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As pesquisas anteriores mostravam que esse defeito estava presente em um único gene, então Friedman entrou em cena em meados da década de 1980, quando decidiu encontrar esse gene, em um trabalho que foi concluído em 1994 após a descoberta do gene do hormônio leptina, que funciona do jeito que foi previsto por Coleman.
Os dois cientistas receberam o Prêmio da Fundação BBVA Fronteiras do Conhecimento na categoria de Biomedicina por “revelar a existência dos genes responsáveis pela regulação do apetite e do peso corporal, um descobrimento fundamental para o entendimento de patologias como a obesidade” e que segundo Friedman, “permitirá o desenvolvimento de novos tratamentos”.
“A leptina foi desenhada para controlar o peso corporal, circula pelo sangue e age sobre as conexões cerebrais que regulam o apetite”, detalhou Friedman, catedrático da Universidade de Rockefeller em Nova York e diretor do laboratório de Genética Molecular dessa mesma entidade.
NOSSOS QUILOS E A EVOLUÇÃO HUMANA.
Segundo o médico “o sistema funciona de forma que quanto mais gordura corporal houver, mais leptina é produzida e isso diminui o apetite. Seu objetivo é que um indivíduo muito gordo acabe comendo menos, para que não continue engordando. O inverso acontece quando há pouca gordura corporal, falta leptina e o apetite aumenta”.
A razão desse mecanismo do corpo é evolutiva e crucial para a sobrevivência da nossa espécie, segundo Friedman, já que “seria muito perigoso não termos gordura, pois poderíamos morrer de inanição, mas também é perigoso ser muito gordo, porque ficaríamos a mercê dos predadores. Assim, o sistema busca a manutenção de um nível equilibrado de gordura”.
“A gente acreditava que comer muito pouco era uma questão de falta de vontade, mas agora sabemos que o peso corporal, nos humanos e em outros animais, é regulado pelas células do cérebro que recebem sinais como o da leptina, que regulam o apetite de forma inconsciente”, disse Friedman, para quem isso significa em última instância que a obesidade “está no cérebro”.
“Além das alterações na leptina e em seu receptor, mais de 10% dos indivíduos com obesidade mórbida têm defeitos nos genes já identificados que regulam a ingestão, o peso corporal e o metabolismo e todos eles funcionam no cérebro. Pelo que sabemos, a razão principal para a obesidade é uma alteração na química do cérebro”, disse o cientista, como introdução para sua entrevista com a Efe.
Pergunta.- Se engordamos por uma alteração química do cérebro, o que pode ser feito para fazer frente a essa alteração?.
Resposta.- O peso corporal e o apetite são regulados por um circuito composto por células nervosas em muitas áreas do cérebro e já se conhece a identidade de várias destas células essenciais para a regulação do apetite.
A princípio, uma compreensão mais completa da natureza das conexões cerebrais que controlam o apetite poderia levar a novos tratamentos.
P.- Quais são essas conexões cerebrais do apetite?
R.- No cérebro, algumas conexões neuronais aumentam o apetite (são chamadas orexígenas) e outras diminuem o apetite (são chamadas anorexígenas). Dentro de um tempo, poderá ser possível tratar a obesidade através da inibição das conexões orexígenas e a ativação das conexões anorexígenas, através do uso de medicamentos.
ÚLTIMAS NOVIDADES SOBRE A LEPTINA
P.- Quais foram os principais avanços nas pesquisas e no conhecimento da leptina desde que ela foi descoberta?
R.- Um avanço chave é a delineação do circuito neuronal que responde à leptina para regular o apetite e a demonstração de que os defeitos nos componentes desse circuito neuronal, inclusive a leptina e seu receptor, causam a obesidade humana.
Outro avanço importante é a constatação de que a leptina tem fortes efeitos antidiabéticos, o que levou ao seu uso para o tratamento de uma forma menos comum da diabetes conhecida como lipodistrofia, com a esperança de que seu uso pode ampliar as formas de tratamento de outras diabetes.
Mais um progresso foi a descoberta de que existem várias doenças associadas coma deficiência da leptina, das quais podem ser tratadas com eficácia com esse hormônio. Isso inclui a lipodistrofia, assim como a amenorreia hipotalâmica, uma causa para a infertilidade nas mulheres, entre outras moléstias.
P.- Além do gene da leptina, quantos outros genes podem estar relacionados com a obesidade?
R.- Até o momento, são conhecidas mutações em aproximadamente oito genes que causam a obesidade humana, mas espero que este número cresça com o uso de novas tecnologias, como o sequenciamento completo do genoma do DNA. Além disso, as diferenças genéticas em um grande número de outros genes também pode ter um efeito menor sobre o peso corporal. Espero que uma maior compreensão do mecanismo de ação desses genes ajude a explicar a patogênese da obesidade e levar a novos tratamentos.
P.- Em que proporções a obesidade é resultado de fatores genéticos e de fatores relacionados com o estilo de vida, como a dieta e as atividades físicas?
R.- Os dados disponíveis e os estudos com gêmeos idênticos, com famílias e com crianças adotadas, mostram que os fatores genéticos são a principal contribuição para a obesidade. Uma dieta saudável para o coração e exercícios físicos são hábitos muito importantes para uma boa saúde e devem ser incentivados para os pacientes obesos (e todos os outros), mas essas medidas não são geralmente eficazes para conseguir uma perda de peso significativa no longo prazo.
A genética tem um grande impacto nas diferenças na ingestão de alimentos, no metabolismo e no peso corporal.
P.- A obesidade é tratada com dieta, exercício físico, medicamentos e psicoterapia. Por que essas estratégias nem sempre funcionam?
R.- O peso corporal é regulado por um sistema biológico inconsciente, que atua na manutenção do peso dentro de uma faixa relativamente estreita em cada pessoa. Assim, quando alguém perde peso, são ativados esses potentes mecanismos biológicos que buscam reverter a perda de peso (ou o aumento de peso, em outros casos).
AS MÚLTIPLAS FACETAS DO PESO CORPORAL
P.- Como poderá se diagnosticar e tratar a obesidade uma vez que conheçamos todos os genes relacionados com o excesso de peso e o papel desempenhado por cada um deles?
R.- É provável que a obesidade seja heterogênea e que com o tempo possa ser subdividida em diferentes grupos em função dos mecanismos genéticos e/ou biológicos responsáveis. Também é provável que os tratamentos sejam diferentes dependendo de qual seja a razão para a obesidade em cada paciente.
P.- Que aplicações clínicas você acredita que terá a leptina?
R.- Já está aprovada para o tratamento da lipodistrofia - uma forma de diabetes - no Japão e sua aprovação está pendente nos EUA. Também espero que a leptina possa ser utilizada para tratar essa doença na Europa no futuro.
Com o tempo poderá ser utilizada para outros transtornos, e também como parte de uma combinação de diversos agentes no tratamento da obesidade. Já foi demonstrado em humanos que a combinação entre a leptina e a pramlintida, outro peptídeo, provoca maior perda de peso que qualquer um desses agentes sozinho.
P.- Você disse que o objetivo não deveria ser “que todas as pessoas obesas perdessem peso”, mas que “melhorem a saúde da gente”. Você poderia explicar esse raciocínio?
R.- A obesidade aumenta o risco de vários problemas de saúde como a diabetes, as doenças do coração, a hipertensão e algumas formas de câncer. Uma pequena perda de peso, de 5% do peso corporal, é suficiente para reduzir a severidade dessas condições e, no geral, não é necessário que as pessoas obesas percam mais que isso, com o fim de melhorar sua saúde.
P.- O que acontece se a pessoa tentar emagrecer em maior proporção?
R.- Quanto maior for a quantidade de peso perdido, maior será a dificuldade de manter a perda de peso. Acredito que é muito melhor que as pessoas se concentrem em objetivos realistas que melhorem sua saúde, ao invés de estabelecer objetivos pouco realistas, que com o passar do tempo faz com que a pessoa volte para o seu peso original. Outra questão em aberto é que se os pacientes obesos que não têm diabetes, doenças cardiovasculares e hipertensão, e que estão saudáveis, devem ser encorajados a perder peso sistematicamente. Em minha opinião, eles devem ser incentivados a fazer exercício e a seguir uma dieta saudável, mas não existem evidências de que nesses casos a pessoa deva ser recomendada a perder peso.
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