol do que fazer três refeições regulares diárias. A relação entre alimentos gordurosos e a luta por um corpo esbelto e saudável mostram que a atividade física deve estar associada a uma alimentação mais leve.
Dieta, exercícios e os novos remédios que combatem os efeitos da gordura são descritos como combinação ideal para pessoas acima do peso. Cientistas descobrem genes ligados ao processamento dos alimentos e controle bioquímico da fome. Mesmo depois da proibição da venda de alguns remédios para emagrecer pelos EUA, em 1997, medicações similares já constavam nas prateleiras de drogarias do Brasil. Pesquisas sobre obesidade alertam para o fato de que é possível estar um pouco além do peso ideal, mas ainda assim ter um corpo saudável. A gordura, desde que tenha qualidade, pode ser benéfica.
No Brasil, a quantidade de obesos chegou a 30 milhões em 1998, ano em que o Ministério da Saúde aprovou a comercialização do Xenical. Nos Estados Unidos, volta à moda o regime que libera o consumo de gorduras. Essa dieta provoca polêmica entre os médicos. Em 2004, VEJA listou dez alimentos que previnem e curam doenças e ainda atrasam o processo de envelhecimento, como aveia, alho, maçã, tomate, peixe e vinho tinto.
Ainda na década de 2000, os regimes de baixo consumo de carboidratos voltam à moda, mas a medicina tradicional ainda mantém desconfiança sobre esse tipo de dieta. Em 2006, uma descoberta inquietante: as conclusões de uma pesquisa americana que concluiu que a ingestão de gorduras não faz mal ao coração nem causa câncer apresentava falhas. Em março de 2007, uma nova reportagem de capa da revista mostra um balanço dos 30 anos da ciência que estuda a nutrição e afasta a hipótese de sucesso das dietas radicais.
No decorrer de todo esse tempo, uma mesma questão continua atual: "Você é o que você come?". Foi assim que VEJA apresentou uma nova reportagem sobre o tema, mostrando que os alimentos podem ajudar ou prejudicar sua saúde. Mas não é recomendável sentar-se à mesa como se vai a uma farmácia ou lançar-se a excessos como um condenado em sua última refeição. O prazer do equilíbrio é a chave de tudo.




A alforria dos gordos

Pesquisas sobre obesidade mostram que é possível
ser rechonchudo (sem excessos!) e saudável
Karina Pastore
Isabeau Christine, 84 quilos, 1,70
metro: dança
flamenca, colesterol
o.k. e pressão ótima
Foto: Alvaro Povoa/ Produção Alla Strelkow  
A moça da foto acima é gorda. Alguém discorda? Aos 24 anos, a dançarina de flamenco Isabeau Christine tem 1,70 metro de altura e 84 quilos. É muito? Depende. A tomar por exemplo a silhueta impossivelmente longilínea da modelo australiana Elle MacPherson, apelidada "O Corpo", ou o perfil famélico da inglesa Kate Moss, o manequim 50 de Isabeau é uma afronta aos padrões estéticos vigentes. Não seria se fosse 30 quilos mais magra. Diante do espelho, no entanto, ela se sente bem. Saúde ameaçada? Há menos de um mês, Isabeau procurou um médico. Amigos e parentes assustavam-na com a insistência de que tecido adiposo em excesso é um risco de vida. Seguiam uma linha de raciocínio que, desde a década de 50, relaciona o acúmulo de gordura a males cardíacos, hipertensão, diabete, colesterol alto, pedras na vesícula, cânceres de mama, útero, ovário e cólon e disfunções hormonais. A lista é apavorante. Exemplos como o de Isabeau, cuja bateria de exames revelou pressão, colesterol e açúcar no sangue normais, estão levando a medicina a tentar entender melhor a partir de que momento alguns quilos a mais representam uma verdadeira ameaça à saúde. Um polêmico estudo da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, acaba de mostrar que o peso moderadamente acima do normal tem pouco a ver com um incremento nas taxas de risco de morte prematura. O trabalho é uma espécie de Lei Áurea para os gordinhos. Põe a questão da obesidade no lugar certo: um problema estético que se converte em mal orgânico apenas se em excesso, ou quando acompanhada de sedentarismo e doenças pré-existentes. A seguir, as atuais conclusões da medicina sobre a gordura. Saúde, Isabeau!
Que se faça aqui a diferença entre gordos e obesos. Pesadas são pessoas com índice de massa corpórea (IMC) entre 25 e 30 (veja quadro). Obesas, as que apresentam IMC superior a 30. Além dos fatores de risco mencionados acima, a forma como a gordura se distribui no corpo conta, e muito, no grau de perigo a que os moderadamente pesados estão expostos. As mulheres, apesar de tradicionalmente mais gordas, correm menos riscos do que os homens. Sua gordura, em vez de se concentrar principalmente na barriga, como nos homens, tende a se acumular sobretudo nas coxas, nas nádegas, nos quadris e nos seios. Nos homens, o tecido adiposo em geral se deposita entre as alças intestinais. A conseqüência é dramática. Os barrigudos apresentam três vezes mais risco de desenvolver diabete e doenças cardiovasculares.
A redenção da gordura moderada aconteceu porque os médicos perceberam lacunas metodológicas fundamentais nas estatísticas que relacionavam o peso dos pacientes aos índices de mortalidade. "A gordura virou o único vilão numa história que está cheia de bandidos", diz o cardiologista Sérgio Diogo Giannini, diretor do setor de prevenção do Instituto do Coração de São Paulo. Os bandidos a que se refere o doutor Giannini vão desde o sedentarismo e a classe social até a genética. A inatividade física, por exemplo, se associa a 35% das doenças cardiovasculares fatais, a 35% das mortes por diabete e a 32% dos óbitos por câncer de colo. O Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos avaliou que a prática regular de exercícios reduz em até 60% a probabilidade de uma mulher vir a ter câncer no seio. Um estudo recente da Universidade de Michigan mostra que uma pessoa com parentes próximos vítimas de infarto tem 50% mais de risco de sofrer um ataque repentino do coração. Ou seja, muitas vezes o obeso morre porque leva vida sedentária ou tem propensão genética e não, simplesmente, porque é obeso.
É claro que a gordura excessiva faz mal à saúde. O estudo da Universidade da Carolina do Norte, publicado na revista The New England Journal of Medicine, é muito rigoroso em relação às pessoas com índices de massa corporal superior a 30. Os pesquisadores anotaram que, para IMCs além de 32, a incidência de mortes prematuras chega a duas vezes mais do que em relação a indivíduos com IMC até 27.
Do ponto de vista do padrão estético vigente, chega a existir um gabarito para o corpo ideal é o que seguem as agências de modelos na hora de recrutar candidatas. Perfeita é a silhueta longilínea, ossuda, levemente esculpida com alguns músculos. Do ponto de vista médico, é bem diferente. Segundo o endocrinologista e professor da Universidade de São Paulo Alfredo Halpern, o que existe, para cada indivíduo, é o "peso factível", ou "peso mínimo saudável". Não se sabe ao certo o que é mais importante na determinação desse peso. Alguns pesquisadores sugerem que ele seja estabelecido nos primeiros anos de vida, como uma resposta à disponibilidade de alimentos. Outros acham que mais importante do que o fator ambiental é a herança genética.
Não é difícil identificar esse peso. Qualquer pessoa que já tenha entrado numa dieta alimentar rigorosa percebe que perder os primeiros quilos é fácil. A partir de um ponto determinado, os esforços para emagrecer começam a surtir menos efeito. Esse é o chamado "peso factível". Emagrecer além dele pode significar uma obediência ao padrão estético, mas sacrifica a natureza do organismo, entrando no terreno do risco à saúde. Os médicos sabem que não se pode mudar esse limite. Não adiantam exercícios físicos, dietas ou os dois juntos. As drogas até conseguem "enganar" a natureza. Mas o efeito delas dura apenas enquanto forem ingeridas. Depois, tudo volta ao que era antes.
Em geral, sim. Entre os 30 e os 60 anos, homens e mulheres tendem a ganhar uma média de 4 quilos por década. Isso acontece porque o metabolismo fica mais lento, ou seja, queima mais lentamente as calorias que ingere. A aparência flácida que as pessoas ganham com o passar dos anos não é resultado apenas desse fenômeno. Dois outros também contribuem. O primeiro é a perda de massa muscular. O segundo fator, mais presente entre as mulheres, é a descalcificação óssea. Como os músculos e ossos pesam mais do que a gordura, e são eles que estão indo embora, o ganho em peso de 3 a 4 quilos na verdade corresponde a um incremento na massa gordurosa bem maior. Calcula-se que chegue a 7 ou 8 quilos. Por isso os médicos são tão enfáticos ao recomendar exercícios físicos. A atividade física compensa também a queda nos níveis metabólicos com a queima extra de calorias.
O corpo é natureza, e na natureza não existe filosofia, estética, moda. O que existe é a programação para a sobrevivência. Nesse caso, a mente e o corpo operam em registros opostos. Um indivíduo pode decidir que o melhor para si é privar-se da quantidade de alimentos a que está habituado, para emagrecer. Seu corpo entende que corre o risco de perecer de fome. Para se prevenir, de um lado, reduz os níveis de atividade metabólica, de forma a economizar o estoque de energia. De outro, aumenta a eficiência com que absorve as calorias dos poucos alimentos que ingere. É por isso que 95% das pessoas que emagrecem muito depois de uma dieta acabam recuperando todos os quilos perdidos em pouco tempo fenômeno conhecido por "efeito ioiô". Quando o período do regime acaba, e volta-se a ingerir a quantidade normal de alimentos, os níveis metabólicos baixos seguem garantindo a estocagem extra de calorias.
Em busca do corpo saudável e não necessariamente do corpo que se julga perfeito, a briga contra a balança não requer medidas drásticas. Perder 10% do peso total é o suficiente para acabar com os efeitos deletérios da gordura. O coração hiperatrofiado diminui de tamanho. Nove em cada dez hipertensos voltam a apresentar pressão normal. Durante o sono, o número de paradas respiratórias cai para menos da metade. Ao se livrar de 13 quilos, um homem de 1,70 de altura e 130 quilos, por exemplo, continua na categoria dos obesos. Mas deixa de sofrer dos males da obesidade. "Antes, só ficaríamos contentes se esse paciente passasse a pesar 70 quilos", diz o doutor Halpern. "O objetivo de luta mudou."
Obesidade é tendência genética que se combina com fatores externos, como o sedentarismo e a quantidade de alimentos ingerida. Para demonstrar que existe mesmo a propensão inata, o médico canadense Claude Bouchard, da Universidade Laval, em Quebec, manteve doze pares de gêmeos idênticos internados por 100 dias. Alimentou a todos com a mesma dieta hipercalórica. Controlou o nível de atividade física. Quando receberam alta, os 24 rapazes estavam mais gordos. Mas em níveis diferentes. Alguns tinham ganho apenas 3 quilos. Outros, até 12 quilos. Dentro de cada dupla de irmãos, porém, os incrementos de gordura foram semelhantes. Isso é genética.
Por muitos anos, os médicos atribuíram a obesidade a um caráter desmazelado, preguiçoso e auto-indulgente. As pesquisas genéticas estão livrando pelo menos alguns gordos dessas pechas. A mais decisiva foi a que descobriu uma proteína no sangue, a que se chamou de leptina, responsável por avisar ao cérebro a hora de parar de comer. Os cientistas notaram que alguns ratos gordos possuíam um defeito genético que impedia a produção dessa substância e, por isso, os animais só paravam de comer quando não havia mais comida à disposição. No final do ano passado foi encontrada a primeira família humana portadora do mesmo problema. Como nos ratos, a falta da leptina conduziu a quadros de obesidade. Não dá, no entanto, para culpar apenas a genética. Engordar é antes de mais nada fruto de uma economia energética. Quem come muito e não gasta caloria engorda mesmo. Tendo ou não predisposição para a obesidade.
Ninguém acha que é rica demais ou magra demais, zombam as socialites americanas. Pesquisas feitas nos EUA confirmam que um sujeito 10 quilos mais pesado do que outro recebe pelas mesmas funções, no final do ano, 12.000 dólares menos de salário. No mercado de casamentos, os gordos também levam a pior. Um estudo da Universidade Harvard mostrou que as mulheres obesas têm 20% menos chance de conseguir um marido em relação às magras. A neurose coletiva por perder peso não é à toa, como se vê. "Os médicos são procurados por mais gente que não precisa mas quer perder peso do que por quem realmente necessita emagrecer por causa da saúde", afirma o endocrinologista Alfredo Halpern. Em alguns casos, a preocupação beira a insanidade.
Fora os quadros extremos de anorexia e bulimia, distúrbios que atingem no máximo 3% das mulheres jovens, o emagrecimento excessivo tem conseqüências orgânicas sérias e pouco divulgadas. Uma delas é o descontrole hormonal. Mulheres submetidas a dietas rigorosas passam a apresentar dificuldade para engravidar. O corpo interpreta a falta de alimento como uma ameaça à vida do indivíduo. O cérebro ordena, então, que o organismo suspenda a atividade reprodutiva para evitar perdas desnecessárias de energia. Dietas drásticas podem também alterar o sistema imunológico por causa das deficiências nutricionais, como a falta de zinco, que baixam a produção de anticorpos. Além disso, a perda excessiva de peso é fator de risco para a formação de pedras na vesícula. Num organismo privado de comida, as substâncias produzidas na vesícula para digestão dos alimentos perdem a utilidade. Concentradas no órgão, viram pedras.

Um pouco mais de prazer

Satanizadas nas últimas três décadas como o principal inimigo da boa saúde num prato de comida, as gorduras ganharam uma trégua com a divulgação de novas pesquisas das universidades Harvard e de Washington. O armistício não é irrestrito. Mas já é um alívio saber que alguns dos pratos mais saborosos podem ser degustados sem pânico. Alguns dos pontos principais:
Os regimes que cortam por completo a ingestão de gordura, substituindo-a por carboidratos (pães, macarrão e batata) ou por frutas, estão erradíssimos. Cortar as gorduras até que elas se limitem a 30% do total de calorias ingeridas diariamente (os outros 70% ficando para os carboidratos e proteínas) de fato emagrece e reduz os níveis de colesterol. Abaixo de 18% de gordura, no entanto, os resultados são opostos. Engorda-se e eleva-se o colesterol no sangue. Isso acontece porque o organismo compensa a falta de lipídios transformando mais carboidratos em gordura (na forma de triglicérides). Esses triglicérides inflam as células, formando pneus ao redor da barriga e culotes salientes.
A gordura saturada, aquela encontrada em carnes vermelhas, queijos, maionese, manteiga, requeijão e ovos, fica parcialmente reabilitada. Não deve ser abolida, porque os alimentos que a contêm são ricos em proteínas, cálcio, ferro. Seu consumo deve ser moderado a 10% do total de calorias ingeridas.
Reabilitada parcialmente a gordura saturada, os cientistas seguem condenando outra forma de gordura, chamada de trans. Inexistente na natureza, a trans é encontrada em margarinas, biscoitos, bolachas e salgadinhos de pacote. Um acréscimo regular de 2% no consumo de gordura trans aumenta em 53% os riscos de doenças cardíacas. Evite-a.
A redução no consumo de gordura de 35% para 30% do total de calorias é tão eficiente para baixar os níveis de colesterol quanto as dietas mais severas. E o que representam 5% a menos de gordura num total de 2.300 calorias diárias? É o mesmo que suprimir a ingestão de dois copos de leite.

 



Copyright © 1997, Abril S.A.



A pílula que faz a dieta

Aprovado pelo Ministério da Saúde um remédio
para emagrecer sem os efeitos colaterais dos antigos
Glenda Mezarobba e Fernando Luna
Fotomontagem sobre fotos de Eduardo Pozella/Egberto Nogueira
Uma pílula azul está deixando os brasileiros alvoroçados — e não é o Viagra. Importadores trazem o comprimido Xenical do exterior para aplacar a gula de consumidores gulosos que querem experimentar a droga de qualquer maneira. Chegam a desembolsar 300 reais pela caixa com 84 cápsulas do Xenical, para um mês de uso. A pílula promete agradar à mais delicada das estruturas do corpo humano: o ego. Motivo: esse medicamento ajuda a emagrecer. E muito. Aprovado pelo Ministério da Saúde há quase um mês, o remédio do laboratório suíço Roche entrará no circuito das farmácias brasileiras dentro de dois a três meses. O Xenical não é simplesmente mais uma peça de artilharia no arsenal químico contra os quilos em excesso. Já apelidado de "Viagra da obesidade", é uma das primeiras drogas a tratar do excesso de peso sem interferir nos mecanismos cerebrais do paciente. Um feito e tanto. Tradicionalmente, os remédios que sabotam a fome e aumentam a sensação de saciedade também provocam irritabilidade, dificultam o sono e atrapalham qualquer trabalho que exija concentração. Com os derivados das anfetaminas, as famosas "bolinhas", o nível de ansiedade do usuário é tão alto que se chega a trincar os dentes de nervosismo. Um martírio que, não raras vezes, também leva à dependência. Com o Xenical, nada disso acontece. "É um ovo de Colombo", comemora o empresário paulista Dino Tofini. Sessenta anos, 1,74 metro e 80 quilos, ele toma a drágea azul há duas semanas. Já perdeu 1 quilo, sem fazer dieta rigorosa, nem aumentar o nível de atividade física. "E isso sem que meu humor fosse afetado", diz.
As pesquisas para o desenvolvimento da nova droga consumiram dez anos e 500 milhões de dólares. Seu mecanismo de ação é relativamente simples. Atuando diretamente no intestino, impede a absorção pelo organismo de parte da gordura ingerida (veja quadro abaixo). E aí, mais uma vantagem do Xenical sobre as terapias tradicionais de redução de peso. "De todos os métodos de emagrecimento, a nova droga se destaca na redução dos índices de colesterol e triglicérides", afirma o médico Márcio Corrêa Mancini, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Desde que a gordura foi satanizada como a principal vilã na batalha por corpos perfeitos, os eternos escravos das dietas para emagrecer sempre sonharam com o dia em que poderiam deglutir, sem culpa, apetitosas batatas fritas, suculentos cheesebúrgueres e deliciosas pizzas cheias de azeite. Os resultados das pesquisas com o Xenical autorizam previsões otimistas — em seis meses de uso, os pacientes perdem em média 10% da massa corporal e têm 74% mais chances de manter o novo peso por mais de um ano. Receitado para uso três vezes ao dia, o melhor é tomar o medicamento imediatamente antes das refeições. Dessa forma, a ação da droga será mais eficaz. Quando a comida chegar ao intestino, o Xenical já estará atuando.
Tcha-Tcho
Técnica revolucionária — O mecanismo de ação do Xenical é considerado um dos campos mais promissores da farmacologia contra a obesidade. Mesmo que não suprima a necessidade de dietas, dá um alívio e tanto nos rigores a que elas em geral submetem os gordinhos. Um exemplo? Quem vive em constante luta contra a balança não se cansa de ouvir que a grande arma contra o acúmulo de tecido adiposo é uma tal de reeducação alimentar — aprender a comer com parcimônia, a incrementar a dieta com verduras e legumes e... blablablá. Ninguém contesta que todas essas providências são úteis, importantes e saudáveis. Chatíssimas também. Afinal, brócolis cozidos, alface e frutas todo dia não há quem agüente. O Xenical dá um habeas-corpus para um pouco de gordura — logo ela, uma das grandes responsáveis pelo sabor das melhores culinárias.
O que seria do churrasco sem a capa de gordura? E do prosaico pãozinho francês recém-saído do forno sem uma generosa camada de manteiga amarela? E dos patês? Acarajé sem azeite-de-dendê? Feijoada sem toicinho, lombo de porco e costelinha? O que os gordinhos que já usam o Xenical dizem é que, com o remédio, podem cometer alguns pequenos pecados gordurosos sem remorso mortal (leia alguns depoimentos ao longo desta reportagem).
Efeito ioiô: depois de
seis meses de dieta,
Rafaela Fischer, de
19 anos, perdeu 18
quilos. Foi a glória.
Em menos de três
meses, porém, a filha
da atriz Vera Fischer
voltou a engordar
.
Ganhou de volta 10 quilos
Foto: Publius Vergilius  
Atenção, porém, esfomeados! O Xenical ajuda, mas não decreta um "liberou geral". Por duas razões: não adianta empanturrar-se de torresmo e depois engolir a cápsula de Xenical pensando que não se engordará nada. A verdade: a pessoa engordará muito menos, mas ainda assim o consumo excessivo de gordura levará a alguma acumulação no corpo. O Xenical impede a absorção de 30% de toda a gordura consumida, o que é bastante para quem se alimenta sem muito exagero. O segundo motivo é que o Xenical é eficiente apenas contra gorduras. E existem outras tantas fontes — deliciosas, diga-se — de calorias que, uma vez absorvidas pelo intestino, se transformam também em pneus horrorosos. Nessas categorias de alimentos não gordurosos, mas também engordativos, estão os açúcares, as massas, os pães, as bebidas alcoólicas. "Com pessoas que exageram nesses tipos de comida não há Xenical que resolva", esclarece a nutricionista Anna Beatriz Guimarães Oliva, de São Paulo. Dietas e exercícios continuam tão necessários como sempre foram. A diferença é que, com o Xenical, fica muito mais fácil a vida das pessoas que gostam de comer uma boa lingüiça, uma picanha e um aveludado creme de leite em cima de frutas.

Foto: Claudio Rossi
Kathy Faldini, empresária
Idade: 53 anos
Peso: 74 quilos
Altura: 1,67 metro
Toma Xenical há vinte dias
e emagreceu 2 quilos
"Estou tomando Reductil junto com Xenical. Acho que poderia ter perdido mais peso se tivesse controlado melhor minha alimentação. Eu gosto de ter vida normal, comer de tudo. Fiz Vigilantes do Peso, mas após alguns meses cansei de fazer comida especial todo dia. Depois me internei em um spa e quase morri de fome. Não consegui ficar mais de quatro dias. Quando saí de lá, parei em uma banca de frutas e comi sem parar! Também tentei aquela dieta do Émerson Fittipaldi, mas não gostava de só comer aquelas coisas. Pelo menos agora eu posso tudo, desde que modere a quantidade. Dá para ter uma vida normal."
Efeito sanfona — Depois de seis meses de uma alimentação pobre em carboidratos, a jovem Rafaela Fischer, de 19 anos, perdeu 18 quilos. A filha da vulcânica atriz Vera Fischer viveu dias de glória. Abusou das roupas curtas e apertadas, posou para revistas com trejeitos de moça sensual. Em seu 1,76 metro de altura, Rafaela pesava 62 quilos. Os dias de sílfide duraram menos de três meses. A moça voltou à forma antiga, recuperou 10 quilos. Contra esse vaivém de peso, o chamado efeito sanfona, que acomete 95% dos pacientes de regimes e dietas, o Xenical também pode ajudar. "Acredito que uma das grandes vias de utilização do Xenical será a manutenção do peso", afirma o endocrinologista Geraldo Medeiros, professor da Universidade de São Paulo. Ou seja, a pessoa se submete às mais diversas terapias, perde peso e, para manter-se alinhada, faz uso do Xenical. Isso só é possível porque os efeitos colaterais do medicamento são relativamente brandos e ele não causa dependência química.
O remédio também ajuda a combater o efeito sanfona por uma reação até desagradável, mas que ensina muito sobre o que se está comendo. O aprendizado se faz à custa de um certo desconforto intestinal e, em alguns casos, de um pouco de constrangimento. Os estudos realizados pelo laboratório Roche mostram que, durante o primeiro ano de tratamento, 80% dos usuários do Xenical reclamam de fezes oleosas — é a gordura sendo expelida intacta do trato intestinal. Os efeitos colaterais se agravam quando se ingerem grandes quantidades de gordura.
Preconiza-se hoje em dia que, do total de calorias ingeridas, 30% no máximo devem ser consumidos sob a forma de gordura — o que, numa refeição, equivale a uma colher de sopa de azeite de oliva para temperar a salada, o óleo de milho usado no preparo de três colheres de sopa de arroz e de uma concha média de feijão e 80 gramas de carne vermelha. Quando a pessoa ingere gordura além de um limite razoável, o Xenical tem um efeito e tanto. O paciente é acometido de uma vontade incontrolável de ir ao banheiro e sofre de diarréia. "O usuário fica com um reflexo condicionado e acaba evitando os alimentos mais gordurosos", diz o doutor Medeiros. Isso também ajuda a evitar a recuperação dos quilos perdidos na dieta. Prova disso são as pesquisas do Roche. Depois de um ano de terapia, o índice de usuários que se queixam do efeito colateral do medicamento caiu pela metade. E não foi porque o Xenical deixou de fazer efeito. "Com o tempo, o paciente fica mais bem-educado no que se refere a seus hábitos alimentares", afirma o endocrinologista Alfredo Halpern, professor da Universidade de São Paulo e presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade.

Foto: Egberto Nogueira
Ruy Marco Antonio, pediatra
Idade: 55 anos

Peso: 99 quilos
Altura: 1,85 metro
Toma Xenical há um mês e emagreceu 11 quilos
"Sou um gordo profissional, daqueles que sonham com comida. Desde os 30 anos de idade estou acima do meu peso. Já cheguei a pesar 110 quilos! Agora decidi emagrecer de uma vez por todas, porque comecei a ter problemas com meu colesterol por causa da obesidade. Não gosto daqueles remédios de emagrecimento que atuam no sistema nervoso. Esses medicamentos acabam provocando mau humor e ansiedade. O Xenical é um achado, não causa nada disso. Sem falar que, como ele elimina boa parte da gordura que se ingere, não preciso me privar das coisas que gosto. Dá para abusar, sem culpa: Xenical tira até remorso."
Mercado milionário — De todas as áreas da indústria farmacêutica uma das mais promissoras é justamente a das drogas para emagrecer. Quando um medicamento desses faz sucesso, o êxito é estrondoso — acontece com ele o que não se vê com nenhum outro remédio. Enquanto as vendas de um bem-sucedido remédio para tratar outras doenças movimenta 1 bilhão de dólares por ano, uma droga contra a obesidade chega a atingir, por baixo, 5 bilhões de dólares. Só como exemplo: o Viagra, a pílula contra a impotência sexual masculina, estima-se, movimentará no primeiro ano depois de seu lançamento 2 bilhões de dólares. "Potencialmente, o ramo das drogas contra a obesidade é o mais promissor de todos", define Louis Tartaglia, pesquisador da empresa americana Millennium Pharmaceuticals Inc. Há pelo menos 45 laboratórios em todo o mundo empenhados em pesquisas milionárias para o desenvolvimento de remédios para emagrecer. Buscam-se substâncias potentes, com efeitos colaterais brandos. Até 2007, outros sete medicamentos devem chegar às farmácias (veja quadro).
Um laboratório inglês, o Alicyme Therapeutic, se dedica há anos à busca de drogas que inibam a absorção de gordura. Pode sair daí uma droga ainda mais eficaz do que o Xenical. Nunca poderá haver, entretanto, um medicamento que suprima totalmente o aproveitamento de gordura pelo corpo humano. Gordura é essencial no fornecimento de energia, na absorção das vitaminas A, D, E e K, no metabolismo hormonal, no controle do colesterol, no funcionamento intestinal e contra o ressecamento da pele e dos cabelos. O problema é quando ela é consumida em excesso.
Os comprimidos para emagrecer fazem sucesso porque há bocas ávidas por consumi-los. O mundo nunca acumulou tantos quilos extras como agora. De 1980 para cá, o número de americanos balofos saltou de 25% para 34%. São 58 milhões de gordos, gordinhos e gordões. No Brasil, não é diferente. A quantidade de roliças cresceu 40% e a de roliços, 30%. São cerca de 30 milhões de pessoas (veja se você é uma delas fazendo o teste). Ganha-se peso, desperdiça-se dinheiro. O custo social de tanta gordura é indigesto. Em 1995, nos Estados Unidos, os gastos relacionados a problemas de saúde decorrentes da obesidade quase chegaram a 100 bilhões de dólares. Por causa dos quilos extras, despendem-se anualmente 11 bilhões de dólares com o tratamento de doenças cardíacas e 22 bilhões de dólares com o diabetes. Queda de produtividade no trabalho é outro problema associado à obesidade. E a gordura influi tremendamente na longevidade do ser humano. "Cerca de 200.000 pessoas morrem todos os anos na América Latina devido a complicações associadas à obesidade", diz o doutor Walmir Coutinho, da Pontifícia Universidade Católica, PUC, do Rio de Janeiro. Um cálculo feito pelo governo americano mostra que, se os rechonchudos perdessem apenas 10% de seu peso em média, o orçamento do sistema americano de saúde poderia ser reduzido em 3 bilhões de dólares.
Doença — Graças aos progressos da ciência e da medicina, o excesso de peso deixou de ser visto apenas como obra da preguiça e do desmazelo. Descobriu-se que pelo corpo humano circulam substâncias que regulam a sensação de fome e saciedade, o ritmo do metabolismo e a queima de calorias. Em desequilíbrio, essa sintonia química pode resultar em quadris, coxas, barrigas, culotes e braços volumosos. A obesidade foi então alçada à condição de doença, um mal crônico, de múltiplas causas, freqüentemente associadas à genética. Com o aumento da expectativa de vida — da década de 70 para agora, pulou dos 59 anos para os 67 no Brasil —, viu-se que quanto mais velho mais gordo. Entre os 30 e os 60 anos, homens e mulheres tendem a ganhar uma média de 4 quilos por década.

Foto: Egberto Nogueira
Mônica Medeiros de Lima, escrivã
Idade: 39 anos
Peso: 130 quilos
Altura: 1,60 metro
Toma Xenical há dois meses e emagreceu 17 quilos
"Nunca perdi tanto peso em tão pouco tempo e sem sofrer. Olha que faço dieta desde que tenho 19 anos. Usei todos os moderadores de apetite que se possa imaginar: Hipofagin, Inibex, Dualid... Ficava histérica, impaciente. O pior é que eu como porque fico ansiosa. Um dos remédios que deram mais resultado para mim foi justamente o Prozac. Eu ficava tranqüila, sem aquele desejo compulsivo por comida. Como sou desregrada, acabei abandonando o tratamento. Agora estou decidida a perder peso de vez. Quero emagrecer mais uns bons quilos com o Xenical e, quem sabe, até fazer aquela cirurgia que diminui o estômago."
É um paradoxo. Nunca houve tanta comida disponível, nunca se quis ser tão magro e... nunca se foi tão gordo. "Nos últimos anos, os americanos conseguiram reduzir drasticamente o porcentual de gordura em sua dieta, mas nem por isso os índices de obesidade deixaram de crescer no país", afirma Walmir Coutinho. O que está acontecendo? Parece filme de terror. As populações mais ricas engordam pela falta de atividade física. Na Inglaterra, por exemplo, desde o final da década de 70, reduziu-se em 750 calorias o total calórico ingerido todos os dias. É quase como cortar o almoço e o jantar. Os ingleses tornaram-se mais magros por causa disso? De jeito nenhum. Em dez anos, os índices de obesidade dobraram, porque, no mesmo período, se deixou de queimar em média 800 calorias diariamente.
Sonia Borges, secretária
Idade: 39 anos
Peso: 89 quilos
Altura: 1,60 metro
Toma Xenical há cinco meses e emagreceu 14 quilos
"Continuo comendo de tudo, simplesmente diminuí a quantidade. No meu prato pode ter macarrão, arroz, feijão, carne, aquilo tudo que geralmente é proibido pelas dietas. Mas, logo que comecei a tomar Xenical, não seguia regime nenhum. Mesmo assim, perdi 10 quilos em três meses. Foi meu recorde. E eu já tomei Hipofagin e outros inibidores de apetite, que me deixavam deprimida e nem faziam tanto efeito no emagrecimento. Também já tentei um monte de dietas, mas comigo não adianta nada. Preciso de remédio mesmo. Meu sonho é chegar a 60 quilos, mas acho que aí é querer demais... Se conseguir perder mais 10 quilos, fico feliz: para quem chegou a pesar 103 quilos, vai ser ótimo!"

Foto: Claudio Rossi
São os males da vida moderna jogando contra corpinhos esguios e esbeltos. Culpa dos eletrodomésticos com controle remoto, dos telefones sem fio, das escadas rolantes e dos automóveis com câmbio automático, direção hidráulica, quatro portas e vidro elétrico, afirmam unanimemente os médicos. Trocar um carro básico por um completo, com todos os acessórios, provoca redução no gasto energético de 100 calorias diárias, o suficiente para o motorista acumular 4 quilos em um ano. A regra é uma só: guerra ao sedentarismo e ao consumo excessivo de calorias, seja em forma de gordura, seja de massas e doces. Recentemente, o doutor Walmir Coutinho conheceu um executivo que fez questão de instalar o telefone (com fio, diga-se) no canto de sua sala. É para, toda vez que o aparelho tocar ou se precisar fazer uma ligação, o homem se obrigar a levantar e dar uma breve caminhada até o telefone. Parece loucura, mas é melhor do que nada. Com providências assim — sempre contando com o empurrãozinho de drogas modernas e seguras, como o Xenical —, as pessoas poderão, daqui a algum tempo, olhar no espelho e ver refletida uma imagem mais adequada.

O que vem por aí

As primeiras drogas para emagrecer surgiram na década de 40. No princípio, as anfetaminas eram usadas como arma de guerra para limitar o sono e o apetite dos soldados. Nos anos 50 e 60, viraram remédio contra os quilos em excesso. Logo, porém, apareceram os graves efeitos colaterais provocados por esses medicamentos. Potentes estimulantes, criavam dependência química. Com os avanços da medicina, os cientistas passaram a entender que um preciso e delicado equilíbrio regula os sinais de fome e saciedade, a queima de gordura e o ritmo do metabolismo. Abriram-se novos caminhos para o desenvolvimento de drogas mais eficazes com menos reações adversas. Dezenas de laboratórios se empenham na criação de medicamentos contra a obesidade — o maior e mais promissor mercado da indústria farmacêutica, segundo os especialistas financeiros. Abaixo, alguns dos medicamentos recém-lançados ou em via de chegar ao mercado:
Dexfenfluramina
É o Isomeride dos brasileiros e o Redux dos americanos. Lançada em meados dos anos 90, a droga gerou uma onda de esperança sem precedentes na batalha química contra a balança. Sem os efeitos colaterais das tradicionais anfetaminas, o medicamento atuava no cérebro, aumentando a sensação de saciedade. Os pacientes se satisfaziam com um terço da quantidade de comida a que estavam acostumados. Há um ano, contudo, os próprios fabricantes decidiram retirar os remédios do mercado. Alguns pacientes apresentaram problemas sérios no coração.
Sibutramina
Lançado há quatro meses no Brasil, a sibutramina (nomes comerciais, Reductil e Plenty) aumenta a sensação de saciedade e, ao mesmo tempo, acelera a queima de gordura pelo organismo. Seus efeitos colaterais mais comuns são boca seca e prisão de ventre. Alguns estudos mostram que o Reductil pode aumentar a pressão arterial e os batimentos cardíacos — o que não recomendaria seu uso por pessoas com problemas no coração.
Leptina
Em 1995, o mundo ficou atônito diante da imagem de dois ratos — um enorme de gordo e outro magrelo. O que proporcionava tamanha diferença entre os dois? Uma substância chamada leptina. Produzida pelo tecido adiposo, a leptina avisa ao cérebro a hora de parar de comer. O laboratório Amgen, a maior empresa de biotecnologia dos Estados Unidos, pagou 20 milhões de dólares pelo direito de usar a substância no desenvolvimento de novas drogas. Os próximos medicamentos contra a obesidade, apostam os especialistas, serão à base de leptina. A única desvantagem é que por enquanto não se descobriu uma forma de administração que não seja injetável.
Inibidor do neuropeptídeo Y
Os estudos com a leptina levaram à descoberta de outra substância, o neuropeptídeo Y, esta produzida no cérebro. Ela tem um papel importante na regulação do apetite humano. Três grandes laboratórios — Pfizer, Neurogen e Synaptic — trabalham no desenvolvimento de uma droga capaz de inibir a ação do neuropeptídeo Y. As pesquisas ainda estão em fase inicial, mas há quem aposte que o medicamento será bastante útil para aqueles casos de obesidade gerados por um problema psiquiátrico bastante comum entre os roliços, a compulsão por comida.
CCK
Esse hormônio secretado pelo intestino delgado funciona como uma espécie de mensageiro. Depois da refeição, ele avisa ao cérebro que é hora de cruzar os talheres. As empresas Astra e Glaxo trabalham na criação de drogas à base dessa substância.

A nova era dos medicamentos

Viagra é para impotência. Propecia, para calvície. Xenical, para obesidade. Zomig, para enxaqueca. Prozac, para depressão. Nenhum deles cura a doença à qual se destinam. Representam, no entanto, a nova era dos remédios, um prodígio que já movimenta 300 bilhões de dólares por ano em todo o mundo, valor que os especialistas estimam que poderá ser duplicado em apenas cinco anos.
O segredo dessa multiplicação é até simples. O impotente terá de tomar o Viagra para sempre. O homem sujeito à calvície terá de ingerir as cápsulas do Propecia enquanto não resolver dar adeus às madeixas. Nunca uma indústria mudou tão espetacularmente de foco. Segundo a revista americana Business Week, "até recentemente, a maior parte das pesquisas estava voltada para a cura de doenças que ameaçavam a vida ou que eram muito debilitantes. Mas as novas megadrogas têm como alvo condições médicas que estão entre a dor e o desconforto, nas quais o tratamento poderia até ser considerado opcional". É a chamada química do bem-estar.
Bocas sequiosas por esses medicamentos é o que não falta. Até duas décadas atrás, um homem ou uma mulher de 40 anos entrava inevitavelmente na fase de declínio da vida. A expectativa era de que vivesse mais duas décadas, em meio a doenças. Com a esperança de vida ampliada em 50%, um indivíduo de 40 anos não está mais apenas aguardando o amargo fim. Sabe que está só na metade da existência. Que pode aproveitar muito mais. Que precisa manter-se rijo, produtivo e — por que não? — bonito por muito mais tempo. De preferência, sem rugas, feliz e com os cabelos bem assentados no cocuruto. Fica-se mais jovem assim, e vale-se mais no mercado de trabalho.
A satisfação de uma ereção poderosa renderá ao laboratório Pfizer, que produz o Viagra, 2 bilhões de dólares no primeiro ano de comercialização. A ânsia por uma personalidade livre dos cenários sombrios da depressão já capitaliza o laboratório Eli Lilly, que fabrica o Prozac, com outros 2,4 bilhões de dólares por ano. Os cabelos que o Propecia não deixa despencar encheram os cofres do laboratório Merck Sharp & Dohme. Nessa montanha de dinheiro estão enterradas duas boas notícias: 1) É dinheiro ganho honestamente, porque esses remédios funcionam mesmo. Nunca houve drogas tão eficientes, com tão poucos efeitos colaterais. Ainda que a cura dos problemas que eles aliviam não esteja nem no horizonte, ficou mais fácil e melhor enfrentar o processo de envelhecimento e as angústias da vida; 2) Mais pílulas milagrosas vêm por aí. No momento em que este texto está sendo escrito, nada menos do que 100 bilhões de dólares voam pelo mundo custeando pesquisas, laboratórios e equipamentos. As drogas do bem-estar vieram para ficar.
 


 

Com reportagem de Alexandre MansuR




 


UM TIRO NO CORAÇÃO

EUA proíbem venda de remédio para emagrecer
que é tomado por 300 000 pessoas no Brasil
Eurípedes Alcântara, de Nova York
Era bom demais para ser verdade. Uma ou duas cápsulas por dia e a gordura fugia do corpo como que por mágica. O apetite, antes um monstro insaciável a urrar dia e noite na barriga, serenava com algumas poucas garfadas no rosbife. Muita gente, antes comilona, quando sob o efeito da dieta química, nem chegava à sobremesa. Durou pouco. Na semana passada, o FDA, sigla do departamento do governo americano que regula a venda de alimentos e remédios no país, mandou tirar de circulação os medicamentos para emagrecer baseados nas drogas dexfenfluramina e fenfluramina, que nos Estados Unidos têm os nomes comerciais Redux e Podimin. No Brasil, há cinco remédios dessa família à venda nas farmácias Delgar, Fluril, Lipless, Minifage e Isomeride, que é o mais conhecido dos cinco (veja quadro). Aprovados com fanfarras há apenas dezesseis meses, o Redux e seus assemelhados não podem mais ser vendidos nos Estados Unidos. "O correto é parar de tomar o remédio imediatamente e avisar seu médico", diz o comunicado do FDA que acabou com a mais eficiente forma de emagrecer já produzida pela medicina e colocou médicos e laboratórios na mira de indenizações milionárias, que poderão eventualmente vir a ser exigidas pelos pacientes prejudicados pelo uso do medicamento. Com a proibição da venda, chegou também ao fim o sonho de conquistar um corpo esbelto com a ajuda de uma pílula comprada na farmácia da esquina.
A farra química acabou porque o FDA botou as mãos em evidências científicas de que quem toma Redux, Isomeride ou qualquer outro remédio dessa família pode vir a ter problemas sérios no coração. Somente no ano passado, 20 milhões de americanos e pelo menos 300.000 brasileiros recorreram a essas drogas em busca de uma solução para o problema da obesidade. Desses, calculam os médicos, apenas 5% a 10% tinham de emagrecer por motivos de saúde ou seja, eram gordos patológicos a quem a obesidade oferecia um risco maior do que o do remédio. Noventa por cento dos que tomavam o medicamento eram pessoas insatisfeitas com a silhueta e buscavam perder apenas entre 5 e 10 quilos. Eficazes como nenhuma outra droga antes deles, esses remédios vinham se tornando uma espécie de cosmético. Seu uso se relacionava mais com a beleza do que com a saúde. Nada de errado com a aflição que as pessoas demonstram por ter uma manta de gordura que as coloca em desacordo com os padrões estéticos em vigor. O problema é o risco envolvido. "Não podemos permitir que continue no mercado um produto que pode deixar seriamente doentes 30% de seus usuários", disse Michael Friedman, médico que chefia o comitê de investigação de drogas aprovadas pelo FDA. Nos últimos três meses, o FDA foi inundado por pesquisas enviadas de todos os cantos dos Estados Unidos relatando efeitos adversos terríveis atribuídos à dexfenfluramina e à fenfluramina. Segundo essas pesquisas, as pílulas para emagrecer estavam causando danos ao coração dos pacientes, um efeito devastador que o FDA nunca imaginara que pudesse ser associado àquelas drogas.
O gordo americano certamente não poderá mais legalmente tomar Redux ou Podimin. Os próprios laboratórios mandaram recolher os estoques dos remédios das farmácias e não têm planos de relançá-los. No Brasil, os fabricantes também retiraram do mercado espontaneamente o Isomeride, o Fluril e o Minifage. Entre alguns médicos brasileiros a reação não foi unânime, talvez porque nenhum caso de válvula cardíaca defeituosa ou qualquer outro efeito colateral tenha sido encontrado até hoje em pacientes tratados com as drogas banidas na semana passada. O defeito na válvula, na maioria dos casos, é um mal silencioso que só pode ser detectado com um exame específico chamado ecocardiograma, uma espécie de ultra-som que fornece uma imagem razoavelmente precisa do interior do coração. "É preciso investigar mais as condições em que os problemas cardíacos apareceram nos pacientes americanos. Afinal, essas drogas já foram usadas por 70 milhões de pessoas em todo o mundo e nunca houve relatos dessa natureza", diz Alfredo Halpern, pesquisador da Universidade de São Paulo, USP, e presidente da Associação Brasileira de Estudo da Obesidade. Posição mais cautelosa assumiu o médico Geraldo Medeiros, também professor da USP. "Não vou mais prescrever essas drogas. Os dados dos estudos são muito convincentes", conclui Medeiros. Elisaldo Carlini, o briguento ex-secretário nacional de Vigilância Sanitária e coordenador do Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas, apoiou a decisão do FDA. Ele nunca aceitou totalmente o atestado americano de segurança que a fenfluramina e a dexfenfluramina receberam no ano passado. "Sempre soube que eram remédios muito perigosos", afirma Carlini. "Ainda mais no Brasil, onde todo mundo acha que pode receitar-se um comprimido."
Chegou a circular no Brasil a argumentação, totalmente sem fundamento, de que o FDA proibira apenas um coquetel feito por farmácias de manipulação conhecido nos Estados Unidos como fen-phen, por ser o resultado da combinação das drogas fenfluramina e phentermina. Errado. O FDA nem se ocupou da phentermina, um supressor do apetite que atua no hipotálamo simulando o efeito das anfetaminas estas sim banidas do receituário dos dietistas há vinte anos nos Estados Unidos, mas que no Brasil continuam sendo usadas irresponsavelmente. O Brasil é o maior importador mundial da anfepramona, um primo da anfetamina supressora do apetite cujo uso é condenado em todo o mundo porque pode criar dependência química. O FDA mirou na fenfluramina e na dexfenfluramina, o componente básico do Redux e do Isomeride. As substâncias são quimicamente muito parecidas. Farmacologicamente não há como distingui-las e, do ponto de vista de seus efeitos no organismo, são absolutamente idênticas. Só na semana passada o FDA recebeu a informação de mais cinco casos de pessoas que desenvolveram problemas nas válvulas cardíacas depois de tomarem apenas Redux. Um dos casos relatados foi o de uma mulher de 32 anos que tomava o medicamento havia apenas dez meses. No total, o FDA já registrou até hoje 35 casos de pacientes com válvulas cardíacas danificadas que tomavam Redux. "Não tomo mais. Uma amiga minha que tomava desmaiou no banheiro", diz Denilma Bulhões, ex-primeira-dama de Alagoas que entrou na dieta química com apenas 6 quilos acima do peso normal. "Usei durante sete meses. Fiquei agitado e não adiantou. Emagreci sem remédio", conta o diretor de teatro paulista Cacá Rosset, 42 anos.

Foto: Frederic Jean
 
Foto: Moreira Mariz
Vários brasileiros tiveram problemas com os efeitos colaterais dos remédios da família do Redux. O diretor de teatro Cacá Rosset (à esq.) ficava agitado e sentia a boca seca. O deputado federal Roberto Jefferson, o maior peso pesado do Congresso, teve crises de insônia e chegou a ficar 47 horas seguidas sem dormir: "O remédio me fazia cheirar mal. Eu tinha um suor ácido"
Que remédios restaram aos médicos para ajudar seus clientes a perder peso? Muito poucos. Desde que se descobriu que acelerar o metabolismo de queima de gorduras é perigoso e ineficaz, a medicina vinha obtendo sucesso ajudando a reprimir o apetite dos gordos. Era exatamente essa a função que as drogas proibidas na semana passada nos Estados Unidos cumpriam admiravelmente. "Precisamos desesperadamente de drogas novas capazes de combater a obesidade, que vem crescendo exponencialmente tanto nos países ricos quanto nos pobres", diz Morgan Downey, diretor da Associação Americana de Obesidade. Emagrecer sem ajuda química é muito difícil. Quase tão difícil quanto manter-se magro depois de perder peso com dieta ou ginástica. Segundo um estudo do NIH, o Instituto Nacional de Saúde americano, apenas 10% dos obesos que se exercitam e fazem dieta conseguem permanecer cinco quilos abaixo do peso original por mais de três anos.
Um dos motivos que tornam difícil perder peso é que o ato de comer é um dos maiores prazeres físicos que o ser humano pode experimentar. E comer é também muito fácil. Basta abrir a geladeira ou entrar na lanchonete. Pagam-se apenas 3 ou 4 reais por um sanduíche que reúne uma montanha de carboidratos e proteínas e outros 2 ou 3 para fechar a refeição com um extra de torta de chocolate. Pesquisas psiquiátricas mostram que a "memória hedônica", a lembrança de um momento de prazer, é muito mais forte entre os gordos do que entre os magros quando associada à comida. Outro acelerador do apetite é o stress da vida moderna. O stress diminui o nível de serotonina no sangue, provocando sensação de fome. "Pessoas estressadas comem o dobro do habitual", diz Fadlo Fraigi Filho, chefe do serviço de endocrinologia do hospital da Beneficência Portuguesa, em São Paulo.
O problema é que no fim da linha o excesso na alimentação acaba se transformando num peso difícil de carregar. Nos Estados Unidos, 300.000 pessoas morrem a cada ano em decorrência de problemas atribuídos à gordura excessiva. No Brasil, são 200.000. Diante desses números, uma droga que substitua a dexfenfluramina e sua irmã gêmea é uma necessidade de saúde pública. Não está incluída nesses cálculos a multidão incomparavelmente maior, de centenas de milhões de pessoas, que quer emagrecer por uma razão igualmente dramática, o ajustamento psicológico e social a uma sociedade que considera a obesidade uma espécie de deformação dupla, do físico e da personalidade. Mesmo que o excesso de peso não seja grande, a pessoa dificilmente fica satisfeita consigo mesma quando é bombardeada o tempo todo por exemplares jovens e desumanamente bem torneados em anúncios publicitários, desfiles de moda, capas de revistas, novelas de televisão e na academia de ginástica que freqüenta. Para completar, o gordinho e a gordinha são motivo de zombaria na escola, não arranjam namorado na adolescência e perdem de concorrentes com inteligência inferior na hora de enfrentar o mercado de trabalho. É por isso que remédios para emagrecer são usados por tanta gente de peso saudável ou apenas ligeiramente acima do padrão recomendável.
Com a proibição do Redux e a condenação dos similares, as atenções se voltam para produtos que os laboratórios estão pesquisando na esperança de criar o grande milagre: a droga que permitirá a uma pessoa dar vazão a todo o seu apetite gastronômico mantendo um corpo de bailarina. "As melhores promessas só devem chegar às farmácias dentro de dois ou três anos", diz Downey (veja quadro). Dessas promessas, a mais espetacular é o Xenical, do laboratório Hoffmann-La Roche, um remédio que paralisa as enzimas que digerem a gordura. Com Xenical no organismo, uma picanha malpassada pesa tanto quanto uma saladinha de alface.
A investigação que fechou o cerco sobre o Redux e culminou com sua retirada do mercado foi uma orquestração complexa da qual a ciência moderna pode orgulhar-se. O primeiro passo, a cargo de um grupo de pesquisadores teimosos que não aceitou a liberação do remédio no ano passado, foi destruir os argumentos de defesa empregados pelos que o liberaram para venda. O Redux chegou às farmácias sob a justificativa de que, mesmo sendo um tanto perigoso, ele acabaria salvando vidas, uma vez que a gordura por si só seria, estatisticamente, centenas de vezes mais mortal do que os efeitos colaterais do remédio. Para aqueles pesquisadores existem pelo menos três razões pelas quais o argumento da "gordura assassina" é falacioso e deveria ter sido rejeitado. Primeira razão: os riscos fatais associados à gordura pressão alta, taxas elevadas de colesterol, diabetes e distúrbios cardíacos podem ser tratados individualmente por drogas já conhecidas e de segurança comprovada. Segunda: 90% dos comprimidos de Redux são engolidos por pessoas com 5 a 10 quilos acima do peso normal, excesso adiposo que, se piora a aparência, não oferece risco de vida. Terceira: nem se pode dizer com certeza que o Redux aumenta a sobrevida dos "gordos mórbidos", aqueles a quem os quilos a mais podem matar, antes de um estudo de longo prazo, que dure de vinte a trinta anos.
O segundo passo, decisivo, foi bombardear o FDA com o resultado de pesquisas recentes sobre o estado de saúde dos pacientes que tomavam dexfenfluramina ou fenfluramina. Nessa etapa, descobriu-se que entre quarenta e cinqüenta pacientes por milhão desenvolvem uma doença irreversível e muitas vezes fatal, a hipertensão pulmonar, quando tratados com Redux. Acreditava-se que esse número não passava de dezesseis pacientes por milhão. Confirmou-se também que o Redux, nas doses corretas, não oferece risco ao cérebro. Tudo isso já se sabia. A brutal novidade foi que o Redux, mesmo nas doses corretas e com apenas poucas semanas de uso, pode ser um desastre para o coração. "As novas descobertas nos obrigaram a agir imediatamente. O risco, ficou claro, é mesmo muito grande", disse Friedman.
Assustadoramente, em nenhuma etapa da investigação inicial que precedeu a aprovação do Redux se cogitou no FDA que ele fizesse mal ao coração. Quando as pesquisas começaram a mostrar a estreita relação entre o uso do remédio e o surgimento de um grave distúrbio nas válvulas cardíacas, o FDA se alarmou. Diversas clínicas ligadas a universidades americanas perceberam esporadicamente o problema em alguns de seus pacientes. Foi a Clínica Mayo, o mais famoso hospital especializado em diagnósticos do mundo, que acendeu definitivamente a luz vermelha. Na pesquisa da clínica, 30% dos pacientes tratados com pílulas para emagrecer à base de fenfluramina desenvolveram sérios problemas nas válvulas cardíacas. Nesses pacientes, o coração não consegue bombear todo o sangue que entra no ventrículo esquerdo. Parte do sangue é regurgitada pelas válvulas, obrigando o coração a um extraordinário esforço adicional para irrigar o organismo. O mais desastroso é que em quatro de cada dez pacientes esse problema, no começo, não provoca nenhum sintoma. Quando o médico o descobre, pode ser tarde demais para o tratamento cirúrgico que consiste na retirada da válvula doente para a implantação de uma prótese animal (em geral, de porco).
A credibilidade da Clínica Mayo, cuja sede fica em Rochester, no Estado de Minnesota, é enorme. Entre os cientistas ela tem reputação firmada por décadas de pesquisa de primeiro nível. Há dois anos, a clínica ganhou ainda mais respeitabilidade ao provar sua isenção num estudo extenso sobre os efeitos do implante de silicone. Contrariando frontalmente o senso comum e alguns trabalhos isolados, os pesquisadores da Clínica Mayo provaram que o implante de silicone é absolutamente seguro. Sua pesquisa sobre os efeitos danosos da fenfluramina foi o estopim da crise que culminou com o recolhimento dos remédios na semana passada. Liderados pela cardiologista Heidi Connoly, os pesquisadores da Clínica Mayo chegaram mais perto de provar cientificamente que as drogas eram culpadas pelo dano cardíaco. "Não podemos afirmar que temos uma prova porque seria incorreto do ponto de vista científico, mas podemos anunciar que há uma associação muito próxima entre o uso da fenfluramina e o problema cardíaco", disse a VEJA a doutora Connoly.
Para o FDA, o estudo de Heidi Connoly teve o peso de uma prova. A doutora Connoly, primeiro, demonstrou que o dano às válvulas era causado por um agente químico externo, e não pelo fato em si de o paciente ser gordo. Em seguida, ela mostrou que alguns pacientes cujas válvulas danificadas foram retiradas e substituídas por implantes voltaram a apresentar problemas valvulares poucas semanas depois da cirurgia. Essas pessoas, relatou ela ao FDA, foram justamente as que continuaram tomando as pílulas de emagrecimento. O convencimento final de que o FDA precisava foi dado por um cardiologista da Universidade Brown. Ali, o coração de 25 pacientes gordos foi examinado à exaustão antes de eles tomarem fenfluramina. Nessa fase anterior ao uso do remédio, nenhum deles apresentou anomalias. Meses depois de entrarem em tratamento com as pílulas para emagrecer, os mesmos pacientes foram reexaminados. Um terço deles tinha desenvolvido problemas nas válvulas. "Quando se comparam os dois estudos lado a lado, não fica dúvida. Estamos diante de uma droga muito, mas muito perigosa mesmo para a saúde do coração", disse Friedman, do FDA.
"Em termos de dano à imagem imaculada de uma instituição, o Redux foi para o FDA o que a explosão da nave Challenger representou para a Nasa", associa Lewis Seiden, farmacologista da Universidade de Chicago, um dos consultores externos contratados pelo FDA para ajudar na avaliação dos efeitos secundários da droga para emagrecer. Seiden, um cientista de méritos e veterano colaborador do governo, ficou espantado, na época, com a rapidez com que o Redux conseguiu passar pelo crivo das autoridades americanas. Drogas semelhantes, algumas com a mesma composição, mas com dosagens um pouco diferentes, haviam sido detonadas pelo FDA ao longo dos últimos quinze anos, uma depois da outra, sem negociação. Com o Redux foi diferente. "Na melhor das hipóteses diria que o FDA foi brando demais com o pleito dos fabricantes do Redux", sintetiza Seiden. "Aquele processo me deixou muito intrigado."
Seiden não foi o único a notar e registrar sua apreensão. Os cientistas do FDA se diziam preocupados principalmente em definir com clareza se o Redux, como os testes com cobaias animais sugeriam, poderia causar algum dano ao cérebro dos pacientes. Nos testes com voluntários humanos, o Redux ministrado em doses corretas nunca provocara danos cerebrais. O grande medo eram as doses excessivas. Havia indícios de que bastaria um único descuido, um paciente que engolisse duas cápsulas em vez de uma, para provocar um acidente cerebral de alguma gravidade. Um estudo do neurologista Mark Molliver, da Universidade Johns Hopkins, não deixava dúvida sobre a questão da dosagem excessiva. "Um remédio com esse potencial de risco não pode ser vendido em farmácias e só deve ser ministrado em hospitais ou clínicas por profissionais treinados", escreveu Molliver. As autoridades do FDA leram o alerta e o engavetaram.
Soube-se na última semana que o Redux seguiu sua rota rumo à aprovação, triunfantemente anunciada em abril de 1996, passando pelos porões do FDA. Médicos americanos que de uma maneira ou de outra se envolveram no processo e foram voto vencido na condenação do medicamento relembraram o episódio na semana passada. Em cartas às revistas especializadas de medicina e nas áreas de discussão profissional da Internet, eles contam que numa reunião decisiva saíram do prédio do FDA convencidos de que o Redux estava morto e enterrado. Mais tarde souberam que, numa manobra que lembra uma das maracutaias do futebol brasileiro, o assunto voltou à pauta e o remédio acabou sendo aprovado.
"A votação oficial foi de 5 a 3 contra a aprovação do Redux", contou um dos médicos que participaram da reunião. Estranhamente, horas depois, quando os médicos mais exigentes haviam saído, outra reunião foi convocada às pressas por um funcionário de segundo escalão do FDA chamado James Bilstad. Foi assim que o Redux teve sua venda aprovada. Assustados com a decisão, os médicos contrariados tentaram reabrir o processo. Inútil. O máximo que conseguiram foi colocar uma cláusula condicional no texto final da aprovação obrigando o laboratório Wyeth-Ayerst a fazer testes de acompanhamento do uso continuado do remédio. Os testes nunca foram feitos. Com o dinheiro que deveria ser gasto na avaliação, o Wyeth-Ayerst pagou um pesado lobby para convencer o FDA a passar uma borracha na cláusula condicional.
O sentimento de culpa dos laboratórios é tão pesado no caso do Redux que ninguém, na semana passada, acreditava que novos testes possam trazer de volta o remédio. O trabalho da Clínica Mayo, embora não definitivo, mostrou-se uma condenação poderosa. "Ambos, o Redux e a fenfluramina, estão mortos e sepultados. Não existe a menor possibilidade de que venham a ser reabilitados", disse Edmund Debler, analista do mercado farmacêutico da Mehta e Isaly, consultoria de Nova York. "O que estamos presenciando é um dos mais sérios incidentes de danos pessoais provocados por uma droga legal", declarou Thomas J. Moore, um respeitado pesquisador de saúde pública da Universidade George Washington. Mesmo diante da confusão do Redux, é bobagem achar que o FDA é uma arapuca, um ninho de conspiradores a serviço do lucro fácil da indústria farmacêutica. O instituto tem uma longa folha de serviços prestados. Os moradores dos Estados Unidos e, por extensão, de quase todos os países do mundo, que tendem a adotar suas decisões na área dos remédios e da fiscalização da pureza dos alimentos, beneficiaram-se muito com a existência do FDA. Basicamente foram as diretrizes do órgão que criaram a base teórica para analisar a eficácia e a segurança dos remédios vendidos no mundo hoje.
O que ocorre, e que o episódio Redux faz saltar aos olhos com veemência, é o fato de que, talvez, nem o FDA, com o seu megaorçamento de quase 1 bilhão de dólares, seja suficientemente aparelhado para dar o veredicto final sobre todos os remédios. "É hora de perguntar se é possível manter tanto poder nas mãos de uma instituição cara, burocrática e lenta como o FDA", dispara a pesquisadora Joanna Siegel, da Universidade Harvard. "Os consumidores americanos e as autoridades de saúde de outros países, como o Brasil, estão certos em começar a desconfiar das decisões do FDA", diz Sam Kazman, pesquisador do Instituto de Estímulo à Competição Empresarial. Kazman salienta que a probabilidade de erro vai inclusive crescer à medida que aumentar o número de produtos lançados no mercado. Segundo ele, é melhor tomar os veredictos do FDA apenas como ponto de partida, reavaliando-os sempre. O caso Redux mostra que essa regra, infelizmente, ainda não foi assimilada.
Os Redux brasileiros
Foto: J. Miranda
Após a proibição dos medicamentos com fenfluramina ou dexfenfluramina nos EUA, três fabricantes desses remédios no Brasil decidiram, espontaneamente, retirá-los do mercado. Saíram o Isomeride, o Fluril e o Minifage. Continuam à venda o Delgar e o Lipless. As farmácias de manipulação continuam aviando receitas com as substâncias. Recomenda-se às pessoas que tomam esses comprimidos entrar em contato com seus médicos. E, se o tratamento durar mais de um ano, por segurança os médicos sugerem um ecocardiograma.

A nova geração de remédios

O melhor efeito da proibição das pílulas de dieta será acelerar a busca de remédios de emagrecimento que sejam mais eficazes e mais seguros. Estão em teste nos grandes laboratórios mundiais alguns medicamentos promissores. A mais esperada de todas as novas armas de combate à obesidade é o Xenical, do laboratório Hoffmann-La Roche. Ele vem queimando etapas no processo de aprovação no FDA e, se tudo correr bem, estará à venda no final de 1998. O Xenical poderia chegar mais cedo às farmácias, mas o FDA pisou no freio depois que encontrou um leve aumento do número de casos de câncer de mama entre os 4.000 voluntários que há três anos testam a segurança e a eficácia da nova droga. Entre as mulheres que tomam Xenical houve aumento de casos da doença da ordem de 2,8% em comparação com as mulheres do grupo de controle, aquelas que receberam apenas placebo, ou seja, uma cápsula sem nenhuma substância ativa dentro. "Muito provavelmente o aumento do número de casos de câncer foi um desvio estatístico. Estamos muito confiantes nesse medicamento", disse Patrick Zenner, presidente do Hoffmann-La Roche.
O Xenical tem a enorme vantagem de, no jargão médico, ser uma droga "não-sistêmica". Isso significa que seus ingredientes não são absorvidos pelo estômago ou intestinos e, conseqüentemente, não entram na corrente sanguínea. O Xenical funciona como um filtro que impede a digestão de parte da gordura contida nos alimentos e, uma vez feito seu trabalho, é expelido. Com o nome científico de Orlistat, ele é um inibidor da atividade enzimática dos sucos gástricos envolvidos na quebra das moléculas de gordura. A presença dele no estômago e no intestino faz com que 30% da gordura ingerida seja eliminada antes que o organismo tenha tempo de absorvê-la. Oito em cada dez voluntários que vêm tomando experimentalmente o Orlistat (três cápsulas de 120 miligramas, três vezes ao dia) perderam 10% do peso e têm-se mantido assim. Os efeitos colaterais mais comuns foram diarréia e desconforto abdominal passageiro.
Outra substância, a sibutramina, que também estava em fase final de aprovação pelo FDA, deve ficar na gaveta. Sintetizada pelo laboratório Knoll, ligado ao grupo alemão Basf, a sibutramina age de modo muito semelhante ao Redux, aumentando a quantidade de serotonina em circulação no organismo. A serotonina é um dos neurotransmissores, substâncias que estimulam o cérebro influindo no humor das pessoas e diminuindo o apetite. Na pesquisa da Clínica Mayo que deflagrou a proibição do Redux, justamente a serotonina em excesso foi apontada como a causa mais provável dos danos às válvulas cardíacas. Deve ganhar fôlego, porém, um novo remédio fabricado pelas modernas técnicas da engenharia genética, o Leptin, do laboratório Amgen. O Leptin é a versão sintética da leptina, uma proteína natural envolvida na contenção do apetite. O remédio andava desacreditado depois que se constatou que magros e gordos fabricam a mesma quantidade desse hormônio. Descobriu-se recentemente que o segredo está na maior capacidade do cérebro dos magros de se deixar comandar pela leptina. O OB-Receptor, remédio em teste também do Hoffmann-La Roche, se propõe justamente a fazer os neurônios dos gordos funcionar como os dos magros, tornando-os mais suscetíveis à ação inibidora do apetite da leptina. 


Reportagens



27 de novembro de 1996
Gordura tem remédio
Depois da era das bruxarias, um
medicamento assume o posto
de maior aliado do gordo na
hora da dieta
Não desanime. Gordura já tem remédio. 'Em vinte anos de experiência médica, tratando milhares de obesos, nunca vi coisa igual: alguns de meus pacientes perderam 22 quilos em três meses apenas com remédios, sem dieta ou exercícios', diz o endocrinologista americano Benjamin Krentzman, que clinica na Califórnia, o Estado americano onde todo mundo quer parecer filho de Jane Fonda com Arnold Schwarzenegger. 'Esta é a década do ataque final à obesidade crônica', completa Krentzman, um entusiasta das novas drogas, várias delas já receitadas no Brasil. Elas são uma esperança real para os gordos derrotados pelas dietas mais exóticas e malhação de pára-quedista. Até bem pouco tempo atrás, a maioria das drogas para combater a obesidade era feita à base de substâncias hipnóticas e anfetaminas, que podem provocar alucinações e viciar os pacientes. Com o surgimento do Redux, do Isomeride e assemelhados, a saída química tornou-se mais aceitável para os gordos crônicos.
Nos Estados Unidos, a obesidade é um problema de saúde pública. Apesar de comerem 40% menos calorias que nos anos 80, e apesar de 50 milhões deles freqüentarem academias de ginástica, os americanos estão mais gordos. Na década passada, um em cada quatro americanos era obeso. A relação hoje é de um em cada três. No Brasil, o número é quase o mesmo. O que se julgava apenas um distúrbio do comportamento - comer muito e exercitar-se pouco - passou a ser visto como uma disfunção biológica. Ou seja, o emagrecimento agora deve ser orientado e acompanhado por profissionais da medicina, e não pelos conselhos de atrizes de televisão e seus gurus psicoquímicos. 'Chegou a hora de tirarmos a questão da obesidade das mãos das publicações populares com suas dietas milagrosas, dos curandeiros e seus chás exóticos, e devolvê-la aos consultórios médicos', diz C. Everett Koop, o respeitadíssimo médico americano que foi ministro da Saúde no governo Reagan e hoje dirige a Shape Up America (Entre em Forma América). Koop alerta que a obesidade está intimamente relacionada com as mortes por ataque cardíaco, diabete e hipertensão, além de ser um agravante nos casos de artrite e uma das causas do câncer de colo e da próstata, em homens, e do câncer cervical, em mulheres. 'Pela primeira vez, temos drogas eficazes para tratar os casos mais graves, e é preciso agir', diz Koop.

Preguiça - A conversão do ex-ministro da Saúde, antes contrário às drogas emagrecedoras, é resultado de um exame sério das estatísticas. 'Só dietas e exercícios não conseguem fazer um gordo emagrecer e manter-se magro', diz Koop. As notícias do sucesso do ataque químico à gordura vêm acompanhadas de descobertas sobre a origem genética da obesidade e dos labirintos fisiológicos que perpetuam a gordura no corpo. 'Por um mecanismo ancestral de sobrevivência, um ou vários genes mandam o corpo armazenar gordura mesmo quando não há escassez de comida', explica o endocrinologista paulista Geraldo Medeiros, um dos mais atualizados médicos brasileiros. 'A desativação desse gene já foi tentada com sucesso em cobaias e a primeira experiência humana é esperada para daqui a alguns anos.' Pela primeira vez se reconhece amplamente, graças às pesquisas, que as pessoas obesas são derrotadas pelas dietas e abandonam logo a malhação, não por falta de força de vontade, mas por uma poderosa imposição genética. É uma libertação: os gordos não são mais vistos como depósitos humanos onde a gordura se acumula por preguiça ou gula. Gordura não é pecado. É doença, e como tal deve ser tratada.
Descobriu-se não apenas quais são as substâncias químicas responsáveis pela ligação entre a cabeça e a barriga, mas também como quebrar essa cadeia. Pacientes que tomam, por exemplo, comprimidos de fenproporex e dexfenfluramina, princípio ativo do Redux americano e do brasileiro Isomeride, satisfazem-se com apenas um terço da quantidade de comida a que estão acostumados. 'Quando o paciente obeso se dá por satisfeito, e recusa a batata, o pão com manteiga ou um pedaço de bolo, é sinal de que o remédio está agindo', diz Xavier Pi-Sunyer, diretor do Centro de Pesquisa da Obesidade do Hospital St. Luke’s Roosevelt, em Nova York. O que Pi-Sunyer descreve é um fenômeno impressionante: auxiliado por um composto químico sintético, o organismo de um gordo passa a se comportar como o de uma pessoa magra. A ajuda extra da farmacologia não é a derrota total da gordura. Tratar com remédios a obesidade patológica e, em alguns casos, o desconforto estético de uns quilos a mais tem conseqüências que é preciso enfrentar. Remédio é remédio. Funciona, mas tem efeitos colaterais. Funciona, mas não igualmente para todo mundo. Funciona, mas não pode ser tomado - em hipótese alguma - sem supervisão médica enquanto durar o tratamento. 'Não existe mágica na terapia com remédios, seja o Redux ou outro qualquer', diz Medeiros. 'O que existe são resultados positivos, obtidos num prazo curto, quando comparado a outras abordagens.'

Cérebro inundado - o Redux, primeiro medicamento contra a obesidade aprovado pelo FDA, a agência que controla a indústria farmacêutica nos Estados Unidos, está gerando uma onda de esperança sem precedentes. Um pouco se deve ao fato de ter conseguido vencer as barreiras do FDA. O princípio ativo do Redux, a dexfenfluramina, já vinha sendo receitado por endocrinologistas no Brasil havia alguns anos. Na fórmula do Redux, porém, a dexfenfluramina aparece sem alguns efeitos indesejáveis de formulações mais antigas. Além disso, o remédio foi acondicionado em cápsulas que dão aos médicos segurança muito maior no que diz respeito ao grau e ao tempo de absorção da substância ativa no corpo. O Redux é da família dos serotoninérgicos. Isso significa que ele inunda o cérebro do paciente de serotonina, substância química que é naturalmente produzida pelo organismo em situações prazerosas, entre elas a de estômago cheio (veja ilustração na pág. 72). Ou seja, quem toma Redux está enganando o estômago. Basta um pouco de comida e o cérebro, já submerso na serotonina vinda do remédio, avisa ao estômago que não precisa mais comer, pois o organismo está satisfeito.
'Apenas mudamos os personagens no jogo da enganação: antes o gordo enganava a si próprio correndo à geladeira de madrugada para satisfazer o chamado do cérebro por serotonina, e agora estamos enganando o estômago, informando-o quimicamente de que não precisamos mais de comida', diz o médico Benjamin Krentzman, que experimenta em si mesmo as terapias químicas que receita a seus pacientes. Krentzman mantém uma página na Internet (http://www.loop.com/~bkrentzman/ index.html), que se tornou uma fonte de informações sobre o uso do Redux e de outras drogas emagrecedoras. Médicos de todo o mundo mandam suas experiências para Krentzman, que as exibe na Internet. Pela página de Krentzman pode-se saber que as autoridades de dezenas de países estão preocupadas com a possibilidade de o Redux se tornar um remédio popular - ou seja, passar a ser tomado sem receita médica, por indicação de amigos. Não é difícil isso ocorrer. Consumidores brasileiros têm importado caixas de sessenta comprimidos de Redux por 150 dólares a unidade, num ritmo frenético. A popularização dessas promessas químicas pela automedicação seria um desastre, alertam os médicos. 'O pior mal que alguém pode se fazer é tomar essas drogas sem acompanhamento médico', diz o endocrinologista paulista Alfredo Halpern.

Risco - Existe uma enorme zona de sombra a respeito do Redux e suas drogas coirmãs, aquelas que mexem com o equilíbrio da serotonina no cérebro. Para início de conversa, há uma séria dúvida entre os médicos americanos se a dose recomendada pelo próprio fabricante, o laboratório Wyeth-Ayerst, não é exagerada. Krentzman adianta que, com um terço da dose diária recomendada, ele vem obtendo resultados positivos já nas primeiras semanas de tratamento. Ele sugere que as doses de manutenção podem ser ainda mais reduzidas. A dexfenfluramina muda radicalmente o metabolismo do corpo e age diretamente sobre o cérebro. Ao liberar a dexfenfluramina, as autoridades de saúde americanas adiantaram que o remédio só deve ser receitado para pessoas obesas em quem a gordura seja um fator de risco para a saúde ainda maior do que o embutido na droga emagrecedora.
O FDA considera gorda, para efeito de tratamento com Redux, a pessoa que tenha índice de massa corporal, ou IMC, maior ou igual a 30. Esse índice é o mais novo e adequado indicador médico de gordura de aceitação universal (veja ilustração acima) Tem-se o IMC dividindo o peso em quilos pela altura em metros elevada ao quadrado. Quem, por exemplo, mede 1,62 metro e pesa 80 quilos tem IMC de 30 e, portanto, pelo rigor das recomendações americanas já se poderia habilitar a tomar Redux ou outra droga emagrecedora. Nessas pessoas, os quilos a mais representam um risco maior para a saúde do que os comprimidos para emagrecer. Segundo cálculo do pesquisador Landis Lum, professor da escola de medicina da Universidade do Havaí - Estado americano onde a gordura é quase epidêmica -, o Redux pode salvar vidas de pessoas obesas. Acompanhe o raciocínio do doutor Lum: 'Pelo que se sabe dos efeitos letais da droga, ela pode matar até quarenta pacientes em cada milhão. Ora, em pessoas de índice de massa corporal na casa dos 30, a diabete, os derrames e ataques cardíacos provocados pelo excesso de peso matam mais - 280 em cada milhão de pessoas. Pode-se afirmar, portanto, que o Redux salva 240 vidas por milhão'.
Ótimo. Mas no caso do Redux, mesmo os efeitos colaterais brandos são bastante incômodos: diarréia, boca seca, sonolência e sonhos agitadíssimos. José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, vice-presidente da Rede Globo, tomou o Redux, reconhece que o remédio fez com que emagrecesse de maneira significativa, mas não agüentou o tranco. 'É insuportável ficar com a boca seca o tempo todo', conta Boni, que também ficou com sua vida onírica de cabeça para baixo. 'Alguns sonhos eram tão vivos que eu acordava rindo.' O Redux também pode provocar uma rara e progressiva hipertensão pulmonar, ou PPH, letal na maioria dos casos. Na média, a PPH ataca dezoito pacientes que tomam Redux em cada grupo de 1 milhão. Alguns estudos, ainda dependendo de confirmação, indicam que esse número pode chegar a quarenta mortes por milhão. A estatística pode parecer sinistra, mas é um número menor do que o de mortes associadas a uma simples aspirina, e substancialmente menor do que o risco de tomar pílulas anticoncepcionais ou penicilina. Ao menor sinal de inchaços nas extremidades dos dedos, desmaios, falta de ar, dores no peito, o paciente deve parar de tomar imediatamente o remédio e procurar ajuda médica. Os sintomas acima são os que precedem as crises fatais de PPH. 'Para evitar um desastre desses, o médico precisa examinar com muito cuidado seus pacientes. Quem tem problemas de psicose maníaco-depressiva, insuficiência renal ou hepática não pode tomar dexfenfluramina', avisa o médico Geraldo Medeiros.

Meta realista - Como regra geral, os médicos estão receitando Redux para pessoas cujo IMC seja maior ou igual a 27. Por tal critério, um homem com 1,83 metro de altura e 90 quilos de peso já se habilitaria a receber tratamento químico. Uma mulher de 1,65 metro de altura e 74 quilos de peso também poderia considerar o tratamento com remédios. 'Não vejo por que não usar Redux em doses mínimas nos casos estéticos', diz Krentzman. São poucos os médicos que assumem publicamente essa atitude. A maioria prefere tratar a dexfenfluramina e as outras drogas como potencialmente perigosas, embora aceitem a idéia de receitá-las em casos cosméticos, desde que o paciente esteja com boa saúde. Em cobaias de laboratório, a dexfenfluramina provocou distúrbios e degenerações cerebrais. Até hoje nenhum caso desse perigoso efeito colateral no cérebro foi registrado em seres humanos. Um estudo de acompanhamento dos efeitos do Redux, feito durante um ano inteiro na Europa com 10 milhões de pacientes em regime de redução de peso, não apontou um único caso de ataque ao cérebro ocasionado pela droga. A tendência dos remédios para emagrecer é se tornarem, com o tempo, menos arriscados. Os médicos passarão a entender melhor seu funcionamento e é de se esperar que surjam novas versões menos agressivas e mais adequadas ao uso diário e prolongado. Por enquanto, a dexfenfluramina só deve ser utilizada para dar um impulso psicológico inicial ao paciente que decide tratar sua obesidade. Mesmo porque os estudos mostram que, num prazo entre cinco meses e um ano, o remédio perde o efeito. As terapias de manutenção são feitas, então, com outras drogas, como o fenproporex, que também age sobre o sistema nervoso central. O fenproporex libera adrenalina entre os neurônios, inibindo o apetite selvagem.
Um trabalho seminal do geneticista canadense Claude Bouchard, da Universidade de Laval, no Quebec, mostrou a relação direta entre alguns genes e a ocorrência da obesidade, da diabete e dos distúrbios da tireóide (veja ilustração acima). Um desses genes ajudaria a explicar por que comendo menos calorias, exercitando-se mais e fazendo toda sorte de dietas, o número de indivíduos gordos só aumenta. Os seres humanos estariam se tornando a cada geração indivíduos metabolicamente mais eficientes - ou seja, capazes de realizar mais trabalho físico com uma quantidade menor de calorias. 'A humanidade está se aprimorando geneticamente numa direção um tanto estranha. Estamos nos tornando grandes estocadores de gordura. A obesidade está dobrando a cada cinco anos no mundo. Nós temos uma epidemia pela frente, uma maré gigante de problemas para a saúde pública dos países ocidentais', diz Philip James, especialista escocês, autor de um estudo mundial sobre a questão da gordura em nações industrializadas. 'Ainda estamos distantes de uma vitória completa contra a obesidade. Por uns bons anos ainda será quase impossível transformar uma pessoa gorda num indivíduo definitivamente magro', reconhece o pesquisador nova-iorquino Pi-Sunyer. 'Mas o ataque coordenado à gordura com drogas, exercício e dieta de baixas calorias é a terapia mais potente de que dispomos.' Pi-Sunyer acha racional esperar que um gordo sadio possa conseguir facilmente, combinando as três armas acima, perder 10% do peso corporal no primeiro ano de tratamento e mais 10% no ano seguinte. Daí para a frente manter-se nesse patamar pelo resto da vida será uma meta mais realista. Para quem dispunha apenas de falsas esperanças, o avanço é enorme.
O peso de perder peso
As novas drogas para emagrecer são uma esperança a mais para os gordos decepcionados com os resultados das dietas e dos exercícios. O tratamento químico, porém, tem limitações
 APENAS EXERCÍCIO
É dureza queimar calorias com exercício físico. Apenas o que se acumula com o café da manhã normal (pão com manteiga, leite integral, café com açúcar, cereais e suco de frutas) durante uma semana, equivale a 2 500 calorias. Para suar 2 500 calorias é preciso correr 5 quilômetros diadiamente, seis vezes por semana, ou então nadar meia hora todos os dias. Ou jogar tênis durante uma hora, seis dias por semana. Para queimar o mesmo número de calorias andando, é preciso caminhar 7 quilômetros por dia, também seis dias por semana. Um estudo do NIH, o reputado instituto americano de saúde, mostra que mesmo os gordos mais obstinados emagrecem apenas de 2 a 3,5 quilos ao final de um ano de malhação rigorosa. Depois de três anos se esfalfando, 94% dos gordos desistem de se exercitar e voltam a ganhar peso.
APENAS DIETA
Quase ninguém consegue perder e manter o peso apenas comendo menos. Um estudo sobre a flutuação do peso corporal, feito por médicos dos Estados Unidos e da Suécia, acompanhou 3 000 mulheres americanas voluntárias durante 32 anos, na cidade de Framingham. Depois de um ano de dieta, nove em cada dez mulheres haviam perdido apenas um terço da gordura corporal da qual esperavam livrar-se. Ao final de cinco anos, todas as mulheres estavam gordas novamente. O estudo mostrou que, na média, 85% das mulheres e homens gordos que emagrecem com dietas voltam ao peso original dois anos depois de te vencido parcialmente a obesidade
 DIETA + EXERCÍCIO
A combinação é eficientíssima, mas poucos gordos conseguem mantê-la por muito tempo. Um estudo da Associação Americana de Cardiologia mostra que os primeiros 5 quilos que as pessoas obesas perdem com regime e exercício são os mais saudáveis. Os índices de colesterol diminuem, o coração trabalha com carga menor, a oxigenação dos tecidos aumenta. Mas poucos mantêm as conquistas. Segundo um estudo da NIH, apenas 10% dos obesos que se exercitam e fazem dieta conseguem permanecer 5 quilos abaixo do peso original por mais de três anos.
 REMÉDIO
O mais extenso e prolongado estudo sobre os efeitos da dexfenfluramina, o princípio ativo o Redux, acompanhou 900 pacientes durante um ano, nos Estados Unidos. No final da experiência, feita pelo laboratório Wyeth-Ayerst, cerca de 350 dos pacientes haviam perdido 5% de peso, por volta de 370 deles perderam 10% e quase 180 estavam 15% mais magros. O Redux e outras drogas perdem a eficiência entre cinco meses e um ano de uso continuado. Os médicos acreditam que o estímulo da vitória inicial contra a obesidade proporcionada pelos remédios é vital para o controle da obesidade, mas não conseguem avaliar seu efeito a longo prazo.
DIETA + REMÉDIO + EXERCÍCIO
A combinação ideal. As drogas animam o obeso a exercitar-se porque reduzem rapidamente sua massa corporal. A dexfenfluramina torna as dietas mais suportáveis. Não existem, ainda, estudos de longo prazo sobre essa combinação.






21 de dezembro de 1994
A chave para ganhar
a guerra do peso

Às vésperas da maratona culinária do
fim de ano, os médicos ensinam os
truques que garantem um corpo magro
para sempre. Atenção: não é preciso
morrer de fome no spa nem apelar
para dietas mirabolantes e
arriscadas
A proximidade das festas, com seus banquetes cheios de calorias, e a chegada do verão - carnes à mostra! - são perspectivas aterradoras para coxas, barrigas e peitos brasileiros. Como fazer para conciliar a comilança natalina com a missão impossível de acomodar corpos inflados em biquínis, sungas, shortinhos e tops? O Brasil nunca foi tão gordo, apesar da plena vigência da Campanha contra a Fome do Betinho. O Ministério da Saúde adverte: de 1976 a 1991 cresceu em 30% o número de gorduchos e em 43% o de gorduchas. Homens e mulheres com massa corpórea superior ao normal já somam 27 milhões. Destes, 6,8 milhões são obesos - têm de 20% a 30% mais quilos do que deveriam. Pesquisa realizada com 70.000 famílias pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro mostra que o excesso de peso é mais comum nas mulheres de classe média baixa entre 40 e 60 anos. Elas são 40% mais gordas do que americanas, canadenses e européias de mesmo nível sócio-econômico. Entre os homens, quanto mais cheio de dinheiro o bolso, mais cheio de gordura o corpo. Tragédia.
A obesidade cresce, e a indústria do emagrecimento se multiplica, sobretudo no país onde mais se come em todo o mundo, os Estados Unidos. Os americanos gastam 33 bilhões de dólares por ano em dietas de emagrecimento. O que eles torram para não comer é um terço de tudo o que o Brasil desembolsa para comer. A previsão de gastos para 1996, conforme o Obesity and Health, um centro americano de estudos da obesidade, é de 48 bilhões de dólares, mais que o PIB do Chile. As americanas obesas somam 35% das mulheres, e os obesos, 31% dos homens. E não é por falta de combate que há tanta gente redonda no mundo de hoje: 70% das pessoas com livre acesso à comida tentaram, tentam ou tentarão perder peso.
Fraqueza de vontade, olhos maiores do que o estômago e preguiça são algumas das acusações lançadas contra os gordinhos e as gordinhas, permanentemente siderados pelo perfil longilíneo de modelos como Kate Moss ou Cindy Crawford. Como conquistar aquela cinturinha é que são elas. De tempo em tempo, os cientistas inventam um vilão e surgem regimes "revolucionários". Foram mais de 500 dietas diferentes nos últimos cinqüenta anos. Apareceram e desapareceram com a mesma rapidez com que seus seguidores perderam e voltaram a ganhar peso, no famoso "efeito sanfona". É um terrível engorda, emagrece, engorda, emagrece... Relatórios americanos mostram que, em média, as pessoas que fazem regimes recuperam dois terços do peso perdido em um ano e quase tudo em cinco.
Os eternos rechonchudos não se convencem. Continuam a acreditar que, da noite para o dia, vai surgir alguém ou alguma coisa que os fará dormir gordos e acordar magros. Primeiro, cismou-se de jogar a culpa toda nos carboidratos. Todo mundo se lembra daquela fase terrível. Adeus pãezinhos, sorvetes, doces, refrigerantes, espaguetes e nhoques. Em 1976, um médico americano que se tornaria famoso, Robert Atkins, lançou o seguinte grito de guerra ao peso: o certo seria combater a gordura com gordura. Quem só comesse picanha, torresmo, hambúrguer e outras coisas gordurentas poderia emagrecer até 10 quilos por mês. Funcionava mesmo. Na ausência de carboidratos, o organismo produz compostos químicos chamados cetonas, que tiram o apetite. O doutor Atkins faturou alto vendendo manuais de auto-ajuda. O único problema é que não havia artéria que resistisse. Os níveis de colesterol aumentavam drasticamente e os riscos de um problema cardiovascular se tornavam dramáticos.
Abaixo o antigo regime! Numa virada sensacional, quase duas décadas depois, Atkins foi para o espaço e a gordura se tornou o inimigo público número 1. O candidato a manequim aprendeu então que deveria limitar-se aos carboidratos - pães, massas e até açúcar! Kelly Brownell, diretor do Centro de Alimentação e Distúrbios de Peso da Universidade Yale, chegou a sugerir que as gorduras, chamadas cientificamente de lipídios, mereceriam o mesmo tratamento dispensado nos Estados Unidos ao cigarro. "Elas deveriam ser taxadas pesadamente e transformadas em artigos socialmente inaceitáveis." Até que resolveria, ao menos para reduzir a obesidade. Um pequenino problema, contudo, atrapalharia a performance do novo regime. As gorduras são essenciais ao metabolismo das vitaminas A, D, E e K. "Elas só são absorvidas pelo organismo se estiverem na presença de gordura", alerta a nutricionista paulista Anna Beatriz Guimarães Oliva. Ou seja, gorduras com moderação ajudam. Não esqueça de pôr moderação nisso. O maior vilão do peso e da saúde não é o açúcar do café nem a macarronada da cantina. É mesmo a gordura que todos gostam de pôr no prato na forma de batata frita, de carne vermelha, de manteiga, de creme de leite e outras atrações.
Entre as duas dietas que iam aos extremos, proibindo numa hora os carboidratos e na outra as gorduras, tentaram-se soluções ensandecidas - que também funcionavam a curto prazo, diga-se. Afinal, perde-se peso com qualquer dieta, por mais louca que seja. O problema é manter o peso baixo e evitar problemas de saúde durante a tentativa. Quem não se lembra da famosíssima dieta de Beverly Hills? Era um primor de sectarismo alimentar. Só se podia comer frutas - seis semanas à base de muito abacaxi e morango, principalmente. Dava certo, porque essas frutas possuem propriedades especiais que ativam as enzimas responsáveis pela digestão. Um pequenino problema, contudo, acontecia. Paupérrima em potássio e cálcio, essa dieta condenava os gorduchos a câimbras recorrentes e a bocas cheias de aftas. E, cá entre nós, não dá para passar o resto da vida comendo abacaxi, certo? Também houve a dieta do amor, chamada de "Vem cá, meu bem, vamos emagrecer?", criada no início da década de 80 pelo americano Richard Smith. No livro Como Emagrecer Fazendo Sexo, Smith propunha: duas horas de sexo entusiasmado queimam um suflê de chocolate, ou um leitão à pururuca, ou um supersundae. Um orgasmo, garantia o autor, consumiria 160 calorias em dezenove segundos. Corria-se o risco de uma bela congestão, é verdade.
Por que as pessoas engordam?

 Depois de tantas idas e vindas, os médicos agora preferem soluções menos mirabolantes. O importante é aprender como comer e escapar da propaganda enganosa. Quem já não se viu diante da prateleira de um supermercado escolhendo produtos com baixo teor de gordura como se isso bastasse para emagrecer? Muitas pessoas evitam comidas que sejam carregadas de gordura na fórmula e mesmo assim não param de ver a barriga aumentando. Infelizmente, a maioria não tem idéia do que está comprando na prateleira do supermercado. Uma pesquisa feita pelo Laboratório Central de Saúde Pública Noel Nutels, do Rio de Janeiro, analisou sessenta produtos ditos dietéticos vendidos no mercado nacional e encontrou informações enganosas ou deficientes em quarenta deles. Do jeito que estão, as embalagens contêm informações que mais confundem o consumidor do que o esclarecem. Seria um problema fácil de resolver - bastaria exigir dos fabricantes mais precisão nos rótulos. Acontece que, em alguns casos, nem mesmo os próprios cientistas conseguem chegar a um acordo sobre os benefícios ou malefícios causados pelos alimentos. A margarina é um exemplo. Primeiro, ela foi incensada como um substituto mais saudável da manteiga - não entupiria as artérias como o derivado do leite. Agora, estudos recentes, divulgados na edição de 5 de dezembro da revista americana Newsweek, puseram essa teoria abaixo. A margarina contém - sim - substâncias que podem obstruir os vasos sanguíneos tão eficientemente quanto a manteiga.
Em meio às dúvidas, uma definição existe: o correto para emagrecer com saúde, acreditam hoje os especialistas, é comer de tudo. Quer vatapá? Pode. Feijoada? Pode. Um delicioso tender natalino? Pode. Pode tudo, desde que exista autocontrole. O endocrinologista Alfred Halpern, professor da USP, por exemplo, abomina a palavra "regime". "O termo é sinônimo de prisão, cerceamento de liberdade e pressupõe que seja temporário", diz ele. E dieta é para sempre. Só acaba no dia da morte, faz coro o endocrinologista Bernardo Wajchenberg, professor da Universidade de São Paulo. Calma! Um pouco mais adiante virão algumas dicas valiosas sobre como se controlar. Por enquanto, vamos desmascarar os agentes da obesidade. Atenção, eles não são nada secretos.
Quando alguém se delicia com um sorvete de creme, ingere gordura, carboidratos e proteínas. As proteínas são típicos agentes do bem - não engordam e são essenciais à vida. O drama está nas gorduras e nos carboidratos. No caso do sorvete, a gordura vem do leite e os carboidratos, do açúcar. Ao serem digeridas, as moléculas de gordura e carboidrato são quebradas, liberando energia - as famosas e assustadoras calorias. Repetido à exaustão, o conceito de caloria foi extraído da física. No sentido estrito, designa a quantidade de calor que, aplicada a 1 grama de água, eleva sua temperatura em 1 grau centígrado. Para os gordos ou candidatos a, o termo tornou-se sinônimo de catástrofe, apesar de essa energia ser essencial para sustentar os processos vitais. O problema é que na maioria das vezes se ingere mais comida do que o necessário. O excedente fica guardado sob a forma de gordura. Aí, é um deus-nos-acuda - pneus, culotes e barrigas saltando para todos os lados.
A obesidade é também genética?
 Em seu simbolismo, é quase uma fábula. Mas a história real de uma tribo indígena americana, os pimas, narra como a tendência à obesidade, de virtude genética, se tornou uma danação. Até que os homens brancos chegassem, os pimas, que vivem no Estado do Arizona, eram todos magros. Para comer tinham de caçar. Muito esforço físico, portanto. Nas entressafras, não havia geladeira, é claro, e eles passavam fome. Morreriam todos se a natureza não tivesse dotado alguns indivíduos de um mecanismo para poupar energia, dizem os pesquisadores Peter Bennet e Eric Ravussin, do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, autores da pesquisa que é hoje citada por todos os endocrinologistas que lidam com gordotas.
A velha seleção natural de Darwin funcionando, é claro que os pimas capazes de acumular mais energia foram os que sobreviveram e se multiplicaram. A chegada do homem branco, contudo, transformou a vida desses índios. A comida tornou-se abundante. Sem precisar correr atrás da caça, sem passar longos períodos de fome, a antiga capacidade de poupar energia transformou-se em tecido adiposo. Hoje, a obesidade entre os pimas é epidêmica - 75% são obesos e 50% sofrem de diabetes. Ter o gene da obesidade é um fator de proteção contra catástrofes, guerras e fome, é certo. Mas é também prejuízo garantido em tempos de abastecimento normal de alimentos. Facilidades como o disk pizza ou a lanchonete na porta de casa fazem com que se coma mais freqüentemente e em maior quantidade, disparando os mecanismos genéticos de acúmulo de gordura. "Avalio que 45% dos obesos que chegam ao meu consultório possuem características genéticas que os predispõem à obesidade", afirma o endocrinologista Geraldo Medeiros, do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Qual o tipo de alimento que mais engorda?
Os regimes que pregam a abstenção drástica de gorduras se baseiam no fato de essas substâncias serem facilmente transformadas em tecido adiposo. Quando a pessoa come carboidrato - batatas por exemplo -, 25% das calorias ingeridas nessa refeição serão queimadas pelo organismo apenas no processamento do alimento. Com as gorduras, o trabalho é bem menor. Gasta-se apenas 3% do seu valor calórico no metabolismo. Um exemplo: comendo-se 200 gramas de manteiga, perdem-se só 10 gramas no processamento metabólico. Outros 190 gramas ficam guardados em forma de gordura. Conclusão: grama por grama, gorduras engordam muito mais do que carboidratos. Outro problema: gorduras enganam. "Quando se come gordura, a sensação que se tem ao cruzar os talheres sobre o prato é de saciedade, mas dura pouco", diz o endocrinologista paulista Bernardo Wajchenberg. É assim porque o esforço que o organismo faz para digerir lipídios é muito menor. Quando se come gordura vai-se ter fome muito mais rapidamente do que quando se come carboidrato.
Como já se disse, gordura é ruim, mas nem tanto se ingerida com parcimônia, e isso é o que falta. Os americanos ingerem uma média monstruosa de gorduras por dia - 46% do total calórico de sua alimentação vem sob a forma de lipídios. Já os japoneses, povo naturalmente esbelto, consomem apenas 28% de seu total calórico sob essa forma. Essa é a média que se preconiza hoje em dia como a ideal. Ou seja, se o consumo for de 1.800 calorias por dia - a média do brasileiro -, 500 devem vir da gordura. Isso significa 60 gramas de gordura diárias, ou catorze colheres de chá rasas.
Os lipídios que fazem a humanidade inchar são consumidos sobretudo sob a forma de carne. Esse é um ponto que vale a pena deixar bem claro. Não há necessidade de comer carne todo dia. Três bifes por semana bastam. Wajchenberg faz um alerta: "Quanto mais vermelha e macia for a carne, mais rica em gordura ela é". Nas outras refeições, os bifes podem ser substituídos pelas leguminosas - o feijão, a ervilha ou a lentilha. Evitar excessos não significa eliminar. A carne tem grandes virtudes. Ela é excelente para a absorção de proteínas. Atenção, porém, para o preparo dela. Num hambúrguer, por exemplo, encontram-se apenas as chamadas gorduras saturadas, que aumentam o risco de doenças cardiovasculares e de câncer de mama, no caso das mulheres.
Para quem quer emagrecer, mais grave ainda é que hambúrguer é sinônimo de fast food. Vem acompanhado de batatas fritas, milk-shake e refrigerantes, verdadeiras bombas calóricas. O hábito já está tão arraigado que mais de 200 franquias de fast food são abertas a cada ano no Brasil. Num só lanchinho desses, consomem-se até 1.050 calorias. É dose para lutador de sumô, concorde-se. Para queimar tanta energia, seriam necessários 54 minutos de corrida, 94 de natação, 128 de exercícios na bicicleta ergométrica ou 202 de caminhadas. Só um atleta ou um cortador de cana conseguem continuar esbeltos em regime diário de lanchonete. Os nutricionistas são unânimes em dizer que o mínimo que alguém pode fazer em prol de uma silhueta mais agradável é exatamente cortar o fast food da dieta. Outras providências que ajudam: evitar o açúcar refinado e as frituras. "Não conheço um obeso que não tenha perdido peso com essa receita mínima", afirma Geraldo Medeiros. Segundo os especialistas, já está provado que as dietas ricas em carboidrato são as melhores. O macarrão, o arroz, o feijão e a batata foram redimidos. Não vale o macarrão com molho à bolonhesa, creme de leite ou bacon, ricos em gordura. Vale, sim, o ao sugo. O tradicional arroz com feijão, tudo bem. Tudo mal com o arroz que brilha de óleo e o feijão incrementado com paio. Batata cozida ou assada é bom. Frita, uma catástrofe. O que não pode de jeito nenhum são doces, chocolates ou bolos - riquíssimos em gordura. É melhor comer compotas ou tomar sorvetes de fruta.
Qual é a fórmula ideal para emagrecer?
Respondem os endocrinologistas mais atualizados que o correto é pensar na dieta como um todo e mudar o comportamento alimentar. "Há sempre uma forma pela qual, dentro do padrão de vida e dos hábitos de cada um, se possa encontrar uma maneira de viver bem, comer relativamente de tudo e perder peso", escreve o doutor Alfredo Halpern em seu livro Entenda a Obesidade. E Emagreça, lançado na terça-feira passada. Não adianta impor restrições severas ao executivo que vive a fechar negócios sobre a mesa de um restaurante. Não resolve nada proibir de comer doces um desvairado por açúcares. "Ele até pode emagrecer se for prescrito um regime sem açúcar, mas juro que assim que comer um doce de novo retomará o vício e devorará caixas e caixas de chocolate, voltando a engordar", ameaça Halpern.
De todas as dietas já prescritas, a mais festejada é também a mais antiga. Data dos tempos da velha Grécia, dos fenícios, dos romanos, para citar alguns dos povos que a praticaram. É a dieta do Mediterrâneo. Muito pão, vegetais, peixes, cereais, frutas, nozes, azeite de oliva e três copos diários de vinho tinto integram a lista de ingredientes. Carnes vermelhas, manteiga e creme de leite, alimentos fartos em gorduras, devem ser consumidos com moderação de faquir. O bem maior da dieta do Mediterrâneo vai para além da estética. Está cientificamente provado que ela serve de barreira aos problemas do coração. Nos anos 50, o epidemiologista americano Ancel Keys produziu o estudo Sete Países, uma investigação sobre os hábitos alimentares e a saúde de cerca de 13.000 pessoas na Grécia, Itália, Finlândia, Holanda, Iugoslávia, Japão e Estados Unidos. As maiores taxas de doenças coronarianas foram detectadas na Finlândia, onde se consumiam 40% do total calórico em forma de gordura. As mais baixas foram verificadas em Creta, cujo consumo de gordura era o mesmo. A diferença: os finlandeses ingeriam muita gordura animal e os habitantes de Creta comiam gordura vegetal. Em Creta, as pessoas umedecem o pão com azeite, cozinham legumes no azeite, até bebem azeite puro. Palmas para o óleo de oliva! Segundo a Organização Mundial de Saúde, no norte da França, de cada dez pessoas, cinco morrem do coração. Ao sul, a proporção cai para uma em cada dez. Os hábitos alimentares do sul assemelham-se aos da Grécia.
Quanto tempo é preciso para emagrecer?
Quem quer perder peso sempre tem pressa. A pessoa leva trinta anos para engordar e quer emagrecer em uma semana. Além de controle, é preciso paciência. O organismo não é burro. Os 25 bilhões de células de gordura espalhadas pelo corpo, depois de um regime, esvaziam-se. Mas continuam lá, como pequenos animais famintos. Basta uma caloria em excesso para que elas voltem a inchar. Células cheias, gorduras à mostra! O organismo tentará sempre readquirir os quilos perdidos e, quanto mais tempo se mantém o peso ideal, maiores as chances de domesticar aqueles minúsculos seres ávidos de comida. Portanto, escolha aquela segunda-feira em que você começará, de preferência depois de um Natal e um réveillon sem dieta, mas também sem os exageros que inevitavelmente se transformam em arrependimento. A partir da segunda-feira de largada, todos os dias serão segundas-feiras, até que o corpo se acostume a carregar murchas as células de gordura. Por quanto tempo? Tantos meses quanto os quilos perdidos. Tendo perdido 30 quilos, prepare-se para um controle rigoroso de peso por um mínimo de trinta meses.
Há saídas que se prometem milagrosas. Remédios, por exemplo. O Brasil é um dos recordistas mundiais no consumo de anfetaminas, as "bolinhas para emagrecer". Pesquisa da Escola Paulista de Medicina mostra que entre 1988 e 1992 seu consumo anual saltou de 8 para 23 toneladas. Todas elas fazem o candidato à magreza comer menos. Fazem-no, contudo, à custa de viciar o seu consumidor. Existem opções ainda mais radicais. Há gente que se submete a cirurgias gástricas para diminuir o tamanho do estômago e, assim, reduzir a capacidade de ingestão de comida. Nos Estados Unidos, 20.000 pessoas já foram submetidas ao regime da faca. Não é uma cirurgia complicada. Pedaços de estômago não são extraídos, e sim grampeados. Com isso, o órgão não suporta mais uma grande quantidade de alimento e, à força, a pessoa se acostuma a comer menos. Obtém-se uma perda de 25% a 35% em relação ao peso inicial. É um recurso para pessoas em situação extrema, aquelas que têm peso muito exagerado e problemas sérios de saúde em decorrência desse excesso.
Não dá para escapar da academia de ginástica?
Exercícios, dizem os especialistas, são bons sempre. Quinze minutos de bicicleta têm a capacidade de neutralizar uma panqueca com calda. Trinta e cinco minutos de caminhada, uma porção de camarões fritos. Quarenta minutos de natação, uma fatia de torta de uva passa. Mas as atividades físicas não precisam ser feitas em academias. No jogo de amarelinha das meninas ou no futebol de rua dos meninos, ou na caminhada do executivo até o escritório, calorias são queimadas. O importante é levar a ginástica aonde der. Para os que querem emagrecer, quanto mais melhor. O homem moderno vive num mundo que, gradativamente, vai suprimindo o movimento dos músculos. As portas da garagem hoje se abrem por controle remoto, da mesma forma que não é mais preciso levantar-se da poltrona para trocar o canal da televisão. A batedeira de bolo evita que a cozinheira gaste calorias agitando os músculos do braço. A enceradeira elétrica deixa o chão brilhando sem tirar nenhuma caloria da dona de casa.
O shopping center tem escadas rolantes. São operações em que se perde uma pequena quantidade de calorias, mas no fim do dia faz diferença. Então, é um bom truque andar um pouco até a loja do bairro em vez de ir de carro ou trocar o elevador pelas escadas. E a última coisa: é possível, sim, enganar o organismo com seus bilhões de células de gordura sedentas de comida. Quando se faz ginástica de manhã, o corpo humano, sem alimentos à disposição, entra em estado de alerta e ordena que os lipídios sejam queimados mais depressa. A armadilha dura por várias horas seguidas e, mesmo que se coma depois, as reações químicas continuam lá, consumindo calorias. Que venha então a ceia de Natal!  •

O gene do apetite
Cientistas do Instituto Médico Howard Hughes, da Universidade Rockefeller, em Nova York, acabam de anunciar a descoberta de mais um gene relacionado à obesidade. A pesquisa foi realizada em ratos, mas genes semelhantes foram encontrados no tecido adiposo humano. Acreditam os cientistas que esse gene envia mensagens ao cérebro advertindo que o organismo armazenou gordura suficiente, sempre que a despensa biológica está repleta. É o gene que avisa: "Chega de comida". Está dado o sinal vermelho que põe fim à refeição. Quando esse gene, por qualquer motivo, comunica-se mal com o cérebro, a comilança não se interrompe. Com o tempo, os ratos com deficiências genéticas engordaram três vezes mais que o normal.
Coordenada pelo médico Jeffrey Friedman, a pesquisa comparou o DNA do rato com o DNA humano e identificou genes parecidos para o controle do apetite. Por enquanto, ainda não foi possível descobrir se nos homens essas alterações genéticas são tão comuns quanto nos ratos. Uma coisa é certa: a falta de um mensageiro genético para o apetite não explica todos os tipos de obesidade. Afinal, já foram isolados até agora cinco diferentes genes relacionados a quilos em excesso - sempre em ratos.
Ainda há muito que se investigar na relação entre genética e tecido adiposo. Os geneticistas não conseguem explicar, por exemplo, por que, a cada década, as pessoas ficam em média de 3 a 5 quilos mais gordas. Por enquanto, fica-se com a velha teoria, que provavelmente é a única correta: a humanidade está comendo cada vez mais e fazendo cada vez menos ginástica. Acontece que essa regra não vale para todos. Algumas pessoas comem muito, são sedentárias e têm corpo de manequim. É aí que entra a genética. "As pessoas podem se tranqüilizar porque obesidade não é sempre sinônimo de falta de caráter, resultado da preguiça ou falta de vontade", diz o médico americano Michael Hamilton, diretor do Centro de Dieta e Boa Forma da Universidade Duke.
http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_21121994.shtml

A galopante dietomania

Calorias não engordam, ginástica da Força Aérea Canadense, teste de Cooper, regime dos astronautas, internamentos em clínicas de endocrinologia - os gordos, crédula e vorazmente, experimentam de tudo para se livrar de seus quilos a mais. Mas nada disso adiantará, independente da eventual seriedade do método, enquanto o próprio paciente não se decidir realmente a emagrecer, respondem os dietistas, num raro exemplo de unanimidade na classe médica. Bonachões, os gordos concordam. Na verdade, há gordos e gordos a aceitarem e consumirem as fórmulas ensinadas pelos regimes. Existem os que necessitam de um tratamento, os obesos. Existem os que se encontram acima do peso - ligeira ou acentuadamente - e por isso se cuidam. E, finalmente, vem a classe dos que não têm problema de gordura, mas se incorporam aos fiéis das dietas por mera preocupação estética ou porque estão possuídos, apesar de magros, pelo medo de engordar.

Todas essas pessoas, principalmente as muito gordas, costumam também acreditar em variados tipos de receitas, mesmo as absurdas. Uns bebem vinagre, em vez de água, quando sentem sede. Outros recomendam Rolomag, Bel-Linha, Caloicicle, banho de parafina, macrobiótica, uma colher de azeite às refeições, sauna, ioga. O mundo das soluções mágicas de emagrecimento não tem fim. Já se fala até que acupuntura não falha. Nesse quadro, o brasileiro seguidor de regimes pode acrescentar, desde a semana passada, "A Dieta Revolucionária do Dr. Atkins", um best seller mundial da literatura dietista.
Uma tortura - Apesar de, numa roda, o assunto gordura ou regime gerar inevitavelmente provocativas piadas, perpetradas em geral por afortunados portadores de uma quantidade mais razoável de quilos, os médicos insistem na gravidade do tema, "A obesidade é um problema de saúde pública, que deveria ser resolvido pelas autoridades nacionais", enfatiza dr. Armando de Aguiar Pupo, um dos cinco médicos da Endoclínica, em São Paulo. Para ele, os gordos são pessoas que comem demais, em quantidade, e erradamente, em qualidade, além de se exercitarem pouco ou nada, "É preciso mudar o comportamento alimentar dos brasileiros das grandes cidades", concorda dr. Tancredi Greco, também paulista, que diz ainda: "De uns dez anos para cá, as populações do Rio e de São Paulo têm engordado muito, em todos os sentidos". E, em Brasília, a dietista atualmente mais procurada, dra. Berenice Carneiro, acrescenta mais um dado, quando nega que a obesidade seja hereditária. "Hereditários são os hábitos alimentares", garante.
Os gordos, como sempre uma gente afável, uma vez mais aceitam as conclusões da medicina. Um comerciante de tecidos, em São Paulo, já passou por nove tratamentos diferentes, em clínicas, além das dezenas de receitas domésticas. As vésperas da décima experiência com um endocrinologista e com 120 quilos que parecem muito mais, sabe que vai perder mais esta batalha. "Sabe como é", diz ele, "um uísque antes do almoço, chopes com os amigos à saída do trabalho, drinques em festas e assim vai, é muito difícil levar um regime até o fim."
Então, voltam aqueles quilos perdidos durante a dieta e, com vergonha de quem a recomendou, os gordos e afins partem em busca de outro especialista, dentro do que a dra. Berenice Carneiro chama de "ciclo do obeso". Não há perigo nesse vaivém, segundo o dr. Lawin Maxweel Stiliman, americano, autor de dois clássicos da robusta literatura de regimes (A Dieta Médica para à Perder Polegadas Rapidamente" e "A Dieta Médica para Perder Peso). Na sua opinião, "arriscado é manter um peso sempre acima do ideal". Com o que não concorda outro americano grande de conceito, o dr. Jean Mayer: "Manter alguns moderados quilos extras é bem mais saudável que subir e descer continuamente a escala do peso".
Indiferentes à disputa, os gordos têm quase sempre, a sinceridade de admitir suas frustrações. "Ser gordo é uma verdadeira tortura. A barriga vai crescendo, roupa não entra, tudo o que você veste fica pavoroso", diz hoje o longílineo Zacarias do Rego Monteiro, 1,80 metro, 61 anos, antigo Pierrot de desfiles de fantasia no Teatro Municipal, do Rio, quando pesava 99 quilos. "Ninguém é gordo por opção", pontifica o jornalista paulista Carlos Brickman, 127 quilos ("mais ou menos"), 1,90 metro, 29 anos. "O gordo é gordo porque não consegue ser magro", acrescenta ele.
É possível conseguir? - Alguns, en tretanto, conseguem adquirir uma silhueta mais harmoniosa, pelo menos. Esses se situam entre o que os médicos chamam de pessoas de força de vontade, expressão freqüentemente aplicada para alcoólatras, toxicômanos ou fumantes que abandonam seus vícios. É que, perante os novos conceitos da endocrinologia, a obesidade não passa de um vício. E, em outro raro episódio de unanimidade, os dietistas afirmam que somente uma minoria de seus pacientes- tem problemas glandulares ou metabólicos como causa de seus excessos de peso. "Dos casos, 99% não estão ligados a qualquer motivo de origem endocrinológica", diz o carioca Neidson Miranda. De acordo com a porcentagem de seu colega, outro dietista de renome no Rio, dr. Alessandro Cataldo, ressalva: "Mas o 1% também precisa ser curado". Um e outro dizem ainda, como explicação, que essa procura pelos endocrinologistas se deve à impressão , generalizada entre os gordos, de que têm distúrbios glandulares.
Quando a origem dominante talvez seja de ordem psicológica. Aqui, novamente, os especialistas contam com o aplauso de seus pacientes. Dr. Rogério Ulysséia, catarinense há dez anos em Brasília, considera muito importante que o gordo "desabafe", conte tudo o que sente. "Depois, o tratamento fica mais fácil", garante ele. E uma das preocupações do obeso, segundo, o dr. Armando Pupo, está em esconder certas partes do corpo. Por exemplo: "Uma das coisas que o gordo mais detesta é mostrar suas maminhas em público". Para eliminar esse constrangimento, ele está planejando a criação de um centro esportivo exclusivo para gordos adultos, solução sonhada pelo publicitário Alberto Djinishian, usado como modelo em um anúncio de sua agência (DPZ, de São Paulo), quando pesava 157 quilos. Hoje, com 135 quilos e esperando baixar até os 110 (mede 1,80 metro), Djinishian pensa que um clube, ou colônia de férias, só para os realmente gordos seria de grande utilidade. "Num local assim", comenta ele, "mesmo os que tivessem vergonha acabariam se desinibindo e se ajudando muito."
Falta de vergonha - O exemplo de Djinishian, a propósito, ilustra bem a tese médica de que regime algum adianta se o paciente não ajudar com sua firme decisão de emagrecer. Nos últimos dez anos, ele fez pelo menos vinte regimes. "Posso me considerar um profissional da dieta", brinca. Em todas as tentativas, sempre arranjava uma desculpa para não emagrecer. De fracasso em fracasso, acabou constatando que sentia necessidade de ser gordo, "para agredir as pessoas à minha volta e para chamar atenção". Até que o último especialista (uma médica), ao saber de seu retorno à obesidade galopante, procurou-o e desafiou-o a emagrecer, "sem me impor regime algum". Provocado, Djinishian perdeu 10 quilos em um mês. Depois, entrou em ritmo mais lento, "Resultado, em quatro meses, 22 quilos a menos", conta. Seu regime, à base de carnes grelhadas, verduras, ovos e queijo, dura de segunda a sexta, com folga para uísques, refrigerantes, massas e frituras nos fins de semana. Nos dias úteis, quando a fome aperta bebe água com limão (sem açúcar), "para enganar o estômago". Outra providência, já na área dos hábitos à mesa, foi comer devagar e em pequenos bocados. E um requinte: "Passei a comer com pauzinhos, como os chineses". Além disso, começou a tomar três banhos por dia: "É bom não só pelo banho, que emagrece, mas também pelos exercícios que se faz debaixo do chuveiro".
Triunfante, Djinishian pensa agora em escrever um livro de receitas para gordos, com belas ilustrações de pratos maravilhosos mas inofensivos. E esta é outra das lições aprendidas em sua carreira de "gordo FVC" (que não emagrece por Falta de Vergonha na Cara): "O gordo come a metade com os olhos. Aprendendo a poupar-se nas comidas, o gordo vê um prato bonito, bem arranjado, numa mesa bem posta e senta-se com prazer. Mas come somente o suficiente para lhe matar a fome".
Outro caso: Jô Soares - O aprendizado ao longo de dezenas de consultas e regimes, segundo os dietistas, acontece com grande freqüência entre os obesos. Urna dieta para consumo próprio, aliás, explica a transferência de especialidade verificada com o dr. Tancredi Greco. Quando ginecologista, pesava 177 quilos, "um absurdo, para quem mede 1,82 metro. Então resolvi emagrecer e criei um método, do qual fui a cobaia". As clientes, em grande parte interessadas em eliminar a gordura adquirida durante a gravidez, queriam saber o segredo de seu médico. E hoje a clínica do endocrinologista Tancredi Greco é uma das mais concorridas de São Paulo, ocupando dois andares de um prédio no centro da cidade, com 3 500 pacientes em tratamento permanente, incluindo-se algumas personalidades da TV, como Cidinha Campos e Sílvio Santos, e do esporte, como Edu ("Preparei o Edu para ele ir à Alemanha").
O segredo do dr. Greco, na verdade, é bem simples e segue uma tendência que se generaliza entre os dietistas. O paciente nunca deve sentir qualquer tipo de paternalismo ou de vigilância à sua volta. Do mesmo modo, não se recomenda uma violência muito marcada no comportamento alimentar do gordo. "Se a pessoa é de origem sírio-libanesa", recomenda o dr. Arnaldo Pupo, procuramos respeitar o quibe e outros pratos árabes, na medida do possível." E o dr. Tancredi Greco completa: "O segredo do meu método consiste em prescindir do sistema da frustração. Todo cliente meu tem direito a viver normalmente. Se ele come dez colheres de arroz, porque gosta, procuro diminuir para três colheres".
Ainda entre os autodidatas de sucesso, o que mais tem provocado espantos e admirações entre os brasileiros é o humorista Jô Soares. Perdeu 85 quilos em dez meses, entre 1972 e 1973. Ou, como costuma dizer, do alto de seus atuais 80 e poucos quilos: "Perdi um homem inteiro". Não revela sua fórmula mágica, por enquanto, porque está escrevendo um livro a respeito. Adianta, no entanto, que seu regime constou de comer de tudo e alguns comprimidos moderadores de apetite, especialmente no início". Admite, ainda, que depois de ter perdido 45 quilos teve o cuidado de se consultar com um médico. E garante, finalmente: "Para se levar um tratamento a sério é preciso ter consciência de que fazer dieta é um problema de cuca".
As células famintas - Algumas vezes, realmente, há sintomas de distúrbios de natureza mental. "Doutor, me corte um pedaço das minhas banhas que eu não agüento mais", já chegaram a dizer alguns dos clientes do dr. Farid Hakme, do Rio, especializado em cirurgia plástica ligada à obesidade mas geralmente procurado como se fosse apenas um dietista. Entre os pacientes do dr. Rogério Ulysséia, de Brasília, incluem-se mulheres que têm problemas com o marido. ou vice-versa, e por isso descarregam na comida. O consultório do dr. Tancredi Greco muitas vezes surgem senhoras interessadas em fazer regime apenas porque foram convidadas para madrinhas de casamento. E há também aqueles inveterados que o dr. Arnaldo Pupo chama de "sanfonas", porque "passam a vida na base do emagrece-engorda-emagrece-engorda".
Viciados, enlouquecidos, glutões incorrigíveis ou simplesmente doentes, qualquer que seja a razão da gordura, sempre resta, afinal, a necessidade de tratá-los, quando eles se dispõem a tal sacrifício., E definir a causa da obesidade, por sinal, não chega a ser uma preocupação fundamental diante de um caso concreto. Pois a medicina ainda está tateando nesse terreno das origens do peso exagerado. Recentemente, por exemplo, o dr. Jules Hirsch, da Universidade Rockefeller, de Nova York, concluiu que, superalimentando um bebê nos primeiros meses. a mãe bem intencionada (mas equivocada quanto ao real significado da palavra saúde) pode criar na criança uma predisposição irremediável para a obesidade. Pelas conclusões do dr. Hirsch, esta é uma forma de se aumentar o número e o tamanho das células adiposas do organismo. E a quantidade de células nunca diminui, por mais milagroso que seja o regime. Elas podem se reduzir em tamanho, mas, continuam "famintas" e propensas a recuperar o volume anterior ao menor descuido.
"G", igual a "C" menos "E" - Alguns pesquisadores acreditam, por outro lado, que as pessoas engordam por conhecerem os sinais internos de fome. Em vez disso, regulam-se por estímulos externos, como a visão da comida (e aqui a ciência dá razão ao empirismo do gordo Alberto Djinishian) ou o horário convencionado das refeições. Para o dr. Moysés Purisch, de Belo Horizonte, é preciso acrescentar, também, que a maioria dos gordos ingere alimentos sem qualquer critério de seleção e sempre em grandes quantidades. "Assim, só pode engordar!", afirma Purisch. Ainda segundo ele, o problema do excesso de peso está numa equação em que "G" (gordura) é igual a "C" (comida) menos "E" (exercício).
Estabelecido esse ciclo, as roupas começam a ficar apertadas, o sono aumenta, os amigos exercitam seu humor. Enquanto isso, internamente, desencadeia-se um processo patológico. O organismo se submete a um cerco que pode ter agentes perigosos, como a diabete, a hipertensão arterial, a arteriosclerose, entre outros. "Sob o ponto de vista médico", diz o dr. Geraldo Guimarães, de Brasília, "está comprovado o encurtamento da vida do paciente obeso, face ao aparecimento de doenças graves. Por isso, a dieta é um assunto palpitante, que envolve toda a população, atingindo a adolescência, a infância, a idade adulta, ambos os sexos." Entre os que chegam com alguns quilos a mais na perigosa curva dos quarenta anos, principalmente, nota-se essa preocupação com o perigo das doenças a que se tornam vulneráveis. Estão nesse grupo os quatro cavalheiros madrugadores que, às 7 da manhã, de segunda a sexta, se encontram para piques, petecas, vôlei e outros exercícios no Clube da Imprensa, em Brasília: os jornalistas D'Alembert Jacoud e Antônio Teixeira Júnior, e os deputados Fernando Lyra (pesava 107 quilos e caiu para 90, mais compatíveis com seu 1,71 metro) e Lysaneas Maciel.
De uniforme completo - Já entre os mais idosos, grande parte conheceu os infortúnios do enfarte do miocárdio ou do derrame cerebral, e, ao contrário da vida que levavam antes, incluem o exercício, ainda que suave, entre suas necessidades vitais. Ainda em Brasília, esses personagens saídos dos confins de situações quase mortais, podem ser vistos, em seu lento e salvador desfile matinal, pelos arredores da Superquadra Sul 309, onde moram os senadores da República.
Ali sempre se encontram, por exemplo, os senhores José de Magalhães Pinto e Joaquim Parente, em seu teste de cooper prescrito pelos médicos. Ali os encontra, quase sempre, o jornalista Carlos Castello Branco, 53 , o titular de uma das mais respeitadas colunas políticas brasileiras. Até o enfarte sofrido em 1972, "Castelinho", como é chamado, cuidava apenas de percorrer os corredores e gabinetes habitados e freqüentados por suas fontes de notícias, despreocupado de qualquer esforço físico. A partir daí, passou a ingerir a insossa receita de 4 quilômetros por dia, percorridos habitualmente em 50 minutos, "a passo de soldado", diz ele. E vai com o que se pode classificar de uniforme completo de um esportista amador e retardatário: bermudas (nunca havia vestido uma, antes do enfarte), camiseta de malha branca, mocassim marrom e chapéu panamá. Como complemento final da exótica figura, uma bordurna de jacarandá da Bahia, oferecida por amigos e usada para espantar cachorros. "É o único perigo de quem faz o teste de Cooper aqui em Brasília", explica Castelinho. "Esses cachorrões, passeando nas mãos de frágeis mulheres, às vezes escapam e, de vez em quando, me atacavam ou corriam atrás de mim. Agora quando eu passo, ele é que têm medo da borduna".
Entre a população mais jovem, entretanto, os receios de doenças que acompanham a adiposidade permanecem em modesto plano secundário, na maioria dos casos. A vida corre à larga, a disputa de oportunidades exige maiores atenções e só a vaidade pode levar alguém a procurar uma clínica ou um ginásio especificamente para eliminar excessos. "Quando as mulheres conhecem as con seqüências plásticas da obesidade", comenta o dr. Geraldo Guimarães, "Como celulites, estrias e estética em geral, elas se sentem estimuladas a emagrecer.- E também a moda tem influenciado muito, acrescenta o carioca Farid Hakme, que localiza essa preocupação dos grandes costureiros no final da 11 Guerra Mundia], quando "uma verdadeira mania de emagrecer tomou conta do mundo---. A medicina, em primeiro lugar, associou a gordura à vulnerabilidade para doenças perigosas. "Em seguida", diz ele, "os ditadores da moda decidiram que a. mulher deve obedecer aos padrões físicos que vieram a ter seus expoentes máximos em modelos corno Twiggy e Verushka."
Desmaio na feira - Em conseqüência das descobertas da medicina e das regras ditadas pela moda, multiplicaram-se as pílulas, gotas, os chás para emagrecer. E até certas mezinhas produzidas em escala industrial, como os tabletes de Fucus Composto Klein", anunciados como "à base vegetal, inofensivo à saúde". Ou mesmo os sabonetes para emagrecer, tipo Magripele, cujo segredo deve-se atribuir principalmente ao fatigante ensaboar que a bula recomenda.
Ao mesmo tempo, surgiram as drogas anorexígenas, para tirar apetite, que são excitantes e podem acabar criando uma dependência nos pacientes com conseqüências imprevisíveis, particularmente para o sistema nervoso central. Há ainda os diuréticos aplicados em certos regimes, retirando apenas a água do organismo, quando o objetivo de um tratamento de obesidade deve ser a eliminação de gorduras. Alguns dietistas, mais bem classificados na sinistra categoria dos charlatães, ministram indiscriminadamente hormônios tiróideos, sem avaliação prévia do estado de cada paciente, com a finalidade de provocar um hipertiroidismo, que realmente faz emagrecer - mas não deixa de ser uma doença. "Todo terreno complexo, como sucede com a obesidade, atrai charlatães. Cuidado com eles", adverte o dr. Armando Pupo. E ele indica uma das maneiras de se reconhecer o charlatanismo: "Prescrever muito remédio é um crime. O paciente acaba acreditando que aquela remediama toda solucionará seu problema. A conseqüência é que, ao abandonar os medicamentos, o paciente perde aquele apoio e volta a engordar".
Gordos e incautos, os pacientes caem nas armadilhas, algumas vezes com sérios resultados. Alberto Djinishian relata uma experiência infeliz, decorrente de uma dessas dietas: "Fiquei com os olhos e boca paralisados, as pernas sem movimento por quase um mês. Só baixava as pálpebras com a ajuda das mãos. Tampouco andava. Com o tempo, muito tratamento, voltei ao normal. Mas precisei até freqüentar uma clínica de terapia para aprender a andar novamente".
Embora desligado de qualquer dieta recomendada por um charlatão, o caso de uma moça paulista incorpora-se aos desastres provocados pela mania de emagrecer. Filha de um médico, ela começou a se abastecer de amostras grátis de moderadores do apetite. Deixou de comer, adquiriu linhas menos volumosas e, um dia, desmaiou na feira, anêmica e arrependida.
Obesidade mórbida - Mesmo sem amostra grátis ao alcance, porém, o fascinados pelas dietas não encontra grandes dificuldades em obter drogas que algum amigo aconselha como complemento indispensável. Geralmente trazendo nomes de assimilação imediata (Ernagrin, Moderamina, Moderex, Desobesi), qualquer pessoa compra esses remédios, com ou sem receita, quase nunca solicitada. E, ainda que sem necessidade, obedecem-se as conveniências da moda, como acontece com algumas das freqüentadoras da Academia Cuiambê, no Rio. Sua proprietária, a baiana Alice Perez Salgado, dispõe de um arsenal emagrecedor capaz de levar ao delírio um imaginário inquisidor ressuscitado.
Pelo salão da academia, como se escapasse de masmorras medievais, pode passar de repente uma senhora com um peso de 6 quilos em cada pé. A um canto, geme alguém apertado pela barriga por enérgica cinta de borracha. Pendurada em uma escada, estica-se uma pessoa implacavelmente envolta em calções ou camisas de plástico, destinados a aumentar a transpiração. Para quem necessita de tais martírios, os equipamentos de dona Alice podem realmente produzir resultados. Uma cliente do dr. Farid Hakme, enviada à academia enquanto fazia regime, perdeu 12 quilos em um mês. Mas também quem não precisa emagrecer aparece por lá - e esses representam uma parcela considerável da clientela.
Para os casos extremos, de qualquer modo, existem os últimos recursos. Um deles é o da cirurgia chamada de "curto circuito", pela qual se corta uma parte do intestino do obeso incurável. Assim, diminui-se também o tempo que a alimentação demora para percorrer os meandros intestinais e, em conseqüência, evita-se um acúmulo desnecessário de gorduras no organismo. Esse método, desenvolvido há catorze anos nos Estados Unidos e no Canadá, só recentemente chegou ao Brasil. Destina-se especificamente àqueles casos que suplantam os demais conhecimentos clínicos, pois pode trazer complicações relativamente graves. É o que reconhece o dr. Edinundo de Paula Pinto, professor da Faculdade de Ciências Médicas, de Belo Horizonte, e um dos poucos especialistas a realizar essa operação (desde 1971, utilizou-a em quatro pacientes). "No ano passado", conta ele, "apareceu em meu consultório uma carioca querendo fazer a operação. Mas ela não havia passado por qualquer tentativa com o tratamento clínico." Recusou a paciente, que foi ao Canadá e se operou. "Hoje, ela está magrinha, no Rio."
A hesitação prudente de Pauta Pinto se deve a riscos do "curto-circuito", que ele próprio enumera: lesões hepáticas temporárias; diarréia temporária; baixa de cloro, sódio, potássio e proteína, também, por algum tempo; aumento de formação de cálculos renais. "Por tudo isso", acrescenta, "a cirurgia só se aplica aos chamados casos de obesidade mórbida."
Só amordaçando - Outra solução extrema foi a adotada, em novembro do ano passado, por médicos e dentistas ingleses de Nottingliam que simplesmente amordaçaram a dona de casa Shirley Turner, 36 anos, então com 112 quilos. Na quinta-feira da semana passada, ao final de quase seis meses se alimentando de líquidos, a infeliz Shirley se livrou da placa de metal que prendia suas arcadas dentárias. "Eu me sinto maravilhosa. Nunca mais voltarei a ser gorda", dizia ela, aliviada em seus 65 quilos de agora. Até fins de junho, quando sairá de férias, espera baixar para 61 quilos, estabelecidos com o seu "objetivo biquíni"
Uma ex-gorda brasileria (bem menos ex-gorda que a inglesa) também inclui o biquíni entre as alegrias que a esbeltez recém-adquirida lhe proporciona. Mais confiante, a jornalista Marilda Varejão, de São Paulo, conta que os 16 quilos perdidos em três meses (pesava 68) agora lhe permitem usar roupas mais elegantes, sem a preocupação anterior de preferir cores escuras e outros truques para esconder a gordura. Mais que a estética, porém, foi a saúde que a levou a um regime "a sério", bem diferente dos tantos outros que experimentara. Exames de um clínico geral e endocrinologista constataram que Marilda tinha problemas de hipertiroidismo e propensão à diabete, além de uma taxa elevada de colesterol.
A partir daí, foram três meses de ovos mexidos, uma fruta, queijo e uma xícara de café com leite (pela manhã); carne, verduras cozidas e duas colheres de arroz (no almoço e no jantar); um copo de leite, à tarde; e chá com biscoitos, à noite. Exigiu perseverança, mas hoje ela pode dizer: "Antes, a gordura não me incomodava. Agora, aqui estou eu, muito mais segura de mim. Claro que enfrentando os problemas que todo mundo enfrenta, mas desprovida de qualquer complexo".
Por que pão e manteiga? - Com os menos persistentes - ou menos motivados -, no entanto, aconselha-se urna fórmula eficaz: o internamento, que garante uma perda racional de quilos, pelo menos enquanto dura. Por isso, aliás, algumas clínicas se esforçam em aproveitar esse período de clausura para educar o paciente, de maneira que ele continue uma dieta adequada mesmo depois de restituído à liberdade. Nesse caso encontra-se a Endoclínica, de Belo Horizonte, onde o interno é sustentado com uma alimentação pobre em calorias e, ao mesmo tempo, se submete a uma reformulação completa de seus hábitos alimentares.
Para obter esses resultados, a Endoclínica começa por limitar o número de pacientes. Só aceita dez de cada vez, para dar assistência a todos. O internamento dura das 18 horas de domingo às 18 horas do sábado seguinte, ao preço de 2 000 cruzeiros, incluídos os honorários médicos, exames, medicamentos e massagens. Seis médicos, de especialidades diferentes, se revezam no atendimento aos pacientes, que levam uma dieta (conforme cada caso, naturalmente) para casa ao receberem alta. "O importante mesmo é que a pessoa se eduque quanto ao "consumo de alimentos" afirma o diretor clínico da Endoclínica, dr. Tomás de Aquino Borges. E ele pergunta: "Por que comer um pão com manteiga, se um pedaço de queijo é suficiente?"
Gordos, obesos, prudentes, vaidosos ou hipocondríacos, todos os seguidores de dietas saberiam lhe responder. E ele próprio, como os demais sacerdotes da fé nos regimes, sabe que esta resposta não tem segredo algum. Treinado para comer desde a infância mais tenra, quando o bebê chora e ganha mamadeira ainda que deseje apenas a companhia materna, aplaudido quando "raspa o prato", o futuro gordo só vai sentir os efeitos desses costumes no início da adolescência. E aí, de um modo geral, já é tarde. Cai no regime, na piada, no relaxamento. E se transforma num dos exemplos da paradoxal capacidade humana de cuidar melhor de outras espécies animais. "Em minha carreira", afirma o dr. Tancredi Grecco, "cheguei à conclusão de que somos racionais na hora de alimentar um boi ou uma vaca, e irracionais na hora de nos alimentarmos, Falo isso com experiência, pois sou endocrinologista e fazendeiro."
Talvez se cometa essa insensatez por alguma reminiscência, algum atavismo perdido nos fundos do inconsciente, como sugere o dr. Armando Pupo, ao se lembrar de que na idade da pedra havia sentido em se encher a barriga. "Era difícil conseguir alimento", diz ele, "e o sujeito precisava comer o que fosse possível, quando o conseguia. O tecido adiposo é um depósito de substratos energéticos, funciona come. um armazém do organismo. Mas hoje nós temos o supermercado..."29 de maio de 1974

Fotos: Alfredo Franco

Dietas radicais entram na moda e saem como os cortes de cabelo ou o comprimento das saias. Mas nunca se viu um esquema alimentar causar tanto furor quanto a dieta proposta pelo americano Robert Atkins. O que receita esse cardiologista americano de 69 anos, saudável e magro como um triatleta, contraria tudo o que gordinhos e gordinhas ouviram de seus médicos nos últimos anos. Esqueça os chás, as pílulas de ervas, a irritante contagem de calorias ou as refeições insatisfatórias à base de vegetais, peixes e carnes magras. O doutor Atkins está conquistando milhões de seguidores fervorosos nos Estados Unidos (e ao mesmo tempo colecionando inimigos poderosos na comunidade científica) advogando uma dieta com alta dose de comidas antes proibidas. Atkins sustenta que, para emagrecer rapidamente e continuar magros, os obesos podem comer gorduras e proteínas à vontade – carne vermelha, ovos e manteiga. Ao mesmo tempo, devem evitar a ingestão de carboidratos – ou seja, pães, farinha e macarrão. Açúcar, doces, chocolates, pudins, então, não podem nem passar perto da mesa.
Quem luta contra o excesso de peso há mais tempo deve lembrar-se da dieta de Atkins. Proposta pela primeira vez nos anos 70, foi um sucesso avassalador de público, mas sumiu rapidamente quando o medo do colesterol e de outras gorduras do sangue associadas a doenças cardíacas afastou muitas pessoas das comidas suculentas. Agora a pregação do doutor Atkins está sendo de novo ouvida com enorme interesse. "Quem evitou carnes e ovos e se submeteu a dietas à base de leite magro, aveia e verdurinhas foi vítima de um engodo. Ninguém disse a essas pessoas que uma dieta sem gorduras as obriga a comer carboidratos, justamente o ingrediente que as torna gordas", diz o doutor Atkins, no tom profético que todo proponente de dietas populares assume ao defender suas idéias. Atkins é o nome mais quente do momento em sua área de atuação. Além de quase 30.000 clientes tratados diretamente por ele e sua equipe na clínica de Nova York, Atkins está ajudando a criar uma verdadeira indústria da dieta de baixo consumo de carboidratos. Novos especialistas no assunto brotam todos os dias nos talk-shows da televisão americana e seu livro recente, Dr. Atkins New Diet Revolution (A Nova Dieta Revolucionária do Dr. Atkins), ainda sem tradução em português, já vendeu 6 milhões de exemplares.
Tamanho sucesso não poderia passar em branco na comunidade dos cientistas dedicados a ajudar as pessoas a emagrecer. Os médicos dessa especialidade formam uma patota mais apaixonada por uma discussão e uma boa briga que fãs de futebol. A polêmica gerada pela dieta do doutor Atkins atingiu o auge há algumas semanas, quando a questão foi parar na Casa Branca. E não foi na cozinha. Dan Glickmann, secretário de Agricultura do governo Bill Clinton, teve a idéia de promover um debate nacional sobre o tema em Washington depois de uma conversa, durante um jantar na sede do governo americano, com o maior opositor de Atkins, o também cardiologista californiano Dean Ornish, autor de cinco livros. Dois deles, A Dieta de Salvando o Seu Coração e Salvando o Seu Coração (Editora Relume-Dumará), já foram publicados no Brasil. Três obras suas ficaram meses na lista de best-sellers do New York Times. Guru do casal Clinton, de atores de Hollywood como Michael Douglas e Dustin Hoffman e de toda a geração milionária hi-tech-zen do Vale do Silício, Ornish é uma espécie de Mahatma Gandhi da medicina. Ele sustenta ter conseguido não apenas evitar doenças cardíacas mas reverter lesões coronarianas com orações, meditação e uma dieta riquíssima em frutas, grãos integrais e totalmente destituída de qualquer alimento de origem animal: nada de leite, carnes brancas nem peixes. Na dieta de Ornish todas as gorduras somadas não podem passar de 10% dos ingredientes ingeridos no decorrer de um dia.
O confronto dos opostos não podia deixar de ser memorável. Foi. Os dois já vinham trocando ofensas e acusações mútuas, e a desavença é tratada como "a guerra das dietas" na imprensa americana, mais dependente de um epíteto que os gordos de muita comida. O assunto foi capa da revista Time, ocupou páginas e mais páginas de matérias nas revistas semanais Newsweek e US News & World Report. Reunidos por Glickmann em Washington há dois meses, Atkins e Ornish deram um espetáculo. O confronto de teses tão opostas foi enriquecido por um punhado de médicos com propostas intermediárias – especialistas que aconselham apenas moderação à mesa e exercícios físicos, sem nenhum radicalismo. A parte mais esperada do debate foi a exposição de Atkins, que ocupou o palco do alto de sua popularidade atual na condição de candidato que lidera as pesquisas. Ele apresentou os resultados preliminares dos dois únicos estudos científicos feitos com seus seguidores. Sua explanação inicial foi um bom resumo de por que a dieta de baixos teores de carboidrato espocou no começo dos anos 70 e sumiu em seguida, para ressurgir agora com força total.
Atkins, em síntese, disse que sua dieta voltou à moda porque, apesar de ter aderido em massa às comidas com pouca gordura no final dos anos 70 e durante toda a década de 80, a população americana continuou ganhando peso e tendo complicações fatais por causa do entupimento das artérias do coração. Os números lhe dão razão. Mesmo com as prateleiras dos supermercados abarrotadas de produtos dietéticos, os Estados Unidos têm 55% da população acima do peso. E o ataque cardíaco figura como a principal causa de morte súbita não violenta do país. No fundo as pessoas estão se alimentando muito pior do que antes. O processo de engorda não está restrito aos Estados Unidos, embora seja um exagero naquele país. Quem já foi à Disney World percebe com clareza que se os americanos não viajassem para fora do país poderiam pensar que pesar 120 quilos é normal. É uma constante entre os moradores de países ocidentais desenvolvidos e daqueles em desenvolvimento que copiam o modo de vida americano. Na população brasileira, 40% encontram-se acima do peso. Desses, 11% são obesos, ou seja, gordos para quem carregar quilos a mais gera prejuízos à saúde. Com a proliferação dos produtos industrializados nos supermercados, a população está ingerindo mais alimentos processados, mais açúcar e mais calorias. Por quê? A resposta surgiu na reunião de Washington, realizada na sede do Ministério da Agricultura. Ela é simples. Na tentativa de tornar mais palatáveis seus produtos fabricados com pouca gordura, a indústria carregou no açúcar. Resultado: os americanos comem hoje 7% mais calorias do que há vinte anos. E como a indústria alimentícia americana influencia diretamente todo o mundo ocidental, milhões e milhões de pessoas passaram também a ingerir mais calorias do que as contidas na dieta de seus pais e avós.
Quando o debate esquentou, a precisão científica foi eclipsada pela retórica do convencimento:
Atkins – Minha dieta é a primeira com efeito de longo prazo. Ela é fácil de seguir. O paciente nunca se sente faminto. Você pode ir a restaurantes e pedir os pratos mais saborosos. Você come mais calorias e ainda assim perde peso.
Ornish – Quando ouço esse tipo de coisa tenho vontade de arrancar os últimos cabelos que me restam. Falar que bacon e salsicha fazem bem é um ótimo jeito de vender livros, mas é uma atitude irresponsável e coloca a saúde daqueles que seguem a dieta em risco.
Atkins – O baixo teor de gordura da dieta proposta por Ornish dificulta a absorção das vitaminas lipossolúveis A, D, E e K, além de provocar alterações hormonais.
Ornish – As dietas ricas em gorduras enchem os pacientes de substâncias que sabidamente provocam doenças e os privam de outras que também sabidamente as evitam.
Atkins – As alegações de que minha dieta provoca lesões nos rins e no fígado devem ser recusadas imediatamente, pois não passam de invenções. Os carboidratos, sim, estão na base de muitos males à saúde.
O debate promovido pelo ministro americano terminou sem que Atkins e Ornish conseguissem demover um ao outro de suas posições. Atkins levou dados segundo os quais 85% dos pacientes com problemas cardíacos que o procuraram – afinal ele é cardiologista – e seguiram sua dieta da forma que ele recomendou obtiveram melhoras dos sintomas. Ornish tinha dados ainda mais relevantes. De acordo com ele, 91% dos pacientes que cortaram o consumo de gordura radicalmente e passaram a meditar e a orar regularmente tiveram bloqueios coronarianos removidos. Ambos os estudos são vistos com ceticismo pelos melhores especialistas. São considerados radicais demais à luz do pouco que a ciência tem de certeza sobre como funciona o metabolismo humano. A própria existência de dois luminares como Dean Ornish e Robert Atkins defendendo posições tão antagônicas é uma prova de que se sabe muito pouco sobre o assunto. Afinal, gordura em excesso sem carboidrato emagrece e evita doenças, como propõe Atkins? Ou Dean Ornish é quem tem razão, e o ideal é evitar gorduras e buscar quase toda a energia de que se necessita em comidas à base de carboidrato? Bem, a medicina não consegue esconder suas dúvidas a respeito do tema. É uma indecisão que no campo da física equivaleria aos sábios estarem ainda debatendo se o Sol é mesmo o centro do sistema de planetas a que pertence a Terra.
Aviões adaptados
Uma vitória dos gordos: companhias aéreas reformaram os aviões para dar mais conforto aos obesos. A American Airlines aumentou até a distância entre as poltronas
Arthur Cavalieri/Strana
Cinemas: lugares maiores para acomodar os rechonchudos
AP
Estádios: o tamanho padrão dos assentos
passou de 18 para 22 polegadas
Enquanto os médicos não se decidem sobre suas opiniões extremadas, sobra, felizmente, uma grande área intermediária com algumas certezas, de certa forma, tranqüilizadoras. Existem providências consensualmente saudáveis em relação aos hábitos alimentares. Entre elas:
Coma menos açúcar – A quantidade de açúcar que a maioria das pessoas ingere atualmente é muito maior que a capacidade do fígado de metabolizá-la. A razão disso está na história evolutiva da linhagem humana. O fígado, assim como todos os outros órgãos, tomou sua forma final numa época em que o ser humano não havia ainda criado as técnicas de refinar o açúcar, que se tornou abundante e barato só por volta de 1900. O resultado disso é que temos um fígado perfeito para lidar com a dieta de 400.000 anos atrás, incomparavelmente mais pobre em açúcar que a atual. O doutor Atkins acha que o abuso do açúcar nos últimos 100 anos explica a maioria dos casos de obesidade e ataques cardíacos precoces que abreviam a vida de milhões de pessoas a cada ano.
Modere-se – Coma menos: diminua a quantidade dos alimentos que coloca no prato. Coma melhor: escolha sempre o pedaço de carne menos gorduroso. Evite farinhas, bolachas e biscoitos.
Exercite-se – Caminhar em passo acelerado durante uma hora, pelo menos três vezes por semana, ajuda o metabolismo corporal de modo eficaz. O exercício torna mais eficiente o trabalho da insulina no organismo. Isso é decisivo. Uma descoberta recente da ciência dá conta de que a capacidade de produção de insulina no organismo não pode ser estendida. As pessoas nascem com um estoque determinado da substância. Uma vez esgotada, só pode ser reposta artificialmente. É o que ocorre com os pacientes de tipos mais agressivos de diabete tardio. Nessas pessoas, o organismo simplesmente não consegue produzir mais insulina. Nos diabéticos juvenis, em geral, o que ocorre é que, mesmo o organismo produzindo a substância, as células corporais, por um defeito genético, não sabem como utilizá-la.
A favor de Robert Atkins diga-se que toda a ciência que embasa sua dieta tem a ver com o papel da insulina no organismo. Atkins sustenta, nesse ponto com toda a boa ciência do lado dele, que carboidratos são transformados em açúcar no sangue. Quem come um pão ou um prato de macarrão pode não saber mas está comendo, em última análise, açúcar. Também nenhum médico discorda do processo que se segue: o açúcar circulante sinaliza ao pâncreas para produzir insulina, justamente a substância que funciona como uma chave na superfície das células. Esse hormônio abre caminho para as moléculas de açúcar ultrapassarem a membrana celular para que possam ser utilizadas como combustível. Com insulina suficiente no sangue, o açúcar se transforma em energia, o que é vital para todos os seres vivos. Ocorre que, quando há excesso de açúcar circulante, o pâncreas inunda a corrente sanguínea de insulina e o sistema entra em pane. As células não conseguem entender os sinais da insulina para deixar o açúcar entrar. Resultado: o corpo é obrigado a estocar o açúcar excedente para uso futuro. O oganismo faz isso transformando o açúcar em gordura. Este é o ciclo que o doutor Atkins acredita poder quebrar com sua dieta hiperprotéica.
O modelo de Atkins sugere que é possível fazer essa geringonça biológica funcionar ao contrário. Ou seja, em vez de acumular gorduras, seu funcionamento as queimaria. Isso poderia ser conseguido porque sabidamente o pâncreas, na ausência de açúcar circulante, não precisa produzir insulina. Com pouco açúcar na corrente sanguínea, o pâncreas produziria pouca insulina, não sobrecarregaria as células e tudo funcionaria como um motor bem regulado. Melhor ainda: sem ter de onde tirar energia para funcionar, já que as gorduras e proteínas são combustíveis ineficientes, o organismo passa a queimar a gordura estocada de forma a compensar a deficiência. O resultado é um emagrecimento rápido, constante e, mantidas as mesmas condições, livre de recaídas. Robert Atkins sustenta que as recaídas são menos freqüentes entre os seguidores de sua dieta porque, comendo gordura à vontade, eles estão sempre saciados. Não existe aquela sensação constante entre os que fazem dieta de que se está perdendo uma das grandes dimensões da vida que é comer bem. Atkins argumenta também que sua dieta é a mais "natural", pois reproduziria as condições alimentares que acompanharam a humanidade por quase todo o período evolutivo – seguramente até o surgimento das sociedades industriais. "Os vegetarianos têm sugerido que a dieta humana natural é baseada em grãos, já que eles vêm sendo cultivados pelas civilizações há 5.000 anos na forma de trigo, arroz ou milho. Sim. Mas o que se comia nas centenas de milhares de anos que precederam a civilização dos grãos? O que faziam ao lado das fogueiras primitivas os ossos de animais encontrados pelos escavadores? E o que os homens primitivos faziam com aquelas lanças e outras armas de caça? Usavam-nas para abrir cartas?", pergunta Atkins com ironia.
Bom mesmo que ele se arme de ironias e muita disposição para a briga. O ressurgimento do interesse por sua dieta está reavivando na mesma intensidade as críticas que ajudaram a enterrá-la nos anos 70. "A dieta de Atkins remove as fibras da alimentação. Isso provoca constipação, desidratação e, conseqüentemente, fraqueza e náusea entre seus seguidores. Além de forçar demais os rins", diz Keith Ayoob, professora de nutrição na Albert Einstein College, de Nova York. Outros críticos sustentam que qualquer dieta restritiva funciona a curto prazo, quando o objetivo é apenas perder peso. Mas a que preço para o organismo? "As piores dietas são aquelas que reduzem ou privam um grupo inteiro de alimentos, sejam eles carboidratos, proteínas ou gorduras", afirma o brasileiro Alfredo Halpern, vice-presidente da Associação Internacional contra a Obesidade. "Em algum momento, o corpo irá precisar daquilo que lhe foi tirado." Sem contar o fato de que, em geral, elas são monótonas e difíceis de ser seguidas por muito tempo. O resultado é que, invariavelmente, os quilos acabam voltando com a mesma rapidez que foram perdidos. Um estudo realizado pelo governo americano analisou vários tipos de dietas comerciais e constatou que dois terços dos que se submeteram aos regimes voltaram à forma antiga no prazo de um ano. Num período de até cinco anos, 97% recuperaram a velha forma roliça. Isso significa que, independentemente da dieta que se escolha, é preciso saber que o sacrifício tem de ser feito continuamente. Caso contrário, os quilinhos indesejáveis vão voltar a incomodar e não haverá doutores Atkins ou Ornish que dêem jeito. 19/4/2000
http://veja.abril.com.br/190400/p_114.html

Comer e emagrecer

Depois de anos de ostracismo, os regimes
de baixos carboidratos atraem milhões de
seguidores apesar de ainda enfrentarem
a desconfiança da medicina tradicional
Gabriela Carelli e Angela Pimenta, de Nova York


Veja também
Entrevista com o médico Robert Atkins
Nada é mais frustrante para quem já tentou em vão emagrecer de todas as formas do que ouvir do médico a velha recomendação de comer menos e exercitar-se com freqüência. Com as mais mirabolantes variações de dietas, a contabilidade feita pelos médicos sempre foi uma só. Ela pode ser resumida pela fórmula que segue. Quem gasta menos calorias do que come engorda. Quem chega ao fim do dia tendo queimado mais calorias do que as ingeridas emagrece. Até aí estamos no reino das leis da física. Nada de novo, portanto. A novidade vem de outra área. Vem do sucesso das dietas que prometem mexer nos parafusos da bioquímica humana para fazer a máquina corporal queimar gorduras com muito mais eficiência. Um levantamento feito no mês passado por autoridades de saúde dos Estados Unidos encontrou 1.214 títulos nas prateleiras das livrarias ensinando alguma fórmula para emagrecer. Desses, os vinte mais vendidos eram justamente sobre dietas que se dizem capazes de turbinar o metabolismo e liquidar gorduras. A maioria, lançada há menos de dois anos, ensina maneiras de evitar ou reduzir ao máximo a ingestão de um único tipo de ingrediente, os chamados carboidratos.
Carboidratos? Sim. A ciência do emagrecimento voltou seus canhões para esses pequenos blocos de energia presentes no açúcar, nos pães, nos biscoitos, nas massas e, infelizmente, também em diversos vegetais, como a cenoura e os brócolis, e em muitas frutas. Sua presença excessiva no organismo desencadeia processos químicos que, em última análise, mandam o corpo humano estocar gordura. Em resumo, carboidrato demais engorda. Embora as idéias básicas sobre os efeitos dos carboidratos já tenham sido rascunhadas há muitos anos, só agora essa linha nada convencional de ataque à obesidade ganhou credibilidade em parte da comunidade médica. A nova onda pode ser medida pelo sucesso dos livros anunciando variações em torno da disciplina na ingestão de carboidratos. Pode ser avaliada também pela multidão de adeptos que está conquistando. São milhões em todo o mundo. VEJA ouviu mais de uma centena de personalidades nacionais incomodadas com os números que aparecem no visor da balança. Quase a metade delas aderiu a algum tipo de "dieta metabólica", como são chamados os regimes que, com a diminuição dos carboidratos, tentam intervir na maneira de o corpo funcionar.
 
DIETA DA RESTAURAÇÃO
O que se pode comer: proteínas e gorduras. Carboidratos, só até as 6 da tarde.
O que não se pode comer: carboidratos de alto índice glicêmico (pães, massas e doces) à noite.
Prós: a perda de peso é rápida e não há grandes restrições calóricas. Aumenta a disposição.
Contras: sem exercícios físicos, pode até engordar.

André Wanderlei
Quem já tentou:
Cristiana Oliveira, atriz: veterana de 22 anos de dietas. Come pouco e passou a evitar o carboidrato noturno. Faz duas horas de ginástica por dia. >>
Emerson Fittipaldi, empresário: evita carboidratos à noite. No café da manhã toma leite de arroz. Malha diariamente.
Fause Haten, estilista: trocou o manequim 44 pelo 40. Evita refrigerantes, carnes vermelhas e não come carboidratos à noite.
Lucélia Santos, atriz: perdeu 2 quilos. Ganhou massa muscular. Nada de carboidratos à noite. Toma suplementos naturais.
Não há melhor vitrine dessa nova onda que os corpos delgados das celebridades internacionais e brasileiras que se dizem adeptas dos regimes que evitam os carboidratos em todas as suas formas, especialmente as mais agressivas – as farinhas e o açúcar refinados. Jennifer Aniston, a loira de pele dourada e barriga de tábua, estrela do seriado Friends, exibido por canais de TV brasileiros, é uma delas. O milionário Donald Trump e a atriz cômica Whoopi Goldberg propagandearam sua adesão à dieta do baixo carboidrato. Mas o troféu mais vistoso dos adeptos do regime da moda é a magistral atriz galesa Catherine Zeta Jones, que voltou à forma original em poucas semanas depois de dar à luz o filho do ator Michael Douglas. No Brasil, a estrela Vera Fischer é a bandeira mais exuberante das qualidades cosméticas da dieta que permite comer carnes, ovos e bacon desde que se exilem da mesa os carboidratos.
Os especialistas que seguem essa linha divergem, no entanto, quanto ao grau de aversão que o candidato a perder peso deve ter dos carboidratos. A mais branda das receitas é chamada "dieta da restauração", modismo de academia, que só proíbe a ingestão de carboidratos depois das 6 da tarde. A idéia é que eles são mais nocivos durante o sono, quando afetariam a liberação do hormônio do crescimento, substância comprovadamente capaz de, nas pessoas adultas, induzir a formação de músculos e eliminar gorduras. Em seguida vem o regime conhecido no Brasil como "ponto Z", adaptação da famosa dieta americana The Zone. Em termos de carboidratos ele é muito menos amigável com os grãos, as massas e os doces que a tradicional "pirâmide dos alimentos", que os nutricionistas aprendem nas escolas há décadas e que prescreve a alimentação saudável com uma média de 60% de carboidratos, 20% de gordura e apenas 20% de proteínas. A dieta do ponto Z admite a ingestão de até 40% de carboidratos. Um pouco mais radicais são as dietas hiperprotéicas, que toleram 60 gramas de carboidratos por dia – o equivalente a duas fatias de pão dietético ou três colheres de granola. É nada para quem está acostumado ao arroz-feijão-batata-macarrão. Finalmente, no extremo mais radical da luta contra o carboidrato está o médico que popularizou essa linha de regime, o americano Robert Atkins. Pelo regime preconizado por Atkins, só se podem comer 20 gramas diárias de carboidratos nos primeiros dias da dieta, passando depois a 40 gramas ou um pouco mais. Coma uma maçã e você já estará ultrapassando o limite.
 
PROTÉICAS
O que se pode comer: carnes, queijos magros, saladas e frutas
O que não se pode comer: pães, massas, doces e gorduras
Prós: a perda de peso é rápida.
Contras: o corte de carboidratos pode levar à perda de líquidos e massa muscular.


Fotos Oscar Cabral

Quem já tentou:

Mônica Carvalho, atriz: há quatro meses come só carnes brancas grelhadas, saladas e frutas. Perdeu 3 quilos. >>
Leandra Leal, atriz: quer baixar seu porcentual de gordura corporal de 24% para 15%. Suas refeições têm de ter carnes, verduras e frutas.
Carlos Velloso, presidente do STF: aveia e bolacha cream cracker no café da manhã são as únicas porções de carboidratos que ingere. Desde dezembro perdeu 1 quilo e meio. Quer livrar-se de outros 4.
Antonio Carlos Magalhães, senador: perdeu 2 quilos em três semanas eliminando totalmente o açúcar. Come proteínas, legumes e frutas. Toma Xenical e caminha uma hora todos os dias.
Dono de uma fome insaciável por leitores, ouvintes e consumidores de seus produtos dietéticos, além de um igual apetite para polemizar com quem se opõe a suas idéias, o cardiologista americano Robert Atkins chega aos 70 anos como o papa da dieta. "Sou o primeiro e até hoje o único profissional de saúde de toda a América a combater a obesidade com um método tão consistente quanto seguro", disse ele a Ângela Pimenta, de VEJA, que o entrevistou em sua clínica, que ocupa um prédio em Nova York. Na guerra santa – e milionária – que há mais de trinta anos trava contra a obesidade, Atkins ostenta cifras gordas. Em todo o planeta, seus livros já venderam cerca de 15 milhões de exemplares pregando um regime que libera a ingestão irrestrita de gorduras e proteínas, mas combate furiosamente os carboidratos. A marca Atkins também vende milhões de dólares em vitaminas, shakes e barras de cereais. Assíduo convidado dos mais populares programas de TV dos Estados Unidos, o doutor dieta tem um faro apurado para o marketing. Além de estrelar um programa de rádio semanal e de publicar uma revista que leva seu nome, três vezes por ano ele despacha cerca de 500 gordinhos para um cruzeiro no Caribe. Lá eles se bronzeiam, detonam toneladas de bacon com ovos e aprendem os truques do regime que há 29 anos divide radicalmente os médicos.
Lançada em 1972, a dieta Atkins ainda hoje é o mais popular e mais controvertido método de perda de peso nos Estados Unidos. Não sem oposição. Ele despertou ondas de protesto quando pela primeira vez sintetizou um método fácil – e muito agradável – de ser seguido para perder peso. Com a dieta Atkins, come-se muito. Não existe fome. O médico foi tão atacado que sua dieta se tornou quase uma seita, ou melhor, um cisma, que esteve no limbo por quase três décadas. Ressurgiu como sucesso de público há alguns anos, em parte porque os estudos recentes sobre o metabolismo humano mostraram que, com os parcos conhecimentos existentes sobre o metabolismo nos anos 70, Atkins já sabia ler os sinais que observava em seus clientes. O médico coleciona milhares de relatos atestando que, após os catorze dias daquilo que ele batizou de "fase de indução", seus seguidores perdem até 10 quilos. Atkins sustenta também que a maioria de seus adeptos não volta a recuperar o peso perdido. Ao todo, mais de 25 000 pacientes já passaram por sua clínica em Nova York. Privado de carboidratos, o corpo humano, segundo Atkins, viraria uma usina, passando a queimar freneticamente a gordura acumulada. O resultado é uma verdadeira revolução metabólica dentro do organismo. O tecido adiposo é "derretido" e vai parar na corrente sanguínea na forma de cetonas, pequenos fragmentos à base de carbono. Atkins afirma que a maioria de seus pacientes descreve sensações prazerosas nessa fase do regime, que ele chama de "cetose benigna".
 
HIPERPROTÉICAS
O que se pode comer: Na versão radical de Atkins, carnes, ovos, queijos, bacon e alguns poucos vegetais. São permitidos de 20 a 40 gramas de carboidratos por dia.
O que não se pode comer: arroz, pães, doces e raízes. Prós: a perda de peso é rápida e a dieta é fácil de ser seguida.
Contras: pode haver aumento no colesterol e sobrecarga na função hepática. Há perda de massa muscular.


Quem já tentou:
Luiza Tomé, atriz: teve náuseas e vontade louca de comer carboidrato. Sucumbiu a uma macarronada. Venceu a crise. Continuou só nas verdurinhas e grelhados e perdeu os 4 quilos que precisava em um mês. Está com 53 quilos. >>
Vera Fischer, atriz: por três meses, seguiu à risca uma dieta que permitia até 40 gramas de carboidrato, o que equivale a duas saladas por dia. Perdeu 15 quilos. Hoje seu médico libera duas torradas de glúten e duas frutas.
Ney Suassuna, senador: perdeu 15 quilos em três meses. Segue o método Atkins e toma Xenical. Faz 500 abdominais diárias. Quer perder mais 5 quilos.
O governo americano e as principais entidades médicas do país ainda condenam veementemente a dieta Atkins, afirmando que ela representa sérios riscos à saúde. "Não é possível endossar um regime como esse, que proíbe a ingestão de alimentos saudáveis, como frutas e vegetais, e prega o consumo de gorduras saturadas, que podem causar câncer e doenças do coração", diz a nutricionista Sheah Rarback, porta-voz da Associação Dietética Americana (ADA). Para a Associação Médica Americana (AMA), a privação de carboidratos é altamente prejudicial ao organismo, já que junto com as cetonas o corpo acaba eliminando também sais minerais, como sódio e potássio, expondo o indivíduo ao risco de desidratação e arritmia cardíaca. Uma comissão de médicos filiados à AMA, assustados com o sucesso de Atkins, chegou a propor que os livros dele viessem com um selo do governo americano, como aquele alerta que vem nos maços de cigarro. Outro estudo oficial afirma que o corpo humano necessita de pelo menos 150 gramas de carboidratos por dia. De acordo com ele, o consumo abaixo dessa quantidade é uma violência contra o metabolismo. "O cérebro necessita de energia rápida, na forma de glicose, para poder funcionar com eficiência, e acontece que leva muito tempo para que um organismo consiga produzir energia a partir de proteína e de gordura e transportá-la até o cérebro", diz Sheah Rarback.
"Isso tudo é uma grande besteira", rebate Atkins. "Você acha que se isso fosse verdade eu estaria vivo depois de 38 anos seguindo minha própria dieta?" De fato, o doutor Atkins parece estar em forma. Com 1,83 metro de altura e 89 quilos, ele é ativo e lúcido. Garante também que sua pressão arterial, níveis de açúcar e gordura do sangue estão estáveis. Best-seller no mundo inteiro, Atkins amealhou boa parte de sua fortuna, estimada em cerca de 200 milhões de dólares, em direitos autorais. Nos Estados Unidos, seus livros não costumam ter tiragens inferiores a 700.000 exemplares, rendendo adiantamentos que chegam à casa de pelo menos 1 milhão de dólares ao autor. Lançado há três anos, A Nova Dieta Revolucionária do Dr. Atkins vendeu cerca de 6 milhões de exemplares. No Brasil, já foram vendidos perto de 6.000 livros em dois meses.
 
BODY FOR LIFE

João Raposo

O que se pode comer:
seis refeições diárias, com porções de proteína e carboidrato. O que não se pode comer: gorduras.

Prós: o programa une exercícios com dieta e promove reeducação. Tem um dia de folga semanal.
Contra: é rígido e estimula desistências.
Quem já tentou:
Flávio e Gustavo Mendonça, gêmeos do SuperPositivo: perderam 20 e 22 quilos. De manhã comem claras de ovo, ricota e batata cozida. No almoço e no jantar, proteínas, verduras, carboidratos e shakes protéicos. Treinam pesado seis vezes por semana. >>
A legião de 10.000 pacientes que a cada ano se tratam no Atkins Center discorda frontalmente dos críticos. É fácil entender a pressa e a ansiedade que os americanos, mais que qualquer povo do planeta, têm para emagrecer. Pesquisas oficiais mostram que hoje a gordura virou uma epidemia no país: 60% dos americanos adultos estão acima do peso. Só os obesos são 25% desse contingente. Estudos complementares afirmam que os gordos têm menos chances que os magros de entrar na faculdade, conseguir empregos e até mesmo de se casarem. Só no ano passado essa multidão aflita gastou cerca de 50 bilhões de dólares com regimes e alimentos dietéticos. Erguido em Manhattan, a cinco quarteirões da loja de departamentos Bloomingdale's, o quartel-general do doutor Atkins promete alívio rápido para os gordos. Aliás, a própria sede do Atkins Center é a tradução perfeita do método de emagrecimento de seu fundador. Nada ali lembra uma clínica de medicina convencional, dessas em que os tons de cinza e bege dominam o mobiliário, jalecos ou gravatas. Já da fachada, o letreiro azulão do Atkins Center anuncia o estilo do dono.
"Sempre acreditei que a saúde é inimiga da depressão", diz Atkins, refestelado em sua poltrona violeta, num consultório povoado de obras de arte modernosas. Comandando diariamente um batalhão de oitenta empregados, entre médicos, enfermeiros e nutricionistas, ele cobra entre 1.400 e 2.500 dólares por pacotes de tratamentos que incluem consultas, exames e sessões de fisioterapia. Os preços variam de acordo com o número de consultas e exames prescritos. A maioria da clientela do Atkins Center é composta por americanos de classe média cujos seguros de saúde cobrem o custo do atendimento. "Eu me cansei de tratar esse pessoal de Hollywood", diz Atkins. "Eles aparecem a primeira vez e depois começam a fugir dos regimes e faltar às consultas."
 
EQUILIBRADAS
O que se pode comer: um pouco de tudo, desde que não ultrapasse a quantidade diária permitida de calorias. As mais conhecidas são a dieta dos pontos e a dos Vigilantes do Peso.
O que não se pode comer: a príncipio nada é proibido.
Prós: a dieta leva à reeducação alimentar. O paciente dificilmente sente fome.
Contras: na dieta dos pontos, os pacientes acabam preferindo alimentos pouco saudáveis. Nos Vigilantes do Peso, pode ficar muito dependente das reuniões semanais.
Quem já tentou:

Marlos Bakker

Ivete Sangalo,
cantora: ela perdeu 5 quilos em três meses malhando com personal trainer e comendo de tudo um pouco. Ficam de fora de seu cardápio só chocolates, frituras e doces. >>
Lucília Diniz, empresária: perdeu 30 dos 100 quilos em um ano seguindo um método próprio. Hoje tem sua própria linha de produtos light.
Angélica, apresentadora: dois anos num programa de reeducação alimentar. Perdeu 8 quilos comendo bem no café da manhã e pouquísismo à noite. Frituras e doces, nem pensar. Malha quatro vezes por semana.
Carla Perez, dançarina: a ex-loira do Tchan vivia de sanduíches. Foi ao médico, detectou o colesterol elevado. Consome quantidades pequenas de pães, sucos, água-de-coco, feijão, arroz e carne. Perdeu 4 quilos.
Costanza Pascolato, consultora de moda: segue a dieta dos Vigilantes do Peso. Freqüentou reuniões de grupo, aprendeu a comer moderadamente e perdeu 8 quilos. Está em manutenção.
Luciano do Valle, comentarista esportivo: perdeu 10 quilos em dez meses com reeducação alimentar. Aboliu o açúcar e anda na praia todos os dias.
Danielle Winits, atriz: desde que começou sua reeducação alimentar perdeu 10 quilos. Aprendeu a escolher melhor o que come e evita consumir muito leite. Faz exercícios diários.
Alexandre Herchcovitch, estilista: perdeu 12 quilos em seis meses com a dieta dos pontos. Voltou a engordar e começou o regime outra vez. Já perdeu 8 novos quilos.
Antonio Calloni, ator: baixou de 104 quilos para 92 quilos em cinco meses. Segue a dieta dos pontos e caminha na orla carioca. Toma vinho todas as noites.
Suzy Rêgo, atriz: há dez anos abandonou as dietas radicais e aderiu à reeducação alimentar. Faz exercícios diariamente e abre exceções para compromissos sociais. Perdeu 10 quilos.
No Brasil, o sucesso evidente do regime de Vera Fischer aumentou o número de clientes do badalado consultório do nutrólogo Alberto Serfaty na Zona Sul do Rio de Janeiro. Serfaty é um dos maiores entusiastas brasileiros da dieta de baixo carboidrato. Seguindo suas recomendações, a ex-modelo Monique Evans recorreu a esse tipo de regime e perdeu 15 quilos. A atriz Luiza Tomé livrou-se de 4 quilos. "É errada a crítica de que a comida rica em proteínas e gorduras vai aumentar a concentração de lipídios no sangue. Com o emagrecimento, cai naturalmente o índice de colesterol e de outras gorduras circulantes", diz Serfaty. Um dos mais atualizados médicos brasileiros, o endocrinologista paulista Geraldo Medeiros acha razoável a argumentação científica que embasa as dietas metabólicas. "A ingestão de proteínas é correta. Mas os médicos americanos que seguem essa linha são excessivamente permissivos com as gorduras", diz Medeiros.
O americano Morrison Bethea, autor de uma dieta metabólica quase tão radical quanto a de Atkins, lembra que apenas a restrição calórica e exercícios, em geral, são insuficientes para acertar o alvo em que os pacientes miram. As pesquisas mostram que nove em cada dez pessoas que fazem dieta querem perder pelo menos 30% da massa corporal. Do ponto de vista puramente médico, perder 5% e manter-se assim por um ano já é o bastante. "As pessoas querem emagrecimento rápido e duradouro, essa é a verdade", diz ele. Bethea é autor do livro Sugar Busters (Exterminadores do Açúcar), que condena os carboidratos, dos quais o açúcar refinado é o representante mais agressivo. Ele diz que, no caso de alguns pacientes com predisposição genética para obesidade, cerca de 20% de todos os gordos, a dieta de alta proteína e baixo carboidrato é a única saída para emagrecer.
Outra ala dos inimigos dos carboidratos sustenta que privar-se deles traz até benefício adicional à saúde: a regularização hormonal. "Com uma alimentação adequada é possível obter a liberação máxima de hormônio do crescimento", diz o geriatra Eduardo Gomes de Azevedo. Ele aconselha seus pacientes a cortar totalmente a ingestão de carboidratos depois das 6 da tarde, de modo a não interferir na síntese desse hormônio que ajuda o corpo a criar músculos em vez de gorduras. "Desde que iniciei a dieta de indução do hormônio do crescimento ganhei músculos e emagreci e me sinto muito disposta para praticar esporte", comemora a apresentadora Cléo Brandão, que perdeu 5 indesejáveis quilos em um único mês. Lucélia Santos e Emerson Fittipaldi também adotaram a dieta que promete induzir a liberação de hormônio do crescimento pelo corte dos carboidratos na dieta vespertina.
Mesmo diante dos formidáveis resultados práticos obtidos pelas dietas que mantêm os carboidratos longe do prato, as autoridades de saúde acham que é preciso ainda muita investigação científica para dar-lhe uma chancela oficial. Muitos dos mecanismos citados por Robert Atkins para explicar o sucesso de sua dieta ainda são rejeitados. Como tudo o mais que altera o metabolismo humano, as dietas que mexem com a síntese de hormônios e mudam a química corporal não oferecem certezas. A única certeza, aliás, que cruzou a fronteira do século XXI junto com a endocrinologia é que cada caso é um caso. Muitos pacientes gordinhos vão beneficiar-se das dietas tradicionais que visam apenas racionalizar a alimentação, evitando excessos. Outros vão ter de recorrer a métodos mais drásticos. Cabe aos médicos dizer quem se encaixa em cada um dos casos.
 
ALTERNATIVAS
O que se pode comer: depende da dieta. Geralmente são regimes de baixas calorias.
Prós: a perda de peso é constante.
Contra: a pessoa volta a engordar em pouco tempo.


Ronaldo Ceravolo
Quem já tentou:
Xuxa, apresentadora: não come carne vermelha desde os 13 anos. Faz duas refeições por dia, evita sal e bebidas alcóolicas. Segue a orientação do livro sobre a dieta do sangue.
Yeda Crusius, deputada federal: no café da manhã e no almoço só ingere um composto à base de produtos naturais diuréticos. No jantar, come verduras, grelhados e legumes.
Galvão Bueno, comentarista esportivo: perdeu 14 quilos seguindo uma dieta própria. Deixou de lado as bebidas alcoólicas, toma só vinho. Nos restaurantes fez da entrada seu prato principal. Corre, anda e joga golfe.
Simone, cantora: trocou alimentos gordurosos por refeições leves. Duas vezes por semana passa cinco horas fazendo massagem redutora. Em dois meses, perdeu 6 centímetros de cintura.
Emmanuel Bassoleil, chef: a cada três meses passa uma temporada de sete dias num spa naturista onde são proibidas carne vermelha e comida com conservantes. Já perdeu 10 quilos.
28/02/2001 
O menu que prolonga
a juventude
A medicina constata que certos alimentos
previnem e até ajudam a curar doenças.
Além disso, uma boa dieta pode atrasar
o processo de envelhecimento
em até vinte anos

Monica Weinberg

NESTA REPORTAGEM
Quadro: Bom para o coração
Teste o impacto que os hábitos alimentares podem ter sobre a sua expectativa de vida
EXCLUSIVO ON-LINE
VEJA Saúde
A ciência dos alimentos dedica boa parte de suas pesquisas para identificar comidas que fazem mal à saúde. Há muito se sabe, por exemplo, que gordura bloqueia as artérias e carne vermelha em excesso é ruim para o coração – sem falar nos recém-condenados carboidratos, os mais novos vilões da obesidade, carro-chefe de males diversos. Na outra ponta, há as pesquisas que verificam quais são os alimentos "bons para a saúde". Frutas, verduras e legumes, em geral, fazem parte dessa cesta há décadas. Agora, especialistas começam a descortinar uma terceira frente sobre a qual quase nada se sabia até a década de 90: os alimentos funcionais. Eles vão além dos "saudáveis", porque, mais do que nutrir, fornecem ao organismo substâncias que auxiliam na prevenção e até no tratamento de doenças. Em pouco tempo, várias descobertas animadoras foram feitas. Estudos recém-divulgados autorizam afirmar que uma dieta funcional – ou seja, baseada em alimentos não só saudáveis, mas especificamente indicados para a prevenção de males – chega a reduzir em até 70% o risco de alguns tipos de câncer e em 80% as enfermidades do coração, no caso de indivíduos que não fumam e que praticam exercícios regulares. "A dieta saudável deixou de ser aquela que não faz mal à saúde", diz o americano Walter Willett, chefe da área de nutrição na Escola de Saúde Pública de Harvard e uma das maiores autoridades no assunto. "Hoje, é a que previne doenças e, em alguns casos, ajuda a tratá-las."
O médico americano Michael Roizen vai mais longe. Fundador de um dos mais respeitados centros de estudo da saúde e do metabolismo humano, o RealAge Institute, ele defende que a adoção de uma dieta específica, combinada a bons hábitos, ajuda a desacelerar o processo de envelhecimento. Mais que isso: pode rejuvenescer uma pessoa em até vinte anos (confira o impacto que a dieta e os hábitos alimentares têm sobre a sua idade no teste). Roizen é autor do best-seller Idade Verdadeira, que vendeu mais de 3,5 milhões de cópias e foi traduzido em 22 idiomas. "Rejuvenescer", para Roizen, não quer dizer experimentar milagres como o sumiço repentino de rugas. Com base num cálculo que leva em conta dados epidemiológicos e estatísticas de longevidade, ele criou uma taxa de risco para calcular o peso dos hábitos alimentares sobre a saúde de uma pessoa. Dependendo desse resultado, ela pode estar sujeita aos mesmos riscos e doenças que alguém mais jovem ou mais velho – daí o conceito de "idade biológica" ou "real", desenvolvido pelo médico, que independe da cronologia. Ao longo de cinco anos, Roizen e sua equipe examinaram 25 000 estudos científicos relacionados a hábitos alimentares, saúde e longevidade. Sua conclusão: "De todos os fatores que afetam o envelhecimento, a dieta é o mais importante".
 
Fotos Claudio Rossi
Academia de ginástica (acima) e o hospital Incor, em São Paulo: alimentos funcionais usados para melhorar a forma física e prevenir doenças
O interesse pelos benefícios que os alimentos podem trazer à saúde é antigo. Quatro séculos antes de Cristo, o grego Hipócrates, considerado o pai da medicina, já apregoava: "Faz da comida o teu remédio". Na Antiguidade, muito se especulava sobre o poder curativo de plantas como o alho (veja quadro). Um papiro egípcio de 1550 a.C. lista duas dezenas de medicamentos que, formulados à base da raiz, eram usados para tratar de dor de cabeça a inflamações na garganta. O uso do alho pelos antigos baseava-se no mesmo conhecimento empírico que estimulou muitas avós a dizer que comer fruta deixa a pele mais jovem e que um golinho de vinho "faz bem à saúde". Elas tinham razão, embora não soubessem exatamente o porquê. Hoje, já se tem por certo que tanto as frutas como as verduras são potentes antioxidantes naturais. Isso significa que têm capacidade para combater os temidos radicais livres – subproduto formado pelas células no processo de conversão do oxigênio em "combustível" para o corpo. As vitaminas C, E e A, presentes em abundância em frutas como a laranja, a manga e a maçã, têm o poder de reduzir essas moléculas tóxicas que, em excesso, comprometem o bom funcionamento do organismo e aceleram o seu envelhecimento. O poder das frutas é tamanho que Michael Roizen chega a afirmar que a ingestão de cinco porções delas por dia pode atrasar o relógio biológico em até quatro anos.
Outras práticas aprovadas pela experiência ganharam recentemente a chancela da ciência. Na década de 60, intrigava cientistas o fato de gregos e italianos – notórios apreciadores de uma boa e farta mesa – sofrerem menos de doenças cardíacas e terem expectativa de vida acima da média européia. A partir do estudo dessas populações, concluiu-se que um fator determinante para a longevidade de gregos e italianos era a dieta: a culinária mediterrânea é rica em azeite e nozes, por exemplo, dois poderosos redutores do LDL, o colesterol ruim. Também da observação da população na França nasceu o interesse científico pelo vinho tinto. Apesar de os franceses terem o hábito de comer queijo e manteiga a granel, eles conseguiam manter baixos níveis de doenças cardíacas. O fenômeno ficou conhecido como "o paradoxo francês". Um estudo conduzido pela Universidade Harvard demonstrou que um pigmento encontrado na casca das uvas vermelhas, os flavonóides, tem dupla função no que diz respeito à proteção do coração: aumenta as taxas do bom colesterol e ajuda a prevenir o enrijecimento das artérias.
Hoje, o vinho já exibe status oficial de redutor de doenças cardíacas – é prescrito por entidades como a respeitada American Dietetic Association e recomendado por nutricionistas de hospitais como o da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos. O mesmo ocorreu com a aveia. Testada e aprovada em uma série de pesquisas, ganhou o selo de redutora de doenças cardíacas pela Food and Drug Administration, o órgão responsável pelo controle de alimentos e medicamentos dos Estados Unidos. O aval da ciência às propriedades protetoras e rejuvenescedoras de alimentos fez com que muitos deles passassem a freqüentar os bloquinhos de receitas médicas. No Brasil, o cardiologista Protásio da Luz, do Instituto do Coração (Incor), responsável por uma pesquisa sobre o efeito dos flavonóides no coração, recomenda o consumo de suco de uva e vinho tinto aos seus pacientes, "excetuando-se no caso do vinho, é claro, os que têm tendência ao alcoolismo", diz. Na França, a bebida chega a ser servida em hospitais, em substituição ao tradicional suco de laranja, até há pouco tempo obrigatório nas bandejas dos doentes. Na escalada do vinho em direção ao status de "quase-remédio", a dose recomendada pelos organismos de saúde aumentou progressivamente. De três taças por semana, passou a uma por dia.
Os alimentos funcionais também já foram incorporados ao dia-a-dia de alguns dos principais hospitais brasileiros. Por meio de uma cartilha elaborada pelo Centro de Medicina Preventiva do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, pacientes aprendem que soja, azeite, suco de uva, chá verde e sardinha, por exemplo, são poderosos aliados na prevenção de males cardíacos. No Incor, em São Paulo, itens como carne vermelha, leite integral e manteiga – servidos até uma década atrás aos doentes – perderam espaço para peixes, leite de soja e azeite. A popularidade dos alimentos funcionais não está restrita à comunidade médica. A academia de ginástica Companhia Athletica, em São Paulo, contratou uma consultoria especializada em nutrição funcional (sim, esse já é um ramo de atuação entre especialistas), para incorporá-la ao bufê do seu restaurante. O novo menu ganhou saladas à base de castanhas e grãos de soja, molhos que levam azeite e semente de linhaça e vitaminas de frutas batidas com leite de soja. Segundo os nutricionistas, quem pratica atividade física e está preocupado com a boa forma vai encontrar nesses alimentos um aliado para prevenir lesões musculares, fadiga, stress, acne e envelhecimento.
A indústria já percebeu que está diante de uma mina de ouro e começa a investir pesado na tentativa de reproduzir em laboratório as propriedades benéficas dos alimentos, sintetizadas na forma de sucos, sopas e até sorvetes. O mercado mundial de funcionais industrializados, que só neste ano deve faturar algo próximo de 50 bilhões de dólares, cresceu 60% nos últimos cinco anos. A líder no ramo é a empresa holandesa DSM, que já colocou nas prateleiras européias, entre outros itens, balas de catequina – o fitoquímico presente no chá verde que ajuda a reduzir o risco de tumores malignos. A empresa fabrica ainda mais de trinta produtos à base de licopeno, substância que auxilia na prevenção do câncer de próstata e é encontrada em abundância no tomate, uma das vedetes da categoria dos funcionais.
Estudos conduzidos por Michael Roizen apontam que a ingestão semanal de dez colheres de molho de tomate ajuda a reduzir em até 50% o risco de onze tipos de câncer, entre eles os de esôfago e próstata. Em seu livro Idade Verdadeira, o médico afirma que o fruto é capaz de "rejuvenescer" em um ano quem o consome regularmente. Se a dieta por si só é um fator determinante para o envelhecimento, há outros quesitos que a rodeiam que merecem a mesma atenção, diz agora Roizen. Certos hábitos – revelados no momento em que se vai às compras e até mesmo nos utensílios que se tem na cozinha – podem ser tão vitais à saúde quanto a comida que vai ao prato. Em seu novo livro, A Cozinha da Idade Verdadeira, que será lançado no Brasil em agosto, o médico prega a importância de atitudes como, por exemplo, ler o rótulo dos produtos antes de colocá-los no carrinho de compras. A recomendação baseia-se em estudo feito pelo Instituto Nacional do Câncer, nos Estados Unidos, que mostra que as pessoas que cultivam esse hábito consomem 6% menos gorduras do que as que adquirem mercadorias sem saber o que elas contêm. Outro costume condenado pelo pesquisador é comer distraidamente – em pé, diante da geladeira ou na sala de televisão. Pesquisa conduzida com pacientes do próprio Roizen demonstrou que esse tipo de atitude é especialmente prejudicial àqueles com tendência à obesidade: faz com que a pessoa consuma 20% a mais de calorias do que se fizesse uma refeição à mesa. Quem come distraído também presta menos atenção ao que está comendo, lembra Roizen. Para o médico, a preocupação em selecionar alimentos de qualidade é um dos pilares da boa saúde – tanto que está na origem de outra série de recomendações que ele prescreve, como: sabatinar o garçom sobre o preparo do prato em uma ida ao restaurante, solicitar-lhe que troque ingredientes sempre que julgar necessário e, mais importante, pedir que o molho da salada venha à parte – de preferência, sem maionese. Pesquisa feita pelo governo americano chegou à espantosa conclusão de que, na faixa etária de 20 a 30 anos, as mulheres consomem, em média, metade de suas calorias diárias só em molho de salada. Entre os hábitos benéficos para a saúde, Roizen lista o costume de manter as frutas em local visível na cozinha. Estudo publicado no American Journal of Clinical Nutrition mostra que 80% das pessoas, movidas pela fome, escolhem o primeiro alimento que atravessa seu campo de visão. Melhor, então, que sejam as frutas.
Qualidades atestadas, os alimentos funcionais de nada servem, alertam especialistas, se: 1) não forem consumidos com regularidade – como os remédios, só têm efeito no combate às doenças quando ingeridos nas quantidades adequadas – e 2) a dieta como um todo não for saudável. É inútil empanturrar-se de aveia no café-da-manhã e devorar hambúrgueres com refrigerante no almoço. "A fórmula ideal para prevenir doenças com o auxílio dos alimentos é combinar na dieta o maior número possível de substâncias benéficas", diz o médico Walter Willett.
O entusiasmo dos cientistas pelos poderes dos alimentos funcionais pode ser medido pela magnitude de uma pesquisa que começa a ser desenvolvida pelo World Cancer Research Fund, órgão internacional especializado no estudo do câncer. Na semana passada, o instituto anunciou a largada de um megaprojeto que pretende ampliar em escala inédita o conhecimento sobre o impacto dos alimentos no combate à doença. O trabalho vai envolver cientistas dos melhores centros de pesquisa do mundo. Divididos em grupos, cada um se dedicará a desvendar a contribuição que os alimentos podem dar à prevenção de um determinado tipo de câncer. O Word Cancer Research não é o único órgão interessado no tema. Neste momento, sob os microscópios de pesquisadores de todo o mundo, estão cogumelos, alcachofras, canela, chocolate e curry, por exemplo – todos potenciais aliados na prevenção de males diversos. No Brasil, o Incor vai inaugurar em breve um núcleo de estudos exclusivamente voltado para pesquisas com café. Desconfia-se que a bebida pode ajudar a evitar doenças cardiovasculares, a causa número 1 de mortes no Brasil e no mundo. A fonte da juventude e da longevidade, quem diria, está logo ali, na sua cozinha.
 
10 alimentos para viver mais
Conheça alguns dos alimentos que a ciência já comprovou serem capazes de prevenir doenças e a quantidade indicada para potencializar seus benefícios*

Fotos Claudio Meletti

AVEIA

Ajuda a diminuir o colesterol ruim, o LDL. Ganhou o selo de redutor do risco de doenças cardíacas da FDA, agência americana de controle de alimentos e remédios
Quantidade recomendada: 40 gramas por dia de farelo ou 60 gramas da farinha

ALHO
Reduz a pressão arterial e protege o coração ao diminuir a taxa de colesterol ruim e aumentar os níveis do colesterol bom, o HDL. Pesquisas indicam que pode ajudar na prevenção de tumores malignos
Quantidade recomendada:
um dente por dia (para diminuir o colesterol e a pressão arterial)


AZEITE DE OLIVA
Auxilia na redução do LDL. Sua ingestão no lugar de margarina ou manteiga pode reduzir em até 40% o risco de doenças do coração
Quantidade recomendada: 15 mililitros por dia ou uma colher (de sopa rasa)
 


CASTANHA-DO-PARÁ
Assim como noz, pistache e amêndoa, auxilia na prevenção de problemas cardíacos. Também ganhou o selo de redutora de doenças cardiovasculares da FDA
Quantidade recomendada:
30 gramas por dia ou de cinco a seis unidades

CHÁ VERDE
Auxilia na prevenção de tumores malignos. Estudos indicam ainda que pode diminuir as doenças do coração, prevenir pedras nos rins e auxiliar no tratamento da obesidade
Quantidade recomendada:
De quatro a seis xícaras por dia (para reduzir os riscos de gastrite e câncer no esôfago)  

MAÇÃ
Ajuda a prevenir tumores malignos, diz o médico Michael Roizen. O consumo regular de frutas variadas auxilia na redução de doenças cardíacas e da pressão sanguínea, além de evitar doenças oculares como catarata
Quantidade recomendada: cinco porções de frutas por dia

PEIXES
Os peixes ricos em ômega 3, como a sardinha, o bacalhau e o salmão, são poderosos aliados na prevenção de infartos e derrames. Estudos indicam também que reduzem dores de artrite, melhoram a depressão e protegem o cérebro contra doenças como o mal de Alzheimer
Quantidade recomendada: pelo menos 180 gramas por semana (para reduzir o risco de doenças cardiovasculares)

SOJA
Ajuda a reduzir o risco de doenças cardiovasculares, segundo a FDA. Seu consumo regular pode diminuir os níveis de colesterol ruim em mais de 10%. Há indicações de que também ajuda a amenizar os incômodos da menopausa e a prevenir o câncer de mama e de cólon
Quantidade recomendada: 150 gramas de grão de soja por dia, o equivalente a uma xícara de chá (para reduzir o colesterol)


TOMATE
Auxilia na prevenção do câncer de próstata
Quantidade recomendada: uma colher e meia (sopa) de molho de tomate por dia

VINHO TINTO
A uva vermelha, presente no vinho ou no suco, ajuda a aumentar o colesterol bom e evita o acúmulo de gordura nas artérias, prevenindo doenças do coração
Quantidade recomendada: dois copos de suco de uva ou uma taça de vinho tinto por dia
 
 
* As quantidades de alimentos indicadas se referem apenas à prevenção das doenças especificadas. A dosagem ideal para o combate das demais ainda não foi identificada pelos pesquisadores
Colaborou Beatriz Baldim

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