OBSERVAÇÃO IMPORTANTE:

Os textos a seguir são dirigidos principalmente ao público em geral e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes de cada assunto abordado. Eles não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores às informações aqui encontradas.

Mens sana in corpore sano ("uma mente sã num corpo são") é uma famosa citação latina, derivada da Sátira X do poeta romano Juvenal.


No contexto, a frase é parte da resposta do autor à questão sobre o que as pessoas deveriam desejar na vida (tradução livre):

Deve-se pedir em oração que a mente seja sã num corpo são.
Peça uma alma corajosa que careça do temor da morte,
que ponha a longevidade em último lugar entre as bênçãos da natureza,
que suporte qualquer tipo de labores,
desconheça a ira, nada cobice e creia mais
nos labores selvagens de Hércules do que
nas satisfações, nos banquetes e camas de plumas de um rei oriental.
Revelarei aquilo que podes dar a ti próprio;
Certamente, o único caminho de uma vida tranquila passa pela virtude.
orandum est ut sit mens sana in corpore sano.
fortem posce animum mortis terrore carentem,
qui spatium uitae extremum inter munera ponat
naturae, qui ferre queat quoscumque labores,
nesciat irasci, cupiat nihil et potiores
Herculis aerumnas credat saeuosque labores
et uenere et cenis et pluma Sardanapalli.
monstro quod ipse tibi possis dare; semita certe
tranquillae per uirtutem patet unica uitae.
(10.356-64)

A conotação satírica da frase, no sentido de que seria bom ter também uma mente sã num corpo são, é uma interpretação mais recente daquilo que Juvenal pretendeu exprimir. A intenção original do autor foi lembrar àqueles dentre os cidadãos romanos que faziam orações tolas que tudo que se deveria pedir numa oração era saúde física e espiritual. Com o tempo, a frase passou a ter uma gama de sentidos. Pode ser entendida como uma afirmação de que somente um corpo são pode produzir ou sustentar uma mente sã. Seu uso mais generalizado expressa o conceito de um equilíbrio saudável no modo de vida de uma pessoa.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Mens_sana_in_corpore_sano


segunda-feira, 27 de abril de 2015

3 dicas da ciência para se dar bem na vida (e que não são sobre dinheiro e poder)

Publicado: Atualizado:
FELICIDADE LARGE
Se dar bem na vida não envolve necessariamente dinheiro. Pode tem a ver apenas com felicidade. Você pode ser feliz na maior parte do tempo, com pouca ou muita grana, sem se ser arrastado pelos perrengues da vida. Em troca, uma ironia: felicidade pode melhorar seu desempenho no trabalho – e, consequentemente, seu salário.
Só que só vale se for algo natural, desde que sua felicidade não dependa de fatores externos para acontecer. Não dá para contar com um bilhete premiado da loteria ou ser contratado pela empresa dos seus sonhos para ser feliz. Até por que, a cada meta alcançada, você inventa uma nova. Aí o êxtasepassa e só dá para ser feliz de novo quando o próximo objetivo for concluído. E por pouco tempo.
É essa a primeira dica do americano Shawn Achor, especialista em psicologia positiva: sucesso não traz felicidade. Mas felicidade, essa sim, pode trazer sucesso.
É por isso que o modo como você enxerga o mundo importa. Segundo os estudos de Achor, inteligência e habilidades técnicas preveem apenas 25% do sucesso de alguém. Os outros 75% têm a ver com otimismo (que envolve felicidade), suporte social e a maneira de encarar o estresse.
Em um teste, ele mostrou a bancários estressados um vídeo sobre como ver estresse como desafio, e não como um problema. Todos eles colocaram o aprendizado em prática. Depois de observá-los por seis semanas, a equipe de Shawn notou que os sintomas de estresse haviam caído 23%. Os participantes relatavam estar mais felizes. Mas mais que isso: segundo Shawn, a mudança de postura fez com que os bancários se envolvessem e se empenhassem mais com o trabalho.
Na hora do aperto, aliás, contar com os amigos é importante. As pesquisas de Shawn mostram que o nível de conexões sociais é o melhor jeito de prever felicidade Por isso, ter uma boa rede de amigos verdadeiros ajuda bastante.
E falta alguma coisa quando você sente uma felicidade quase plena e vive cercado por bons amigos? Aí é só alegria – no trabalho e em casa.

http://www.brasilpost.com.br/2015/04/27/ciencia-vida_n_7153394.html?amp;ir=Brazil

O peso de viver em um corpo obeso*

The burden of living with obesity*
Christianne de Moraes Casoni Cardoso1; Aldenan Lima Ribeiro Corrêa da Costa2
1. Enfermeira. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Faculdade de Enfermagem (FAEN) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e membro do Grupo de Pesquisa Enfermagem, Saúde e Cidadania (GPESC). Cuiabá, MT - Brasil
2. Enfermeira. Professora Adjunta III da FAEN/UFMT e membro do GPESC. Cuiabá, MT - Brasil
Endereço para correspondência Christianne de Moraes Casoni Cardoso  E-mail: chriscasoni@terra.com.br
Submetido em: 30/03/2012  Aprovado em: 27/11/2013
Resumo
O corpo foi sofrendo transformações sociais ao longo dos tempos, numa cultura que molda comportamentos, estabelece regras e formas de convivência, até ser considerado objeto de consumo: o corpo-ideal – magro e saudável. Ao mesmo tempo, a obesidade vem ganhando proporções assustadoras nos índices epidemiológicos. Para tentar se adequar à lógica posta, as pessoas buscam pela cirurgia bariátrica. Assim, o objetivo deste trabalho foi compreender, a partir das experiências de duas mulheres e uma cuidadora, o significado e sentido de viver em um corpo obeso na atual sociedade. A abordagem utilizada foi a qualitativa sustentada nos conceitos da hermenêutica. O diálogo ocorreu por meio da história de vida focal apreendida nas narrativas das participantes, permitindo chegar a duas categorias temáticas: o peso social da obesidade – o corpo não se constitui apenas como peso físico e biológico, mas também, e principalmente, um peso social; renascimento – o peso social é tão grande que, mesmo frente a todos os sofrimentos do processo cirúrgico bariátrico, o retorno dele aos limites normais assume para elas o significado de renascimento, o qual tem o sentido de se incluir na sociedade, na qual a imagem corporal é um "passaporte para a felicidade". Conclui-se que a compreensão da lógica/dinamicidade das necessidades de saúde dessas pessoas pode contribuir para a construção de práticas profissionais mais éticas ao resgatar o cuidado na perspectiva de quem vivencia a obesidade. Recomenda-se a consideração dos saberes sócio-antropológicos no cuidado a pessoas em obesidade como aspecto importante na reconstrução de práticas de saúde a esta população.
Palavras-chave: Obesidade; Cultura; Cirurgia Bariátrica.

INTRODUÇÃO
Este artigo buscou compreender, a partir das experiências de duas pessoas e uma cuidadora, o significado e sentido de viver em um corpo obeso na sociedade atual. Sabe-se que o corpo, como construção social, foi sofrendo transformações ao longo dos tempos. Sua redescoberta no final do século XIX traz um padrão estético do culto à beleza e a redefinição do corpo na sociedade. O corpo passa a ser construído socialmente dentro de uma cultura que molda os comportamentos, estabelece as regras e as formas de convivência. Pela cultura, condição essencial da existência humana, o corpo diferencia as pessoas como seres únicos e individuais.
Vale destacar que, ao buscarmos a compreensão do que seja viver em obesidade nas sociedades ocidentais do século XXI, e particularmente no Brasil, precisamos nos situar em um mundo globalizado, no qual as informações veiculam velozmente e são diretamente influenciadas pelo sistema capitalista, acionando diferentes mercados ávidos por induzir a um consumo cada vez mais intenso. Assim, o corpo passa também a ser considerado um objeto de consumo, instalando-se a cultura do "corpo-ideal" – magro, belo e saudável.1 Estabelece-se a indústria da saúde, que tem se valido de recursos tecnológicos cada vez mais sofisticados e ágeis para veicular a venda de seus produtos, influenciando, cada vez mais, a cultura de um corpo que pode ser manipulado, modificado e comprado.
Ao discorrer sobre poder-corpo, questiona-se: "qual é o tipo de investimento de corpo necessário e suficiente ao funcionamento de uma sociedade capitalista como a nossa?"2 Isso leva a refletir sobre qual o corpo de que a sociedade atual necessita, pois em cada momento histórico as sociedades ocidentais investiram em um tipo específico.
A partir da modernidade, o corpo passou a ser entendido como corpo-objeto e, desse modo, como algo que pode ser modificado e reformulado.3 Desenvolveram-se tecnologias diversas, desde aquelas de instrumentalização até as tecnológicas médicas, que propiciam o modelamento corporal. Estabeleceu-se a cultura do corpo individual e sua externalização.3 Desassociado da subjetividade, o corpo passou a ser entendido como unidade e não mais como totalidade.
O corpo transformou-se no local onde discurso, conflitos e relações acontecem, refletindo a valorização do individualismo, narcisismo e consumismo. O corpo ocupa lugar de destaque, uma forma de capital que define e é definido pelo meio social, que produz códigos de valorização, de status e de aceitação.4
A partir do momento em que o corpo passou a ser o espaço delimitado do sujeito, de seus limites e escolhas e, além disso, objeto distinto de invenção e de domínio, o individualismo tornou-se um fato estrutural. As iniciativas, portanto, passaram a ser de cada um ou de grupos, mais do que motivadas pela cultura, pois esta já não consegue acompanhar a aceleração dos processos sociais. Na ausência do apoio que outrora era provido pela cultura, o homem .foi abandonado à própria sorte para se guiar nos eventos de sua condição humana. Assim, os avanços da biomedicina e biotecnologia propiciam a busca incansável de atribuição de um sentido ao corpo de modo individual e independente.3
Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que o corpo magro é valorizado, a obesidade vem ganhando proporções assustadoras, não só no que se refere ao tamanho e formas corporais, mas também nos índices epidemiológicos. Tem sido considerada atualmente como um dos mais graves problemas de saúde pública da sociedade moderna, pois, além das complicações biológicas, acarreta implicações socioculturais e relacionais da vida de quem a experiencia.5
Viver em obesidade é realizar o exercício constante da aceitação em um meio que a considera um fracasso moral. A obesidade aos poucos vai afetando a autoestima dessas pessoas, que passam a ser condenadas e excluídas de uma sociedade narcísea.
E para tentar se enquadrar ou adequar à lógica dessa sociedade, as pessoas passam a buscar a transformação rápida para serem "felizes" e aceitas novamente, porque o corpo é mais social do que individual.6
Ao mudar esse corpo, as pessoas pretendem mudar a sua vida, modificar sua identidade, modificar o olhar sobre si e o olhar dos outros para se sentirem aceitas plenamente. Dessa forma, o corpo assume o significado de um "rascunho a ser corrigido".7
A necessidade de normalizar esse corpo cria uma busca individual, nem sempre positiva, porque ao retirar a obesidade, o excesso, o que causa estranheza e isolamento social, as pessoas retiram do corpo a gordura, o excesso e não retira as marcas/cicatrizes ocasionadas ao longo do tempo na percepção de sua imagem e estima.8
Acreditamos que nós, profissionais de saúde, devemos compreender as práticas de cuidado de modo a contemplar o universo dessas pessoas, seus valores, suas crenças, seus sonhos, para que possamos ser capazes de transformar o cuidado numa experiência de encontro, de trocas verdadeiras de cada um dentro da necessidade reconhecida.9
As pessoas que deixaram de viver em obesidade pela cirurgia bariátrica agora precisam aprender a viver e serem aceitas novamente, a passar pelos olhares dessa sociedade e se sentirem aptas a pertencer-lhe.
É nesse sentido que indagamos se, como profissionais de saúde, temos estabelecido uma relação de diálogo junto a pessoas em vivência de obesidade e perguntado a elas quais são os significados atribuídos à experiência de lidar com um corpo obeso? O que as motivou a buscar na cirurgia bariátrica a resolutividade de suas necessidades de saúde?
Acreditamos que a partir dessa compreensão possamos recolher fundamentação teórica para favorecer a reconstrução de conceitos e práticas de saúde que possam ampliar nossos horizontes sobre nossas práticas para um cuidado mais integral e, portanto, mais resolutivo.

PERCURSO METODOLÓGICO
Utilizamos a abordagem qualitativa sustentada nos conceitos da hermenêutica, que trabalha com a comunicação da vida cotidiana e do senso comum a partir da apreensão do seu contexto e sua cultura.10
O diálogo ocorreu por meio da história de vida focal (HVF), que possibilitou aprofundar no vivido, fazer descobertas e avaliar como as experiências são interpretadas e estabelecidas na realidade social da pessoa.11 A HVF foi apreendida pela narrativa, que são versões editadas do que aconteceu, não sendo uma experiência individual, mas construída dialogicamente.12
Garantindo o anonimato das participantes, estas foram denominadas de Flor-de-Lis, Mãe de Flor-de-Lis e Amarílis. Realizamos três encontros com Flor-de-Lis e dois encontros com Amarílis. Estas foram selecionadas por meio de um levantamento das pessoas que realizaram a cirurgia bariátrica na instituição de escolha, um hospital universitário público de Mato Grosso, instituição referenciada pelo SUS para realização da cirurgia bariátrica e via de acesso às pessoas que realizaram tal procedimento. A escolha se deu por se tratar de um hospital de ensino onde as pesquisas científicas fazem parte de sua rotina e missão e por ser uma das pioneiras na realização desse procedimento.
O contato foi realizado após terem sido observados os seguintes critérios de elegibilidade: ter realizado a cirurgia bariátrica com tempo igual ou superior a um ano pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e/ou convênio de saúde, tempo estabelecido porque após um ano de cirurgia bariátrica a perda do excesso de peso é menor; ter IMC acima de 35 kg/m2 na época da cirurgia bariátrica, por ser considerado obeso grau II com indicação cirúrgica na presença de comorbidades; e ser residente em Cuiabá-MT ou Várzea Grande-MT.
A entrada em campo se deu após aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o número 025/CEP – HUJM 2011, em junho de 2011, e foi realizada por meio de entrevista em profundidade e observação direta dos participantes em seus contextos socioculturais. A coleta de dados foi realizada no período de junho a setembro de 2011.
Flor–de-Lis é uma mulher de 32 anos, 1,69 m de altura, que começou a experienciar a obesidade após a morte do sobrinho de quatro anos. Fechou-se em casa, não queria mais sair e, como diz sua mãe, "se envolveu com a comida". Chegou a 118 quilos.
Amarílis é uma senhora de 69 anos, 1.58 m de altura, que começou a engordar após tratamento realizado para engravidar. Na época do seu primeiro casamento, pesava 54 quilos, depois de "muito hormônio" engordou e não emagreceu mais. Sofreu um acidente de carro, com fratura no fêmur e, em decorrência, precisou fazer três cirurgias para correção. Com 110 quilos, limitações físicas e a necessidade de fazer outra cirurgia na perna, o médico que a acompanhava indicou a cirurgia bariátrica para redução do peso e melhora das limitações apresentadas, pois nessa época já necessitava de muleta para locomoção.
As entrevistas foram conduzidas por meio de uma pergunta norteadora "Fale-me sobre a sua vida" – para as pessoas que fizeram a cirurgia bariátrica; e para o familiar, a seguinte pergunta: "Fale-me qual foi a sua participação no processo do cuidado dessa pessoa". No entanto, apesar da intenção de compreender a experiência do cuidado familiar, não conseguimos delinear tal horizonte desse cuidado. Só conseguimos dialogar com uma cuidadora – a Mãe de Flor-de-Lis, mas pelo fato de sua vivência em obesidade e cirurgia bariátrica, o horizonte do cuidado familiar apresentado por ela foi muito mais relacionado à própria experiência da obesidade, a qual se projetava na vivência da filha.
A transcrição das entrevistas e as notas de observação no diário de campo compuseram o nosso corpus de análise. Fizemos leituras repetidas das falas para haver a impregnação necessária para podermos ter a compreensão do que estava posto no texto. Conseguimos listar os seguintes núcleos de sentidos: o peso social da obesidade; e renascimento. Houve a necessidade de deixarmos de lado nossos preconceitos, "abrirmos mão de nossas opiniões prévias e estarmos dispostos a deixar que este nos dissesse alguma coisa e voltarmos o nosso olhar para 'as coisas como elas realmente são".10
No momento em que houve a fusão dos horizontes (pesquisador e sujeito), conseguimos agrupar os trechos por semelhança e organizá-los em categorias temáticas, denominadas de: "o peso social da obesidade" e "o renascimento". A análise final buscou um movimento para além da compreensão, adentrando no cenário que se pretendia da experiência da condição crônica por obesidade.

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
Buscamos a adoção de uma postura hermenêutica que consistiu numa abertura a experiência, compreendida "como a essência histórica do homem, que cada um constantemente adquire e ninguém pode poupar".13 Procuramos, por meio das experiências narradas, considerar as experiências como horizonte de possibilidades que não foram antecipadamente escolhidas.
Os sentidos emergidos na conversa estabelecida no processo investigativo com Amarílis e Flor-de-Lis foram o de que a obesidade não se constitui apenas em um excesso de peso corporal, mas também, e principalmente, um peso social. Esse peso social é tão difícil de suportar que, mesmo frente a todos os sofrimentos decorrentes do processo cirúrgico para a redução do peso corporal, o retorno do peso aos limites considerados socialmente normais é para elas como um renascimento.
"O peso social da obesidade"
Nesta categoria interpretamos a construção social acerca do corpo obeso, compreendendo como são elaboradas as suas percepções, ou seja, os sentidos e as representações pelo senso comum. Para que possamos dar conta de responder, é preciso antes compreender que a maneira como as pessoas interpretam o processo de saúde ou doença está associada ao seu modo de vida e ao universo sociocultural ao qual pertencem. A capacidade de sentir, interpretar e expressar um problema de saúde está relacionada à resposta subjetiva de cada pessoa e de como ela e os outros ao seu redor percebem essa significação.14
A perda do sobrinho e o se "entregar à comida" é a forma como a Mãe de Flor-de-Lis interpreta o adoecimento da filha pela obesidade. A essas formas subjetivas de interpretação de um problema de saúde, a antropologia médica traz a visão dos termos disease e illness, com um significado particularmente diferente entre si.
Compreendemos que disease é o conhecimento biomédico no qual sua etiologia, sinais e sintomas, história natural da doença, tratamento e prognóstico são iguais de cultura para cultura, não havendo diferenciação individual ou grupal.14 Esse conhecimento biomédico não dá conta de abarcar a experiência vivida pela pessoa, porque os seus conceitos não são usuais e a interpretação de uma experiência ultrapassa a significação adequada.15
Então, podemos dizer que, para a disease obesidade, há o acúmulo excessivo de gordura no corpo, com alto índice de mortalidade e em determinado grau, associação de comorbidades, como evidenciado na fala de Amarílis quando refere que pesava 110 quilos, pressão lá estourando! Não aguentava fazer mais nada porque a canseira não deixava.
Dessa forma, pode-se dizer que, enquanto a obesidade for considerada apenas uma explicação médico-científica, ela não será tomada como um problema de saúde para as pessoas que a vivenciam. Mas quando ela começa afetar o bem-estar da pessoa, ela passará a ser percebida como uma alteração da vida e, como tal é que será compreendida como uma enfermidade (illness).
Assim, illness é a forma subjetiva da experiência que extrapola o conhecimento biomédico. É o valor pessoal atribuído a um dado problema de saúde, que é influenciado pelo contexto sociocultural e por traços de personalidade.14 Nesse sentido, a obesidade de Flor-de-Lis é reconhecida por sua mãe como uma enfermidade, demonstrada pelo seu sentimento de que a saúde da filha está debilitada, mas também pelos significados que a experiência da obesidade assume para ela.
[...] Aí de lá pra cá ela começô a se largar na vida, assim. Não queria mais sabê de saí [...] Aí ela foi deixando de saí, foi deixando de vivê, né? Isso aí foi quando ela foi só se envolvendo com comida. Comida, comida[...] comida[...] e esqueceu que ela tinha que vivê, [...] Aí foi aonde ela chegô a obesidade que ela tava, né? E em seguida engravidô. Aí passô da gravidez e teve o acidente que ela teve. E esse acidente aí teve que quebrou a coluna, né? Aí foi só prejudicando, só prejudicando[...] porque daí já tinha dia que ela não aguentava nem andá direito. Entortava, entortava[...] entortava[...] e não conseguia andá.[...] (Mãe de Flor-de-Lis).
Essa interpretação elaborada para uma dada experiência de enfermidade é o resultado dos diferentes meios pelos quais as pessoas adquirem seus conhecimentos científicos. Esses conhecimentos são diferentes de pessoa para pessoa, porque são permeados de e por experiências diversas e devem levar em conta as suas próprias situações biográficas.16 Assim, a forma de adoecimento pela obesidade para Amarílis acontece de outro modo, pois suas referências são diferentes e fazem sentido para ela, como pode ser evidenciado em suas narrativas da seguinte forma:
Eu comecei a engordar quando eu engravidei da primeira gravidez. Eu fiquei oito anos sem ter filho, né? Eu fiz muito tratamento e comecei a engordar (Amarílis)
A experiência é vista como um saber mais amplo, que só se realiza nas observações individuais, que ganha um novo horizonte dentro do qual só se pode converter em algo vivido e experienciado.10
Desse modo, as pessoas que vivenciam a experiência da obesidade em uma sociedade na qual o corpo assume uma identidade que é aceita ou recusada pela sua forma faz as pessoas experimentarem o illness, independentemente de a gordura em excesso provocar sintomas físicos. Isso se dá porque o mal-estar social também acaba ocasionando o sofrimento e a sensação de adoecimento, prejuízos morais, desqualificando as pessoas por não estarem de acordo com os padrões de aparência física vigentes.
Assim, as intervenções sobre a obesidade não devem ficar restritas aos aspectos anatomoclínicos, mas também, e principalmente, em seus aspectos socioculturais17, pois os aspectos estigmatizadores que a acompanham produz discriminação e a exclusão social de quem a vivencia. Nesse sentido, ao conhecer os significados e sentidos que a obesidade assume na vivência de mulheres que se submeteram à realização de cirurgia bariátrica, podem-se oportunizar novos olhares sobre este tema e, com eles, a introdução de novos modos de atuar e minimizar o sofrimento de quem vive em um corpo obeso.
Em nosso diálogo com as participantes deste estudo constatamos que tais marcas se refletem na forma de se sentir aceita ou rejeitada dentro do seu contexto social. O sentido que o corpo passa a ter se evidencia como uma realidade vivida coletivamente, na qual suas representações e imagens são construídas dentro de um universo simbólico semelhante. E quem experiencia a obesidade, embora sofrendo as consequências da forma cultural de encará-la atualmente, não consegue se livrar das características pejorativas que a cercam, como observado no seguinte trecho da narrativa:
A gente é discriminada! [...] Eu já entrei muito em loja [...] da guria olhá em você assim [mostrando de cima a baixo] – "seu número não tem"! Nem interessa sabê ou procurá se é prá você ou não é, né! Só fala isso (Amarílis).
Essa moral indesejável denominada de estigma é um processo inerentemente social, à medida que uma característica pessoal é vista como pouco atraente ou indicativo de falha moral.18 As pessoas obesas são estigmatizadas e socialmente desvalorizadas e essa estigmatização transcende as avaliações negativas, trazendo implicações psicológicas e ao seu bem-estar. Geralmente são consideradas pessoas preguiçosas, gulosas ou com falta de autocontrole.19
Pôde-se observar nas narrativas das participantes deste estudo que o fato de serem obesas era socialmente marcado como uma diferença delas em relação às outras pessoas, e o peso dessa diferença era uma marca negativa, um estigma. Essa estigmatização era sentida na forma como as pessoas as tratavam no cotidiano, levando-as a se sentirem inferiorizadas e diminuídas, como expresso na seguinte narrativa:
Virava e mexia eu tava observando os outros falando e rindo, comentando, fazendo aquelas piadinhas. Que todo o gordo passa por esta fase, né? Esse momento de piada. E eu já tinha passado bastante por esse momento já. Os apelidos[...] imensos!!! Um monte! (Flor-de-Lis).
As pessoas em obesidade são discriminadas dentro do grupo social a que pertencem (família, vizinhos, amigos), o que as leva a um isolamento cada vez maior, como referenciado por Flor-de-Lis:
Diminuiu bastante a minha amizade, assim [...] Eu não procurava, me oprimia. Tinha vergonha de saí, conversá, procurá novas amizades! [...]. Aí eu pensava: "Ah! Então vô ficá em casa". Então eu me prendi, eu mesmo me prendia em casa. Não queria saí, não queria. Eu me considero, assim, numa fase meio depressiva. [...] Num saía, me fechei no meu cantinho. Quando eu comecei a engordá, me fechei no meu canto (Flor-de-Lis).
A cultura do corpo-ideal é discutida na vertente da Psicologia, ressaltando-se o empobrecimento social das pessoas ao não conseguirem atingir o ideal de corpo valorizado socialmente.20 Esse empobrecimento pode ocorrer por exclusão social ou por autoenclausuramento. Pode-se observar que Flor-de-Lis se autoenclausurou em sua casa, isolando-se do convívio social e, nessa situação, quanto mais se isolava, mais seu peso aumentava, como refere sua mãe: "Quando você tá obesa, você qué sê escondida, qué se escondê!" (Mãe de Flor-de-Lis).
No padrão de beleza atual, a gordura é considerada uma impureza e reconhecida como algo fora do lugar, como uma ameaça à ordem.21 Nesse sentido, alcançar um corpo magro torna-se o objetivo principal de cada pessoa em vivência de obesidade. É como se emagrecer possibilitasse a cada uma encontrar o próprio equilíbrio pessoal frente ao seu grupo social. E pela necessidade de colocar as "coisas" no lugar as pessoas em obesidade buscam por regimes milagrosos, como é o caso de Flor-de-Lis: "Eu fazia um, dois dias, ia, subia na balança, nada! Eu já queria tê o resultado [...] E quando não tinha o resultado, desanimava, ia voltava mesmo. E comia, comia com vontade mesmo!"
No entanto, as tentativas que fracassam são muito comuns nessas pessoas, porque buscam respostas rápidas para resolução dos problemas físicos da obesidade e se esquecem, ou não têm consciência, de que apenas o emagrecimento do corpo não será suficiente para o alcance do bem-estar físico e social. Na busca pelo peso ideal, imposto social e culturalmente, muitas pessoas acabam se tornando reféns do consumismo de produtos ditos saudáveis.
Para isso, concorrem os meios de comunicação de massa, por um lado, associando a imagem da pessoa esbelta à felicidade; e, por outro, induzindo ao consumo de produtos para o emagrecimento e difundindo a ideia de que compete a cada pessoa conduzir e se responsabilizar individualmente pela manutenção de um corpo idealizado como belo e saudável. O apelo sistemático ao consumo de produtos (e serviços) tem como finalidade envolver o consumidor, não considerando o sofrimento dessas pessoas e seus constantes esforços e fracassos nas diversas tentativas utilizadas para emagrecer.17
Observa-se insistente afirmação da obesidade como uma doença da qual se deve liberar a qualquer custo e, paralelamente, um estímulo constante nos meios midiáticos para cultuar o corpo magro. Paradoxalmente, não se observa, na mesma medida e com a mesma ênfase, um encaminhamento de práticas de cuidados que possam atender aos sofrimentos da pessoa em vivência de obesidade de modo a lhe garantir, em longo prazo, uma vida mais confortável cultural e socialmente.
E, quando não conseguem os resultados em curto prazo para a perda de peso, além dos sentimentos de frustração, diminuição da autoestima, impotência ou incapacidade, dão início a uma busca desenfreada pela normalização do corpo por meio da cirurgia bariátrica como o recurso mais rápido para a possibilidade de ser uma nova pessoa. Porque não há fardo mais pesado do que carregar um corpo gordo.
Eu corri muito atrás mesmo [...] Me vejo melhor, né!, [...] Mas eu procurei mais por estética. Estética não, necessidade (Flor-de-Lis).
[...] Aí ela falô [para o cirurgião] que a psicóloga não tinha liberado. Aí foi onde ele [o cirurgião] respondeu pra ela: "quem vai te operá sou eu! Eu preciso da colaboração deles, mas quem vai te operá sou eu! Quem sabe o que precisa ou não sou eu!". E vai fazê os exames, né? E já encaminhô os exames né? [...] Fez os exames. Soltô lá na Central de vagas. Que eu achei que ia levá uns dois, três anos, e Deus foi tão maravilhoso pra nóis que não demorô. Aí fui, ela foi no[...] ortopedista dela pediu pra ele ajudá, né? Ele foi deu um laudo pra ela, né, falando do problema da coluna dela. E esse documento ajudô bastante. Ajudô muito, muito mesmo! Quando ela assustô, ela já tava operada. Ela nem acreditô! Já tava operada (Mãe de Flor-de-Lis).
A cirurgia bariátrica tem se mostrado um método efetivo de tratamento médico que recoloca a pessoa magra para a sociedade, mas apresenta seu alcance no plano psicossocial limitado, visto que elimina apenas a gordura do corpo. Por meio da cirurgia as pessoas vão buscar o que perderam ao vivenciar o corpo obeso, desejando renascer para um novo mundo aos seus olhos. Mudar de corpo com a retirada da gordura significa mudar a vida e a identidade.7 A cirurgia bariátrica é compreendida nas narrativas das nossas participantes como o recomeço de uma nova vida com um novo corpo, representado pelo retorno ao convívio social, melhora da saúde, da autoestima e da qualidade de vida. Pelo procedimento elas referem que tiveram a oportunidade de renascer. Esse renascimento significa voltar à normalidade tanto almejada, ocupar o seu lugar e incluir-se socialmente.
Porém, vale destacar que a cirurgia, embora tenha se mostrado um método efetivo na redução do excesso de peso, restringe-se ao corpo biológico, necessitando da reconstrução de práticas no setor profissional de saúde que contemplem os aspectos psicológicos e socioculturais que apenas a realização da cirurgia bariátrica não abarca. É preciso voltar o olhar para o contexto em que essas pessoas estão inseridas e tratá-las de acordo com as necessidades por elas evidenciadas.
O renascimento
Nesta categoria serão abordados os significados da cirurgia bariátrica para as participantes do estudo, evidenciando ser a maneira mais rápida de se conseguir o peso ideal, porém que nem sempre se configura no corpo-ideal.
A cirurgia bariátrica é um método que tem se mostrado efetivo no tratamento, profilaxia das complicações e melhora da qualidade de vida evidenciada pela diminuição do peso ponderal nos casos da obesidade classe 3, quando o índice de massa corpórea (IMC) ultrapassa 40 kg/m2, e para aqueles com obesidade classe 2, com IMC entre 35 e 39,9 kg/m2, portadores de comorbidades associadas como hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus (DM), entre outras doenças, cujo controle seja facilitado pela perda de peso.22
Flor-de-Lis reforça esses dados, referindo que "a saúde tamém não era boa, porque minha pressão vivia alta [...] tava hipertenso, com problema na coluna depois da cirurgia nunca mais tive pressão alta [...]. A pressão normalizou".
A cirurgia é compreendida por essas pessoas como uma possibilidade de resolução dos problemas e reencontro com a identidade social perdida ao longo do tempo vivido em um corpo que foge às regras da beleza impostas pela sociedade atual.
Nessa sociedade o corpo passa a ser reproduzido e construído como um corpo-mercadoria, que expressa o desempenho da pessoa. Apresentar uns quilos a mais é violar as normas e a lei vigente da vida social.1 Ser obeso é sinônimo de infelicidade e preguiça.
O mal-estar de viver em um corpo que é dito "diferente" faz as pessoas buscarem na cirurgia bariátrica o reencontro com um corpo adequado ao contexto sociocultural. E mesmo as dificuldades apresentadas de espera para a resolução do problema do excesso de peso e as complicações relacionadas à cirurgia, como a dificuldade para se alimentar nos primeiros meses, não são lembrados pelas participantes. Para Amarílis, as complicações relacionadas à cirurgia foram sérias, exigindo, inclusive, internação prolongada em UTI; e constantes recaídas com necessidade de internações subsequentes, como manifestado em sua narrativa.
Eu tive hemorragia intestinal[...] eu tive uma trombólise, quase perdi a perna. Eu tive muitas coisas lá naquele hospital, eu fiquei quase quatro meses, eu vinha eu voltava, internava de novo, eu vinha voltava, internava de novo. Sofri muito, sofri muito! [...] Chegava em casa ficava ruim e voltava de novo interná. Aí, depois disso, eu ainda fiquei internada duas vezes porque me deu anemia, né? Tive que volta[...] tomá sangue! (Amarílis).
No entanto, apesar de todo esse sofrimento, o que sobressai para ela é o retorno de seu corpo aos padrões considerados normais, interpretado como um renascimento. Talvez esse esquecimento seja ocasionado pelo beneficio que sabidamente o procedimento traz com a retirada do excesso de peso, reconhecido como limitador da autonomia pessoal. Mas, além do excesso de peso e das limitações cotidianas por ele impostas, há também os significados que um corpo magro tem para as pessoas de nossa sociedade atualmente.17 Isso pode ser evidenciado nas narrativas de Amarílis:
Mas graças a Deus eu tenho muito a agradecê, porque se eu fosse gorda eu faria tudo de novo. Fazia tudo de novo! Ah, se eu não fazia! Às vezes eu vejo mulher gorda aí novinha "ah!, eu não tenho coragem, não!", não tem porque você é boba? Né? É tão bom ficá magrinha! (Amarílis).
Dessa forma, a cirurgia bariátrica fez de Flor-de-Lis uma nova mulher, com mais vontades e desejos para viver, como abstraído na fala a seguir: [...] a cirurgia me deu a chance de sê uma nova pessoa. [...] Estou de bem comigo mesma agora, tenho mais vontade pra tudo, até mesmo prá trabalhá, pra saí! (Flor-de-Lis)
A cirurgia bariátrica dá a essas pessoas a chance de renascer e se incluir novamente nessa sociedade, onde a imagem corporal é um "passaporte para a felicidade". Aqui não a desconsideramos como o melhor tratamento da obesidade com taxas elevadas na redução da morbidade e mortalidade. Apenas destacamos que a cirurgia deve ser considerada o ultimo recurso de escolha no tratamento da obesidade, quando outras formas, como mudança comportamental, prática de exercício físico e tratamento farmacológico, não deram efeito.23
Criteriosa valiação no pré-operatório deve ser realizada por equipe multidisciplinar composta de endocrinologista, nutricionista, cardiologista, pneumologista, psiquiatra, psicólogo e cirurgião, além de avaliação clínica, laboratorial e psiquiátrica regular no pós-operatório.24 Destaca-se aqui a importância da inclusão da(o) enfermeira(o), não somente no pré-operatório, mas também no pós-operatório para acompanhamento continuado, pois entendemos que é o profissional da equipe de saúde que se ocupa da coordenação global da assistência. O enfermeiro é um profissional habilitado com conhecimentos específicos para avaliar as necessidades dos usuários dos serviços de saúde e mobilizar os demais profissionais (psicólogo, nutricionistas, médicos, assistente social, etc.) para os cuidados requeridos em cada situação.25 Desse modo, os enfermeiros transitariam entre as especialidades realizando os elos necessários de quem busca e de quem oferece o cuidado, propiciando a integralidade do atendimento.
Muitas vezes essas mudanças comportamentais exigidas e as avaliações pré-operatórias causam demora no processo, intensificando os sinais de insatisfação para as pessoas que têm pressa na resolução. Para Flor-de-Lis conseguir a realização da cirurgia bariátrica, solicitou ajuda para a sua mãe intervir junto ao médico que tinha realizado a cirurgia para redução do excesso de peso. Ela solicita ao médico "que se você pudesse me ajudá nessa parte aí eu ia sê muito grata a você, né", e o médico a encaminha para realização das avaliações pré-operatórias.
Ao chegar à psicóloga, Flor-de-Lis não consegue a liberação que tanto almejava:
[...] a psicóloga lá do hospital é brava, é brava pra você lidá com ela. Aquela é. Aí ela pegô e falô pra menina que ela não ia liberá. Falô pra ela: "eu não vô liberá porque você tem condições de emagrecê". Ela falô: "bom, eu acho que não, né?" Porque eu já tomei medicamento, eu já fiz acompanhamento. Eu já fiz o regime e eu não consegui. Aí ela foi e falô assim: "não, você vai tê que consegui, e eu não vô liberá". E não liberô. Essa menina entrô numa depressão que daí pronto, foi aquele desespero (Mãe de Flor-de-Lis).
Dessa forma, a cirurgia passa a ser uma necessidade individual para um recorte de saúde. Flor-de-Lis acredita que apenas a cirurgia conseguirá resolver todos os seus problemas como emagrecimento, compulsão pela comida, melhora da autoestima, da felicidade e da tristeza trazida na memória pela perda de um ente querido. A cirurgia, na compreensão da Flor-de-Lis, é o processo mágico de retirada de tudo que considera ruim em sua vida. Mas a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica considera como uma contraindicação para o procedimento os transtornos psiquiátricos, especialmente do humor, a ansiedade e a psicose.
Em outra tentativa já desesperada da Mãe de Flor-de-Lis, ela pede socorro ao médico: "queria que você me ajudasse. Agora eu tô te implorando, pedindo pelo amor de Deus! Me ajuda com minha filha porque eu não quero perder minha filha. É a única que eu tenho. Eu não quero perder!".
A conquista da cirurgia foi alcançada. Observa-se que esse procedimento não condiz com o cumprimento do direito à saúde, pois tal direito, para seu efetivo exercício, requer a oferta de boas práticas profissionais direcionadas pelo princípio da integralidade em saúde e, neste caso, a integralidade focalizada.
A hermenêutica, como método, oferece um leque de possibilidades para a compreensão dos problemas, limites e perspectivas humanas. Na hermenêutica a pessoa passa a ser a sede da certeza, daí a necessidade de realizar uma escuta atenta dos problemas de saúde que elas trazem. Questionamos se os profissionais de saúde conseguiram ouvir o grito de ajuda dado por Flor-de-Lis na busca da retirada do excesso de peso. Questionamos ainda se houve adequada interação entre os profissionais, os serviços de saúde ofertados e a pessoa que busca o cuidado, constituindo-se esse em encontro num momento único para identificar o que tanto faz sofrer e alcançar o bem-estar mediado pelos saberes.
Essa interação/compreensão não deve, de antemão, entregar-se ao arbítrio de nossas próprias opiniões prévias, mas deixar que essas pessoas nos digam algo para que, assim, consigamos interpretar a partir da particularidade de cada um.26
Pela cirurgia bariátrica Flor-de-Lis e Amarílis não buscaram apenas eliminar ou amenizar as doenças associadas, mas reocupar os espaços perdidos pela doença, como o resgate da autoestima, a inclusão social e o desempenho das atividades cotidianas:
Tenho vontade de saí [...] Agora quero saí, quero, não é nem, muitas pessoas falam agora qué exibí que tá magra, né? Não é isso que eu, eu penso que eu tenho vontade, né, eu sinto que agora eu posso (Flor-de-Lis).
É tão bom ficá magrinha. Tão gostoso. A gente trabalha tão gostoso! Veste a roupa que qué. Hoje eu visto calça 42. Ah, delícia! Eu nunca visti uma calça jeans na minha vida (Amarílis).
As possibilidades que se descortinam pela perda de peso repercutem na vontade de se mostrar aos outros como uma pessoa normal, com o objetivo de se sentir igual. O corpo, sendo normalizado, reflete-se em sua autoimagem e autoestima, gerando a sensação de ser aceita social e afetivamente.
[...] agora mudô completamente. Tenho mais vontade, tenho mais ânimo, quero conversá, quero falá que eu fiz a cirurgia, que eu pesava tanto e agora eu tô tanto! Gosto quando os outros falam: "nossa, não parece que você pesava tudo isso". Pesava! [com voz de orgulho, satisfação]. [...] peguei gosto pela vida de novo. Porque antes eu vivia por vivê, agora eu tenho prazer de vivê! (Flor-de-Lis, notas de observação).
Voltar a ser "normal" significa, para essas pessoas que buscaram na cirurgia bariátrica a normalização do corpo, retomar uma vida interrompida pelos valores sociais do meio e ser aceita, saindo do abismo de sofrimento e incapacidade em que ficaram por um tempo.15 Ser normal em nosso meio é aquilo que deve ser, no sentido mais usual da palavra. A pessoa é quem avalia o que é ser normal, porque é ela quem sofre as consequências de ser diferente.
Essa normalização que a cirurgia bariátrica traz recoloca a pessoa dentro dos padrões vigentes dessa sociedade, mas não o encontro com ela8, porque a cirurgia bariátrica resolve apenas a doença física, o excesso de peso.
E aqui vale destacar que essa doença devastadora emocionalmente, a obesidade, não tem cura apenas com a retirada do excesso de peso, porque a doença não está em alguma parte da pessoa, mas em toda a pessoa.15 De agora em diante, precisam lidar com as manifestações negativas experienciadas, por terem vivido em obesidade por longo tempo, como fala Flor-de-Lis:
[...] eu não me vejo magra, né? Só me vejo quando pego uma roupa, quando os outros falam: "tá muito magra". Mas eu não me acho ainda, né?. [...] "Tá parecendo os seus osso aqui". Mas eu falo só na hora que eu pego que eu sinto, mas não me vejo, não consigo me vê magra ainda (Flor-de-Lis).
Assim, faz-se necessário o acompanhamento por uma equipe multidisciplinar para contemplar as necessidades apresentadas por essas pessoas, que vão desde as questões sociais, culturais, psicológicas, clínicas e alimentares. Todavia, o que se observa atualmente é que, por mais que existam várias especialidades médicas e da saúde, ainda é tímido o atendimento multidisciplinar e mais ainda o interdisciplinar, pois requer uma abordagem profissional que permita contemplar a pessoa em vivência de obesidade em sua integralidade. Além disso, a própria forma de organização dos serviços de saúde não tem favorecido esse atendimento interdisciplinar.
Atualmente, na cidade de Cuiabá, não foi encontrada atenção sistematicamente direcionada, por parte dos profissionais médicos, para um acompanhamento interdisciplinar, incluindo outros profissionais como nutricionista e psicólogo após a realização da cirurgia. Não conseguimos identificar nas narrativas a existência de uma equipe interdisciplinar no acompanhamento pós-operatório dessas pessoas, sobressaindo-se apenas o médico-cirurgião, mas não havendo reforço por parte dele para o acompanhamento sistematizado de outros profissionais da saúde. Flor-de-Lis chega a afirmar que: "psicólogo, achei que não tinha necessidade de corrê atrás. Até agora nenhum deles me encaminhô, falô que eu preciso realmente. Então eu acho que não tem por que eu tá procurano, né?"
Nesse sentido, sentimos a necessidade de reconstrução das práticas em saúde com intensas transformações em nosso modo de atuar, principalmente no que diz respeito aos seus fundamentos e pressupostos.27 Enquanto fundamentarmos nossas práticas pensando apenas nos problemas biológicos apresentados pelas pessoas dissociados de suas experiências e modo de encaminhar suas vidas, as intervenções de saúde terão alcance limitado na dimensão biológica.
Entende-se que, para a reconstrução das práticas de saúde, seja necessário aliar aos conhecimentos científicos da Biomedicina outros saberes. Com base em nosso estudo, destaca-se a importância dos saberes socioantropológicos para o cuidado ao corpo obeso, pelas representações do simbolismo veiculado em cada sociedade. Assim, para falar do corpo é necessário um saber cultural, pois o seu conhecimento se dá por meio de uma visão de mundo e de um sistema de valor.3
Compreender essa lógica e a dinamicidade das necessidades em saúde das pessoas em obesidade contribui para a construção de uma prática profissional ética que resgata o cuidado, tendo por referência a voz daquele que vive o adoecimento, valorizando suas experiências.28

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscando compreender a experiência de adoecimento por obesidade na perspectiva de quem a vivencia, evidenciamos que esse adoecer repercute não só no plano biológico, mas, principalmente, no psicológico e no social. Viver em um corpo obeso causa marcas irreparáveis. Os profissionais aqui envolvidos devem ser capazes de atender esse ser humano, objetivando a totalidade da pessoa, construindo práticas de cuidados que correlacionem questões para além do biológico.
Nesse sentido, este estudo evidenciou a necessidade da construção de saberes que permitam avançar no entendimento da obesidade como uma enfermidade (illness), contemplando a experiência de adoecimento por meio da linguagem, do diálogo, como um recurso para se conhecer o horizonte da pessoa de modo que nas trocas desse diálogo possamos ampliar a nossa visão sobre o que seja viver nessa condição crônica.
E só é possível ouvir algo pelo diálogo. Dessa forma, o profissional deve reconhecer a interpretação particular da pessoa sobre ela mesma e os seus modos de explicar o seu adoecimento e, na interação, buscar os meios mais efetivos de cuidar na perspectiva da integralidade.

REFERÊNCIAS
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2. Foucault M. Microfísica do poder. 17ª ed. Rio de Janeiro: Edições Graal; 2002.
3. Le Breton D. Antropologia do corpo e modernidade. Petrópolis: Manole; 2011.
4. Ferreira FR. A produção de sentidos sobre a imagem do corpo. Interface Comunic Saúde Educ. 2008;12(26):471-83.
5. Ades L, Kerbauy RR. Obesidade: realidades e indagações. Rev Psicol USP. 2002;13(1):197:216.
6. Rodrigues JC. Tabu do Corpo. 7ª ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006.
7. Le Breton D. Adeus ao Corpo. Antropologia e sociedade. Campinas: Papirus; 2003.
8. Yoshino NL. A normatização do corpo em excesso [tese]. Campinas: Faculdade de Ciências Médicas Universidade Estadual de Campinas; 2010.
9. Ayres JRCM. Uma concepção hermenêutica de saúde. Physis. 2007;17:43-67.
10. Gadamer HG. Verdade e método I. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 10ª ed. Petrópolis: Vozes; 2008.
11. Bellato R, Araújo LFS, Castro P. O itinerário terapêutico como uma tecnologia avaliativa da integralidade em saúde. In: Pinheiro R, Silva Júnior AG, Mattos RA. Atenção básica e integralidade: contribuições para estudos de práticas avaliativas em saúde. Rio de Janeiro: Cepesc, IMS/UERJ, Abrasco; 2008.
12. Silva DGV, Trentini M. Narrativas como técnica de pesquisa em enfermagem. Rev Latinoam Enferm. 2002;10:423-32.
13. Gadamer HG. Verdade e método I. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 7ª ed. Petrópolis: Vozes; 2005.
14. Helman CG. Disease versus illness in general practice. J R Coll Gen Pract. 1981; 31:548-52.
15. Canguilhem G. O normal e o patológico. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2010.
16. Alves PC. A Experiência da Enfermidade: considerações teóricas. Cad Saúde Publica. 1993;9:263-71.
17. Fellipe FM. O peso social da obesidade. Rev Virtual Texto Contextos. 2003;2(2):1-16. [Citado em 2012 jan. 03]. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/fass/ojs/index.php/fass/article/view/963
18. Goffman E. Estigma. Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1988.
19. Carr D, Friedman MA. Is obesity stigmatizing? Body weight, perceived discrimination, and psychological well-being in the United States. J Health Soc Behav. 2005;46:244-59.
20. Severiano MFV, Rêgo MO, Montefusco ÉVR. O corpo idealizado de consumo: paradoxos da hipermodernidade. Rev Mal-Estar Subj. 2010;X(1):137-65.
21. Mattos RS, Luz MT. Sobrevivendo ao estigma da gordura: um estudo socioantropológico sobre a obesidade. Physis. 2009;19:489-507.
22. Ferraz EM, Arruda PCL, Bacelar TS, Ferraz AAB, Albuquerque AC, Leão CS. Tratamento cirúrgico da obesidade mórbida. Rev Col Bras Cir. 2003;30:98-105.
23. Magdaleno Jr R, Chaim EA, Turato ER. Características psicológicas de pacientes submetidos a cirurgia bariátrica. Rev Psiquiatr RS. Rio Grande do Sul. 2009;31:73-8.
24. Brasil. Portaria 492, de 31 de agosto de 2007. Definir Unidade de Assistência de Alta Complexidade ao Paciente Portador de Obesidade Grave como o hospital que ofereça assistência diagnóstica e terapêutica especializada, de média e alta complexidade, condições técnicas, instalações físicas, equipamentos e recursos humanos adequados ao atendimento às pessoas portadoras de obesidade grave. Diário Oficial, Brasília: MS; 2007.
25. Lunardi Filho DW. O mito da subalternidade do trabalho de enfermagem à Medicina. 2ª ed. Pelotas: Edições do autor; 2004.
26. Bonfim VS. Gadamer e a experiência hermenêutica. Revista CEJ. 2010;14(49):76-82.
27. Ayres JRCM. Cuidado e reconstrução das práticas de saúde. Interface Comunic Saúde Educ. 2003-2004;8(14):73-92.
28. Bellato R, Araújo LFS, Faria APS, Costa ALRC, Maruyama SAT. Itinerários terapêuticos de famílias e redes para o cuidado na condição crônica: alguns pressupostos. In: Pinheiro R, Martins PH. (Orgs.). Avaliação em saúde na perspectiva do usuário: abordagem multicêntrica. São Paulo: ABRASCO; 2009.

* Este artigo foi extraído da dissertação de mestrado "A Experiência de Viver em Obesidade: significados e sentidos" e faz parte do projeto desenvolvido no âmbito do Grupo de Pesquisa Enfermagem, Saúde e Cidadania (GPESC) da Faculdade de Enfermagem/Universidade Federal de Mato Grosso, financiado pela Fundação de Amparo a Pesquisa de Mato Grosso (FAPEMAT).

OBESOS PEDEM SOCORRO!

sábado, 23 de novembro de 2013

Este blog, não tem opinião formada sobre o tema tratado.  No entanto, as manifestações postadas nas redes sociais são inúmeras que considero de suma importância.  Os trechos que seguem, em itálicos, são reproduções de matéria a mim enviada, isento de minha participação.  O espaço destinado ao comentário no rodapé deste, serve para manifestações à favor ou contra sobre o texto reproduzido.  Democracia é isto! 

A matéria:
Os inibidores de apetite são coadjuvantes no tratamento e controle da obesidade e, até 2011, eram comercializados no Brasil sob prescrição médica e a custos acessíveis. 

Em 50 anos de uso por milhares de pessoas, nunca houve registro de óbito por uso dos inibidores (Anfepramona, femproporex e mazindol) entre brasileiros. Sem justificativas plausíveis e sem argumentação técnica e científica, a ANVISA simplesmente proibiu a venda desses medicamentos, de maneira irresponsável e arbitrária e sem deixar qualquer opção de tratamento para substituir.

Dados do Ministério da Saúde dos últimos 18 meses apontam que o número de problemas de saúde conseqüentes de excesso de peso aumentaram em torno de 50%, ao passo que, paralelamente, o índice de óbitos provocados por cirurgia bariátrica tornou-se freqüente nesse mesmo período, justamente após a proibição dos medicamentos.

Preocupado com a situação e após tomar conhecimento dos riscos da proibição aos doentes obesos, através das entidades representativas da classe médica (Abeso e Abran), o deputado federal Felipe Bornier/RJ redigiu o Projeto de Lei 2431/11, que suspende a decisão da ANVISA, devolvendo aos cerca de 50 milhões de obesos no Brasil, o direito a tratamento seguro e com acompanhamento médico.

À custa de muita pressão e súplica junto aos deputados, após quase 2 anos o projeto foi aprovado em 18/9/2013 pela CSSF (Comissão de Seguridade Social e Família) e no último dia 19/11/2013, pela CCJC (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania). 

Essas aprovações só foram possíveis graças à ação ininterrupta de um grupo formado inicialmente por algumas garotas, no Facebook, que agora já reúne mais de 2 mil pessoas, todas sofredoras com as conseqüências do aumento de peso. 

Algumas mulheres chegaram a ser abandonadas pelos maridos depois que voltaram a engordar, entrando em depressão e piorando ainda mais o estado de saúde físico e mental.

A angústia aumentou esta semana depois que o deputado Marcelo Almeida, membro suplente da CCJC, que nunca havia se preocupado em participar de quaisquer discussões da comissão, tentar atrapalhar a sequência da tramitação do projeto. O tal deputado recolhe assinaturas junto aos deputados, com o intuito de impedir que o PL siga ao Senado... ameaça, inclusive, pedir impugnação das duas aprovações.  O citado deputado é assumidamente “testa de ferro” da ANVISA, além de ser da área da construção civil e nada entender de saúde ou medicina e, ainda, responder por corrupção e desvio de verbas em seu estado, o Paraná.

Temos o apoio de médicos, da ABESO (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade) e da ABRAN (Associação Brasileira de Nutrologia), que lutam junto conosco (um grupo do facebook apelando aprovação aos deputados, incansavelmente, já 2 anos). Os deputados Beto Albuquerque, Decio Lima e Sergio Zveiter, da CCJC, e da CSSF, Dr. Paulo César e Luiz Carlos Mandetta, que são médicos,  nos apoiam, batalharam pela aprovação nas respectivas comissões.

Não podemos ficar sem esses remédios. Além dos problemas de saúde, a proibição ainda incrementa e estimula o mercado negro, com pessoas que cobram preços altíssimos por produtos sem qualquer controle de qualidade e, na maioria das vezes, remédios falsificados (feitos com farinha, maisena etc.).
Além disso, a obesidade não é fruto meramente de preguiça, comodismo ou gula. São problemas glandulares, hormonais, psicológicos, metabólicos, entre outros, que impedem que a pessoa emagreça ou mantenha o peso sem u auxílio de terapia medicamentosa.  

As fontes de informações estão guardadas no meu arquivo. 

Postado a pedido do Markito de Souza: @MarkitoDeSouza
 

10 razões pelas quais aparelhos móveis devem ser proibidos para crianças menores de 12 anos!

Oi, meninas!
Estes dias foi publicado um artigo no site Info Exame (Editora Abril), sobre a idade ideal para as crianças terem acesso à aparelhos móveis.
Não é uma tarefa fácil proibir as crianças do uso de qualquer tipo de aparelho móvel (celular, tablet e jogos eletrônicos) antes dos 12 anos. Acho, na verdade, até um pouco radical, apesar de ter todo um embazamento e mil estudos por trás destas afirmações. Eu mesma não consigo ter essa disciplina com meus filhos.
Dar celular próprio para os filhos apenas com essa idade também deve ser super difícil porque é uma forma de controlarmos nossos pequenos, mas concordo que este é o ideal. Afinal, nós passamos nossa infância e adolescência inteira sem a existência desse aparelho e vivemos muitíssimo bem!
Achei interessante e pertinente compartilhar com vocês este texto! Vejam o que acham e deem suas opiniões a respeito!
Mil Bjss

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A Academia Americana de Pediatria e a Sociedade Canadense de Pediatria afirmam que crianças de 0 a 2 anos não devem ter nenhuma exposição à tecnologia, crianças de 3 a 5 anos devem ser limitadas à uma hora de exposição por dia e crianças e adolescentes de 6 a 18 anos devem ser restritas a duas horas por dia (AAP 2001/13, CPS 2010). Crianças e jovens usam de quatro a cinco vezes a quantidade de tecnologia recomendada, provocando consequências graves e, em muitos casos, colocando suas vidas em risco (Fundação Kaiser 2010, Active Healthy Kids Canada 2012). Aparelhos eletrônicos móveis (telefones celulares, tablets, jogos eletrônicos) aumentaram muito o acesso e uso de tecnologia, especialmente por crianças muito pequenas (Common Sense Media, 2013). Como terapeuta ocupacional pediátrica, convoco pais, professores e governos a proibir o uso de todos os mobiles para crianças com menos de 12 anos. Seguem dez razões, todas apoiadas em pesquisas, para justificar essa proibição. Para ter acesso às pesquisas com referências, procure o Zone’in Fact Sheet no site zonein.ca.

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1) Crescimento cerebral acelerado
Entre 0 e 2 anos de idade, o cérebro da criança triplica de tamanho, e ele continua em estado de desenvolvimento acelerado até os 21 anos de idade (Christakis 2011). O desenvolvimento cerebral infantil é determinado pelos estímulos do ambiente ou a ausência deles. Já foi comprovado que o estímulo a um cérebro em desenvolvimento causado por superexposição a tecnologias (celulares, internet, iPad, TV) é associado ao déficit de funcionamento executivo e atenção, atrasos cognitivos, prejuízo da aprendizagem, aumento da impulsividade e diminuição da capacidade de se autorregular, por exemplo, acessos de raiva (Small 2008, Pagini 2010).

2) Atraso no desenvolvimento
O uso de tecnologia restringe os movimentos, o que pode resultar em atraso no desenvolvimento. Hoje uma em cada três crianças ingressa na escola com atraso no desenvolvimento, o que provoca impacto negativo sobre a alfabetização e o aproveitamento escolar (HELP EDI Maps 2013). A movimentação reforça a capacidade de atenção e aprendizado (Ratey 2008). O uso de tecnologia por menores de 12 anos é prejudicial ao desenvolvimento e aprendizado infantis (Rowan 2010).

3) Obesidade epidêmica
Existe uma correlação entre o uso de televisão e videogames e o aumento da obesidade (Tremblay 2005). Crianças às quais se permite que usem um aparelho digital no quarto têm incidência 30% mais alta de obesidade (Feng 2011). Uma em cada quatro crianças canadenses e uma em cada três crianças americanas são obesas (Tremblay 2011). 30% das crianças com obesidade vão desenvolver diabetes, e os obesos correm risco maior de AVC e ataque cardíaco precoce, resultando em grave redução da expectativa de vida (Centro de Controle e Prevenção de Doenças, 2010). Em grande medida devido à obesidade, as crianças do século 21 talvez formem a primeira geração da qual muitos integrantes não terão vida mais longa que seus pais (Professor Andrew Prentice, BBC News 2002).

4) Privação de sono
60% dos pais não supervisionam o uso que seus filhos fazem de tecnologia, e 75% das crianças são autorizadas a usar tecnologia no quarto de dormir (Fundação Kaiser 2010). 75% das crianças de 9 e 10 anos têm déficit de sono em grau tão alto que suas notas escolares sofrem impacto negativo (Boston College 2012).

5)  Doença mental
O uso excessivo de tecnologia é um dos fatores responsáveis pelas incidências crescentes de depressão infantil, ansiedade, transtorno do apego, déficit de atenção, autismo, transtorno bipolar, psicose e comportamento infantil problemático (Bristol University 2010, Mentzoni 2011, Shin 2011, Liberatore 2011, Robinson 2008). Uma em cada seis crianças canadenses tem uma doença mental diagnosticada, e muitas tomam medicação psicotrópica que apresenta riscos (Waddell 2007).

6) Agressividade
Conteúdos de mídia violentos podem causar agressividade infantil (Anderson, 2007). A mídia de hoje expõe as crianças pequenas a cada vez mais violência física e sexual. O game “Grand Theft Auto V” retrata sexo explícito, assassinato, estupros, tortura e mutilação; muitos filmes e programas de TV fazem o mesmo. Os EUA classificaram a violência na mídia como Risco à Saúde Pública, devido a seu impacto causal sobre a agressividade infantil (Huesmann 2007). A mídia informa o uso crescente de restrições físicas e salas de isolamento para crianças que exibem agressividade descontrolada.

7) Demência digital
O conteúdo de mídia que passa em alta velocidade pode contribuir para o déficit de atenção e também para a redução de concentração e memória, devido ao fato de o cérebro “podar” os caminhos neurais até o córtex frontal (Christakis 2004, Small 2008). Crianças que não conseguem prestar atenção não conseguem aprender.

8) Criação de dependência
À medida que os pais se apegam mais e mais à tecnologia, eles se desapegam de seus filhos. Na ausência de apego parental, as crianças podem apegar-se aos aparelhos digitais, e isso pode resultar em dependência (Rowan 2010). Uma em cada 11 crianças e jovens de 8 a 18 anos é viciada em tecnologia (Gentile 2009).

9) Emissão de radiação
Em maio de 2011 a Organização Mundial de Saúde classificou os telefones celulares (e outros aparelhos sem fios) como risco de categoria 2B (possivelmente carcinogênico), devido à emissão de radiação (OMS 2011). Em outubro de 2011, James McNamee, da Health Canada, lançou um aviso cautelar dizendo: “As crianças são mais sensíveis que os adultos a uma série de agentes, porque seus cérebros e sistemas imunológicos ainda estão em desenvolvimento.” (Globe and Mail 2011). Em dezembro de 2013 o Dr. Anthony Miller, da Escola de Saúde Pública da Universidade de Toronto, recomendou que, com base em pesquisas novas, a exposição a frequências de rádio seja reclassificada como risco de categoria 2A (provavelmente carcinogênico), não 2B (possivelmente carcinogênico). A Academia Americana de Pediatria pediu uma revisão das emissões de radiação de campo eletromagnético de aparelhos de tecnologia, citando três razões relativas ao impacto sobre as crianças (AAP 2013).

10) Insustentável
O modo em que as crianças são criadas e educadas com a tecnologia deixou de ser sustentável (Rowan 2010). As crianças são nosso futuro, mas não há futuro para crianças que fazem uso excessivo de tecnologia. É necessária e urgente uma abordagem de equipe para reduzir o uso de tecnologia pelas crianças.
As Diretrizes de Uso de Tecnologia para crianças e adolescentes, vistas abaixo, foram desenvolvidas por Cris Rowan, terapeuta ocupacional pediátrica e autora de Virtual Child; o Dr. Andrew Doan, neurocientista e autor de Hooked on Games; e a Dra. Hilarie Cash, diretora do Programa reSTART de Recuperação da Dependência da Internet e autora de Video Games and Your Kids, com contribuições da Academia Americana de Pediatria e da Sociedade Pediátrica Canadense, no intuito de assegurar um futuro sustentável para todas as crianças.

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Fonte: Info Exame


http://www.justrealmoms.com.br/10-razoes-pelas-quais-aparelhos-moveis-devem-ser-proibidos-para-criancas-menores-de-12-anos1/

sábado, 18 de abril de 2015

Sedentarismo, práticas simples podem evitar doenças do corpo e da mente

A hora da fome: porque precisamos comer?


A hora da fome: porque precisamos comer?


O organismo humano tem necessidade contínua de energia. Pode ficar até dois meses em abstinência porque, além de certo estágio, passa a se alimentar de si mesmo.


Nos três primeiros dias, a sensação é terrível. A vontade de comer, persistente e angustiante, alia-se ao aumento de saliva na boca, à secreção de sucos gástricos e roncos do aparelho digestivo. É sinal de que este recebeu o alerta geral do cérebro, informando que há falta de combustível nas artérias, e se coloca em estado de prontidão — totalmente inútil, pois não há o que digerir. “De imediato, os sentidos ficam muito mais aguçados, como a visão, a audição e principalmente o olfato”, diz a fisiologista Naomi Shinomiya Hell, da Universidade de São Paulo (USP). “Como um radar, ele tenta captar o cheiro de alguma coisa para comer. Isso vale tanto para o homem como para os outros animais, domésticos ou selvagens.”


Mas, apesar do sentimento de alarme, o organismo está longe de correr perigo. Por incrível que pareça, um indivíduo adulto e saudável pode ficar até dez ou vinte dias em completa abstinência de comida sem risco de sofrer danos irreversíveis — desde que beba água. É o que diz o anatomista Edson Liberti, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (o ICB, onde também trabalha Naomi). Isso acontece, em primeiro lugar, porque o corpo sempre guarda alguma reserva energética — algo em torno de 6 000 calorias, o suficiente para três ou quatro dias em repouso e em circunstâncias normais.No caso de grande necessidade, diz Liberti, esse estoque pode durar bem mais de uma semana.


Em seguida, começa uma forma suave de canibalismo interno: o organismo consome suas próprias proteínas, obtidas à custa de “desmontar” tecidos e órgãos, para suprir a inadiável necessidade de energia. Trata-se de um recurso extremo, empregado apenas quando as perdas já ocorridas ameaçam parar a máquina viva. Afinal, após meros dez dias sem comer, um indivíduo emagrece na proporção de até 10% do total de seu peso, ou cerca de 7 quilos num homem de 70 quilos. Os batimentos cardíacos caem em taxa ainda maior — de 74 para 61 por minuto — e a própria temperatura do corpo pode oscilar de alguns décimos de grau.


O cientista argentino Bernardo A. Houssay (1887-1971), ganhador do Prêmio Nobel de 1947, lembra fatos curiosos, como o de que o organismo “desaprende” a gerar energia pela via costumeira do aparelho digestivo, e se receber comida, adoece.


Há um aumento da quantidade de açúcar no sangue, apresentando pressão alta e sintomas semelhantes aos do diabete — como o de verter o açúcar glicose junto com a urina. '


Conta também que a fome intensa dos primeiros dias logo desaparece e é substituída por uma gradual debilitação física e mental.


Seja como for, num estágio mais avançado de privação alimentar, a pessoa certamente morrerá de indigestão se receber um farto prato de comida, porque suas vilosidades, ou reentrâncias da parede dos intestinos, já foram destruídas. Na Somália e no Sudão, as pessoas submetidas a prolongada insuficiência alimentar precisam passar por extenso tratamento médico antes que possam receber comida. Os técnicos da Organização das Nações Unidas recomendam grande cuidado ao se socorrer qualquer flagelado pela fome. É óbvio que a essa altura o corpo já não se encontra apenas debilitado, mas começa a sofrer conseqüências que podem ser irreversíveis.


Depois de no máximo quinze dias de jejum, as proteínas dos músculos passam a ser queimadas para gerar energia; a musculatura perde o relevo e se atrofia. E isso não vale apenas para os músculos estriados, ou voluntários (os responsáveis pelos movimentos externos do corpo): também podem ficar comprometidos alguns músculos involuntários, como os existentes nas paredes do estômago, veias e outras vísceras. Entre os somalis, muitos já não têm as contrações do aparelho digestivo e há exemplos de vasos dilatados, o que provoca problemas cardíacos. Em animais com dois meses de jejum, verifica-se degeneração das fibras do coração. O pulmão e o cérebro são outros órgãos prejudicados.


É espantoso, portanto, que muitos homens passem trinta ou cinqüenta dias ingerindo apenas água. Houssay conta que a Medicina registra inúmeros casos assim, e cita pelo menos um grevista — o irlandês Mac Swiney — que resistiu até os 74 dias sem comer. De maneira geral, porém, se considera que a morte é inevitável após sessenta dias, mais freqüentemente em quieto coma e às vezes em convulsões. A ciência ainda não descobriu a gênese da fome, ou seja, exatamente o que faz o organismo buscar e ingerir alimentos. Os pesquisadores afirmam que essa sensação está prioritariamente ligada à glicemia, a quantidade de glicose dissolvida no sangue.


Até meados dos anos 80, acreditava-se que a fome crescia à medida que a glicemia caía. “Mas não é assim”, diz o fisiologista César Timo-Iaria, do Laboratório de Neurologia Experimental da Faculdade de Medicina da USP. A fome, diz ele, é um sintoma de que o fígado está trabalhando demais para manter a concentração normal de glicose na corrente sangüínea. Não é difícil entender isso, já que esse órgão é o responsável pelo patrimônio de glicose — o principal combustível usado pelas células — disponível no sangue. Normalmente, há cerca de 1 grama de glicose para cada litro de sangue, o que dá perto de 5 gramas dissolvidos nesse líquido contido em todo o sistema cardiovascular, de acordo com o livro de Houssay. Ele diz que o corpo dispõe de mais 15 gramas de glicose dissolvida nos líquidos entre as células, os chamados líquidos intersticiais.


Parece pouco, mas 1 grama de açúcar, depois de queimado com 0,75 litro de oxigênio, gera nada menos que 3 750 calorias, e aquelas quantidades se referem apenas à glicose pronta para chegar às células. O mais importante é que o fígado armazena perto de 200 gramas daquele combustível, numa forma compactada, denominada glicogênio. Assim, ele controla o suprimento de glicose no corpo, transformando glicogênio em glicose sempre que necessário. Para isso, conta com células chamadas glico-receptoras, que funcionam como sensores e indicam a todo momento a concentração de glicose na circulação.


Num organismo sem alimentos, o intestino não fornece ao fígado matéria-prima para produzir a glicose, mas a concentração de açúcar no sangue não chega a cair devido ao contra-ataque acionado pelas células glico-receptoras. No corpo humano, o fígado entra em hiperatividade e passa a gastar suas reservas.


Não é à toa que existe tão complicado sistema de controle e de alarme para garantir o suprimento de energia. É que ela é absolutamente essencial — a ponto de o corpo se autodestruir para evitar sua falta. Proteínas e vitaminas também são importantes, e sua carência, a longo prazo, cria distorções terríveis, como atrofia muscular, cegueira e outros males. Mesmo assim, o organismo corre o risco, apenas porque não pode parar sequer por um momento.


Basta pensar no coração, um músculo fortíssimo, que mantém sob pressão constante algo como 5 litros de sangue. Quando se reflete um pouco, percebe-se quanto movimento existe num organismo, mesmo quando todas as suas partes externas estão imóveis. O pulmão precisa bombear oxigênio e gás carbônico sem cessar; os intestinos e o estômago realizam contrações complexas; o suor é outra óbvia fonte de movimento, pois representa água quente bombeada para fora, através da pele, de modo a manter constante a temperatura. É claro que, se uma pessoa se alimenta mal, todas essas funções ficam potencialmente prejudicadas. Mas tudo se faz para que não cessem, porque isso seria o fim.


O fato de o organismo se agarrar à vida por longo tempo depois de ter sido privado de combustível só pode ser motivo de profunda admiração. Ainda mais quando se pensa que ele é formado por um condomínio de simples células microscópicas, organizadas em número inimaginável — o corpo humano contém 60 trilhões delas. Em conjunto, diz Naomi Hell, elas se tornam a mais formidável e perfeita máquina existente no planeta.


Em várias etapas, o corpo humano retira de tudo o que ingere as matérias-primas para a sua existência


Boca

É só pensar em comer e ela se enche de saliva, que dá início à digestão


Estômago

Transforma o alimento num líquido viscoso, fragmentando-o quimicamente para facilitar a absorção pelo intestino


Fígado

Armazena, sob a forma de glicogênio, toda a glicose não utilizada pelas células periféricas da circulação. Isso faz as pessoas não sentirem fome a toda hora.


Célula

Captura a glicose em circulação e, por meio de uma reação com o oxigênio, a transforma em energia.


Cérebro

Agrega os mais potentes sensores que medem continuamente a concentração de glicose no sangue, pois é o órgão que mais a utiliza.


Suco gástrico

Composto de ácidos que quebram as longas cadeias de átomos que compõem os alimentos em pequenas moléculas


Intestinos


Onde se completa a digestão: proteínas são fragmentadas em aminoácidos, carboidratos em glicose e frutose, e a gordura torna-se hidrossolúvel. Tudo isso cai na corrente sangüínea.

Energia na medida certa


Tudo que o corpo humano ingere — seja um pedaço de lasanha, um sanduíche, doces, sorvetes, pipoca ou refrigerantes — é tratado por ele, indistintamente, como alimento. Um organismo plenamente desenvolvido utiliza esse alimento como matéria-prima para regenerar boa parte de suas células e para gerar a energia que o conserva vivo. Em repouso absoluto, ele tem a potência de uma lâmpada: consome 100 watts de energia, o correspondente a 2 100 quilocalorias por dia. Cerca de 20% dessa energia é utilizada pela musculatura esquelética, 5% pelo coração, 19% pelo cérebro, 10% pelos rins e 27% pelo fígado e pelo baço.


Dependendo do tipo de atividade que exerce, o organismo gasta mais ou menos energia, diz a nutricionista paulista Flora Spolidoro. Ela deve saber, pois criou a dieta mais adequada para o aventureiro Amyr Klink realizar suas proezas pelos oceanos. “O corpo de um atleta precisa de muito mais energia que o de uma recepcionista. Um operário de construção tem muito mais chance de ser magro que um executivo.”


Quando Klink atravessou o Atlântico a remo, a partir da África até a América do Sul, seu consumo de energia era grande durante as oito horas diárias que re-mava. Mas nas outras 16 horas, ele ficava muito mais parado que qualquer cidadão, pois tinha os movimentos limitados pelo pequeno barco, diz a nutricionista. “A dieta teve que ser balanceada de forma que o gasto energético fosse reposto sem excessos.” Flora conta que o essencial era a cota de calorias, e acabou fixada de acordo com o há-bito de Klink: 2 900 por dia, embora 4 000 fosse o número teórico. De resto, ele comeu de tudo, do macarrão ao bife grelhado e leite.


Fonte: Super Interessante
 
 
 
 
 

A hora da fome: porque precisamos comer

O organismo humano tem necessidade contínua de energia. Pode ficar até dois meses em abstinência porque, além de certo estágio, passa a se alimentar de si mesmo.

por Flávio Dieguez e Marcelo Affini

Por Flávio Dieguez e Marcelo Affini
Nos três primeiros dias, a sensação é terrível. A vontade de comer, persistente e angustiante, alia-se ao aumento de saliva na boca, à secreção de sucos gástricos e roncos do aparelho digestivo. É sinal de que este recebeu o alerta geral do cérebro, informando que há falta de combustível nas artérias, e se coloca em estado de prontidão — totalmente inútil, pois não há o que digerir. “De imediato, os sentidos ficam muito mais aguçados, como a visão, a audição e principalmente o olfato”, diz a fisiologista Naomi Shinomiya Hell, da Universidade de São Paulo (USP). “Como um radar, ele tenta captar o cheiro de alguma coisa para comer. Isso vale tanto para o homem como para os outros animais, domésticos ou selvagens.”
Mas, apesar do sentimento de alarme, o organismo está longe de correr perigo. Por incrível que pareça, um indivíduo adulto e saudável pode ficar até dez ou vinte dias em completa abstinência de comida sem risco de sofrer danos irreversíveis — desde que beba água. É o que diz o anatomista Edson Liberti, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (o ICB, onde também trabalha Naomi). Isso acontece, em primeiro lugar, porque o corpo sempre guarda alguma reserva energética — algo em torno de 6 000 calorias, o suficiente para três ou quatro dias em repouso e em circunstâncias normais.No caso de grande necessidade, diz Liberti, esse estoque pode durar bem mais de uma semana.
Em seguida, começa uma forma suave de canibalismo interno: o organismo consome suas próprias proteínas, obtidas à custa de “desmontar” tecidos e órgãos, para suprir a inadiável necessidade de energia. Trata-se de um recurso extremo, empregado apenas quando as perdas já ocorridas ameaçam parar a máquina viva. Afinal, após meros dez dias sem comer, um indivíduo emagrece na proporção de até 10% do total de seu peso, ou cerca de 7 quilos num homem de 70 quilos. Os batimentos cardíacos caem em taxa ainda maior — de 74 para 61 por minuto — e a própria temperatura do corpo pode oscilar de alguns décimos de grau.
Esses números aparecem num livro clássico, adotado há décadas em muitas escolas de Medicina — Fisiologia Humana, do cientista argentino Bernardo A. Houssay (1887-1971), ganhador do Prêmio Nobel de 1947. Ele lembra fatos curiosos — como o de que o organismo “desaprende” a gerar energia pela via costumeira do aparelho digestivo, e se receber comida, adoece. Há um aumento da quantidade de açúcar no sangue, apresentando pressão alta e sintomas semelhantes aos do diabete — como o de verter o açúcar glicose junto com a urina. Conta também que a fome intensa dos primeiros dias logo desaparece e é substituída por uma gradual debilitação física e mental.
Seja como for, num estágio mais avançado de privação alimentar, a pessoa certamente morrerá de indigestão se receber um farto prato de comida, porque suas vilosidades, ou reentrâncias da parede dos intestinos, já foram destruídas. Na Somália e no Sudão, as pessoas submetidas a prolongada insuficiência alimentar precisam passar por extenso tratamento médico antes que possam receber comida. Os técnicos da Organização das Nações Unidas recomendam grande cuidado ao se socorrer qualquer flagelado pela fome. É óbvio que a essa altura o corpo já não se encontra apenas debilitado, mas começa a sofrer conseqüências que podem ser irreversíveis.
Depois de no máximo quinze dias de jejum, as proteínas dos músculos passam a ser queimadas para gerar energia; a musculatura perde o relevo e se atrofia. E isso não vale apenas para os músculos estriados, ou voluntários (os responsáveis pelos movimentos externos do corpo): também podem ficar comprometidos alguns músculos involuntários, como os existentes nas paredes do estômago, veias e outras vísceras. Entre os somalis, muitos já não têm as contrações do aparelho digestivo e há exemplos de vasos dilatados, o que provoca problemas cardíacos. Em animais com dois meses de jejum, verifica-se degeneração das fibras do coração. O pulmão e o cérebro são outros órgãos prejudicados.
É espantoso, portanto, que muitos homens passem trinta ou cinqüenta dias ingerindo apenas água. Houssay conta que a Medicina registra inúmeros casos assim, e cita pelo menos um grevista — o irlandês Mac Swiney — que resistiu até os 74 dias sem comer. De maneira geral, porém, se considera que a morte é inevitável após sessenta dias, mais freqüentemente em quieto coma e às vezes em convulsões. A ciência ainda não descobriu a gênese da fome, ou seja, exatamente o que faz o organismo buscar e ingerir alimentos. Os pesquisadores afirmam que essa sensação está prioritariamente ligada à glicemia, a quantidade de glicose dissolvida no sangue.
Até meados dos anos 80, acreditava-se que a fome crescia à medida que a glicemia caía. “Mas não é assim”, diz o fisiologista César Timo-Iaria, do Laboratório de Neurologia Experimental da Faculdade de Medicina da USP. A fome, diz ele, é um sintoma de que o fígado está trabalhando demais para manter a concentração normal de glicose na corrente sangüínea. Não é difícil entender isso, já que esse órgão é o responsável pelo patrimônio de glicose — o principal combustível usado pelas células — disponível no sangue. Normalmente, há cerca de 1 grama de glicose para cada litro de sangue, o que dá perto de 5 gramas dissolvidos nesse líquido contido em todo o sistema cardiovascular, de acordo com o livro de Houssay. Ele diz que o corpo dispõe de mais 15 gramas de glicose dissolvida nos líquidos entre as células, os chamados líquidos intersticiais.
Parece pouco, mas 1 grama de açúcar, depois de queimado com 0,75 litro de oxigênio, gera nada menos que 3 750 calorias, e aquelas quantidades se referem apenas à glicose pronta para chegar às células. O mais importante é que o fígado armazena perto de 200 gramas daquele combustível, numa forma compactada, denominada glicogênio. Assim, ele controla o suprimento de glicose no corpo, transformando glicogênio em glicose sempre que necessário. Para isso, conta com células chamadas glicorreceptoras, que funcionam como sensores e indicam a todo momento a concentração de glicose na circulação.
Segundo Timo-Iaria, foram encontrados glicorreceptores em três partes do organismo: “Os mais potentes estão no hipotálamo, mas também estão presentes no fígado e na região denominada núcleo do trato solitário, localizados na parte mais caudal do encéfalo, sob a nuca”. Tudo isso funciona mais ou menos como o sistema hidráulico de um edifício, compara o cientista. Em cima do prédio há uma caixa, dotada de bóia que indica o nível de água, e no subsolo, um imenso reservatório. Quando a caixa se esvazia além de um ponto crítico, repõem-se as perdas por meio de uma bomba que capta água do reservatório. A bóia, com isso, volta a mostrar que o nível de água está normal. “Os glicorreceptores correspondem à bóia. A bomba de água e o reservatório correspondem ao fígado”.
Num organismo sem alimentos, o intestino não fornece ao fígado matéria-prima para produzir a glicose, mas a concentracão de açúcar no sangue não chega a cair devido ao contra-ataque acionado pelas células glico-receptoras. No edifício, seria a hora em que a bomba de água começa a funcionar. No corpo humano, o fígado entra em hiperatividade e passa a gastar suas reservas. Não é à toa que existe tão complicado sistema de controle e de alarme para garantir o suprimento de energia. É que ela é absolutamente essencial — a ponto de o corpo se autodestruir para evitar sua falta. Proteínas e vitaminas também são importantes, e sua carência, a longo prazo, cria distorções terríveis, como atrofia muscular, cegueira e outros males. Mesmo assim, o organismo corre o risco, apenas porque não pode parar sequer por um momento.
Basta pensar no coração, um músculo fortíssimo, que mantém sob pressão constante algo como 5 litros de sangue. Quando se reflete um pouco, percebe-se quanto movimento existe num organismo, mesmo quando todas as suas partes externas estão imóveis. O pulmão precisa bombear oxigênio e gás carbônico sem cessar; os intestinos e o estômago realizam contrações complexas; o suor é outra óbvia fonte de movimento, pois representa água quente bombeada para fora, através da pele, de modo a manter constante a temperatura. É claro que, se uma pessoa se alimenta mal, todas essas funções ficam potencialmente prejudicadas. Mas tudo se faz para que não cessem, porque isso seria o fim.
O fato de o organismo se agarrar à vida por longo tempo depois de ter sido privado de combustível só pode ser motivo de profunda admiração. Ainda mais quando se pensa que ele é formado por um condomínio de simples células microscópicas, organizadas em número inimaginável — o corpo humano contém 60 trilhões delas. Em conjunto, diz Naomi Hell, elas se tornam a mais formidável e perfeita máquina existente no planeta.
Para saber mais:
Força, fígado
(SUPER número 6, ano 3)
A dura jornada de um sanduíche boca adentro
(SUPER número 12, ano 4)
Como o brasileiro se alimenta
(SUPER número 6, ano 5)
Começo de vida saudável (SUPER número 4, ano 6)
A trilha da energia
Em várias etapas, o corpo humano retira de tudo o que ingere as matérias-primas para a sua existência
Boca
É só pensar em comer e ela se enche de saliva, que dá início à digestão
Estômago
Transforma o alimento num líquido viscoso, fragmentando-o quimicamente para facilitar a absorção pelo intestino
Fígado
Armazena, sob a forma de glicogênio, toda a glicose não utilizada pelas células periféricas da circulação. Isso faz as pessoas não sentirem fome a toda hora.
Célula
Captura a glicose em circulação e, por meio de uma reação com o oxigênio, a transforma em energia.
Cérebro
Agrega os mais potentes sensores que medem continuamente a concentração de glicose no sangue, pois é o órgão que mais a utiliza.
Suco gástrico
Composto de ácidos que quebram as longas cadeias de átomos que compõem os alimentos em pequenas moléculas
Intestinos
Onde se completa a digestão: proteínas são fragmentadas em aminoácidos, carboidratos em glicose e frutose, e a gordura torna-se hidrossolúvel. Tudo isso cai na corrente sangüínea.
Energia na medida certa
Tudo que o corpo humano ingere — seja um pedaço de lasanha, um sanduíche, doces, sorvetes, pipoca ou refrigerantes — é tratado por ele, indistintamente, como alimento. Um organismo plenamente desenvolvido utiliza esse alimento como matéria-prima para regenerar boa parte de suas células e para gerar a energia que o conserva vivo. Em repouso absoluto, ele tem a potência de uma lâmpada: consome 100 watts de energia, o correspondente a 2 100 quilocalorias por dia. Cerca de 20% dessa energia é utilizada pela musculatura esquelética, 5% pelo coração, 19% pelo cérebro, 10% pelos rins e 27% pelo fígado e pelo baço.
Dependendo do tipo de atividade que exerce, o organismo gasta mais ou menos energia, diz a nutricionista paulista Flora Spolidoro. Ela deve saber, pois criou a dieta mais adequada para o aventureiro Amyr Klink realizar suas proezas pelos oceanos. “O corpo de um atleta precisa de muito mais energia que o de uma recepcionista. Um operário de construção tem muito mais chance de ser magro que um executivo.”
Quando Klink atravessou o Atlântico a remo, a partir da África até a América do Sul, seu consumo de energia era grande durante as oito horas diárias que re-mava. Mas nas outras 16 horas, ele ficava muito mais parado que qualquer cidadão, pois tinha os movimentos limitados pelo pequeno barco, diz a nutricionista. “A dieta teve que ser balanceada de forma que o gasto energético fosse reposto sem excessos.” Flora conta que o essencial era a cota de calorias, e acabou fixada de acordo com o há-bito de Klink: 2 900 por dia, embora 4 000 fosse o número teórico. De resto, ele comeu de tudo, do macarrão ao bife grelhado e leite.