Os textos a seguir são dirigidos principalmente ao público em geral e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes de cada assunto abordado. Eles não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores às informações aqui encontradas.
Mens sana in corpore sano ("uma mente sã num corpo são") é uma famosa citação latina, derivada da Sátira X do poeta romanoJuvenal.
No contexto, a frase é parte da resposta do autor à questão sobre o que as pessoas deveriam desejar na vida (tradução livre):
Deve-se pedir em oração que a mente seja sã num corpo são.
Peça uma alma corajosa que careça do temor da morte,
que ponha a longevidade em último lugar entre as bênçãos da natureza,
que suporte qualquer tipo de labores,
desconheça a ira, nada cobice e creia mais
nos labores selvagens de Hércules do que
nas satisfações, nos banquetes e camas de plumas de um rei oriental.
Revelarei aquilo que podes dar a ti próprio;
Certamente, o único caminho de uma vida tranquila passa pela virtude.
orandum est ut sit mens sana in corpore sano.
fortem posce animum mortis terrore carentem,
qui spatium uitae extremum inter munera ponat
naturae, qui ferre queat quoscumque labores,
nesciat irasci, cupiat nihil et potiores
Herculis aerumnas credat saeuosque labores
et uenere et cenis et pluma Sardanapalli.
monstro quod ipse tibi possis dare; semita certe
tranquillae per uirtutem patet unica uitae.
(10.356-64)
A conotação satírica da frase, no sentido de que seria bom ter também uma mente sã num corpo são, é uma interpretação mais recente daquilo que Juvenal pretendeu exprimir. A intenção original do autor foi lembrar àqueles dentre os cidadãos romanos que faziam orações tolas que tudo que se deveria pedir numa oração era saúde física e espiritual. Com o tempo, a frase passou a ter uma gama de sentidos. Pode ser entendida como uma afirmação de que somente um corpo são pode produzir ou sustentar uma mente sã. Seu uso mais generalizado expressa o conceito de um equilíbrio saudável no modo de vida de uma pessoa.
Comer em família é um ritual que nos aproxima e nos ensina sobre convivência
Comer em família é um ritual que nos aproxima e nos ensina sobre convivência
Nesta partilha olho no olho, não deixamos a afetividade esfriar
Na comédia “A Cegonha Não Pode Esperar”, de John G.
Avildsen, a adolescente Darcy, vivida pela ruivinha Molly Ringwald, descobre
que está grávida aos 16. Ela acredita que, se comunicar a situação aos pais da
maneira mais corriqueira possível, pode evitar uma reação dramática, sem
grandes alardes. Assim, durante o jantar em família na noite de Ação de Graças,
Darcy enche-se de coragem e diz: “Estou grávida. Me passa os nabos?”.
Refeições em família têm mesmo um pouco disto:
combinam conversas triviais com assuntos importantes, intimidade com
estranhamento, risadas e discussões, macarronada com “você não sai daqui se não
comer os legumes”. Hoje, quando podemos bloquear, nas redes sociais,
publicações de pessoas com as quais não concordamos, os parentes acabam sendo a
única esfera na qual precisamos conviver com a diferença.
Pois é, quem diria – a família nuclear é o que nos
tira da bolha. Dizem que amigos são a família que a gente escolhe. Partindo do
mesmo raciocínio, pai, mãe, irmãos, tios seriam, então, amigos impostos que
precisamos aturar. E isso pode ser desconcertante e maravilhoso ao mesmo tempo.
Em algumas culturas, o ritual de comer com avós,
pais e primos reunidos é, veja só, ancestral. “Anterior à própria mesa”, afirma
a historiadora Mariana Corção. “No Ocidente, o hábito de fazer as refeições com
os seus à mesa se popularizou na cultura burguesa do século 19, que cultuava as
relações familiares e a vida privada”. Era o prenúncio dos comerciais manjados
de margarina que vemos na televisão, com uma família de classe média que acorda
alegre, magra e bem-vestida, para tomar o café da manhã em conjunto, diante de
uma mesa excepcionalmente farta. Por sua vez, a ideia da mesa como o lugar
adequado para a refeição teria se firmado ainda na Antiguidade. “Em Roma, era o
local em que ficava exposta a comida. Vem daí a expressão está na mesa”, conta
Mariana. Com o tempo, o móvel se cobriu de sacralidade. Expressões como “mesa
do rei”, “mesa dos despachos” e “mesa do tribunal” associam essa plataforma com
o lugar do conselho, da sentença e do exame decisório, como lembrou Luis da
Câmara Cascudo em A História da Alimentação no Brasil (Global).
Os simpósios dos gregos e romanos foram, então,
substituídos pelo ritual cristão da comunhão do pão em torno de uma mesa, como
revelam grande parte das representações da última ceia – antes, os homens
comiam debruçados, deitados em divãs. E passaram a se alimentar sentados. “A
oração abria e fechava o ritual”, acrescenta a historiadora.
De todo modo, o ritual familiar da alimentação
compartilhada se tornou um momento propício para a afetividade, um descanso da
vida exterior, em que se pode desfrutar daquele tempero caseiro e daquela
convivência já tão conhecidos.
Mais olho
no olho
Hoje, saímos da esfera privada e optamos por refeições práticas nos
restaurantes. “De certo modo, acabamos mantendo o foco na comida, que merece
até foto antes de ser consumida”, pondera Mariana. Essa obsessão pelos pratos e
pelas redes sociais destitui a refeição compartilhada do olho no olho, da
atenção ao outro, do prazer de sentar à mesa com gente querida. Faz do menu um
troféu social, um símbolo de status. Em casos extremos, esse novo jeito de
saborear pode favorecer distúrbios alimentares e uma seletividade exacerbada de
frutas, legumes ou carnes em um contexto privilegiado de abundância.
Na Grã-Bretanha, a agência de estudos de mercado
Mintel publicou uma pesquisa curiosa sobre o tema. Nos últimos cinco anos, a
venda de mesas de jantar caiu 8% entre os britânicos, ao passo que a de móveis
de escritório subiu 40%. Cerca de 25% da população não tem um móvel próprio que
possa fazer uso para jantar em casa. Entre os que têm, menos de um terço ainda
o utiliza em ocasiões especiais, como o Natal e o Ano Novo. Para os
pesquisadores, os divórcios e a falta de tempo da vida urbana seriam as
principais justificativas para o abandono desta peça tão simbólica do nosso
mobiliário doméstico.
Uma revista pediátrica americana publicou um estudo
com 4.746 jovens de 11 a 18 anos. Os que comiam em família com frequência se
mostravam menos propensos a fumar, beber e usar drogas. A pesquisa indicou
também uma menor incidência de depressão e de pensamentos suicidas entre as
crianças e adolescentes que comiam com os pais, além de melhores resultados na
escola.
Para o crítico e ativista culinário americano
Michael Pollan, autor de Cooked: A Natural History of Transformation (Cozido: A
História Natural da Transformação, em tradução livre), a refeição familiar é o
berço da democracia. É o momento em que a criança aprende a compartilhar, a
esperar a sua vez e a argumentar sem brigar.
Marido na cozinha
A funcionária pública aposentada
Maria de Fátima conta que sempre enxergou as refeições diárias como um bom
momento de confraternização. E a reunião à mesa nem precisava ocorrer apenas
durante o almoço ou o jantar. “Minha família era pequena, mas o público era
grande”, lembra. Os vizinhos e as amigas que faziam tricô com a mãe portuguesa
sempre apareciam para o café da tarde, ou mais especificamente para o bolinho
de chuva. Se chegavam para o almoço, bacalhau, arroz de Braga, bom apetite,
amém.
Quando formou a própria família nuclear, com marido
e duas filhas, ela manteve a tradição. Hoje, com o companheiro também
aposentado e uma das meninas ainda na cidade (a outra se mudou para Curitiba),
almoçam juntos. “A diferença, agora, é que o marido também vai para a cozinha”,
diz. Peixe, por exemplo, é sempre com ele.
Numa grande cidade como São Paulo, reunir toda a
família para o almoço ou para o jantar durante a semana é um luxo. A distância,
o trânsito e o horário muitas vezes tornam o encontro inviável. O diretor de
arte Edgar Petriccione volta para casa, todos os dias, para almoçar com a filha
pequena e a mulher. A menina tem 3 anos e meio e está aprendendo a comer
sozinha. Nem sempre se alimenta bem, o que deixa os pais um pouco estressados
no meio dia. Mas é assim mesmo.
Como é Edgar quem leva a garota para a escolinha à
tarde, ele se compromete a chegar mais cedo e desfrutar o almoço em casa. É uma
obrigação que ele criou para si mesmo, um jeito de a vida não passar na frente,
da rotina não esfriar os laços. “Meu pai sempre fez questão de uma refeição
tradicional em família. Quando era criança, eu não ligava, mas hoje vejo a
importância disso – deixa todo mundo
mais unido”, diz.
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