Base da nutrição de milhões de brasileiros, ela tem carboidratos e
sódio demais. Faltam-lhe, grãos integrais e frutas. Além de sustentar,
poderia informar e estimular variações alimentares
A caixa de papelão cheia de produtos que muitos trabalhadores do país
recebem para complementar o salário é crucial para a alimentação de
famílias que fazem dela a base das refeições ao longo do mês. Será que
essas cestas, chamadas “básicas”, contêm o que é essencial para uma
alimentação saudável? Página 22 ouviu especialistas em nutrição
para avaliá-las. A conclusão é que estão longe de ser a referência para
uma alimentação balanceada.
Faltam alimentos frescos, como frutas e legumes, e mais fontes de
vitaminas e fibras. Enquanto isso, sobram açúcar, sódio e carboidratos.
“Uma pessoa pode até sofrer de carência de vitaminas se sua alimentação
for muito baseada na cesta”, alerta a nutricionista Valdirene Francisca
Neves dos Santos, doutora de Ciências da Saúde pela Unifesp e professora
titular de Nutrição e Enfermagem na Unip.
O fato de ser composta por alimentos não perecíveis é um gargalo à
inclusão de vegetais, que estragariam rapidamente sem conservação
adequada. Cenouras, ervilhas e milho enlatados seriam até uma opção, mas
contêm muito sódio e aditivos químicos. As frutas secas também podem
ser adicionadas, mas em desvantagem, visto que muitas são enriquecidas
em açúcar e possuem mais calorias por porção do que as versões frescas.
Para suprir a carência de alimentos frescos, o vale-alimentação para
ser usado no supermercado é uma boa saída que as empresas podem adotar. A
nutricionista Lara Natacci, sócia-diretora da Dietnet Assessoria
Nutricional, ressalta que a medida deve vir junto a ações de educação
alimentar para induzir a bons hábitos. “Quem recebe a cesta básica tende
a aproveitar todos os ingredientes, principalmente no caso de pessoas
de pouca renda”, diz Lara.
Como tudo o que vem na caixa vai parar na mesa, é ainda mais
relevante que as opções sejam balanceadas. Lara sugere que, junto aos
produtos, as cestas tragam panfletos com informações simples e dicas de
uma boa alimentação. Receitas para preparar os alimentos seriam
bem-vindas. “Não basta dar o alimento. É preciso ensinar a comer
também.”
Arroz, macarrão, farinhas e biscoitos são fontes
de carboidratos, uma energia de rápida absorção e uso pelo organismo.
São essenciais para o funcionamento do corpo e vão bem para quem faz
trabalhos que exigem força física mas, ainda assim, não contêm todos os
nutrientes de que o corpo precisa para exercer suas funções vitais.
Junto com os carboidratos, é preciso consumir os alimentos
“reguladores”, fontes de vitaminas e sais minerais.
Todos os alimentos da cesta são processados. Como os fabricantes, em
geral, usam o sódio como um conservante de baixo custo, nossa comida já
vem carregada com esse elemento. Somando isso ao saquinho de sal
refinado, chegamos a um excesso de sódio.
O quilo oferecido é mais que suficiente para o consumo de uma família
ao longo do mês e pode estimular o uso exagerado do tempero. “Em um
país que busca diminuir a quantidade de sódio que a população consome,
por conta dos riscos que traz à saúde, oferecer 1 quilo de sal por cesta
básica é algo que deveria ser revisto”, alerta Valdirene.
A dupla mais querida da cozinha brasileira chega em abundância nas
cestas básicas. Os especialistas comemoram: são alimentos que, juntos,
fornecem fibras, vitaminas do complexo B, ferro, potássio e zinco. E
resolvem parte da falta de proteínas do conjunto de alimentos. O arroz é
rico em amido, que favorece a absorção das proteínas vegetais contidas
no feijão. Três colheres de arroz para uma de feijão possui a quantidade
essencial de aminoácidos que precisamos diariamente. O feijão é o
campeão em fibras da cesta. Mas, para variar a dieta da população e a
oferta de grãos, às vezes sua substituição por lentilha ou soja cairia
bem.
Os peixes enlatados são a alternativa de proteína animal que a cesta
oferece. A sardinha e o atum constituem boas fontes de ômega-3, que
ajuda na prevenção de diversas doenças, sobretudo nas cardiovasculares.
Porém, geralmente há apenas uma latinha nas cestas. “É insuficiente para
a alimentação de uma família durante um mês”, ressalta Valdirene. Outro
problema é que, como todo enlatado, vem carregada de sódio e aditivos
químicos.
Apesar da presença significativa de gordura e açúcar, os biscoitos
não são um grande problema da cesta porque cumprem a tarefa de fonte de
carboidratos. A questão é como esses biscoitos são consumidos. “Se o
pacote de 200 gramas é ingerido aos poucos e de forma dividida entre os
membros da família toda ao longo do mês, não há impacto tão grande na
saúde”, diz Valdirene. Isso também acontece com a maionese e o creme de
leite. É só uma questão de moderação.
Ao passar pelo processo de refino, tanto o arroz quanto as farinhas
perdem nutrientes que estavam na casquinha que envolvia o grão. Por
isso, as versões integrais são mais ricas e dão maior sensação de
saciedade ao serem ingeridas. Como a maioria dos brasileiros não está
habituada a esse tipo diferenciado de alimento, as cestas poderiam
conter um saquinho de integrais e outro de refinados. Inseri-los aos
poucos é uma forma de a população aderir a novos hábitos sem ser
“forçada”, diz Valdirene. “Não é porque as pessoas não gostam de um tipo
de alimento que não se deve oferecê-lo. A cesta pode ter uma função
educativa.”
Alimentos integrais, frutas secas e oleaginosas são saudáveis e
saborosos, porém caros para os padrões das cestas básicas. A
nutricionista Lara sugere que, para que entrem na cesta, saiam dela o
que há de menos primordial, como biscoitos, misturas para bolos e
achocolatados.
Há alguma variedade entre as cestas de diferentes estados do País que
têm itens regionais e que permite a entrada de alimentos saudáveis e
mais baratos por serem locais. No Norte, por exemplo, é possível
encontrar a castanha-do-pará, rica em selênio, mineral que combate o
envelhecimento celular.
http://outraspalavras.net/outrasmidias/destaque-outras-midias/raio-x-da-cesta-basica-revela-pobreza-alimentar/
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