Um
novo estudo sugere que a gordura cria dependência como cocaína e
heroína. O guru da alimentação saudável dá 20 lições para evitar ser
refém do lixo alimentar
Francine Lima (texto) e Sattu (ilustrações)
O
trabalho de Pollan fornece um dos alicerces do movimento global pela
revalorização da comida natural. Ele se propõe a responder a uma questão
pertinente à alimentação em qualquer país industrializado: abandonar os
modos antigos à mesa e ceder às novidades do mundo moderno faz bem ou
faz mal à saúde? Ele já tinha vendido até a semana passada mais de 700
mil exemplares nos EUA. O livro, que não tem data para sair no Brasil,
se organiza em torno de 64 frases que qualquer adolescente instruído é
capaz de entender (20 delas estão reproduzidas no fim da página).
Nos textos curtos que acompanham cada regra, Pollan faz parecer que
ninguém precisa acompanhar o noticiário científico nem ouvir
nutricionistas para fazer escolhas alimentares certas. Para ele, comer
bem é mais simples do que a brigada policial da nutrição ou a indústria
querem que a gente pense. Basta se guiar pelas tradições, confiar na
cultura alimentar passada de mãe para filho e abandonar tudo o que
cheire a ciência moderna como principal referência quando se trata de
comida. “Ao longo de quase toda a história da humanidade, os homens
acharam a resposta sobre o que comer sem a ajuda de especialistas”, diz
Pollan.
Em seu livro anterior, Em defesa da comida,
Pollan defendia uma tese parecida. Para ele, a divulgação fragmentada
das descobertas da ciência sobre o papel dos nutrientes na saúde humana
confunde mais do que ajuda. Ele chama isso de “nutricionismo”.
A
indústria, afirma Pollan, aproveita as descobertas científicas da semana
e lança no mercado alimentos com substâncias pretensamente mágicas.
Esse posto já foi da gordura ômega 3, presente naturalmente em peixes
como salmão e adicionada artificialmente em algumas marcas de óleo de
cozinha.
O argumento científico subjacente é que, segundo algumas
pesquisas, o consumo do ômega 3 está associado à redução de doenças
cardiovasculares. Mas a indústria não diz, segundo Pollan, que a
substância não faz milagres sozinha, sobretudo quando integrada a uma
dieta desbalanceada. “Quem se preocupa com a saúde provavelmente deveria
evitar produtos que fazem alegações quanto a benefícios para a saúde”,
diz Pollan.
Iniciada no exterior, a pregação pela
alimentação tradicional e natural já chegou ao Brasil. A paulistana Ceni
Salles é uma das primeiras brasileiras a investir nela. Em sua
infância, numa chácara em Suzano, na região rural do Estado, conviveu
com 1.200 espécies de vegetais. Nos anos 80, criou um restaurante
natural, Cheiro Verde, e depois uma loja de alimentos orgânicos, o
Empório Siriuba. Nos últimos anos, diante da demanda, especializou-se em
prestar consultoria para restaurantes e hotéis, montando cardápios.
Hoje, é uma das líderes do movimento Slow Food no Brasil. “Adoro os
livros do Pollan”, diz ela.
Há duas semanas, o encontro
Terra Madre reuniu em Brasília 700 produtores, chefs famosos e
pesquisadores da área de alimentos. Eles pregam a convivência entre
produtores e consumidores. “Somos todos coprodutores”, diz Ceni. “Nossas
escolhas como consumidores orientam o mercado produtor.” Diversas
organizações estão se mobilizando para promover o consumo consciente de
alimentos. Numa pesquisa do Datafolha divulgada no mês passado, 75% dos
pais de crianças entre 3 e 11 anos afirmaram estar preocupados com a
qualidade da alimentação dos filhos e com a enorme oferta de guloseimas
industrializadas.
Embora tenha seus méritos, a tese
anti-industrial de Pollan resvala no radicalismo. Não existe, na vida
real, uma divisão absoluta entre o tradicional e o inovador ou entre o
natural e o industrializado. A indústria de alimentos não é homogênea.
Cada empresa trabalha de acordo com valores diferentes. Não é difícil
encontrar, no mesmo supermercado, exemplos de alimentos bons e ruins
para a saúde. Ao contrário do que reza o radicalismo de Pollan, produtos
inovadores inimagináveis no tempo de nossas avós não são
necessariamente nocivos. Tampouco o contrário é verdadeiro. Feijoada
completa e leitão à pururuca, embora tradicionais e deliciosos, não são
os pratos mais saudáveis em qualquer cardápio.
A
industrialização dos alimentos contribuiu para melhorar a saúde. O
médico nutrólogo Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira
de Nutrologia, afirma que a industrialização aumentou a expectativa de
vida no mundo ocidental. Em 1900, a longevidade média no Brasil era de
44 anos.
Hoje, é de 72, com o aumento da obesidade. Antes da
industrialização, todos os alimentos estavam à mercê do tempo e
apodreciam mais rapidamente. Nem todos sabiam o momento certo de jogar a
comida fora. “A insegurança alimentar predominava”, diz Ribas. No
contexto em que se misturam boas e más inovações, a contribuição de
Pollan é nos alertar para a necessidade de escolher com cuidado aquilo
que comemos.
A melhor maneira de comer, aquela que permite evitar a
obesidade e preservar a saúde, é escolher o que há de melhor entre as
várias opções. Da comida feita no fogão a lenha à prateleira do
supermercado, hoje há mais chances de escolher alimentos de qualidade.
Ninguém precisa consumir a gordura que provoca obesidade e dependência
química em ratos.
A informação sobre a indústria de produção e
distribuição de comida é a melhor forma que temos para exercer de
maneira saudável nosso direito de escolha e nosso livre-arbítrio. Ela
ainda é nossa melhor arma contra qualquer vício.
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