OBSERVAÇÃO IMPORTANTE:

Os textos a seguir são dirigidos principalmente ao público em geral e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes de cada assunto abordado. Eles não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores às informações aqui encontradas.

Mens sana in corpore sano ("uma mente sã num corpo são") é uma famosa citação latina, derivada da Sátira X do poeta romano Juvenal.


No contexto, a frase é parte da resposta do autor à questão sobre o que as pessoas deveriam desejar na vida (tradução livre):

Deve-se pedir em oração que a mente seja sã num corpo são.
Peça uma alma corajosa que careça do temor da morte,
que ponha a longevidade em último lugar entre as bênçãos da natureza,
que suporte qualquer tipo de labores,
desconheça a ira, nada cobice e creia mais
nos labores selvagens de Hércules do que
nas satisfações, nos banquetes e camas de plumas de um rei oriental.
Revelarei aquilo que podes dar a ti próprio;
Certamente, o único caminho de uma vida tranquila passa pela virtude.
orandum est ut sit mens sana in corpore sano.
fortem posce animum mortis terrore carentem,
qui spatium uitae extremum inter munera ponat
naturae, qui ferre queat quoscumque labores,
nesciat irasci, cupiat nihil et potiores
Herculis aerumnas credat saeuosque labores
et uenere et cenis et pluma Sardanapalli.
monstro quod ipse tibi possis dare; semita certe
tranquillae per uirtutem patet unica uitae.
(10.356-64)

A conotação satírica da frase, no sentido de que seria bom ter também uma mente sã num corpo são, é uma interpretação mais recente daquilo que Juvenal pretendeu exprimir. A intenção original do autor foi lembrar àqueles dentre os cidadãos romanos que faziam orações tolas que tudo que se deveria pedir numa oração era saúde física e espiritual. Com o tempo, a frase passou a ter uma gama de sentidos. Pode ser entendida como uma afirmação de que somente um corpo são pode produzir ou sustentar uma mente sã. Seu uso mais generalizado expressa o conceito de um equilíbrio saudável no modo de vida de uma pessoa.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Mens_sana_in_corpore_sano


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domingo, 3 de maio de 2015

Comer em família é um ritual que nos aproxima e nos ensina sobre convivência

Comer em família é um ritual que nos aproxima e nos ensina sobre convivência

Nesta partilha olho no olho, não deixamos a afetividade esfriar


Divulgação (*)

Na comédia “A Cegonha Não Pode Esperar”, de John G. Avildsen, a adolescente Darcy, vivida pela ruivinha Molly Ringwald, descobre que está grávida aos 16. Ela acredita que, se comunicar a situação aos pais da maneira mais corriqueira possível, pode evitar uma reação dramática, sem grandes alardes. Assim, durante o jantar em família na noite de Ação de Graças, Darcy enche-se de coragem e diz: “Estou grávida. Me passa os nabos?”.
Refeições em família têm mesmo um pouco disto: combinam conversas triviais com assuntos importantes, intimidade com estranhamento, risadas e discussões, macarronada com “você não sai daqui se não comer os legumes”. Hoje, quando podemos bloquear, nas redes sociais, publicações de pessoas com as quais não concordamos, os parentes acabam sendo a única esfera na qual precisamos conviver com a diferença.
Pois é, quem diria – a família nuclear é o que nos tira da bolha. Dizem que amigos são a família que a gente escolhe. Partindo do mesmo raciocínio, pai, mãe, irmãos, tios seriam, então, amigos impostos que precisamos aturar. E isso pode ser desconcertante e maravilhoso ao mesmo tempo.
Em algumas culturas, o ritual de comer com avós, pais e primos reunidos é, veja só, ancestral. “Anterior à própria mesa”, afirma a historiadora Mariana Corção. “No Ocidente, o hábito de fazer as refeições com os seus à mesa se popularizou na cultura burguesa do século 19, que cultuava as relações familiares e a vida privada”. Era o prenúncio dos comerciais manjados de margarina que vemos na televisão, com uma família de classe média que acorda alegre, magra e bem-vestida, para tomar o café da manhã em conjunto, diante de uma mesa excepcionalmente farta. Por sua vez, a ideia da mesa como o lugar adequado para a refeição teria se firmado ainda na Antiguidade. “Em Roma, era o local em que ficava exposta a comida. Vem daí a expressão está na mesa”, conta Mariana. Com o tempo, o móvel se cobriu de sacralidade. Expressões como “mesa do rei”, “mesa dos despachos” e “mesa do tribunal” associam essa plataforma com o lugar do conselho, da sentença e do exame decisório, como lembrou Luis da Câmara Cascudo em A História da Alimentação no Brasil (Global).
Os simpósios dos gregos e romanos foram, então, substituídos pelo ritual cristão da comunhão do pão em torno de uma mesa, como revelam grande parte das representações da última ceia – antes, os homens comiam debruçados, deitados em divãs. E passaram a se alimentar sentados. “A oração abria e fechava o ritual”, acrescenta a historiadora.
De todo modo, o ritual familiar da alimentação compartilhada se tornou um momento propício para a afetividade, um descanso da vida exterior, em que se pode desfrutar daquele tempero caseiro e daquela convivência já tão conhecidos.
Mais olho no olho
Hoje, saímos da esfera privada e optamos por refeições práticas nos restaurantes. “De certo modo, acabamos mantendo o foco na comida, que merece até foto antes de ser consumida”, pondera Mariana. Essa obsessão pelos pratos e pelas redes sociais destitui a refeição compartilhada do olho no olho, da atenção ao outro, do prazer de sentar à mesa com gente querida. Faz do menu um troféu social, um símbolo de status. Em casos extremos, esse novo jeito de saborear pode favorecer distúrbios alimentares e uma seletividade exacerbada de frutas, legumes ou carnes em um contexto privilegiado de abundância.
Na Grã-Bretanha, a agência de estudos de mercado Mintel publicou uma pesquisa curiosa sobre o tema. Nos últimos cinco anos, a venda de mesas de jantar caiu 8% entre os britânicos, ao passo que a de móveis de escritório subiu 40%. Cerca de 25% da população não tem um móvel próprio que possa fazer uso para jantar em casa. Entre os que têm, menos de um terço ainda o utiliza em ocasiões especiais, como o Natal e o Ano Novo. Para os pesquisadores, os divórcios e a falta de tempo da vida urbana seriam as principais justificativas para o abandono desta peça tão simbólica do nosso mobiliário doméstico.
Uma revista pediátrica americana publicou um estudo com 4.746 jovens de 11 a 18 anos. Os que comiam em família com frequência se mostravam menos propensos a fumar, beber e usar drogas. A pesquisa indicou também uma menor incidência de depressão e de pensamentos suicidas entre as crianças e adolescentes que comiam com os pais, além de melhores resultados na escola.
Para o crítico e ativista culinário americano Michael Pollan, autor de Cooked: A Natural History of Transformation (Cozido: A História Natural da Transformação, em tradução livre), a refeição familiar é o berço da democracia. É o momento em que a criança aprende a compartilhar, a esperar a sua vez e a argumentar sem brigar.
Marido na cozinha
A funcionária pública aposentada Maria de Fátima conta que sempre enxergou as refeições diárias como um bom momento de confraternização. E a reunião à mesa nem precisava ocorrer apenas durante o almoço ou o jantar. “Minha família era pequena, mas o público era grande”, lembra. Os vizinhos e as amigas que faziam tricô com a mãe portuguesa sempre apareciam para o café da tarde, ou mais especificamente para o bolinho de chuva. Se chegavam para o almoço, bacalhau, arroz de Braga, bom apetite, amém.
Quando formou a própria família nuclear, com marido e duas filhas, ela manteve a tradição. Hoje, com o companheiro também aposentado e uma das meninas ainda na cidade (a outra se mudou para Curitiba), almoçam juntos. “A diferença, agora, é que o marido também vai para a cozinha”, diz. Peixe, por exemplo, é sempre com ele.
Numa grande cidade como São Paulo, reunir toda a família para o almoço ou para o jantar durante a semana é um luxo. A distância, o trânsito e o horário muitas vezes tornam o encontro inviável. O diretor de arte Edgar Petriccione volta para casa, todos os dias, para almoçar com a filha pequena e a mulher. A menina tem 3 anos e meio e está aprendendo a comer sozinha. Nem sempre se alimenta bem, o que deixa os pais um pouco estressados no meio dia. Mas é assim mesmo.
Como é Edgar quem leva a garota para a escolinha à tarde, ele se compromete a chegar mais cedo e desfrutar o almoço em casa. É uma obrigação que ele criou para si mesmo, um jeito de a vida não passar na frente, da rotina não esfriar os laços. “Meu pai sempre fez questão de uma refeição tradicional em família. Quando era criança, eu não ligava, mas hoje vejo a importância disso – deixa todo  mundo mais unido”, diz.
A engenheira 
 http://vidasimples.uol.com.br/noticias/comer/comer-em-familia-e-um-ritual-que-nos-aproxima-e-nos-ensina-sobre-convivencia.phtml#.VUZttJM-DIU

sábado, 2 de maio de 2015

Cérebro é programado para odiar dietas, indica estudo

Grupo de neurônios desencadeia sensação desagradável quando há fome
Getty Images
  • Grupo de neurônios desencadeia sensação desagradável quando há fome


Uma pesquisa sugere que o cérebro humano foi programado para 'odiar' dietas.

Segundo cientistas americanos no Campus de Pesquisa Janelia Farm, do Instituto Médico Howard Hughes, células do cérebro sensíveis à fome, conhecidas como neurônios AGRP, são as responsáveis pelo horror à dieta.

Os pesquisadores fizeram experiências que mostraram que estes neurônios são responsáveis pelas sensações desagradáveis associadas à fome, que tornam os petiscos irresistíveis.

Segundo o líder do grupo de pesquisa, Scott Sternson, as emoções negativas associadas com a fome podem transformar a dieta e a perda de peso em uma tarefa muito difícil, e a explicação pode estar nestes neurônios.

Em um ambiente no qual a comida está sempre disponível, os sinais difíceis de ignorar enviados por estes alimentos podem parecer irritantes para quem está de dieta, mas, do ponto de vista da evolução dos humanos, estes sinais podem fazer sentido.

Para os primeiros humanos - e para animais selvagens - a busca por alimentos e água podia significar a entrada em um ambiente arriscado, algo que só poderia acontecer se o humano ou animal recebesse um estímulo.

"Suspeitamos que estes neurônios estão impondo um custo por você não lidar com suas necessidades fisiológicas (como a fome)", afirmou Sternson.

Os neurônios AGRP não levam um animal diretamente a comer, mas ensinam o animal a responder a pistas sensoriais que sinalizam a presença de comida no ambiente.

"Acreditamos que estes neurônios são um sistema motivacional muito antigo que obrigam o animal a satisfazer suas necessidades fisiológicas", afirmou Sternson.

A equipe do cientista americano também demonstrou que existe um grupo diferente de neurônios especializado em gerar sensações desagradáveis de sede.

As descobertas foram publicadas na revista especializada Nature.
Desagradável

A fome afeta quase toda célula do corpo e vários tipos de neurônios são dedicados a fazer com que um animal se alimente quando seus níveis de energia estiverem baixos.

Mas, segundo Sternson, até agora, o que os cientistas sabiam sobre estes neurônios não combinava totalmente com que todo mundo já sabia: fome é desagradável.

"Havia uma previsão anterior de que haveria neurônios que fazem você se sentir mal quando está com fome ou sede. Isto faz sentido de um ponto de vista intuitivo, mas todos os neurônios analisados pareciam ter o efeito oposto", afirmou o cientista.

Em estudos anteriores, os pesquisadores descobriram que os neurônios que promovem a alimentação o faziam aumentando os sentimentos positivos associados à comida. Em outras palavras: fome faz a comida ter um gosto melhor.

Alguns cientistas começaram a suspeitar de que a ideia sobre um sinal negativo no cérebro motivando a fome poderia estar errada.

Mas o conhecimento deles sobre o sistema era incompleto. Os neurônios AGRP, localizados em uma área do cérebro conhecida como hipotálamo, estavam claramente envolvidos nos comportamentos de alimentação.

Sabores e sinais

Quando falta energia no corpo, os neurônios AGRP ficam ativos e, quando estes neurônios estão ativos, os animais se alimentam. Mas ninguém tinha investigado a estratégia destes neurônios para gerar esta motivação.

Os pesquisadores então tentaram descobrir como isto funciona a partir de uma série de experimentos comportamentais. No primeiro experimento, os cientistas ofereceram a camundongos bem alimentados dois tipos de gel com sabor, um de morango e outro de laranja.

Nenhum gel continha nutrientes, mas os camundongos experimentaram os dois.

Então os cientistas manipularam os sinais de fome nos cérebros dos animais ao ligar os neurônios AGRP enquanto eles comiam um dos dois sabores. Em testes seguintes, os animais evitaram o sabor associado com o sinal falso de fome.

Em outra experiência, os cientistas desligaram os neurônios AGRP enquanto os animais famintos consumiam um sabor em particular. Os animais desenvolveram a preferência pelo sabor que levou à desativação dos neurônios AGRP, sugerindo que eles foram motivados pelo desligamento do sinal desagradável enviado pelas células.

Os cientistas também observaram em outras experiências que os camundongos também aprenderam a procurar lugares onde os neurônios AGRP tinham sido silenciados e evitar os lugares onde estavam quando estes neurônios estavam ativos.

Visão da comida

Os cientistas também usaram um microscópio minúsculo para examinar dentro dos cérebros dos camundongos famintos e monitorar a atividade dos neurônios AGRP.

Como esperado, as células ficaram ativas até que os camundongos encontrassem comida.

O surpreendente, segundo Sternson, é que os camundongos não tinham necessariamente que comer para aquietar os neurônios. Assim que o animal via o alimento, ou mesmo recebesse sinal de que iria se alimentar, a atividade destes neurônios parava. E a atividade permanecia baixa enquanto o animal estava comendo.

Os cientistas também fizeram experiências relacionadas à sede, manipulando neurônios ligados a esta sensação, encontrados em uma região do cérebro conhecida como órgão subfornical.

E o comportamento dos camundongos foi parecido: eles evitavam lugares onde estes neurônios estavam ativos indicando que as células geravam uma sensação negativa.

E, novamente, as descobertas correspondiam às experiências comuns.

"Há uma qualidade motivacional parecida entre a fome e a sede. Você quer que as duas acabem", disse Sternson.

domingo, 14 de dezembro de 2014

O Futuro da Comida: Alegria de comer

O FUTURO DA COMIDA 04/12/2014

Durante as refeições, fazemos amigos, brindamos amores e celebramos a vida. O que existe no ato de comer que tanto nos aproxima?

por Victoria Pope
Foto: A.W. Cutler, National Geographic Creative
A PARTILHA DO ALIMENTO sempre foi um elemento crucial da existência humana. A Gruta de Qesem, perto de Tel-Aviv, guarda indícios de refeições preparadas em um fogão de 300 mil anos atrás, o mais antigo já encontrado. Em meio às cinzas do Vesúvio, foi achado um pão redondo no qual haviam sido feitas marcas dos pedaços em que seria dividido. “Partilhar o pão”, uma expressão tão antiga quanto a Bíblia, reflete a importância de uma refeição em comum para reatar os relacionamentos, dissipar a irritação, despertar o riso. As crianças trocam lanches para conquistar amigos e imitam os rituais alimentares dos adultos. Desde a época do primeiro aniversário, estão acostumadas a celebrar com doces, e esse vínculo entre comida e amor se mantém por toda a vida – em algumas crenças religiosas, até depois da morte. Mesmo em tempos difíceis, perdura a necessidade de celebrar com alimentos. Na Antártica, em 1902, durante a expedição de Robert Falcon Scott com o navio Discovery, os tripulantes prepararam um banquete por ocasião do solstício de inverno, o dia mais breve e a noite mais longa do ano. Nada menos do que 55 carneiros vivos foram abatidos e pendurados na cordoalha, congelados naturalmente até que chegasse a hora dos festejos. O frio, a escuridão e o isolamento foram esquecidos por um tempo. “Depois de tal banquete”, escreveu Scott, “todos concordamos em que até valia a pena viver nas regiões antárticas.”




 
Foto: A.W. Cutler, National Geographic Creative

http://viajeaqui.abril.com.br/materias/especial-o-futuro-da-comida

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

O Futuro da Comida: Alegria de comer

NG - Esta foto foi publicada em 1916, durante a Primeira Guerra MundialDurante as refeições, fazemos amigos, brindamos amores e celebramos a vida. O que existe no ato de comer que tanto nos aproxima?

por Victoria Pope
Foto: A.W. Cutler, National Geographic Creative
A PARTILHA DO ALIMENTO sempre foi um elemento crucial da existência humana. A Gruta de Qesem, perto de Tel-Aviv, guarda indícios de refeições preparadas em um fogão de 300 mil anos atrás, o mais antigo já encontrado. Em meio às cinzas do Vesúvio, foi achado um pão redondo no qual haviam sido feitas marcas dos pedaços em que seria dividido. 

“Partilhar o pão”, uma expressão tão antiga quanto a Bíblia, reflete a importância de uma refeição em comum para reatar os relacionamentos, dissipar a irritação, despertar o riso. As crianças trocam lanches para conquistar amigos e imitam os rituais alimentares dos adultos. 

Desde a época do primeiro aniversário, estão acostumadas a celebrar com doces, e esse vínculo entre comida e amor se mantém por toda a vida – em algumas crenças religiosas, até depois da morte. Mesmo em tempos difíceis, perdura a necessidade de celebrar com alimentos. 

Na Antártica, em 1902, durante a expedição de Robert Falcon Scott com o navio Discovery, os tripulantes prepararam um banquete por ocasião do solstício de inverno, o dia mais breve e a noite mais longa do ano. Nada menos do que 55 carneiros vivos foram abatidos e pendurados na cordoalha, congelados naturalmente até que chegasse a hora dos festejos. 

 O frio, a escuridão e o isolamento foram esquecidos por um tempo. “Depois de tal banquete”, escreveu Scott, “todos concordamos em que até valia a pena viver nas regiões antárticas.”


quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

COMIDA E SOCIEDADE: SIGNIFICADOS SOCIAIS NA HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO




Food and society: social meanings in Feeding’s History
Henrique S. Carneiro*

RESUMO
A História da Alimentação abrange aspectos diversos da cultura humana.
Necessidades biológicas, recursos econômicos e sentidos culturais
investem os alimentos de significados amplos. Este artigo situa alguns
desses significados e analisa, particularmente, a origem e evolução do
uso dos feijões e da constituição das técnicas de preparo e dos ingrediente
característicos de um dos pratos mais típicos da culinária brasileira: a
feijoada.
Palavras-chave: comida, História, feijão.
* Professor Doutor de História da USP.

História: Questões & Debates, Curitiba, n. 42, p. 71-80, 2005. Editora UFPR
sua origem é tão antiga quanto a espécie humana, pois até mesmo espécies
animais a praticam. A diferença entre a comensalidade humana e a dos animais
é que atribuimos sentidos aos atos da partilha e eles se alteram com o tempo.
A comensalidade ajuda a organizar as regras da identidade e da hierarquia
social – há sociedades, por exemplo, em que as mulheres ou as crianças são
excluídas da mesa comum –, assim como ela serve para tecer redes de relações
serve também para impor limites e fronteiras, sociais, políticas, religiosas
etc. Ao longo das épocas e regiões, as diferentes culturas humanas sempre
encararam a alimentação como um ato revestido de conteúdos simbólicos,
cujo sentido buscamos atualmente identificar e classificar como “políticos” ou
“religiosos”. O significado desses conteúdos não é interpretado pelas culturas
que o praticam, mas sim cumprido como um preceito inquestionável, para o
qual não são necessárias explicações.

O costume alimentar pode revelar de uma civilização desde a sua
eficiência produtiva e reprodutiva, na obtenção, conservação e transporte
dos gêneros de primeira necessidade e os de luxo, até a natureza de suas
representações políticas, religiosas e estéticas. Os critérios morais, a
organização da vida cotidiana, o sistema de parentesco, os tabus religiosos,
entre outros aspectos, podem estar relacionados com os costumes alimentares.
O primeiro, e mais óbvio, exemplo da relação da economia com a alimentação
é a indicação da capacidade de sobrevivência de uma dada civilização, que
passa, antes de tudo, pelo provimento dos gêneros alimentícios suficientes
para sua manutenção e para a sua reprodução, daí uma relação direta entre a
demografia histórica e a economia alimentar. O intercâmbio e os sistemas de
troca são fundamentados, em grande parte, no tráfico de alimentos, é impossível
pensar na história do comércio sem mencionarmos os principais produtos
em causa. Na história da expansão das navegações modernas, que levaram
à própria descoberta da América, a busca das especiarias como alimentos de
luxo ou, mais tarde, das bebidas quentes, como café, chocolate e chá, foi o
mais importante dos fluxos comerciais.

A identidade religiosa é, muitas vezes, uma identidade alimentar. Ser
judeu ou muçulmano, por exemplo, implica, entre outras regras, não comer
carne de porco. Ser hinduista é ser vegetariano. O cristianismo ordena sua
cerimônia mais sagrada e mais característica em torno da ingestão do pão e do
vinho, como corpo e sangue divinos. A própria origem da explicação judaicocristã
para a queda de Adão e Eva é a sua rebeldia em seguir um preceito
religioso: não comer do fruto proibido.

A comida e o sexo são duas fontes dos mais intensos prazeres carnais,
sendo que o primeiro é indispensável na vida diária de todo ser humano. Só
depois de violarem a regra dietária (não comer do fruto!) Adão e Eva passaram
a perceber que estavam nus e a envergonhar-se disso, ou seja, tiveram a
consciência simultânea da sexualidade acompanhada da culpa. Mas o gesto
original deriva mais de outros pecados, tais como a gula e a soberba (de
querer desafiar a Deus e provar do proibido), do que da luxúria que só nasce
como consequência. Na economia libidinal humana, esses dois prazeres são
aproximados de muitas maneiras, tanto na fase infantil, em que o seio materno
é a fonte do máximo prazer, como nas práticas eróticas orais, tais como o
beijo, em que o mesmo órgão da nutrição produz gratificação sensual. Nas
representações de inúmeras culturas, associa-se sempre o sexo e a comida e o
verbo comer costuma possuir um duplo sentido.

O comer também é um ato cognitivo, pois conhece-se pelo gosto, o
que levou Charle Fourier a propor o termo gastrosofia como mais apropriado
do que gastronomia. As palavras saber e sabor aparentam-se. A origem das
duas palavras é a mesma, o termo latino sapere, que significa “ter gosto”.
Isso indica que a fonte do conhecimento empírico direto é etimologicamente
associada ao sentido do gosto.
Em praticamente todas as culturas, os alimentos sempre foram
relacionados com a saúde, não apenas porque a sua abundância ou escassez
colocam em questão a sobrevivência humana, mas também porque o tipo
de dieta e a explicação médica para a sua utilização sempre influenciaram
a atitude diante da comida, considerando a sua adequação a certas idades,
gênero, constituições físicas ou enfermidades presentes. Daí uma noção
comum de regime para a regulamentação do corpo e do Estado. O termo
derivado do rex latino (rei) denota uma noção disciplinar, de controle, de
regência micro e macropolítica das regras alimentares, assim como de outras.

A concepção vigente por mais de dois mil anos na cultura ocidental foi (e de
certa forma, no âmbito da cultura popular ainda é) a da teoria dos humores e
da correspondência universal do micro e do macrocosmos. Em tal concepção,
o corpo humano, os vegetais, as estrelas, assim como tudo no universo, possui
uma correspondência íntima e cifrada, que caberia aos homens descobrir. Os
estados de humor, as estações do ano, as temperaturas, as condições de secura
ou umidade, os órgãos do corpo, as secreções, os temperamentos humanos são
interligados numa estrutura quaternária. Assim, segundo tais idéias hipocráticas
e galênicas, cada alimento corresponderia a certo grau de calor e umidade que
o tornaria adequado a certas pessoas, idades, doenças etc.

Um outro significado cultural fundamental do alimento é a capacidade
de alguns produtos alimentarem não apenas o corpo como também o
espírito: os alimentos-drogas. Um alimento-droga é um alimento que possui
efeito psicoativo, tal como os álcoois, os excitantes possuidores de cafeína,
sedativos como o ópio ou mesmo alucinógenos como certos cactos e certos
cogumelos. Todos foram considerados alimentos sagrados e divinizados em
diversas religiões. Os mais difundidos foram os fermentados alcoólicos de
grãos ou de frutas, que continuam sendo, na forma das bebidas alcoólicas, os
principais alimentos-drogas no mundo. A origem dos fermentados (cervejas
e vinhos) perde-se no tempo. As cervejas estão ligadas à expansão de certos
cereais, sobretudo o centeio e a cevada, cuja semente germinada é o malte,
especialmente nas regiões férteis das grandes civilizações euroasiáticas. No
Oriente, deu-se o mesmo com o saquê do arroz e, nas Américas, com as chichas
de milho. Os destilados têm origem possivelmente árabe (daí a origem das
palavras álcool e alambique), difundiram-se pelos monastérios europeus e só
se tornaram produtos de grande difusão com os destilados de cereais e de vinho
e, mais tarde, no âmbito do sistema colonial, com os derivados alcoólicos da
cana-de-açúcar, o rum e a aguardente, peças-chave no sistema das plantations
e do tráfico de escravos.

Mas não são apenas os alimentos-drogas que suscitam, muitas
vezes, comportamentos de uso compulsivo. Nada mais viciante do que certos
alimentos ou mesmo o ato em si de comer pode tornar-se bulimicamente
viciante. O alimento é o primeiro e o maior dos paradigmas do comportamento
moral, ou seja, da aquisição de autocontrole. Desde o aprendizado do choro
para a obtenção do seio materno até a introjeção de todas as regras dos
horários, das quantidades e das qualidades dos alimentos, das formas de sua
ingestão, que o alimento marca a formação das regras na infância. Mais tarde,
o disciplinamento alimentar envolve o aprendizado do autocontrole na busca
da justa medida, de um certo “caminho do meio” entre os extremos patológicos
da anorexia e da bulimia. Esses dois pólos aplicam-se a praticamente todos os
comportamentos que envolvem interação com produtos ou com necessidades
humanas. A sociedade moderna, dominada pela lógica estrita do mercado,
pratica um sistemático mecanismo de fetichização das mercadorias. As
técnicas de propaganda apenas sofisticam a noção comportamentalista de
comportamentos induzidos por reforços, massacrantemente repetidos ad
nauseam. Por isso, somos tão viciados em marcas, especialmente de comidas,
bebidas, vestuário etc., produtos da cultura material elevados à condição de
veículos de valores abstratos ou de compulsões introjetadas como parte de
uma indução deliberada do vício alimentar. Esse é um dos elementos que nos
permite refletir sobre o crescimento da obesidade, problemas cardio-vasculares
e diabetes na época contemporânea.

A importância do fenômeno do fast-food tem sido corretamente
apontada como uma das chaves para a compreensão da natureza dos problemas
sociais de nossa época. Vários analistas têm identificado uma corrosão dos
hábitos alimentares familiares, como as refeições partilhadas, o que leva
à substituição da alimentação em casa pelos sistemas de restaurantes ou
lanchonetes. A expansão da lanchonete, especialmente de algumas cadeias
construídas sobre certas marcas, traz consigo um sistema alimentar específico
baseado na substituição dos carboidratos complexos (cereais, amidos) por
carboidratos simples (açúcares e gorduras), com conseqüências daninhas para
a saúde pública e para a ecologia global.

Tal sistema alimentar, baseado em carne, carboidratos e açúcar, também
provoca a demanda de uma produção agrícola voltada para a forragem animal
(do qual a soja é um dos exemplos flagrantes), com graves conseqüências
sociais e ambientais.

Os aumentos dos volumes de produção de grãos no mercado mundial
não têm trazido um aumento da acessibilidade a esses alimentos por parte da
maioria da população do planeta. A estranheza maior e o que mais choca a
qualquer um que estude a história da alimentação humana certamente é o da
subsistência da fome e da subnutrição nos dias atuais, em que a produção de
alimentos é a maior de todos os tempos e os meios técnicos de transportá-los e
conservá-los são os mais eficientes já conquistados. Isso é a máxima expressão
das contradições e paradoxos provocados pelo crescimento de uma indústria
alimentar e uma agroindústria baseadas no modelo gorduras animais, carne,
carboidratos e açúcar.

Os alimentos modernos são aqueles que se difundiram pelo mundo
por meio da intensificação do comércio e do intercâmbio provocada pelas
navegações transoceânicas da “primeira globalização” do século XVI, entre
os quais o açúcar constituiu talvez o produto mais importante, mas também
os álcoois destilados, as especiarias, as bebidas quentes, além de diversos
produtos regionais que a época moderna universalizou (batata, tomate,
milho, arroz, trigo etc.). Os historiadores, e até mesmo os arqueólogos, têm
identificado, em fontes diversas, os hábitos e práticas alimentares do passado.
Fontes escritas, tais como livros de época, inclusive os de receitas, somam-se
a registros materiais, tais como objetos de cozinha ou os próprios alimentos,
preservados em muitos contextos, para oferecerem informações úteis para a
reconstrução das peculiaridades de cada época e lugar. Muito mais do que a
história de um alimento específico, de uma forma de preparo, de uma receita
ou de uma tradição específica, a História da Alimentação tem o desafio de
enfocar o alimento em sua transcendência maior como símbolo. O que não
significa que não devamos estudar também os pratos, as receitas, os molhos
e os preparos em sua historicidade. Gostaria de encerrar fazendo menção a
alguns aspectos históricos do que é talvez o nosso máximo prato nacional: a
feijoada.

A feijoada é o prato nacional por excelência. Suas origens prestam-se às
mais especulativas interpretações e costuma-se apresentá-la como a expressão
da fusão racial brasileira, um prato feito pelos negros com as partes menos
nobres do porco e com o feijão, de origem americana, num cozido de técnica
européia. O grande Lamartine Babo já resumia essa síntese de identidade
nacional dizendo que “do Guarani ao guaraná, surgiu a feijoada, e mais tarde o
Paraty” (“Quem foi que inventou o Brasil”, carnaval 1934).
Na verdade, tanto os produtos (porco, leguminosas, alho e cebola)
como a técnica são de origem européia, mais especificamente ibérica e, se
quisermos buscar uma origem mais longínqua, judia sefardita. Pasmem! A
feijoada tem origem judaica... Mas e o porco? É claro que o porco vem depois.
Mas, vamos por partes.

O feijão preto é americano, assim como todo o gênero Phaseolus, que
possui 55 espécies, das quais apenas cinco são cultivadas: Phaseolus vulgaris,
P. lunatus (feijão-de-lima), P. coccineis (ayocate), P. acutifolius (tepari), P.
polyanthus (petaco). Sua origem ocorre tanto nos Andes como na Mesoamérica
(há vestígios de cerca de 7 mil anos a.C. no México e de até 10 mil anos a.C. no
Peru, no sítio de Guitarrero) e foi uma das plantas alimentícias mais importantes
dessas sociedades, talvez a sua maior fonte de proteínas, pois ela possui uma
dupla complementaridade com o milho, tanto no plantio como no seu papel
nutricional. O cultivo de feijão entre o milho ajuda a fertilizar a terra, fixando
o nitrogênio no solo e, do ponto de vista nutricional, ele possui um importante
aminoácido (lisina), mas precisa ser combinado com a metionina, que o arroz
ou o milho possuem. Uma dieta só de feijão ou outras favas pode levar a uma
doença chamada favismo, de carência de certas proteínas. Mas associado a
cereais (como o arroz, por exemplo) o feijão fornece um suprimento ideal de
carboidratos, fibras e sobretudo de proteínas. As leguminosas (favas, feijões,
soja etc.) são das poucas plantas capazes de fornecer proteínas. Por isso, a
chegada do feijão americano à Europa foi tão importante.

Já havia, no velho continente, um tipo de feijão, menor, que foi
substituído pelas espécies americanas. Esse feijão antigo e medieval tinha o
nome de faséolo e dele restou apenas uma variedade africana, o dólico, branca
com um “olho” preto. O feijão americano apropriou-se do nome científico
(Phaseolus) e das denominações populares (feijom, em português, fasoulia, em
grego; fasulê, em albanês; fagiolo, em italiano; fasola, em polonês; fayot ou
flagelot, em francês) do antigo feijão europeu, que passou a ser chamado pelo
nome científico de Dolichos. Em francês, também adotou-se para designar
o feijão americano o termo antigo para o nabo, haricot, confundido com a
denominação mexicana em náuatle (ayacotl). O antigo feijão europeu, o dólico,
inseria-se na categoria que os romanos chamavam de legumina, que incluía
as sementes comestíveis (favas, grão de bico, lentilha, tremoço), distintos
das holera, ou seja, plantas de que se comem a raiz e a parte verde (como as
couves). Galeno definia as legumina como os “grãos de Deméter não usados
para fazer pão” (FLANDRIN; MONTANARI, 1998, p. 226).
Em espanhol, além do termo frijoles, derivado do Phaseolus, também
existe o termo sul-americano porotos. Na Espanha, existem duas outras
palavras que designam além de feijões outros grãos em geral, o termo judias
(não descobri sua origem, seria talvez devido aos judeus a comercializarem ou
a consumirem?), e o vocábulo alubias, de origem árabe (al-lubiya), usado para
certas favas.
Hoje em dia, usam-se muito na Europa os feijões brancos (também
de origem americana) para muitos pratos tradicionais, semelhantes à nossa
feijoada, como o cassoulet francês, especialmente o de Carcassone, até mesmo
na Polônia existe uma feijoada polonesa chamada tsholem.
Anteriores a essas feijoadas, no entanto, são os cozidos de favas. A
fava, Vicia faba, tem origem no Oriente Médio e Mediterrâneo, nas antigas
civilizações clássicas, havendo a tese de que seu nome deriva da família romana
dos Fábios, que a cultivavam amplamente. Seu uso em Roma ultrapassava o
alimentar, servindo como mecanismo para o sistema de voto (favas brancas
para o sim e negras para o não). Existem cerca de 300 variedades de favas
de diversas cores (brancas, negras, vermelhas, marrons, com pintas etc.). Em
inglês estadunidense, utilizam-se os termos english bean, european bean ou
broad bean para as favas, distinguindo-as do feijão americano, chamado de
kidney bean.
O uso de favas com carnes, linguiças e miúdos de porco ou aves constitui
uma das mais antigas e ricas tradições culinárias do mundo mediterrânico,
em todos os lugares se encontram as favas ao estilo local. Em espanhol, é
chamado de cocido, puchero, sancocho, ajiaco, mas na Galícia e nas Astúrias
é pote, na Andaluzia denomina-se puchero gitano, nas ilhas Canárias é o
almodrote e na Catalunha a escudella. Todos esses cozidos de panela derivam
da medieval olla podrida, cujo nome significa não apodrecido (podrido), mas
sim poderoso, numa corruptela do termo medieval para poderoso (poderido).
É famosa especialmente a de Burgos e Cervantes, em Dom Quixote, já faz
menção a ela. Na França do final da época medieval ou no começo da época
moderna, adotou-se pot-pourri como uma tradução literal do termo espanhol
olla podrida. De um prato, esse termo passou a designar qualquer mistura em
geral.
A origem mais remota, no entanto, viria na Península Ibérica das
técnicas culinárias judaicas, que se especializaram em fazer um prato cozido
num fogo muito lento, que era aceso antes da noite de sexta-feira para poder
durar todo o sabá, permitindo comer comida quente sem ser preciso acender
o fogo, proibido nesse dia como qualquer outro tipo de “trabalho”. O prato
judaico na Espanha chamava-se adafina, e vem do termo árabe dafana, “tapar”.
Outra interpretação atribui a origem dessa palavra à raiz hebraica d-f-n, com
sentido de “pressionar contra a parede”, que seria uma forma de se vedar um
forno, lacrando-o com argila úmida e apoiando-a num muro. Essa comida
judaica possui outros nomes em distintas regiões, entre os judeus asquenaze,
é conhecida como chulnt, chulent, cholent ou shalet, palavras derivadas do
termo “quente” em hebraico, cham. Entre os sefarditas, utilizam-se os termos
hamin, matphonia (Curdistão), shahina e deffina (África do Norte), haris
(Yêmen) e tabit (Iraque).
A panela ao fogo lento, tampada, com o conteúdo de um pot-pourri,
em que se destacam favas e carnes, é a base da adafina judaica, assim como da
olla podrida, do pot pourri e até mesmo do stewpot inglês. Isso não significa
que todos tenham origem comum ou derivem da técnica judaica para manter
a panela quente no sabá, mas que representam uma solução técnica adequada
para utilizar alimentos misturados num grande ensopado de lenta cocção, que
é o tartaravô de todas as feijoadas.
No Brasil, desde as penetrações bandeirantes aos sertões, adotaram-se
roçados de milho e feijão, cresciam rapidamente e podiam ser transportados
secos, servindo, com um pouco de sal, como a ração básica. Como escreveu
Câmara Cascudo (2004, p. 446), “o binômio feijão-e-farinha, estava governando
o cardápio brasileiro desde a primeira metade do século XVII”. Todos as
crônicas dos viajantes no Brasil colonial e imperial registram a importância
do feijão em muitas misturas, com côco, com carnes e, mais comumente, só
CARNEIRO, H. S. Comida e sociedade: signifi cados sociais... 79
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 42, p. 71-80, 2005. Editora UFPR
com sal e farinha. Outra coisa, entretanto, é a feijoada completa, “o primeiro
prato brasileiro em geral” (CÂMARA CASCUDO, 2004), que só tem registro
no século XX. O cozimento em água com temperos é uma técnica portuguesa
que se mistura com o hábito indígena da farinha de mandioca, por isso, afirma
Cascudo, “o que chamamos ‘feijoada’ é uma solução européia elaborada no
Brasil. Técnica portuguesa com o material brasileiro” (CÂMARA CASCUDO,
2004).
Embora o feijão com arroz continue sendo o nosso prato ou
acompanhamento mais característico, o consumo de feijão caiu de, em
média, 120g ao dia, em 1987, para 87g, em 1996 (IBGE). Hoje, consomese,
em média, 16 kg por ano por habitante (no campo, dobra para 32 kg/ano/
habitante). O Brasil é o segundo produtor mundial, ficando apenas atrás dos
EUA, e as cerca de 2 milhões e meia de toneladas que produzimos são, em
90%, o resultado de agricultura familiar e de pequenos e médios produtores.
Quatro quintos da produção é de feijões coloridos e apenas 20% de pretos, o
que tem levado o Brasil sistematicamente a importar feijão preto! A feijoada
continua sendo símbolo de muita coisa, até mesmo de nossa dependência
econômica estrutural.


 História: Questões & Debates, Curitiba, n. 42, p. 71-80, 2005. Editora UFPR