A senhora é uma nutricionista contra dietas?
Eu sou muito contra dieta (risos).
E quanto mais eu estudo, mais fico contra. Uma das coisas que mais
assusta e estressa o cérebro é fazer uma dieta muito restritiva. O
cérebro a percebe como um grande perigo e vai desenvolver mecanismos de
adaptação. Ele vai aumentar o seu apetite, diminuir seu metabolismo e
deixar você mais obcecado por alimento.
É por isso que tantos voltam a engordar?
A curto prazo, a dieta vai
funcionar. Só que o cérebro vai desenvolver mecanismos de adaptação, vai
‘ligar’ os genes do apetite e do armazenamento de gordura. A ciência
mostra que 90% a 95% das pessoas que fazem uma dieta muito restritiva
voltam a engordar, não só tudo de novo, mas ainda mais. Pelo menos 30%
de quem faz dieta engorda mais do que perdeu com ela. O interessante é
que, depois de uma dieta, o apetite de uma pessoa aumenta por até um ano
após ela ter voltado a comer normalmente. E o risco de desenvolver
compulsão é até 18 vezes maior depois de uma dieta restritiva. Os
maiores transtornos alimentares (como bulimia e anorexia) que a gente
trata começaram com uma dieta.
Então, qual a solução?
Primeiro, não enxergar o peso como
a causa do problema, para não trabalhar só sobre a consequência. É
preciso entender porque você engordou. Pode ser emocional, por fazer
dieta, por comer de maneira não muito saudável, pode ser um medicamento
que você está tomando ou uma fase de vida – a menopausa e pré-menopausa,
por exemplo, são momentos muito sensíveis para a mulher.
O que é o “terrorismo nutricional” que a senhora afirma que vivemos?
Hoje estamos focando no alimento
de um jeito muito simplificado: ou o alimento é bom ou é ruim. Esse
engorda e aquele emagrece. Não existe isso. Nenhum alimento por si só
vai fazer engordar ou emagrecer. Quando você só foca nas calorias e nos
alimentos, você esquece de escutar o seu corpo. Você não responde mais à
fome ou à saciedade. Você só responde com terrorismo ao que você está
comendo. Comer vira uma coisa estressante. E uma culpa.
Dá para acabar com essa culpa?
Uma das coisas que eu trabalho
muito no consultório é recuperar a sensação de fome e saciedade e o
comer sem culpa. Nosso corpo é totalmente habituado a todo tipo de
alimento. Claro que algumas pessoas têm problemas ou alergias, e isso
tem que ser tratado. Mas colocar uma população inteira sem açúcar, sem
glúten ou sem lactose é uma loucura! O terrorismo é esse: cada vez mais
as pessoas não sabem o que comer. Acham que controlando o que elas estão
comendo vão emagrecer. Na verdade, estão cada vez mais estressadas e
com maior risco de ganho de peso.
Mas há dietas restritivas famosas que cortam glúten ou proteína e dão certo. Também não são recomendadas?
Para uma pessoa que tem doença
celíaca, eu vou recomendar uma dieta sem glúten. Mas para uma pessoa que
está bem, só porque ela quer perder peso, isso afeta muito a sua
relação com os alimentos. Vira um inferno. Tirar o glúten é uma coisa
muito difícil, muito estressante. Claro que a pessoa vai perder peso, e é
por isso que está na moda. Só que, infelizmente, isso só aumenta aquele
terrorismo nutricional. Em geral, cortar um grupo alimentar não é
adequado. Somos onívoros, ou seja, animais que comem de tudo. Quando
você corta um grupo alimentar, você assusta o seu corpo. Ele vai
desenvolver adaptações que podem fazer você engodar mais a longo prazo.
Por que é tão importante acabar com essa culpa ao comer?
Quando você está com muita culpa,
sofrendo muito terrorismo nutricional, você pode engordar, porque está
estressado, em desequilíbrio diante da alimentação. Isso pode afetar o
cérebro e “ligar” genes que vão fazer você engordar mais. Mas é bom
lembrar que tem obesos que comem superbem. É bom não fazer
discriminação. Pode ser um estresse na vida que aciona um mecanismo de
proteção. A gordura era uma proteção contra a falta de alimentos e o
nosso cérebro ainda pensa assim. Se você estressa muito o seu corpo, se
fica sem comer, se corta carboidrato, ele reage aumentando a produção de
gordura. Quando você está comendo com prazer, sem culpa, você come
menos porque vai ficar satisfeito e não engole a comida. E também vai
ter uma digestão diferente do que se comer com rapidez, com culpa, com
estresse.
A senhora é contra os produtos light e diet?
Não sou contra. O que eu acho
importante é mostrar que eles não são necessariamente interessantes para
emagrecer. Para fazer produtos light e diet, a indústria fez uma troca.
Tiraram parte da gordura, o que deixa ele sem gosto, e colocaram
carboidratos. Açúcar, amido modificado, xarope de açúcar, todos esses
carboidratos, dão bastante prazer no cérebro. A gordura tem 9 calorias
por grama, mas o açúcar só 4. Então, o produto fica com menos calorias,
mas não necessariamente mais interessante do ponto de vista da
saciedade. E também pode ter um efeito diferente no metabolismo.
Então seria melhor comer algo que você goste em porções menores?
Na dúvida, o é melhor pegar o
alimento mais ‘in natura’ possível. Não estou dizendo orgânico, estou
dizendo mais natural. Em vez de comer o iogurte light ou diet de
morando, por exemplo, a opção que eu acho mais saudável seria o iogurte
natural junto com o morango e um pouquinho de açúcar. É um alimento mais
verdadeiro.
Mas como, então, emagrecer?
Primeiro, é preciso ter excesso de
peso e nem todo mundo tem. Pessoas que estão com peso saudável e que
querem emagrecer mais vão assustar o corpo. Essa preocupação de
emagrecer é muito exagerada hoje. As pessoas estão muito focadas nisso. É
“bom dia, você emagreceu” ou “você engordou”. Antes se falava do tempo!
Uma pena. Mas uma pessoa que tem sobrepeso precisa saber que não há uma
solução só. As dietas hoje dão a mesma solução para todo mundo. Isso
não dá certo. Cada um tem um metabolismo, uma história, uma razão
diferente para o sobrepeso. Mas uma dica interessante é essa: comer mais
alimentos verdadeiros.
Ou seja, menos industrializado.
Isso, menos industrializados. E
não estou dizendo que sou contra alimentos industrializados. Sou
engenheira agrônoma, trabalhei em indústria, e acho que eles ajudam
muito no dia a dia. Mas, quando puder, cozinhe, prepare o prato em casa,
coma alimentos que vêm da natureza e tente evitar essa preocupação de
dieta. Isso está fazendo com que ninguém coma junto. Sei de pessoas que
levam marmita para eventos sociais. A gente está cada vez mais com esse
terrorismo da nutrição. Se você volta a comer alimentos verdadeiros,
para os quais a gente foi adaptado, você não deveria ter essa
preocupação de calorias, de engordar. O que você deveria ter é uma
consciência maior de como está se sentindo. Estou com fome? Vou comer.
Estou sem fome? Vou parar de comer! Alguém que está respondendo bem a
essas perguntas chega a um peso saudável. É o que em inglês se chama
“mindful eating”, o comer consciente. É um bom jeito de emagrecer de
maneira suave e para a vida inteira.
O comportamento alimentar é tão importante quanto o que se come?
O “mindful eating” é totalmente
isso. Pesquisas com crianças mostram que se você cuidar mais do
ambiente, sem falar do que ela está comendo, ela vai ter menos risco de
engordar. Não é só o que você come. É também como você está comendo. Ter
um comportamento adequado à fome é comer de maneira consciente. E se,
ainda, você consegue comer com prazer e sem culpa, você será
supersaudável. E comer com prazer não é comer com gula. É diferente. Não
é liberar tudo. É comer devagar, o alimento que você gosta, saboreando e
sem estresse.
Comer fora é mais difícil...
Na rua, a tentação é grande. Então
também temos que comer devagar para perceber quando estamos
satisfeitos. E quando isso acontecer antes do fim do prato, não precisa
comer a porção inteira. Escute o corpo. Não é só porque está pagando um
preço fixo, numa churrascaria, que você tem que se entupir de comida.
Aproveite o momento com os amigos, converse, sinta o alimento. Não
existe nenhum alimento ruim. O que existe são alimentos mais
interessantes do que outros.
Hoje, muita gente se diz viciada em doces e fast food. Como elas podem comer de forma mais saudável?
Primeiro, se conscientizar de que
esse vício é real. Esses alimentos focam no nosso cérebro e podem viciar
mesmo. Mas é possível mudar. Não fazendo dieta restritiva. O que eu
aconselho é incluir, cada vez mais, alimentos verdadeiros. Eu nunca
retiro alimentos de ninguém porque isso é muito frustrante. O que
trabalho é uma atitude positiva. Pode comer de tudo, mas inclua mais
legumes, mais arroz, mais feijão. Tome mais água, evite o excesso de
bebidas doces, tanto refrigerantes quanto sucos. E aí a pessoa, sozinha,
consegue se livrar desse vício. Tenho pacientes adolescentes que saíram
da obesidade sem deixar de ir ao Mc Donald’s com os amigos. Isso faz
parte da vida do adolescente. É um erro tirar isso dele. Mas quando você
inclui os alimentos verdadeiros, automaticamente, você vai comer menos
dos outros.
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