Comportamento
| N° Edição: 2354
| 09.Jan.15 - 20:00
| Atualizado em 17.Mai.15 - 18:17
Um regime poderoso
Como o método de emagrecimento do
médico argentino Máximo Ravenna conquistou presidente, ministros e
parlamentares em Brasília e se tornou a nova moda entre as dietas
Josie Jeronimo e Camila Brandalise
O poder está de dieta e isso não é uma
metáfora para o cenário de arrocho financeiro do País. A austeridade
está no cardápio e os resultados já podem ser verificados em muitas
silhuetas, inclusive na da presidente Dilma Rousseff. De vestido claro,
Dilma desfilou na cerimônia de posse, no dia 10 de janeiro, ostentando
seis quilos a menos. A proeza foi alcançada em dez dias e, o feito,
creditado à dieta Ravenna, método de emagrecimento que alia o corte de
farinhas e açúcares a sessões de acompanhamento terapêutico para mudar a
relação do paciente com a comida. Dilma foi apresentada ao trabalho do
médico argentino Máximo Ravenna (leia entrevista na pág. 46) pela
ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres, Eleonora Menicucci.
Quando a amiga apareceu 17 quilos mais magra, a presidente resolveu
aderir ao método e logo o indicou para a nova titular da Agricultura,
Kátia Abreu. Antes de trazer Dilma para as fileiras de Ravenna, Eleonora
já havia passado a corrente para Miriam Belchior, ex-titular do
Ministério do Planejamento. E as conversas nas reuniões ministeriais
fizeram o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, entrar para o
clube, até então exclusivamente feminino no Planalto.
A presidente fez adaptações para conseguir
seguir o método do especialista argentino: ela não poderia frequentar o
centro terapêutico nem participar das reuniões de acompanhamento, como
fazem os outros pacientes. No seu lugar, então, mandou a chef de cozinha
da Presidência para a clínica. Andrea Munhoz conheceu o cardápio
Ravenna e o adaptou para Dilma. O consultório, geralmente, oferece
pratos prontos congelados para pacientes que queiram levar a comida
balanceada em porções de 300 calorias para casa. A presidente não
comprou as refeições da clínica, mas sua chef reproduziu o modelo e
elaborou as frações. Antes da refeição, a presidente toma um caldo de
legumes ralo, bem quente. Aquecer as papilas gustativas é uma técnica
que o médico usa para dar ao paciente à sensação de saciedade antes de
consumir o prato principal. A dieta de Dilma revolucionou as compras do
governo. As despensas das copas do Palácio do Planalto foram
abastecidas, nas últimas semanas de dezembro, com gelatinas diet, barras
de cereal sem glúten, água de coco, chá-verde e castanhas. Esses
produtos são os lanchinhos intermediários que a presidente come entre as
quatro refeições. A chef de Dilma tem de usar a criatividade para
inventar pratos, pois o método do argentino proíbe alimentos à base de
farinhas refinadas e controla as carnes, permitindo apenas proteínas com
pouco teor de gordura. Convidada pela equipe do consultório de Brasília
a aderir à dieta junto com a chefe do Executivo, Andrea Munhoz preferiu
manter o próprio cardápio.
A inserção de um novo método na rotina
presidencial tirou as funções da nutricionista oficial da Presidência. A
alimentação do chefe de Estado sempre foi uma responsabilidade de
funcionários das Forças Armadas. A nutricionista oficial do Palácio da
Alvorada é a capitã de fragata Luisa da Costa. Geralmente, os
profissionais são orientados a oferecer pratos de até 1.800 calorias
para os presidentes e familiares. Na dieta Ravenna, Dilma é submetida a
900 calorias diárias. Por enquanto, a petista anda empolgada com os
resultados. Mas ela não está seguindo um princípio básico do método, que
é o acompanhamento terapêutico. O tratamento é conhecido por ajudar o
paciente a manter o peso, não só a perder os excessos. Apesar da
propaganda positiva que a clínica teve com a redução das medidas da
presidente do País, sócios temem que, se ela não se dedicar ao
tratamento integral e voltar a engordar, o marketing possa ter efeito
contrário.
A febre Ravenna tem dado trabalho para
outras equipes de copa da Esplanada. Ministros que costumavam sair para
almoçar agora têm como hábito pedir a refeição no gabinete para não
fugir da dieta. Entre eles está José Eduardo Cardozo, da Justiça, que
perdeu cinco quilos com o método, mas tem objetivos ambiciosos de afinar
pelo menos 22. Cardozo diz estar reduzindo a agenda de almoços
políticos para não cair em tentação. Kátia Abreu, da Agricultura, não
teve a disciplina necessária e comeu de tudo nas festas de fim de ano.
Ela chegou a perder quatro quilos em pouco mais de uma semana, pois
queria ficar bem no vestido de noiva que usará em sua cerimônia de
casamento no próximo mês. Mas a nova ministra afirma que, depois dos
abusos do fim de ano, voltou ao cardápio light.
Quem introduziu Ravenna no meio político
foi a deputada federal Erika Kokay (PT-DF). Em abril de 2010, ela sofreu
um infarto. Após deixar o hospital e voltar à rotina, seu cardiologista
lhe deu um puxão de orelha: ela precisava emagrecer. Com sobrepeso e
complicações cardíacas, o médico recomendou uma dieta que não utilizasse
medicamentos. Assim, ela conheceu o consultório de Ravenna. “Fui eu
quem indicou o método para a Eleonora. Em dezembro de 2013, fui a uma
reunião com a ministra e ela me perguntou o que eu havia feito para
emagrecer. Eu perdi 24 quilos”, diz Erika.
No Congresso, a dieta do especialista
argentino criou uma espécie de “frente parlamentar Ravenna”. Pelo menos
15 deputados da base governista e da oposição estão unidos no objetivo
de emagrecer. Nos dias de intensos debates e votações, alguns deputados
levam comida saudável congelada em vez de almoçar nos restaurantes do
Parlamento. Um exemplo é a deputada Luciana Santos (PCdoB-PE), que
perdeu 12 quilos. Sua colega de partido Alice Portugal (PCdoB-BA) foi
uma das primeiras a conhecer o sistema de emagrecimento, que faz sucesso
com celebridades da música da Bahia desde 2010. Ela foi à clínica para
apoiar sua filha e também entrou na dieta. A jovem perdeu 37 quilos e se
tornou uma atleta amadora e a deputada deixou para trás 13 quilos. “A
vida parlamentar engorda, não tem um restaurante no Congresso que
ofereça comida mais saudável, é uma vida sem regra. Parei durante a
campanha, mas, assim que eu puder, volto para o Ravenna”, afirma Alice.
Entre os parlamentares que conheceram o
método por meio de Alice está o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA).
Ele perdeu seis quilos em dez dias, mas tem sofrido com a quantidade de
reuniões políticas que envolvem comida e bebida.
Como precisa acompanhar
os colegas, em vez de degustar um bom vinho, ele enche a taça com
refrigerante diet. De olho nas autoridades que estão sempre em jantares
por Brasília, os restaurantes passaram a oferecer cardápio específico
para os adeptos de Ravenna. O Dali Camões, o Lakes e a pizzaria Santa
Pizza, todos frequentados pelas esferas de poder, são exemplos. Mesmo os
lugares que ainda não têm parceria com a clínica já estão em sintonia
com o sucesso da dieta na cúpula política de Brasília. Nos restaurantes
estrelados da capital, os garçons estão habituados a pedir adaptações
nos pratos, quando o cliente informa que está em tratamento. Além de ser
uma dieta, o método Ravenna está se tornando um modo de comer. O
ex-ministro da Secretaria de Aviação Civil Moreira Franco nunca viu o
ponteiro da balança disparar. Ainda assim, ele usa o cardápio do médico
argentino quando sai para comer em Brasília.
A fórmula é antiga: uma dieta de
baixíssimas calorias que exclui alimentos engordativos, gordurosos ou
que possam disparar o apetite, como os carboidratos refinados. Não
entram pães, macarrão e arroz, nem integrais. É feito, ainda, um plano
de exercícios e agendadas consultas com médicos, nutricionistas,
educadores físicos e psicólogos. Ainda assim, nada de revolucionário.
Por que, então, a dieta Ravenna é a bola da vez da perda de peso? “O
grande diferencial é uma excelente estrutura de marketing”, afirma a
endocrinologista Cintia Cercato, integrante do grupo de obesidade do
Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo e presidente da
Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome
Metabólica (Abeso). Na opinião de Cintia, o método tem vários pontos a
favor, por seguir preceitos amplamente difundidos na literatura médica
sobre metabolismo e perda de peso, como o baixo consumo de calorias e
exclusão de alguns tipos de carboidratos. Mas salienta que é preciso
acompanhamento para que um cardápio tão restrito não signifique falta de
nutrientes.
O médico e psicoterapeuta argentino Máximo
Ravenna começou sua trajetória de sucesso em 1993, ao abrir a primeira
clínica em Buenos Aires. Lá, teve entre os clientes famosos o ex-jogador
Diego Maradona. Mas só em 2009 fundou uma clínica no Brasil, primeiro
em Salvador. Um ano depois, já fincava base em São Paulo. Na lista de
pacientes da capital paulista está a empresária Luiza Helena Trajano,
dona do Magazine Luiza. Apresentada ao método pela filha, resolveu
frequentar a clínica. “Assistência prestada e serviços realizados
fizeram eu me adaptar bem”, diz Luiza, que perdeu 23 quilos em um ano.
Também passou por lá Mariana Belém, filha da cantora Fafá de Belém, que
contabilizou 15 quilos a menos em três meses e meio. Em 2012, a marca
pousava também em Brasília, mas mesmo antes já se ouvia o nome do médico
entre os parlamentares.
Apesar do cardápio restrito, a
nutricionista do centro terapêutico do dr. Ravenna em São Paulo, Thais
Shibuia, salienta que não se trata de uma dieta de proteínas, que tem
como arauto o médico Pierre Dukan. “Além disso, muitos alimentos são
cortados apenas na fase do ‘descenso’, ou seja, até o paciente perder os
quilos que precisa”, diz Thais. Na primeira etapa, não adianta chiar. É
preciso seguir à risca as orientações e, se pedir para aumentar a
quantidade de alimentos, o paciente provavelmente será encaminhado para a
psicóloga para entender o porquê dessa necessidade. O lema geral é
“emagreceu, o peso desceu”.
O próprio Ravenna vem ao Brasil, de duas a
três vezes por ano, para fazer palestras em seus centros. O médico se
orgulha de não incluir remédios nem cirurgias nos tratamentos. Para a
endocrinologista Maria Edna de Melo, membro de entidades como The
Endocrine Society, dos Estados Unidos, e Sociedade Brasileira de
Endocrinologia e Metabologia (SBEM), por ser uma doença, a obesidade não
pode ser tratada apenas pelo seu caráter comportamental. “Pode ser que a
questão psicológica seja o fator principal para alguns, mas não se pode
generalizar”, afirma. Cintia Cercato, da Abeso, concorda. “A obesidade é
colocada como se fosse um problema puramente psicológico e como
pesquisadora posso dizer que não é. Há mais de 250 genes envolvidos na
fisiopatologia da doença”, diz. “No tratamento, é preciso mudar os
hábitos de vida, mas há situações em que focar só no comportamento não
funciona.”
Alguns especialistas afirmam que o grande
trunfo do Ravenna é unir todas as atividades em um mesmo centro, chamado
pelos pacientes de “clube” (leia mais sobre o método na pág. 44). Ele
concebeu uma mistura de spa com Vigilantes do Peso, já que, além de todo
o acompanhamento médico e nutricional, conta ainda com atendimento
psicológico e grupos terapêuticos para que os clientes dividam suas
experiências. É prático – quem pode, passa o dia lá: toma o café da
manhã no restaurante, depois pode ir para um grupo e, ao fim dessa
segunda atividade, vai para a sala de ginástica se exercitar. Se tiver
alguma consulta, pode esperar pelo almoço e ficar até o jantar. O pacote
para ter acesso a esse clube da saúde é de R$ 1.570 para adultos. No
preço não estão incluídas refeições, que, além de serem servidas no
local, também são vendidas congeladas. “O método está famoso porque é a
bola da vez. Aí muitos seguem, têm bons resultados, e outras pessoas vão
atrás”, afirma Walmir Coutinho, presidente da Federação Mundial de
Obesidade. “Daqui a um tempo, vai aparecer outra dieta para ocupar esse
lugar.” Mas até lá a marca de 120 toneladas perdidas pelos pacientes do
Ravenna até hoje só aumentará – com uma contribuição de peso vinda de
Brasília.
“Muitos políticos têm vergonha de se cuidar”
Aos 76 anos, o médico argentino Máximo Ravenna possui clínicas em
cinco países – Argentina, Brasil, Espanha, Paraguai e Uruguai – e tem
entre seus clientes artistas, empresários e políticos, muitos deles
brasileiros.
ISTOÉ – Nos últimos meses,
autoridades brasileiras têm atribuído o afinamento da silhueta à adesão
ao método Ravenna. O sr. sempre atendeu políticos?
Dr. Máximo Ravenna – Sempre atendi políticos. São pessoas que
vivem distraídas e ocupadas com sua função e acabam ganhando peso.
Muitos ainda têm vergonha de se cuidar, mas eles têm uma imagem pública.
ISTOÉ – Pessoas com rotina profissional muito estressante têm mais facilidade para engordar?
Dr. Ravenna – Sim, porque têm mais tendência a acumular cortisol e ter desequilíbrios na liberação do hormônio insulina.
ISTOÉ – Por que o método do sr. favorece a manutenção do peso?
Dr. Ravenna – Uma pessoa gorda sabe emagrecer e engordar, mas
não sabe manter. E isso não é bom. No nosso método temos o lema do
abandono de alimentos que dificultam o emagrecimento, como as farinhas e
o açúcar, e isso exige atenção plena.
ISTOÉ – Como funciona o tratamento psicológico do paciente?
Dr. Ravenna – A reprogramação mental é a base do tratamento. É a
partir do conhecimento profundo de cada um, da consciência do que
significa o alimento, que o paciente vai perder e manter o peso. As
pessoas vão se pesando dia a dia, perdendo peso e nós acompanhamos como
ela está emocionalmente.
ISTOÉ – Inibidores de apetite funcionam?
Dr. Ravenna – Nós achamos que fazem mal, pois produzem pequenos
resultados, praticamente imperceptíveis. Os remédios podem causar
transtornos emocionais.
ISTOÉ – Os adoçantes são aliados ou vilões?
Dr. Ravenna – Adoçantes não naturais podem trazer problemas ao
organismo, mas ainda não se sabe bem as enfermidades que podem causar. E
podem ter efeito no pâncreas, na produção de insulina: a pessoa tem
sensação de fome, mas não lhe falta nada.
ISTOÉ – O sr. aprova dietas que cortam o glúten e derivados do leite?
Dr. Ravenna – A eliminação do glúten, em certa linha de
trabalho responsável, se dá pelo grande número de enfermidades
digestivas e metabólicas que ele provoca. E nós não aplicamos de forma
drástica a redução dos lácteos. Não vamos nos transformar em
fundamentalistas. Nosso mecanismo de trabalho é que a pessoa deve estar
bem nutrida.
Fotos:
Pedro Ladeira/Folhapress; Adriano Machado/ag.istoé; Ronaldo de
Oliveira/cb/d.a press; Divulgação; Arquivo Pessoal; Pedro Dias/ag.
istoé
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