Maioria dos seguidores é jovem e não quer engordar.
Médicos de SP alertam para os riscos de dependência química.
Carolina Iskandarian
Do G1, em São Paulo
Álcoolréxicos substituem as refeições por bebidas,
principalmente, destilados (Foto: Mateus Mondini/ G1)
“Eu sou 'álcoolréxica', mas vivo muito bem assim!!!
(...) Pra que comer?? Vamos beber e ficar legal!!”. O trecho
desse depoimento que uma jovem deixou no Orkut em março de 2007
resume um tipo de comportamento que tem preocupado os médicos.
Homens e mulheres, a maioria na faixa entre 18 e 25 anos, estão
substituindo as refeições por bebidas alcoólicas. Para a
maioria, o objetivo é emagrecer. Os médicos alertam para os
riscos de dependência química.
O termo é recente e, em inglês, pode ser traduzido
para drunkorexia. “Dez latas de cerveja valem por um
bifinho. Certeza”, diz outra jovem na mesma página da comunidade
do Orkut sobre o tema. Uma terceira amiga responde: “e depois
de dez latas de cerveja eu sempre quero um bifinho. (...) Vamos
parar com essa mamata de ficar comendo. Vamos voltar a beber!”.
O psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, coordenador do Programa
de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad), vinculado à
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), disse que a
preferência das pessoas que têm esse vício é pelos destilados.
“Se a pessoa bebe cerveja, fica com a barriga estufada. O álcool
[nos destilados] suprime o apetite e, tomado em grande
quantidade, dá uma sensação de saciedade e certo enjoo da
comida”, explicou.
Barriga 'estufada' e incômodo
Formada em administração de empresas, a paulistana Camila (nome
fictício), de 36 anos, acredita estar curada do problema. Ela
conta que deixava de comer à noite quando saía com os amigos
para beber mais e aproveitar “a balada”. Constrangida, não quer
se identificar. “Eu substituía o jantar pelo álcool e não tomava
cerveja, mas saquê porque é mais levinho, tem menos calorias”,
relata.
Camila passou a suprimir os pratos noturnos depois
que começou a se sentir incomodada. “Eu comia, ficava estufada e
ia para a balada beber cerveja. Então, ficava mais estufada
ainda”. De acordo com ela, jantar e sair em seguida causava um
desconforto. “A roupa aperta e você se sente mais gorda.
Incomoda”.
Hoje, sete meses após ter procurado a ajuda de um
psiquiatra, Camila considera ter superado o problema. Por
orientação médica, parou de comer alimentos mais pesados, como
arroz e carne, e colocou no prato saladas e sanduíches feitos
com peito de peru e queijo branco. “Foi uma reeducação”.
Camila conta que foi a um psiquiatra a pedido dos
amigos, que acharam que ela estava virando alcoólatra. Um dos
momentos dos quais não gosta de lembrar foi quando chegou tão
bêbada em casa que vomitou na porta do elevador do prédio. As
câmeras do circuito interno captaram a cena. “É meio constrangedor”.
Riscos
Para os médicos, álcool dá sensação de saciedade e
perda de fome (Foto: Mateus Mondini/ G1)
Acostumado a lidar com dependentes químicos, o psiquiatra Dartiu
Xavier não vê os "álcoolréxicos" como “normais”. “É um
absurdo. Existem hoje medicações seguras para inibir o apetite.
Não justifica usar o álcool, que é tóxico”. De acordo com ele,
as pessoas nesse perfil, geralmente, "têm preocupação com o peso".
Também psiquiatra do Proad, Marcelo Niel calculou que, em um ano
e meio, atendeu dez pacientes com esse perfil. A maioria era de
mulheres. “Por causa da preocupação em não engordar, elas acabam
bebendo e evitando a alimentação. É um fenômeno que vejo com
frequência. Elas evitam comer para beber mais e escolhem bebidas
de menor teor alcoólico”, disse Niel, que não vê o distúrbio
como doença e sim um “erro de comportamento”.
Para ele, está ligado aos transtornos alimentares
e pode trazer complicações futuras. “O problema é a perda de
controle. Se você não se alimenta e só bebe pode virar um
alcoólatra e isso traz prejuízos mentais. A pessoa não se
alimenta, não se hidrata”, acrescentou o psiquiatra.
Como se fosse água
João conta que ficou sem comer dois dias seguidos e
ficava só bebendo (Foto: Divulgação/ arquivo pessoal )
Ficar quatro dias bebendo sem parar e sem comer é como uma rotina
para Mariana (nome fictício), de 19 anos. “Quero emagrecer. Em
alguns horários do dia, quando sinto fome, troco a refeição por
uma bebida. Geralmente, é vodca”, contou a menina, que mora em
Balneário Camboriú (SC). “Bebo como se fosse água”.
Medindo 1,65 m e pesando 58 kg, Mariana diz que
perde a noção do quanto bebe. Calcula que seja meia garrafa de
vodca em um dia. “Quando vejo que vou ficar mal, como alguma
coisa. Quando eu comia, engordava com facilidade. Aí resolvi
beber”. Questionada se não ficava enjoada ou de ressaca com
tanto álcool, respondeu: “acho que meu organismo se acostumou”.
Competição de bebida
Na turma de amigos de Mariana, ela não é a única
que tem o perfil dos álcoolréxicos. “Quando a gente está junto,
fica competindo para ver quem bebe mais. Só que eu me controlo
para não ficar muito mal”, contou ela.
João (nome fictício), de 21 anos, também trocava o
arroz e o feijão por algumas doses na mesa de bar ou em casa.
“Você se olha no espelho e se vê gordo. Aí passa dois dias
bebendo”, justificou ele. O rapaz jura que “parou de fazer isso”
há quase dois meses. “Já estou tomando consciência. Vi que não
me fazia bem. Como ficava muito tempo sem comer, comia tudo o
que via pela frente”.
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