<span>
Ilustração: Tereza Bettinardi
Chegou o grande dia: a arquiteta Vitória Torres (nome fictício), 28
anos, já está prontinha para o procedimento que promete livrá-la dos
quilos extras. A postos, médico e assistentes conversam baixinho. Ela
sente o cheiro forte dos antissépticos e do anestésico. Tum-tum,
tum-tum, ecoam no ar os sons dos batimentos cardíacos, juntando-se ao
chiado do monitor de pressão. Pausadamente, uma voz vai explicando o
procedimento, passo a passo: "Você está sedada. Um balão de silicone,
murcho, começa agora a ser introduzido, pela boca, no seu estômago.
Pronto, já chegou lá. Agora, com a ajuda de um cateter, ele está sendo
preenchido com soro fisiológico. Ok, está cheio e ocupa quase metade do
seu estômago. A partir de hoje, a sensação de fome será menor porque há
menos espaço para a comida. Você vai comer menos, bem menos do que
antes. E ficará saciada. Assumirá o controle sobre a comida, resistindo à
segunda fatia do bolo. Emagrecerá e nunca mais terá de volta os quilos
perdidos."
A cena parece de verdade, mas não é. O que você acaba de ler é a
descrição de uma sessão de hipnose - uma simulação quase perfeita do
procedimento real. Nele, o médico introduz no aparelho digestivo do
paciente um balão intragástrico por endoscopia. Para isso, utiliza um
tubo, com um balão de silicone murcho e uma microcâmera na ponta, que
entra pela boca e viaja até o estômago.
O passo seguinte é encher o dispositivo com soro fisiológico para, assim, roubar um bom espaço da comida e frear o apetite.
Voltando à experiência de Vitória, ela conta: "Não cheguei a dormir.
Fiquei acordada, consciente, em estado de profundo relaxamento e sabendo
que estava sendo hipnotizada. Foi algo mais forte do que a imaginação
pura e simples. Praticamente, vi, ouvi e senti tudo o que estava sendo
sugerido naquele momento." Quem conduziu a sessão foi Vania Calazans,
psicóloga clínica e hipnoterapeuta cognitiva, de São Paulo, que há seis
anos usa a técnica de hipnose apoiada na terapia cognitiva
comportamental (TCC) para tratar obesidade, depressão, ansiedade e
fobias, entre outros problemas de fundo emocional. "A hipnose ajuda a
paciente a identificar crenças e pensamentos distorcidos que tem de si
própria para, então, gerar novos padrões de comportamento", explica a
terapeuta.
Resultado rápido
Vitória Torres, que mede 1,56 metro e hoje está com 57 quilos, perdeu
13 quilos em apenas três meses. "Quero chegar aos 52 e continuar fazendo
sessões de auto-hipnose para manter o peso", diz. Ela aprendeu a
técnica e passou a entrar em transe sozinha depois da quinta sessão no
consultório. O material de apoio consiste de CDs com a voz da psicóloga.
Ela diz frases que guiam a imaginação, reforçam os pensamentos
positivos e afastam os sentimentos negativos. Há também apostilas com
estratégias para evitar pensamentos que sabotam o plano de
emagrecimento, e exercícios de autoavaliação, que levam a pessoa a
observar se está ou não no controle de situações desafiadoras. Resistiu
ao pudim de leite e preferiu a salada de frutas? Ótimo sinal. Assim,
você vai se condicionando a adotar atitudes capazes de mudar hábitos
antigos e cristalizar os novos.
Essa mudança de pensamento, essencial para a perda de peso, não
acontece instantaneamente, como em um passe de mágica. Mas é um processo
rápido, que dura cerca de dez semanas - da consulta inicial à
"introdução" do balão. "As emoções têm tudo a ver com o ganho de peso",
explica Vania Calazans. "Numa escala de 0 a 10 para medir os sentimentos
relacionados ao descontrole alimentar, quem chega ao consultório
declarando-se incompetente para resistir à comida em geral situa-se
entre 8 e 10. Mas, conforme a pessoa vai repensando as razões que a
levaram a fazer uma avaliação negativa de si própria e da sua relação
com a comida, recua para 6." Em duas sessões, garante a hipnoterapeuta, a
ansiedade, que faz atacar o pote de sorvete, cai 70%. "Um resultado que
a psiquiatria pode levar dois ou mais anos para conseguir - e com ajuda
de muito ansiolítico", ressalta Vania.
Mudança de hábitos
A administradora Andréa Magalhães (nome fictício), 43 anos, está na
fase de preparação para a colocação do balão por hipnose. Com 1,62 metro
e 92 quilos, já perdeu 3 quilos desde que começou a terapia, há cerca
de um mês e meio. E mudou completamente seus hábitos. Ela era louca por
doces. Após poucas sessões, a compulsão passou. "Hoje, quando vejo um
bolo de chocolate com cobertura de brigadeiro, morro de vontade de comer
uma maçã", diz, divertindo-se. "Antes da terapia, só comprava banana e
abacate para alimentar os passarinhos e os macacos de uma área de
proteção ambiental pertinho da minha casa. Agora, não passo um dia sem
frutas variadas. Se eu colocar um doce na boca, parece que o açúcar
queima minha garganta. A sensação é horrível!"
De sedentária, Andréa passou a malhadora assídua. "Detestava atividade
física e agora virei rata de academia. Só não vou aos domingos porque
está fechada. Se perco o sono de madrugada, salto da cama e vou andar ou
pedalar", conta. Ela se lembra da sessão em que a psicóloga a estimulou
a rever seus pensamentos negativos em relação aos exercícios. "Ao
simular uma ginástica aeróbica, senti os batimentos cardíacos bem mais
acelerados e cheguei até a transpirar, como se tivesse corrido de
verdade."
Vitória e Andréa, que sempre tomaram remédios da classe das
anfetaminas, como anfepramona, femproporex e mazindol, ficaram livres
dessas substâncias químicas, com fortes efeitos colaterais e resultados
que deixavam a desejar - os quilos extras sempre acabavam voltando.
Médicos aprovam
O ginecologista Osmar Ribeiro Colás, que também é psicoterapeuta
cognitivo comportamental, coordena há 14 anos um grupo de estudos em
hipnose na Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp. Ele ressalta
que o método ainda não é considerado científico, pois seus resultados só
foram observados empiricamente, isto é, na prática, por meio de
experiências e vivências. "Do ponto de vista médico, não existem
evidências científicas para recomendar a técnica do balão a uma pessoa
obesa. No entanto, ela pode, sim, funcionar." Ele destaca três condições
para o sucesso: "O paciente tem de ser suscetível à hipnose, o
terapeuta precisa ser competente e a confiança nesse profissional deve
ser absoluta para que o transe hipnótico conduza à hipermnésia, que é a
lembrança nítida do passado e de cenas que possam ter relação com o
problema que a pessoa vive."
Colás destaca que a hipnose é uma ferramenta médica, reconhecida pelos
Conselhos Federais de Medicina e Psicologia. "Assim, pode ser usada por
médicos de qualquer especialidade e também por psicólogos." Há pessoas
que são facilmente tomadas pela hipnose, enquanto outras mostram-se
imunes a ela. "Isso é detectado logo na primeira sessão", explica Osmar
Colás. Artistas em geral, que têm o lado emocional e intuitivo mais à
flor da pele, costumam ser mais capazes de transformar a imaginação em
realidade do que os matemáticos, por exemplo, que são mais racionais.
Por que a hipnose funciona? Uma das hipóteses mais aceitas é a de que,
durante o transe, o sistema límbico, região do sistema nervoso
responsável pelas imagens e emoções, deixa de enviar informações para o
córtex, região do cérebro que cuida da consciência e do raciocínio.
Assim, nosso lado consciente fica sem reservas - e, por isso, totalmente
vulnerável às sugestões do hipnotizador. O cérebro passa a focar uma
coisa e se desliga do resto, como acontece quando você lê um livro,
assiste a um filme ou ouve uma música.
Transformada em show circense, a hipnose ganhou má fama e perdeu
credibilidade. Hoje, é reconhecida como um recurso terapêutico
importante por instituições de renome, como o Hospital A. C. Camargo,
especializado na luta contra o câncer, para aliviar os efeitos
colaterais da quimioterapia, e no Hospital das Clínicas, ambos em São
Paulo, no tratamento de dores crônicas. Vania Calazans calcula ter
implantado o balão imaginário em cerca de 200 pessoas. "Perdi o contato
com muitos desses pacientes, o que é comum depois que se atinge a meta
de emagrecimento." Mas comemora: "Entre os 80 que ainda mandam notícias,
nenhum voltou a engordar!".
Nenhum comentário:
Postar um comentário