Apr 23rd, 2015 by
rogeriocastilho
A plasticidade do cérebro e outras possibilidades por meio
da hipnose moderna trazem um novo caminho para o psicólogo e outros
profissionais da saúde, com resultados comprovados e eficazes
Por Alexandre Bortoletto
A hipnose é definida como um estado alterado de consciência ampliada,
em que o sujeito permanece acordado todo o tempo, experimentando
sensações, sentimentos, talvez tendo imagens, regressões, anestesia,
analgesias e outros fenômenos enquanto está nesse estado. Assim, poucas
palavras têm o poder de despertar reações tão hipnóticas quanto o
próprio termo hipnose. A prática moderna da hipnose se estende
atualmente por diversas áreas, como a Medicina, a Odontologia e a
Psicologia. Podemos afirmar que a sua utilização se encontra presente em
toda história da humanidade. Os acontecimentos chamados hipnóticos
fazem parte da vida dos seres humanos continuamente. Todos os dias e a
cada instante estamos embutidos nesse chamado “estado alterado de
consciência”.
Algumas pessoas a consideram um embuste ou algo que só serve para
fazer com que alguém tenha ações específicas: agir como animais ou
provar alimentos picantes. Há quem acredite que cura todos os tipos de
patologias e há aqueles que a acham tão perigosa que deveria ser
completamente abandonada.
Alguns acreditam que a hipnose cura todos os tipos de patologias e há
quem ache que só serve para fazer com que certas pessoas tenham ações
específicas, como provar alimentos picantes |
O Dr. Milton Erickson estudou profundamente a hipnose e seus
fenômenos durante toda sua vida, demonstrando-a como um fenômeno natural
da mente humana, bem como sua existência e efeitos no cotidiano. Uma
das suas contribuições para a Psicologia foi o conceito de utilização da
realidade individual do paciente, a terapia naturalista, as diferentes
formas de comunicação indireta, a técnica de confusão e de entremear.
Dessa forma, o legado do Dr. Erickson contribuiu para diversas escolas e
campos de conhecimento que tratam da relação entre cognição,
comportamento e atividade do sistema nervoso em condições normais ou
patológicas, como o caso da própria neuropsicologia, que tem caráter
multidisciplinar e apoio na Anatomia, Fisiologia, Neurologia,
Psicologia, Psiquiatria e Etologia, entre outras ciências. Assim, a
questão que fica: seria possível promover a reabilitação
neuropsicológica pelo princípio da plasticidade cerebral através das
ferramentas de hipnose?
A prática moderna da hipnose se estende atualmente por diversas áreas, como a Medicina, a Odontologia e a Psicologia
A melhor resposta pode ser descrita pelo próprio Milton Erickson, ele
mesmo acometido pela poliomielite e suas consequências que o
acompanharam durante a vida. Dr. Erickson, em muitos de seus artigos,
livros e seminários didáticos, relatava que usava o próprio transe
hipnótico como uma forma de manter um estado adequado, sem dor e,
consequentemente, viver melhor. Dessa forma, percebemos a auto-hipnose
como uma ferramenta importante nessa intervenção cerebral.
Nos programas de reabilitação com hipnose, é comum a utilização de
diferentes técnicas com cada tipo de paciente, como atendimento
individual e em grupo, e até orientação e replanejamento vocacional |
Pesquisas recentes
As pesquisas atuais estão avançando no sentido de aprofundar os
conhecimentos sobre os mecanismos de recuperação funcional, bem como
sobre os fatores relacionados às variações interindividuais. Novas
abordagens quanto aos dados empíricos permitem delinear uma nova visão
do sistema nervoso como um órgão dinâmico, constituindo uma unidade
funcional com o corpo e o ambiente.
Atualmente, quando se fala em reabilitação neuropsicológica, devemos
pensar que existem técnicas de reabilitação que podem atuar em níveis
diferentes, como o treino cognitivo que trabalha a restauração da
função, as estratégias compensatórias (internas ou externas), que atuam
no nível da atividade, e participação social, com o intuito de tornar o
indivíduo mais participativo. Além disso, é comum nos programas de
reabilitação a utilização de diferentes técnicas com cada tipo de
paciente, como atendimento individual e em grupo, psicoterapia para
ampliação da percepção e aceitação dos déficits, orientação e
replanejamento vocacional. O profissional em reabilitação tem de buscar
algo que vá ao encontro das necessidades de cada paciente e o contexto
biopsicossocial no qual está inserido.
Partindo do pressuposto de que existem diversas técnicas de
reabilitação, o interessante é realizar uma discussão sobre o uso da
hipnose enquanto ferramenta em reabilitação neuropsicológica,
especificamente atuando em neuroplasticidade.
A plasticidade cerebral pode ser definida como uma mudança adaptativa
na estrutura e função do sistema nervoso que ocorre em qualquer fase do
desenvolvimento, como funções de interação com o meio ambiente interno e
externo, ou ainda como resultante de lesões que afetam o ambiente
neuronal. Além disso, a plasticidade cerebral constitui-se de um
processo dinâmico, em que se relacionam as estruturas e suas funções,
proporcionando respostas adaptativas que são impulsionadas por desafios
do meio ou alguma lesão, se mantendo ativa, em diferentes graus, durante
toda a vida inclusive na velhice.
Os neurocientistas constataram que o grau de neuroplasticidade varia
conforme a idade do indivíduo. Como exemplo, durante o desenvolvimento
ontogenético, o sistema nervoso é mais plástico. Essa é a fase da vida
do indivíduo onde tudo se constrói e se molda de acordo com o genoma e
as influências do ambiente. Porém, mesmo durante o desenvolvimento,
existe uma fase de maior plasticidade denominada período crítico, na
qual o sistema nervoso é mais suscetível às transformações provocadas
pelo meio ambiente externo. Após o organismo ultrapassar essa fase e
atingir a maturidade, sua capacidade plástica diminui, se modifica, mas
não se extingue. Há várias formas de neuroplasticidade, como:
regeneração, plasticidade axônica, plasticidade sináptica, plasticidade
dendrítica e plasticidade somática.
Para pensar no poder elástico do cérebro e relacionar com a hipnose
moderna empregada pelo Dr. Milton Erickson é necessário verificar,
dentro da própria vida deste, uma similaridade curativa, onde essa
neuroplasticidade desempenhou um papel de reestruturação nele mesmo,
como descrito acima.
Nessa inter-relação sistêmica, entre corpo e ambiente, podemos
estabelecer uma percepção avançada ao ver que Dr. Erickson, por si
mesmo, desenvolveu um tipo especial de concentração mental para qualquer
movimento mínimo, refazendo mentalmente cada movimento repetidas vezes,
de forma a fazer uma nova ligação de aprendizado entre os fatores
pensantes da sua subjetividade e a reação física dos movimentos. A
comprovação dessa prática fora descrita nos artigos médicos acadêmicos
que ele havia escrito. Outras enfermidades também acompanharam a vida de
Erickson, como o daltonismo e a deficiência auditiva, podendo parecer
para qualquer pessoa como problemas ou grandes dificuldades para viver.
Mas Dr. Erickson descreveu e utilizou destas os seus próprios recursos
para desenvolver uma abordagem terapêutica que se tornou reconhecida
pela eficácia e elegância de aplicação, utilização e resultados
imediatos, além da reabilitação neuropsicológica autoapresentada.
Erickson estudou profundamente a hipnose e seus fenômenos durante toda sua vida, demonstrando-a como um fenômeno natural
Doutor Hipnose
A hipnose passou por grandes transformações, desde a sua popularização
por Jean-Martin Charcot e Sigmund Freud, no início do século XX.
Atualmente, a denominada hipnose moderna não atua mais numa relação de
poder entre médico e paciente. No final da década de 1950, o psiquiatra
norte-americano Milton Erickson desenvolveu um trabalho em que associava
a hipnose às psicoterapias de forma bastante diferente da utilizada até
então. Erickson analisava os sintomas e buscava desvendar a maneira com
que o paciente causava problema a si mesmo. Paraplégico devido à
poliomielite, foi muito bem-sucedido ao longo de sua carreira e
tornou-se conhecido como “Dr. Hipnose”. O psiquiatra fundou e presidiu a
American Society of Clinical Hypnosis e também a revista
American Journal of Clinical Hypnosis.
SABER MAIS
Metáforas: uma loja de presentes
Metáfora vem do grego metaphorá, que significa meta (“além”) mais phorein (“transportar
de um lugar para outro”). A metáfora é mais conhecida como uma figura
de linguagem através da qual descrevemos uma coisa em termos de outra,
como na famosa frase de Shakespeare em Romeu e Julieta:
“Julieta é o sol”. A metáfora está intensamente, embora imperceptível,
presente em tudo, desde a economia e a propaganda até a política e os
negócios, na ciência e na Psicologia, ou seja, vivemos em um mundo
repleto de símbolos e linguagem metafórica.
Uma parte interessante do poder transformador da metáfora é sua
presença nas fábulas, parábolas e histórias infantis de todo mundo.
Dessa forma, ao contar para as crianças uma metáfora, estamos criando,
através de suas próprias representações internas, uma semente de
mudança, onde os recursos admirados dos personagens e heróis, como
coragem, força, determinação, paciência, entre outros, podem favorecer
em muito o processo de a criança lidar com o medo, a timidez, a
frustração e a superação de obstáculos no desenvolvimento infantil.
Assim, podemos dizer que quando contamos uma metáfora para nossos filhos
e eles ficam focados e absorvidos pelo encanto da história, estamos
sendo ótimos hipnotistas.
As brincadeiras, os jogos, os desenhos e várias outras atividades
infantis e de adolescentes funcionam como metáforas que facilitam o
processo de mudança e aprendizagem. Uma verdadeira loja de presentes
para o inconsciente e o processo hipnótico. |
O grau de neuroplasticidade varia conforme a idade do indivíduo. Durante
o desenvolvimento ontogenético, por exemplo, o sistema nervoso é mais
plástico e mais suscetível às transformações do meio ambiente externo
Presente de grego?
A hipnose ericksoniana pode ser vista como um “cavalo de troia”, em que é
ofertado um presente disfarçado ao sujeito, no qual este, nessa
condição, recebe e se faz elaborar internamente questões e ensaios, como
uma espécie de trabalho que nasce de dentro, recuperando neurônios ao
gerar a plasticidade cerebral necessária para a reabilitação funcional.
Através da própria sugestão (auto-hipnose) ou ao induzir pacientes pelo
instrumento da hipnose, podemos criar novas representações subjetivas,
novas ressignificações e novas conexões; dessa forma, manter um ambiente
interno capaz de promover mudanças ou simplesmente ajudar o sujeito a
encontrar recursos internos para auxílio na reabilitação
neuropsicológica.
Uma das formas de aplicação da hipnose elaborada pelo Dr. Erickson
está na maestria da utilização da linguagem analógica, por comparação,
em que as metáforas, alegorias e anedotas faziam um papel desse “cavalo
de troia” mencionado anteriormente, um disfarce linguístico na condução
do transe hipnótico.
Ao observar a forma de trabalho hipnótico do Dr. Erickson, pode-se
perceber a clara intenção de ofertar presentes linguísticos ao
inconsciente do sujeito hipnotizado. Quando Erickson contava a um
paciente sobre o caso de outro paciente, na verdade sua intenção
esperada seria que o próprio paciente fizesse a relação com sua história
de vida. Se o relato tivesse uma solução ou alternativa para um
problema que estava sendo trabalhado, o paciente encontraria relações
com esse fato, se comparando ao mesmo e encontrando na sua própria
história recursos internos para enfrentamento da situação problema.
Para ilustrar tal metodologia, podemos citar Rosen (1982), em que o
Dr. Erickson utilizava uma passagem de sua própria história, quando
criança, com a intenção de estabelecer vínculo com o paciente e permitir
que o mesmo falasse de seu problema, com confiança e assertividade
necessárias. “É… você sabe, bom… vou iniciar nossa sessão contando um
trecho interessante da minha vida… foi assim: …muita gente estava
preocupada comigo porque eu já tinha quatro anos de idade e ainda não
falava e uma irmãzinha minha, dois anos mais nova, já falava, e continua
falando, mas até agora não disse quase nada. E… muitos ficavam aflitos
porque eu era um menino de quatro anos que não podia falar… Minha mãe
dizia confiante: ‘vai falar quando chegar a hora’” (ROSEN, 1982, p. 67).
Novas abordagens quanto aos dados empíricos permitem delinear uma nova visão do sistema nervoso como um órgão dinâmico
Dessa forma, o paciente poderia elaborar o melhor momento para falar
com confiança. Como Rosen (1982) menciona, nesse exemplo se destaca a
convicção do Dr. Erickson de que se pode confiar que a mente
inconsciente terá as respostas certas no momento oportuno. E, se essa
história fosse contada a um paciente que começa a experimentar o transe
hipnótico, poderia tranquilizá-lo no sentido de que pode aguardar, sem
preocupações, até que apareça o impulso para falar algo relevante, ou
até que possa revelar, de uma maneira não verbal, as suas mensagens
inconscientes.
Ao pensar dessa forma, poderíamos trazer a seguinte questão: “O que
aconteceria se fosse dada uma relação metafórica para um paciente em
reabilitação neuropsicológica de que outra pessoa conseguiu resultados
importantes com determinado pensamento ou atividade?”. Se a metodologia e
ferramentas aplicadas pelo Dr. Erickson estiverem certas, a
reabilitação neuropsicológica estaria sendo auxiliada pela linguagem e
comunicação do psicoterapeuta, favorecendo assim a neuroplasticidade e
provável recuperação de um paciente.
Ao tratarmos de conhecimento científico, é necessário enfatizarmos
que este pode criar paradigmas, conceitos e visões referentes ao mundo, à
maneira como encaramos a nós mesmos, nosso cérebro e as relações
externas que nos cercam. A ciência cria modelos teóricos com suas visões
sobre como operamos no mundo, desenvolvemos nossa personalidade,
construímos nossa subjetividade e o modo como nosso cérebro se
desenvolve e se adapta. Tais modelos teóricos estão em constantes
mudanças e recriações.
É justamente nesse ponto que se concebe que o legado de Erickson
consiste prioritariamente em um presente de grego, na medida em que
convida seus interlocutores às transformações profundas não apenas em
suas formas de abordagem terapêutica, mas também a uma revisão crítica
de todos os momentos e situações onde o conhecimento se constrói.
O profissional em reabilitação tem de buscar algo que vá ao encontro das necessidades de cada paciente
Através da própria sugestão (auto-hipnose) ou ao induzir pacientes pelo
instrumento da hipnose, podemos criar novas representações subjetivas,
novas ressignificações e novas conexões |
Papel do terapeuta
Em Psicologia, podemos levar esse conhecimento a novos caminhos, indo
além de simples acolhimentos a pacientes com lesões funcionais, mas
podendo influenciar positivamente na reconstrução e reabilitação do
sujeito atendido.
O papel do psicólogo como profissional deve carregar um arquétipo de
curador, em que sua figura traz conforto, aceitação e, principalmente, a
esperança de recuperação. Neste momento, fica a importância de esse
profissional perceber que o ser humano é constituído pelo princípio do
biológico, psicológico e social. Naturalmente, através da constante
pesquisa e desenvolvimento de novas técnicas, nós, os psicólogos,
podemos agregar mais e ajudar outros profissionais da área médica na
recuperação de pacientes com lesões neuropsicológicas.
Hipnose: uma história
Ao longo da história, pode-se perceber três momentos distintos no
desenvolvimento da hipnose. Primeiramente, a hipnose foi a forma mais
antiga de cura utilizada pelos sacerdotes. Não era usada nos termos
formais, mas utilizavam-se processos e procedimentos hipnóticos, como os
rituais para a cura de dores e doenças. Já em seu segundo momento,
Franz Anton Mesmer (1734- 1815), médico austríaco do século XVIII,
interessado no magnetismo animal que seria responsável pela cura de
dores e doenças e na influência dos corpos celestes, iniciou os seus
estudos. O terceiro momento é conhecido como hipnose moderna,
desenvolvida por Milton Erickson (1901-1980), psiquiatra americano que
expandiu e reformulou a forma de se compreender a hipnose, suas
utilizações e a maneira de trabalhar seus fenômenos. |
Quando consideramos a hipnose como instrumento ou simplesmente como
uma forma de comunicação, abre-se a escolha para todas as linhas
terapêuticas, seja comportamental, humanista, psicanalista ou cognitiva.
Partimos do pressuposto de que, para atuar, o psicólogo precisa se
comunicar e comunicação é redundância, sempre estamos comunicando algo. A
hipnose moderna, termo considerado após Erickson, é uma forma de
comunicação elegante, às vezes formalmente, com os olhos fechados em
profundo estado alterado de consciência ou simplesmente de forma
coloquial, como uma conversa, ao contar uma história ou relatar um fato,
pode trazer dentro desse conto uma semente de mudança em reabilitação. O
poder elástico do cérebro, sua plasticidade e outras possibilidades
através da hipnose moderna trazem um novo caminho para o psicólogo e
outros profissionais da saúde, com resultados comprovados e eficazes.
Ignorar esse conhecimento pode significar ignorar as próprias condições
do ser humano e do profissional psicólogo, onde a curiosidade por novas
descobertas trará novos resultados no futuro.
As metáforas, alegorias e anedotas têm um papel importante e servem como
um disfarce linguístico na condução do transe hipnótico, permitindo o
estabelecimento de um vínculo com o paciente |
REFERÊNCIAS
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HAASE, V. G., LACERDA, S. S. Neuroplasticidade, variação interindividual e recuperação funcional em Neuropsicologia – temas em Psicologia da SBP,Belo Horizonte, v. 12, no 1, 28-42, 2004.
MELLO, C. B., MIRANDA, M.C. MUSKAT, M. Neuropsicologia do desenvolvimento – conceitos e abordagens. São Paulo: Editora Memnon, 2005.
NEUBERN, M. S. Milton H. Erickson e o cavalo de troia: a terapia não convencional no cenário da crise dos paradigmas em Psicologia Clínica. Porto Alegre: Psicol. Reflex. Crit., v. 15, no 2, 2002.
ROSEN, S. Minha voz irá contigo, 2ª ed., Campinas, SP: Editora Psy, 1982.
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