Francine Lima
Repórter de ÉPOCA, escreve às quintas-feiras sobre a busca da boa forma física
Se emagrecer fosse fácil para todo mundo, provavelmente não existiria um mercado milionário prometendo soluções para quem está acima do peso. O que é fácil, as pessoas fazem sozinhas, sem muito esforço. Ou não? Fazer algum tipo de exercício pode ser fácil, desde que você consiga se movimentar sem grandes limitações e tenha alguns minutos por semana para isso, não? Pode ser que não. Comer menos do que está acostumado a comer pode ser fácil para alguns e dificílimo para outros. Se o seu corpo não quiser que você emagreça e tentar impedi-lo, essa pode ser sua maior tormenta. E, muitas vezes, nos obesos, é isso que o corpo faz. Atrapalha. De propósito.
Estudos em fisiologia do exercício têm mostrado que muitos programas de exercícios que por muito tempo foram considerados eficazes fracassam no intuito de emagrecer certas pessoas. Ou elas emagrecem quase nada, ou emagrecem bastante e recuperam todo o peso depois.
A ciência está tentando entender exatamente por que isso acontece e, ainda mais importante, como desfazer essa maldição. Segundo uma linha de estudos da obesidade que eu conheci esta semana, duas pistas podem ajudar a explicar e a superar tanta dificuldade. Uma delas é a duração da briga. Os estudos indicam que persistir nas estratégias emagrecedoras por mais tempo pode fazer toda a diferença. Outra pista é atacar o problema de vários lados ao mesmo tempo, não só com a tradicional combinação de dieta com exercício, que pode ajudar muito, mas em alguns casos não basta.
O Grupo de Estudos da Obesidade (GEO) da Universidade Federal de São Paulo, coordenado pela pesquisadora Ana Dâmaso, trabalha com adolescentes obesos. Todo ano, uma nova turma entra para um programa interdisciplinar de tratamento. Ali eles fazem um monte de exames clínicos e laboratoriais, acompanhamento médico com endocrinologista, reeducação alimentar, exercícios especialmente planejados para eles e um acompanhamento psicológico que os auxilia a lidar com suas questões complexas. Fatores como autoimagem, relação com a família, distúrbios alimentares e auto-estima são considerados nessa abordagem como componentes importantes da obesidade dos pacientes, por isso não podem ser deixados de lado no tratamento.
Ao longo de um ano, esses adolescentes voluntários passam por avaliações diversas, que vão muito além da medição de peso, altura e composição corporal. São feitos também exames de sangue, ultrassonografia e outros procedimentos laboratoriais que monitoram bioquimicamente o que está acontecendo no corpo deles em cada etapa do tratamento. O interessante é que a balança e a avaliação de composição corporal, que mostram quanta gordura subcutânea e quanto tecido muscular a pessoa ganhou ou perdeu, costumam ser o máximo que as academias medem para dizer se os alunos conseguiram resultados ou não. Mas ali no laboratório do GEO os indicadores bioquímicos mostram muito mais. Mesmo quando a balança exibe o mesmo número há várias semanas, o sangue e o ultrassom podem revelar que o padrão neuroendócrino está mudando. E, para os obesos, isso é extremamente importante.
Nos obesos, o papel de algumas substâncias é crucial na perda de peso – ou no fracasso da dieta e dos exercícios. Uma delas é o NPY, um neutrotransmissor que indica aumento de apetite. Outro é a grelina, um hormônio produzido pelo estômago que, no cérebro, aumenta a fome. Nos obesos, a grelina costuma aparecer em quantidades menores que o normal. Acredita-se que isso acontece como uma reação do organismo na tentativa de se proteger da obesidade. Já a leptina, outro hormônio envolvido na regulação do apetite e do balanço energético, costuma estar aumentada nos obesos. Ela é produzida pelas células adiposas, muito abundantes nessas pessoas.
Num estudo conduzido pela nutricionista June Carnier, do GEO, com 37 adolescentes, foram medidos massa gorda, massa magra, gordura visceral (por meio do ultrassom), esses hormônios acima e alguns outros ainda. Nos primeiros seis meses do tratamento, o NPY dos voluntários aumentou. Ou seja, o apetite da turma cresceu. Imagine o que isso significa. Eles estão lá se esforçando para emagrecer, fazendo dieta direitinho, fazendo exercícios monitorados, e aí a fome aumenta e eles querem comer mais. O NPY parece estar querendo pôr tudo a perder. E é isso mesmo. É o chamado efeito rebote. Quando o corpo gordo percebe que está perdendo peso, dá um jeito de reverter a perda e recuperar tudo de novo, aumentando o apetite e às fazendo estragos piores. Há hormônios envolvidos na obesidade que atrapalham mesmo, reduzindo o metabolismo e aumentando a produção de gordura. Por que eles fazem isso?
Parte do pesadelo é explicado por uma teoria muito repetida por gente da área. Batizada de Thrifty Gene Theory (algo como a teoria do gene econômico), a tese formulada pelo geneticista James Neel em 1962 diz que o corpo dos seres humanos de hoje não quer emagrecer por causa de uma programação metabólica que vem do tempo das cavernas. Aquela era uma época em que era preciso caminhar muito para encontrar frutos nas árvores e lutar contra animais selvagens para comer. Ninguém sabia quando iria comer de novo. Estocar energia, portanto, era uma vantagem para a sobrevivência. Haveria então um gene responsável por impedir que o corpo perdesse muito peso nos períodos de escassez. E essa vantagem se tornou evolutiva: os indivíduos que sobreviveram com estoque de energia em forma de gordura corporal transmitiram o gene da estocagem de energia aos seus descendentes.
Transmitido intacto por nossos ancestrais às atuais gerações, no entanto, o tal gene econômico seria um dos responsáveis pela obesidade nos dias de hoje. Apesar de termos comida abundante ao nosso dispor no supermercado e nos restaurantes, diariamente, o corpo continua acreditando que precisa estocar energia para os tempos de fome. Pelo menos é o que diz a teoria. Ela parece fazer sentido para todo mundo que já tentou de tudo para emagrecer e não conseguiu – ou conseguiu mas engordou tudo de novo. Quando reduz a ingestão de comida ou começa a queimar gordura na malhação, a hipótese é que esse corpo programado entende que está na hora de entrar em ação para se salvar da inanição. E dá início ao efeito rebote: por meio de hormônios, aumenta o apetite, reduz o metabolismo e joga fora todo o esforço do gordinho que finalmente entrou na academia.
Então, por seis meses, esse efeito foi observado nos adolescentes tratados no GEO. Mas começou a mudar na segunda metade do tratamento. Depois dos primeiros seis meses, com a continuidade do programa de exercícios, da dieta e da terapia psicológica, o NPY começou a cair, mesmo quando o peso entrou num platô. A resistência à insulina, presente em todos os adolescentes avaliados, também só diminuiu de forma significativa na segunda metade do tratamento. As pesquisadoras acreditam que isso acontece porque o corpo se adapta com o tempo. Mas um tempo maior do que o que se costuma esperar pelos resultados. De acordo com esse estudo, só uma abordagem de longo prazo é capaz de promover uma regulação neuroendócrina da ingestão de comida e do balanço energético.
As pesquisadoras apostam também na importância da terapia psicológica para reverter o padrão neuroendócrino da turma. Isso porque cada pessoa tem suas questões. E às vezes essas questões precisam de uma ajuda profissional para aparecer e merecer tratamento. Entender a história de vida de cada um, a dinâmica familiar e os medos escondidos por trás dos comportamentos é um trabalho que quase ninguém consegue resolver só com força de vontade.
Já está mais do que estabelecido que a obesidade é uma doença – não é, portanto, resultado de preguiça – e é multifatorial, ou seja, não tem uma causa só. São vários fatores presentes na pessoa que, combinados, resultam em uma série de alterações no funcionamento do cérebro e dos hormônios, no aproveitamento dos alimentos pelas células, na produção de gorduras e substâncias e em muito mais processos fisiológicos do que nós leigos somos capazes de imaginar. Se existem hormônios dominando a vontade de a pessoa comer, não adianta nada aquele tipo de solução da auto-ajuda motivacional que só manda a pessoa acreditar que agora vai conseguir controlar o apetite. A mudança tem de começar por dentro, sim
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/1,,EMI146712-15230,00.html
Por que pode ser tão difícil emagrecer?
Quem está acima do peso ideal e, por inúmeras vezes, aderiu a dietas e medicamentos diferentes, porém sem resultados satisfatórios, sabe que deve existir algo além de restringir calorias e ter força de vontade para conseguir perder os quilos indesejados. A dificuldade pode acontecer por motivos fisiológicos ou psicológicos.
É sabido que quando se ingere mais energia do que se gasta durante certo período de tempo, há um acúmulo de gordura no organismo. As calorias excedentes são armazenadas nas células adiposas em forma de triglicerídeos. Para serem capazes de armazenar todas as calorias excedentes, as células adiposas precisam se multiplicar ou aumentar de tamanho.
Desde o início da vida a até pouco antes dos vinte anos de idade, as células adiposas aumentam naturalmente em quantidade, porém na criança que sofre de obesidade ela aumenta em número maior do que o normal e também aumenta em volume. Este tipo de obesidade é chamada de primária.
Quem sofre de obesidade primária terá maior dificuldade de emagrecer, pois é comprovado que se consegue reduzir peso apenas reduzindo o volume dos adipócitos, mas é impossível diminuir o número de células adiposas do corpo. Sendo assim, o obeso desde a infância pode perder peso, mas acaba por recuperá-lo, pois as células adiposas em excesso desejam recuperar-se e enviam ao hipotálamo mensagens para que este estimule o aumento da ingestão de comida. Já, quem começou a engordar na idade adulta, sofreu apenas o aumento no tamanho dos adipócitos e, fisiologicamente, apresenta maior facilidade em emagrecer e manter o peso. Todavia, mesmo os obesos secundários, podem sofrer diversas influências psicológicas e lutarem, sem vitória contra a balança.
Em nossa cultura, o significado da comida ultrapassa os de atendimento às necessidades de sobrevivência e nutrição do corpo. Comemos para celebrar as alegrias, ou ainda comemos quando estamos tristes para “esquecer” as dores. Que criança nunca deixou de chorar após ganhar um docinho? A comida anda de mãos dadas com o afeto. Por conta dessa conotação afetiva, muitas vezes comemos não por fome – impulso fisiológico –, e sim por apetite – o qual é fortemente influenciado pelo nosso estado emocional.
Em diversas pessoas, a comida preenche necessidades emocionais, “resolve” conflitos da vida ou atua como recompensa a tensões emocionais. Isso pode começar desde o berço, quando a mãe interpreta todo choro do bebê como decorrência de fome e lhe oferece o alimento como consolo. Como resultado, a criança aprende a sanar suas sensações desconfortáveis com comida. Interessante observar que, quando a comida adquire funções afetivas, a pessoa excede – na maioria dos casos – em carboidratos e não em proteínas. É uma maneira de colocar mais doçura em uma vida amarga.
A ingestão de carboidratos torna o processo do emagrecimento mais árduo, não só pela quantidade elevada de calorias, mas pelo próprio processo metabólico dos açúcares.
O nível de açúcar no sangue deve ser mantido estável porque a glicose é essencial para fornecer energia ao cérebro. Quando a taxa de açúcar no sangue fica abaixo do nível normal, o hipotálamo recebe esta mensagem e estimula a ingestão de comida para recuperar o nível habitual. A baixa taxa de açúcar causa fadiga, depressão, irritabilidade, tontura, dor de cabeça, desmaios e confusão mental. A ingestão do carboidrato aumenta a energia do organismo e reverte muitos desses sintomas, todavia de forma temporária. Se a ingestão alimentar for de grande quantidade de carboidratos, o sangue enche-se de açúcar e liberará grande a quantidade de insulina – hormônio responsável por “transportar” a glicose para as células do corpo – para tentar manter seu nível normal. Porém, com a “saída” de grande quantidade de açúcar do sangue para as células, o nível de glicose sanguínea cai abaixo da curva normal resultando em maior desejo de consumir açúcar. Portanto, quanto maior a ingestão de açúcar, menor o nível de açúcar no sangue, e maior o desejo de consumir açúcar … e assim por diante, num ciclo repetitivo.
Não só a ingestão do carboidrato resulta em baixo grau de açúcar no sangue. A produção de adrenalina também tem este efeito, pois eleva o nível de açúcar no sangue. A adrenalina é produzida quando nos encontramos sob pressão, sob stress, na dor e na emoção profunda. A resultante baixa de açúcar gerada por tais sentimentos termina por impulsionar a ingestão de comida e bebida para obter energia, conforto, descanso e alívio para os temores, raiva e tensões.
Visto tamanha complexidade que rege o metabolismo do organismo humano e as devidas influências de ordem fisiológica ou psicológica, emagrecer, definitivamente, vai além de possuir força de vontade para “fechar a boca”. Quando os motivos da alimentação esbarram no âmbito psíquico, o profissional psicólogo pode auxiliar no processo de emagrecimento. Não descartando a importância de se ter consciência do que se come, como se come e quanto se come, quem deseja eliminar alguns quilos de seu corpo para viver mais saudavelmente, deve também dar importância ao conhecimento do porquê se come.
Por Juliana Morillo – Psicóloga Clínica, especialista em Terapia de Família e de Casal.
http://www.julianamorillo.com.br/?p=257
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