COMUNICAÇÃO COMMUNICATION
O papel dos hormônios leptina e grelina na gênese da obesidade
The role of leptin and ghrelin on the genesis of obesity
Carla Eduarda Machado Romero; Angelina Zanesco1
Departamento
de Educação Física, Instituto de Biociências, Universidade
Estadual Paulista. Av. 24, 1515, 13506-900, Rio Claro, SP, Brasil
RESUMO
A
prevalência da obesidade está aumentando e estudos prospectivos mostram
que, em 2025, o Brasil será o quinto país do mundo a apresentar
problemas de obesidade em sua população. A etiologia da obesidade não é
de fácil identificação, uma vez que a mesma é caracterizada como uma
doença multifatorial, ou seja, diversos fatores estão envolvidos em sua
gênese, incluindo fatores genéticos, psicológicos, metabólicos e
ambientais. Pesquisas recentes na área de metabolismo mostram que o
adipócito é capaz de sintetizar várias substâncias e, diferentemente do
que se supunha anteriormente, o tecido adiposo não é apenas um sítio de
armazenamento de triglicérides, é hoje considerado um órgão endócrino.
Dentre as diversas substâncias sintetizadas pelo adipócito, destacam-se a
adiponectina, a angiotensina e a leptina. A leptina é um petídeo que
desempenha importante papel na regulação da ingestão alimentar e no
gasto energético, gerando um aumento na queima de energia e diminuindo a
ingestão alimentar. Além dos avanços no estudo da célula adiposa, um
novo hormôrnio relacionado ao metabolismo foi descoberto recentemente, a
grelina. A grelina é um peptídeo produzido nas células do estômago, e
está diretamente envolvida na regulação do balanço energético a curto
prazo. Assim, este artigo abordará o papel da leptina e da grelina no
controle do peso corporal e as limitações que ainda existem para tratar a
obesidade em humanos.
Termos de indexação: hipotálamo; leptina; metabolismo; obesidade; tecido adiposo.
ABSTRACT
The
prevalence of obesity is rising around the world and prospective
studies show that in 2025, Brazil will be the fifth country in the
world to have obesity problems. Multifactorial factors are involved
in the genesis of obesity including genetic, psychological, metabolic
and environmental factors. Recently, adipocytes have been considered
an endocrine tissue capable of producing several substances, including
adiponectin, angiotensin and leptin. Leptin is the main peptide
produced by adipocytes and its serum concentration represents an
important peripheral signal in the regulation of food intake and
energy expenditure. In addition to leptin, a new peptide called
ghrelin has been recently discovered. Ghrelin, a gastrointestinal
peptide hormone identified in the stomach, is directly involved with
short-term regulation of energy balance. Thus, this review will focus
on the role of both leptin and ghrelin in controlling body weight
and the ongoing limitations in treating obesity in human beings.
Indexing terms: hypothalamus; leptin; metabolism; obesity; adipose tissue.
INTRODUÇÃO
Segundo
a Organização Mundial de Saúde (OMS), o número de obesos entre 1995 e
2000 passou de 200 para 300 milhões, perfazendo quase 15% da população
mundial. Estimativas mostram que, em 2025, o Brasil será o quinto país
no mundo a ter problemas de obesidade em sua população. Assim, a
obesidade é considerada, em países desenvolvidos e em desenvolvimento,
um importante problema de saúde pública, e para a OMS, uma epidemia
global1,2.
A
etiologia da obesidade não é de fácil identificação, uma vez que a
mesma é caracterizada como uma doença multifatorial, ou seja, é
resultado de uma complexa interação entre fatores comportamentais,
culturais, genéticos, fisiológicos e psicológicos. Pode, dessa forma,
ser classificada em dois contextos: por determinação genética ou
fatores endócrinos e metabólicos, ou então, influenciada por fatores
externos, sejam eles de origem dietética, comportamental ou
ambiental. Acredita-se que os fatores externos são mais relevantes na
incidência de obesidade do que os fatores genéticos1,2,3.
Estudos
populacionais têm demonstrado que o excesso de tecido adiposo,
principalmente na região abdominal, está intimamente relacionado ao
risco de desenvolvimento de doença arterial coronária, hipertensão
arterial sistêmica, diabetes mellitus e dislipidemias4,5. E essa associação eleva-se na medida que o índice de massa corporal (IMC) aumenta6.
A maior parte dessas doenças está relacionada à ação do tecido
adiposo como órgão endócrino, uma vez que os adipócitos sintetizam
diversas substâncias como adiponectina, glicocorticóides, TNFa,
hormônios sexuais, interleucina -6 (IL- 6) e leptina, que atuam no
metabolismo e controle de diversos sistemas7.
LEPTINA
A leptina (do grego leptos=
magro) é uma proteína composta por 167 aminoácidos, e possui uma
estrutura semelhante às citocinas, do tipo interleucina 2 (IL-2),
sendo produzida principalmente no tecido adiposo8. Seu pico de liberação ocorre durante a noite e às primeiras horas da manhã, e sua meia-vida plasmática é de 30 minutos9,10.
É responsável pelo controle da ingestão alimentar, atuando em
células neuronais do hipotálamo no sistema nervoso central. A ação da
leptina no sistema nervoso central (hipotálamo), em mamíferos,
promove a redução da ingestão alimentar e o aumento do gasto
energético, além de regular a função neuroendócrina e o metabolismo
da glicose e de gorduras. Ela é sintetizada também na glândula
mamária, músculo esquelético, epitélio gástrico e trofoblasto
placentário11.
A
ação da leptina é feita a partir da ativação de receptores
específicos presentes nos órgãos alvos. Existem dois tipos de
receptores para a leptina, o ObRb, de cadeia longa (maior quantidade
de aminoácidos), com maior expressão no hipotálamo, e os receptores
de cadeia curta (menor quantidade de aminoácidos), ObRa, encontrados
em outros órgãos como o pâncreas, e mais especificamente nas células a e d das ilhotas de Langerhans12.
A
expressão da leptina é controlada por diversas substâncias, como a
insulina, os glicocorticóides e as citocinas pró-inflamatórias.
Estados infecciosos e as endotoxinas também podem elevar a
concentração plasmática de leptina. Inversamente, a testosterona, a
exposição ao frio e as catecolaminas reduzem a síntese de leptina (Quadro 1).
Situações de estresse impostas ao corpo, como jejum prolongado e
exercícios físicos intensos, provocam a diminuição dos níveis
circulantes de leptina, comprovando, dessa maneira, a atuação do
sistema nervoso central na inibição da liberação de leptina pelos
adipócitos12. No ser humano, o gene da leptina localiza-se no cromosso 7q31, sendo produzida essencialmente pelo adiposo branco11.
A concentração plasmática de leptina está parcialmente
relacionada ao tamanho da massa de tecido adiposo presente no corpo. Os
mecanismos pelos quais o aumento de tecido adiposo é traduzido em
aumento da concentração sérica de leptina, envolvem tanto o número de
células adiposas quanto a indução do RNAm ob13. Indivíduos obesos apresentam um aumento do número de células adiposas, o que significa uma maior quantidade de RNAm ob encontrada em seus adipócitos do que em sujeitos eutróficos14.
Entretanto, a concentração sérica de leptina não é dependente
somente do tamanho do tecido adiposo, uma vez que a redução de 10% do
peso corporal provoca diminuição de cerca de 53% de leptina
plasmática, sugerindo que outros fatores, além da adiposidade
tecidual, estão envolvidos na regulação de sua produção12,15-17.
A
leptina reduz o apetite a partir da inibição da formação de
neuropeptídeos relacionados ao apetite, como o neuropeptídeo Y, e
também do aumento da expressão de neuropeptídeos anorexígenos
(hormônio estimulante de a-melanócito
(a-MSH), hormônio liberador de corticotropina (CRH) e substâncias
sintetizadas em resposta à anfetamina e cocaína11. Assim,
altos níveis de leptina reduzem a ingestão alimentar enquanto que
baixos níveis induzem hiperfagia. Isso é comprovado em animais de
laboratório obesos que apresentam baixos níveis de leptina ou total
deficiência (Figura 1).
No
entanto, indivíduos obesos apresentam elevados níveis plasmáticos de
leptina, cerca de cinco vezes mais que aqueles encontrados em
sujeitos magros13. As mulheres possuem maior concentração plasmática de leptina que os homens11.
Esses contrastes indicam que os mecanismos que controlam o
metabolismo e o peso corporal em humanos são mais complexos do que se
imagina, e maiores investigações relacionadas ao gênero e à espécie
são necessárias17. A hiperleptinemia, encontrada em
pessoas obesas, é atribuída a alterações no receptor de leptina ou a
uma deficiência em seu sistema de transporte na barreira
hemato-cefálica, fenômeno denominado resistência à leptina (Figura 2), semelhante ao que ocorre no diabetes mellitus13. A produção de leptina em pessoas eutróficas segue um ritmo circadiano e aumenta durante o ciclo menstrual em mulheres12.
Os benefícios terapêuticos do tratamento com leptina, em indivíduos obesos, são ainda controversos. Friedman & Hallaas11
verificaram que, em quatro semanas de administração exógena de leptina,
tanto em indivíduos eutróficos quanto obesos apresentaram perda
significante de peso. Entretanto, essa redução só foi verificada quando
os indivíduos não apresentavam hiperleptinemia, pois a administração de
leptina em obesos com hiperleptinemia (resistência a leptina) não
provocou qualquer alteração no peso corporal destes indivíduos18,19.
Assim, mais estudos epidemiológicos prospectivos são necessários para
definir as indicações da leptina como tratamento anti-obesidade.
A
leptina, além de seu importante papel no metabolismo, controla o
sistema hemato-poiético, o sistema imune, o sistema reprodutor e o
sistema cardiovascular16.
GRELINA
A grelina é um novo hormônio gastrointestinal identificado no estômago do rato, em 1999, por Kojima et al.20-22. O nome grelina origina-se da palavra ghre, que na linguagem Proto-Indo-Européia é correspondente, em inglês, à palavra grow, que significa crescimento20. Ghre (grow hormone release) descreve uma das principais funções desse peptídeo, responsável pelo aumento da secreção do hormônio do crescimento (GH)23.
A grelina é composta de 28 aminoácidos com uma modificação octanóica
no seu grupo hidroxil sobre a serina 3, que é essencial para o
desempenho de sua função liberadora de GH24. Ela foi,
primeiramente, isolada da mucosa oxíntica do estômago, sendo
produzida, predominantemente, pelas células Gr do trato
gastrointestinal. É também produzida em menores quantidades no
sistema nervoso central, rins, placenta e coração20,25-27.
O
hormônio grelina é um potente estimulador da liberação de GH, nas
células somatotróficas da hipófise e do hipotálamo (Figura 3),
sendo o ligante endógeno para o receptor secretagogo de GH (GHS-R).
Assim, a descoberta da grelina permitiu o aparecimento de um novo
sistema regulatório para a secreção de GH, já que sua ação
estimulatória para a liberação de GH é mais acentuada em humanos do
que em animais e é feita a partir da ativação do receptor GHS do tipo
1 (GHS1a)20,28-31. Além de sua ação como liberador de GH,
a grelina possui outras importantes atividades, incluindo
estimulação da secreção lactotrófica e corticotrófica, atividade
orexígena acoplada ao controle do gasto energético; controle da
secreção ácida e da motilidade gástrica, influência sobre a função
endócrina pancreática e metabolismo da glicose e ainda ações
cardiovasculares e efeitos antiproliferativos em células neoplásicas25,28,32-36.
Dentre
as ações periféricas do ligante natural do receptor GHS, destacam-se
a estimulação da secreção ácida e mobilidade gástrica em ratos33 e o esvaziamento gástrico em humanos35.
Com relação ao seu papel cardioprotetor, sítios de ligação
específicos para GHS estão presentes no sistema cardiovascular, no
qual estudos mostram que a administração de grelina, em voluntários
jovens saudáveis, é seguida por aumento do débito cardíaco sem
nenhuma modificação em sua frequência37. Os efeitos
antiproliferativos da grelina mostram suas múltiplas atividades
biológicas, sugerindo que essa substância pode exercer ações
anti-neoplásicas, uma vez que receptores específicos para GHS têm
sido encontrados em tecidos tumorais de órgãos que não têm a
expressão desses receptores em condições fisiológicas normais37.
A
acilação do peptídeo é necessária para a passagem na barreira
hemato-encefálica e essencial para sua ação liberadora de GH e outras
atividades endócrinas20,24,34. Entretanto, a grelina
não-acilada, circulante, em maiores quantidades que a acilada, não é
biologicamente inativa, cabendo à mesma, o desempenho de algumas
ações não endócrinas, incluindo o efeito cardioprotetor e as ações
antiproliferativas, por intermédio de sua ligação a diferentes
subtipos de receptores GHS38.
Estudos
em modelos animais indicam que esse hormônio desempenha importante
papel na sinalização dos centros hipotalâmicos que regulam a ingestão
alimentar e o balanço energético39. Recentes estudos com
roedores sugerem que a grelina, administrada perifericamente ou
centralmente, independentemente do GH, diminui a oxidação das
gorduras e aumenta a ingestão alimentar e a adiposidade40.
Assim, esse hormônio parece estar envolvido no estímulo para iniciar
uma refeição. Sabe-se ainda que os níveis de grelina são
influenciados por mudanças agudas e crônicas no estado nutricional,
encontrando-se elevados em estado de anorexia nervosa e reduzidos na
obesidade22,35,41.
A
grelina está diretamente envolvida na regulação a curto prazo do
balanço energético. Níveis circulantes de grelina encontram-se
aumentados durante jejum prolongado e em estados de hipoglicemia, e
têm sua concentração diminuída após a refeição ou administração
intravenosa de glicose41. Salbe et al.42 confirmam
isto em seu estudo realizado com os índios Pima, no qual verificaram
que a concentração plasmática endógena de grelina no jejum estava
elevada, mostrando uma relação inversa entre níveis de grelina e a
ingestão energética.
A
liberação endógena de grelina encontra-se reduzida após ingestão
alimentar, retornando progressivamente aos valores basais próximo ao
término do período pós-prandial. Estudos prévios envolvendo liberação
desse hormônio, em humanos, mostram que são os tipos de nutrientes
contidos na refeição, e não o seu volume, os responsáveis pelo
aumento ou decréscimo pós-prandial dos níveis plasmáticos de grelina.
Esses achados sugerem que a contribuição da grelina na regulação
pós-prandial da alimentação pode diferir dependendo do macronutriente
predominante no conteúdo alimentar ingerido43. Sua
concentração plasmática é diminuída após refeições ricas em
carboidratos, concomitantemente à elevação de insulina plasmática.
Por outro lado, níveis plasmáticos aumentados de grelina foram
encontrados após refeições ricas em proteína animal e lipídeos,
associados ao pequeno aumento da insulina plasmática42,43.
CONCLUSÃO
Os
recentes achados, envolvendo a descoberta da leptina, produzida pelo
adipócito, e da grelina (produzida pelo estômago), abrem novos
campos de estudo para o controle da obesidade, principalmente nas
áreas de nutrição e metabolismo. Portanto, o aprofundamento dos
conhecimentos sobre esses peptídeos torna-se de grande relevância na
manutenção e preservação da qualidade de vida da população, e poderá
proporcionar novas abordagens terapêuticas no tratamento da
obesidade.
Recebido em: 22/10/2004
Versão final reapresentada em: 20/7/2005
Aprovado em: 5/9/2005
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