Surgiram os alimentos funcionais, a pirâmide alimentar foi substituída e redes de fast-food baniram a gordura trans
- 1999: os alimentos funcionais
O século ainda não tinha nem começado, mas uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nos últimos suspiros dos anos 1990 trouxe luz a um assunto que continua rendendo debate entre pesquisadores, médicos e nutricionistas: os funcionais, alimentos naturais ou industrializados com nutrientes que, se não são essenciais para a manutenção da vida, poderiam trazer benefícios. Em 1999, o órgão brasileiro regulamentou a categoria de alimentos, classificando-os como produtos que, além das funções nutricionais básicas, produzem efeitos metabólicos
ou fisiológicos benéficos à saúde, podendo ser consumidos com segurança sem supervisão médica.
- 2005: a nova pirâmide alimentar
Em 1991, no período pós-descoberta de que a gordura saturada é danosa à saúde e de que a vegetal, por sua vez, estaria associada a quedas nos níveis de colesterol, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos decidiu propor uma pirâmide alimentar para facilitar as escolhas das pessoas no que diz respeito a uma alimentação equilibrada e saudável. O problema, segundo alguns especialistas, é que a pirâmide sugeria, em vez de trocar gorduras ruins pelas boas, simplesmente diminuir a gordura total da sua dieta. Além disso, propunha consumir uma quantidade diária alta de cereais, pães e massas em detrimento das gorduras boas para a saúde, que se misturavam às ruins no topo da pirâmide. O resultado: o baixo consumo de gorduras “do bem” e o consumo altíssimo de carboidratos refinados fez da obesidade caso de saúde pública no país.
Segundo uma reportagem do The Wall Street Journal de junho de 2002, em 11 anos desde a criação da pirâmide, o número de americanos com sobrepeso subiu 61%. Médicos e nutricionistas passaram a condenar a pirâmide. Em 2005, o professor de medicina da Universidade de Harvard Walter C. Willett lançou o livro Coma, beba e seja saudável: o guia da alimentação saudável da escola de medicina de Harvard, propondo uma nova pirâmide. Na base, nada de comida: manutenção do peso ideal, exercícios físicos diários e muita água. Óleos vegetais saudáveis, como o azeite, e cereais integrais em pães e massas dividem o segundo andar da pirâmide. Frutas, verduras e legumes continuam na terceira faixa, com sugestão de três a cinco porções por dia, seguidas de leguminosas e oleaginosas; aves, peixes, ovos e frutos do mar; leite e derivados e, finalmente, no topo da pirâmide, manteiga e carnes vermelhas gordas, doces e refrigerantes e os carboidratos refinados, que pularam da base para a ponta da estrutura.
- 2005: o “claim” da soja
A soja não é coisa do século 21. Seu consumo vem de milênios em algumas regiões do planeta e, por aqui, começou a ser vista como alimento por volta dos anos 1960, quando a ciência passou a condenar a gordura saturada e a indústria alimentícia viu na soja uma fonte de óleo vegetal. Até então suas únicas utilidades eram óleo e farelo para produção de alimento animal. Como comida de gente, foi só a partir dos anos 1980, com iniciativas de governos e universidades para tentar introduzir o grão na rotina alimentar como uma alternativa barata à carne devido aos seus quase 40% de proteína — duas vezes mais, por exemplo, do que o feijão, um primo bastante próximo da soja.
Mas seus benefícios à saúde só vieram à luz por meio de pesquisas lá pelos anos 1990. Segundo José Marcos Gontijo, pesquisador da Embrapa Soja, nos Estados Unidos, desde 1999, o Food and Drug Administration, órgão que regulamenta a produção e comercialização de medicamentos e alimentos — equivalente à Agência Nacional de Vigilância Sanitária aqui — autoriza a utilização de um health claim, uma espécie de selo de saúde, no rótulo de alimentos industrializados que contenham soja. No Brasil, a Anvisa só liberou o alerta em 2005. Desde então, as embalagens podem alegar: “O consumo diário de, no mínimo, 25g de proteína de soja pode ajudar a reduzir o colesterol. Seu consumo deve estar associado a uma alimentação equilibrada e hábitos de vida saudáveis”. Alegações com relação a isoflavonas da soja, tanto de conteúdo (“contém isoflavona”, por exemplo), quanto de propriedades funcionais, de saúde e terapêuticas, para cura e prevenção de doenças, continuam proibidas.
Nem vilões nem mocinhos
Alguns alimentos acabam estigmatizados. Há 40 anos, a ideia predominante era de que a dieta ideal seria rica em proteína. De acordo com o nutrólogo Arnoldo Velloso, a Organização Mundial da Saúde chegou a preconizar que uma pessoa deveria comer, diariamente, 2g de carne por kg de massa corporal. Anos depois, essa proporção diminuiu para 0,75g, sendo que um terço disso deveria ser de origem vegetal, devido à quantidade de gordura saturada presente nos produtos de origem animal. O excesso de proteína animal resultaria em câncer de esôfago e aumentaria o colesterol. A principal vítima de preconceito foi o ovo, que pesquisas posteriores mostraram que um por dia não faria mal.
Atualmente, superada a preocupação com os problemas que o ovo traria, outros alimentos o substituíram no papel de vilão. Alergias ou intolerância, como à lactose e ao glúten, mais comuns do que se pensa, e mais facilmente diagnosticadas que antigamente, acabaram colocando o leite, seus derivados e os produtos que contêm glúten como vilões da saúde e até do emagrecimento. Cerca de 40% dos brasileiros apresentam intolerância à lactose e 20%, ao glúten.
“Não é a ciência que muda de ideia, é o conhecimento que vai sendo adquirido aos poucos”, justifica Arnoldo Velloso, sobre o motivo das flutuações da ciência a respeito do que faz bem ou mal à saúde. Enquanto isso, Anthony Fardet, pesquisador do Instituto Nacional Francês de Pesquisa em Agronomia, percebe uma tendência do público geral e da mídia: “Eles tendem a querer respostas pretas e brancas sobre nutrição e têm dificuldade em entender a questão da dúvida, inerente à ciência, o que gera mal-entendidos entre eles e os cientistas”.
Existe um prato perfeito?
Conheça alguns alimentos que passaram a entrar na alimentação no século 21
Vale tudo para emagrecer?
- 2006: sem gordura trans
Hoje em dia, quase todo mundo sabe que, se um alimento contém gordura trans, é melhor deixá-lo na prateleira do supermercado a levá-lo para casa, sob risco de desenvolver algum tipo de doença cardiovascular. Nem sempre foi assim. Entre os anos 1950 e 1960, pesquisadores começaram a desconfiar que a gordura saturada seria ruim para a saúde, baseados em análises de diferentes povos e seus hábitos alimentares. Nos anos 1970, o conselho geral era para que as pessoas substituíssem a gordura saturada pelo óleo líquido vegetal.
“Naquela época, margarinas eram muito ruins para nós, porque eram muito ricas em gordura trans. Agora, quase todas dizem em suas embalagens que são ‘livres de gordura trans’”, pondera Walter C. Willett, professor de medicina da Universidade de Harvard e um dos pesquisadores da gordura trans naquela época. O movimento saiu da indústria e chegou a restaurantes. Em 2006, a cidade de Nova York tomou uma medida radical contra a gordura trans: o conselho de saúde da cidade proibiu que restaurantes usassem óleos de fritura contendo a gordura.
A medida vale desde padarias até redes de fast food. Em 2009, o Departamento de Saúde e Higiene da cidade divulgou um estudo dizendo que as pessoas diminuíram o consumo da gordura sem propriamente mudar hábitos. O estudo comparou as refeições em restaurantes fast food em 2007, antes da medida vigorar, e em 2009. Em 2009, cada prato reduziu cerca de 2,4 gramas de gordura trans.
- 2011: gente não come ração
Em 2010, um novo alimento começou a ganhar a atenção das pessoas, especialmente das que queriam emagrecer. A ração humana era um preparado de cereais e sementes moídos, principalmente linhaça e quinoa, que, se consumido no lugar de algumas refeições durante o dia, prometia resultados quase milagrosos para as medidas. Receitas de preparação do alimento em casa começaram a circular na internet e versões prontas passaram a constar nos estoques de supermercados.
Em 2011, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) saiu em ataque ao produto — ou pelo menos à forma como ele era vendido até então. Em 7 de junho, a agência divulgou um alerta para que as pessoas não substituíssem refeições inteiras pelo preparado, porque ele não continha nutrientes suficientes para uma alimentação saudável e equilibrada e consumi-lo dessa forma poderia levar a problemas de saúde por carência nutricional, como anemia. Além disso, o órgão também vetou o nome “ração humana” nas embalagens, justificando que ele poderia levar os consumidores a pensar que o produto seria uma refeição completa. Além do nome, ficaram proibidos nos rótulos indicações de propriedades medicinais, como redução do colesterol, e de emagrecimento. As empresas que ignorarem a medida estão sujeitas a multas de até R$ 1,5 milhão.
- 2013: chega de tanto iodo
A medida mais recente que gerou polêmica e debate entre médicos e nutricionistas foi tomada há apenas três meses. Em abril, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu diminuir a quantidade de iodo adicionada ao sal de cozinha. Antes entre 20mg e 60mg por quilo do produto, a medida deve ficar agora entre 15mg e 45mg. A obrigatoriedade de acrescentar iodo ao sal vem de 1953, uma época em que, devido à deficiência do composto na dieta, boa parte da população apresentava papo e muitas crianças tinham retardo mental endêmico, conhecido também como cretinismo, causado pela falta do mineral na fase intrauterina.
Na época, a medida foi comemorada e defendida inclusive pela Organização Mundial da Saúde. Isso porque iodo está diretamente relacionado ao bom funcionamento da tireoide. Problemas como o hipo ou o hipertireoidismo, ocasionados, entre outras coisas, pela carência do nutriente, são os culpados pelo aparecimento do bócio endêmico, nome correto do “papo”.
No entanto, alguns especialistas alegam hoje que excesso de iodo pode, no lugar de prevenir doenças da tireoide, favorecer o aparecimento delas. Na época, o Departamento de Tireóide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia criticou em nota a decisão da agência, justificando que, no Brasil, estudos demonstram que mais da metade das mulheres grávidas apresentam carência de iodo e que a redução poderia agravar ainda mais o quadro. “A Anvisa deveria focar seus esforços em reduzir a quantidade de sal nos alimentos industrializados, não em reduzir a quantidade de iodo no sal”, afirmou a instituição.
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