Arq Bras Endocrinol Metab vol.47 no.2 São Paulo Apr. 2003
http://dx.doi.org/10.1590/S0004-27302003000200003
REVISÃO
Obesidade: hábitos nutricionais, sedentarismo e resistência à insulina
Obesity: dietary Intake, sedentarism and insulin resistance
Luciana O. Pereira; Rachel P. de Francischi; Antonio H. Lancha Jr.
Departamento
de Bioquímica do Instituto de Biologia da Unicamp (LOP, RPF &
AHLJr), Campinas, SP e Departamento de Biodinâmica da Escola de
Educação Física e Esporte da USP (AHLJr), São Paulo, SP
RESUMO
A
obesidade já é considerada uma epidemia mundial independente de
condições econômicas e sociais. O risco aumentado de mortalidade e
morbidade associado à obesidade tem sido alvo de muitos estudos que
tentam elucidar os aspectos da síndrome X como conseqüência da
obesidade. Esta síndrome é caracterizada por algumas doenças
metabólicas, como resistência à insulina, hipertensão, dislipidemia.
Está bem estabelecido que fatores genéticos têm influência neste
aumento dos casos de obesidade. No entanto, o aumento significativo
nos casos de obesidade nos últimos 20 anos dificilmente poderia ser
explicado por mudanças genéticas que tenham ocorrido neste espaço de
tempo. Sendo assim, os principais fatores envolvidos no
desenvolvimento da obesidade têm sido relacionados com fatores
ambientais, como ingestão alimentar inadequada e redução no gasto
calórico diário. Na tentativa de desencadear obesidade em animais e
permitir o estudo desta doença de maneira mais completa, diversos
modelos experimentais de obesidade têm sido desenvolvidos. Ainda que
não possam ser considerados exatamente iguais aos modelos de
obesidade humana, são de grande valor no estudo dos diversos aspectos
que contribuem para este excessivo acúmulo de adiposidade e suas
conseqüências.
Descritores: Obesidade; Dieta hiperlipídica; Resistência à insulina; Modelos experimentais
ABSTRACT
Obesity
has been reported as a worldwide epidemic independent of economical
and social conditions. The possible causes of increased mortality and
morbidity associated with obesity have been focused by several
studies that attempted to understand the syndrome X, one of the
consequences of obesity. This syndrome is characterized by various
metabolic disorders such as insulin resistance, hypertension and
dyslipidemia. It is widely known that genetic factors influence the
prevalence of obesity. However, the increasing rate of obesity over
the past 20 years cannot be explained by changes in the gene pool. In
this way, the major factors involved in obesity are related to
environmental aspects as dietary intake and reduced energy expenditure.
In the attempt to develop obesity in animals as a means of carrying
out studies related to the condition, many experimental models have
been developed. Although these animal models cannot be expected to
exactly mimic human obesity, they may still be of great value in
studying the mechanisms inducing augmented deposition of fat and its
consequences.
Keywords: Obesity; High fat diet; Insulin resistance; Animal models
EVIDÊNCIAS
SUGEREM QUE A PREVALÊNCIA do sobrepeso e da obesidade tem aumentado
em taxas alarmantes, incluindo países desenvolvidos e
subdesenvolvidos. De acordo com a classificação estabelecida pela
Organização Mundial de Saúde (1), 54% dos adultos nos Estado Unidos
estão com sobrepeso (índice de massa corporal - IMC > 25kg/m2) e 22% estão obesos (IMC > 30kg/m2). O primeiro, segundo e terceiro National Health and Nutrition Examination Surveys
(NHANES-I a III, apud 2), conduzidos nos Estados Unidos de 1971-74,
1976-80 e 1988-91, respectivamente, mostraram que, apesar dos 33
bilhões de dólares movidos pela indústria de "como perder peso", o
número de casos de obesidade vem aumentando significativamente sem
diferenças raciais ou sociais. Em 1976-80, a estimativa feita pelo
NHANES mostrou que 25,4% dos adultos entre 20-74 anos apresentavam
IMC > 27,5kg/m2, enquanto a estimativa realizada em 1988-91 aumentou para 33,3% (2).
A
obesidade é considerada uma epidemia mundial (1,3). No Brasil, as
mudanças demográficas, sócio-econômicas e epidemiológicas ao longo do
tempo permitiram que ocorresse a denominada transição nos padrões
nutricionais, com a diminuição progressiva da desnutrição e o aumento
da obesidade (4-7). Isso se torna um problema de saúde pública, uma
vez que as conseqüências da obesidade para a saúde são muitas, e
variam do risco aumentado de morte prematura a graves doenças não
letais, mas debilitantes e que afetam diretamente a qualidade de vida
destes indivíduos (tabela 1).
A obesidade é freqüentemente associada com hiperlipidemia (8-10) e
diabetes mellitus tipo 2 (DM2) (10), duas condições intimamente
relacionadas com doenças cardiovasculares (11-13).
Assim
que as conseqüências da obesidade para a saúde foram demonstradas,
muitos estudos têm sido realizados com o objetivo de identificar os
principais fatores que contribuem para o seu desenvolvimento. A
importância genética na etiologia da obesidade também tem sido foco
de pesquisa em todo o mundo. A identificação e seqüenciamento do gene
ob, que codifica o peptídeo leptina, e a descoberta que o
defeito neste gene parece ser a simples causa da obesidade em ratos ob/ob
(15), tem gerado considerável interesse no estudo da genética da
obesidade. No entanto, existem poucas evidências sugerindo que
algumas populações são mais susceptíveis à obesidade por motivos
puramente genéticos; além disto, o substancial aumento na prevalência
da obesidade observado nos últimos 20 anos não pode ser justificado
por alterações genéticas que teoricamente teriam ocorrido neste
pequeno espaço de tempo (16,17). Deste modo, alguns autores enfatizam
o fato de que a diferença na prevalência da obesidade em diferentes
grupos populacionais está muito mais atribuída aos chamados fatores
ambientais (17,18), em especial à dieta (1,18-20) e à atividade
física (1,3,18,19,21-23) que, interagindo com fatores genéticos,
poderia explicar o acúmulo de excesso de gordura corporal em grandes
proporções na população mundial (24,25).
A
obesidade não é uma doença singular, e sim um grupo heterogêneo de
condições com múltiplas causas que, em última análise, refletem no
fenótipo obeso (17). O balanço energético positivo, que ocorre quando
o valor calórico ingerido é superior ao gasto, é importante
contribuidor para o desenvolvimento da obesidade, promovendo aumento
nos estoques de energia e peso corporal. O início da manutenção de um
ba lanço calórico positivo relativo às necessidades do organismo
pode ser conseqüência tanto de aumento na ingestão calórica, como
redução no total calórico gasto, ou os dois fatores combinados (26).
Dados recentes encontrados em nosso laboratório demonstraram a alta
incidência de sedentarismo na população obesa. Em nosso estudo, 80%
das participantes não praticava qualquer atividade física (27). Além
disto, o processo de modernização e transição econômica observado na
maioria dos países tem promovido alterações na industrialização da
produção alimentícia, que colabora para o consumo de dietas ricas em
proteína e gordura e baixa em carboidratos complexos (28). Atualmente,
existe maior quantidade de alimentos disponíveis, enquanto a demanda
energética da vida moderna tem caído drasticamente. Estudo realizado
com crianças nos EUA (29) demonstrou que, aproximadamente, um terço
do consumo calórico diário das crianças é realizado na escola, onde
88,5% do estoque das lanchonetes é rico em gordura e/ou açúcar. Em
estudo relatado por Mahan e Escott-Stump (28), realizado com 264
trabalhadores (203 homens e 61 mulheres), foi observado que 81,9% dos
indivíduos consumia lipídios acima de 30% do total calórico
ingerido, dado semelhante ao encontrado na população norte-americana
(28). Metade das mulheres ingeria acima de 40% de lipídios na dieta e
a freqüência de sobrepeso era de 43,9%, enquanto a de indivíduos
obesos era de 23,1%. Outro dado interessante observado pelo grupo foi
que a maioria dos trabalhadores realizava apenas três refeições
diárias e 43% dos indivíduos obesos tinham o jantar como a maior
refeição. Há indícios de que o padrão de alimentação hiperlipídica,
hiperprotéica e hipoglicídica esteja se repetindo também no Brasil.
Estudos realizados com mulheres obesas brasileiras por nosso grupo
demonstraram que mais de 30% do total calórico ingerido por esta
população era proveniente de lipídios (30-35), o que demonstra
ingestão semelhante à encontrada nos países desenvolvidos,
caracterizando esta dieta como ocidentalizada.
A
tendência secular no aumento da obesidade parece ocorrer
paralelamente à redução na prática de atividade física e aumento no
sedentarismo (36). O hábito da prática de atividade física é
influenciado na criança pelos pais, e quando desenvolvidos nesta
fase, tendem a se manter do mesmo modo até a fase adulta (37). Além
disso, uma redução natural no gasto energético é observada com a
modernização, ocasionando estilo de vida mais sedentário com
transporte motorizado, equipamentos mecanizados que diminuem o
esforço físico de homens e mulheres tanto no trabalho como em casa
(1). Já foi demonstrada uma redução de aproximadamente 600kcal com a
diminuição do tempo despendido com brincadeiras de rua e o aumento do
tempo assistindo televisão; do mesmo modo, cortar grama com as mãos
gastava aproximadamente 500kcal/h, enquanto, com a utilização de
cortadores elétricos de grama, o gasto diminuiu para 180kcal/h, lavar
as roupas no tanque consumia aproximadamente 1500kcal/dia enquanto
usar a máquina de lavar requer apenas 270kcal/2h para a mesma
quantidade de roupas (36). De fato, poucas atividades hoje em dia são
classificadas como muito ativas, enquanto há algumas décadas atrás,
várias atividades tinham esta característica (1). No entanto, é muito
difícil estabelecer uma relação de causa e efeito entre o IMC e o
grau de atividade física, mas sabe-se que a redução na atividade
física diária afeta direta e indiretamente (através da TMB) o gasto
energético diário do indivíduo. Os três principais componentes do
gasto energético diário (figura 1)
são: a taxa metabólica basal (TMB), o efeito térmico dos alimentos
(ETA) e a prática de atividade física (AT) (38,39). Vários autores já
demonstraram relação inversa entre TMB e IMC em animais (40) e
redução da TMB e aumento de peso corporal em humanos (41,42).
Deste
modo, o sedentarismo e os hábitos nutricionais parecem representar o
principal fator de risco no desenvolvimento da obesidade mundial
(1,6,26). O Brasil parece estar seguindo esta mesma linha, visto que
em 1997 a prevalência de obesidade no país foi estimada em 11% da
população residente nas regiões nordeste e sudeste (43), enquanto em
1989 era de 9,6% e em 1974 era de 5,7% (5). Levantamento do
Ministério da Saúde referente ao ano de 1993 demonstra que cerca de
15% da população adulta já se encontra com sobrepeso.
Obesidade e Dieta Hiperlipídica
A
literatura indica que não só os totais de energia ingerida e gasta
regulam a quantidade dos estoques corporais, como proposto por Flatt
(44,45) e aceito por muitos autores (24,25,46-48). O balanço de cada
macronutriente parece possuir um rigoroso controle para ajustar seu
consumo com sua oxidação (e vice-versa) e manter um estado de
equilíbrio. Flatt (44) afirma que o balanço de nitrogênio e de
carboidratos é facilitado pela capacidade do organismo em ajustar as
taxas de oxidação de aminoácidos e de glicose, respectivamente, em
relação aos seus consumos alimentares. No caso das gorduras, esse
ajuste é bem menos preciso e o aumento no seu consumo não estimula
proporcionalmente a sua oxidação. Além disso, a eficiência com que o
lipídio da dieta é estocado como gordura corporal é alta, cerca de
96% (1). O aumento na ingestão lipídica induzirá ao balanço lipídico
positivo e, conseqüentemente, ao acúmulo na massa adiposa corporal
(44,45). Em animais, os estudos apontam que a alimentação
hiperlipídica é um componente importante na etiologia da obesidade,
já que dietas hiperlipídicas comprovadamente levaram ao excesso de
gordura corporal em macacos, cães, suínos, esquilos, hamsters e ratos
(49,50), sendo que as causas dessa resposta ainda não estão claras.
No entanto, acredita-se que dietas hiperlipídicas conduzam a
hiperfagia, ou causem efeitos metabólicos independentemente desta
(51), como redução na secreção de leptina (52) ou limitação na sua
capacidade de atuação (53). A leptina é uma proteína circulante
produzida, proporcionalmente, pela massa de tecido adiposo e age no
sistema nervoso aumentando a saciedade (54,55). No caso de redução de
sua secreção ou resistência à sua ação, haveria um aumento da
ingestão alimentar devido a uma falha no mecanismo de saciedade, o
que poderia ocasionar aumento de adiposidade (52). O efeito da dieta
rica em lipídio na concentração de leptina parece depender do tipo de
gordura consumida (56), do tecido adiposo (57) e do tempo de consumo
da ração hiperlipídica, visto que animais tratados por 12 dias não
tiveram suas concentrações de leptina alteradas (58), enquanto
estudos realizados após 4 e 14 semanas encontraram redução nas
concentrações plasmáticas de leptina (52), e outro realizado por 20
semanas demonstrou aumento nas concentrações de leptina (59). Apesar
de alguns trabalhos demonstrarem redução nas concentrações
plasmáticas de leptina com dieta rica em gordura em ratos (52) e
humanos (60), alguns estudos demonstram que esta redução ocorre
quando a dieta é rica em gordura insaturada (56).
No
entanto, outras possibilidades existem para justificar o aumento da
adiposidade decorrente da dieta hiperlipídica. No estudo desenvolvido
por Lladó e cols. (61), os autores observaram redução na atividade
lipolítica do tecido adiposo retroperitoneal após ingestão de dieta
de cafeteria. Segundo os autores, esta redução foi conseqüência da
alteração dos receptores adrenérgicos, com aumento dos receptores a
nos machos e redução dos receptores b nas fêmeas, resultando, assim, em aumento do tecido adiposo retroperitoneal.
O
motivo pelo qual os lipídios da dieta podem conduzir a hiperfagia
deriva das suas propriedades organolépticas (48), tais como alta
palatabilidade, textura característica (20,62) e grande utilidade e
versatilidade como ingrediente culinário (63). Inclusive em ratos,
uma dieta hiperlipídica é preferencialmente consumida quando os
animais podem escolher entre três rações, sendo cada uma fonte de um
dos macronutrientes (64). Fisiologicamente, dentre todos os outros
macronutrientes, os lipídios são os que apresentam a maior densidade
energética e a maior capacidade de estoque no organismo (1).
No
entanto, alguns autores acreditam que o tipo de lipídio ingerido na
dieta também pode influenciar o acúmulo de adiposidade, visto que
alguns trabalhos mostram significativa correlação entre percentual de
gordura corporal e percentual de gordura saturada e monoinsaturada
ingerida na alimentação (65). Matsuo e Suzuki (66) também encontraram
alteração na afinidade dos receptores b-adrenérgicos
no tecido adiposo marrom, no coração e no músculo sóleo
decorrente de dieta hiperlipídica rica em ácidos graxos saturados.
Awad e Zepp (67) já haviam demonstrado, em 1979, que ratos alimentados
com dieta rica em ácidos graxos saturados apresentavam menor taxa de
lipólise do que animais alimentados com dieta rica em ácidos graxos
polinsaturados, devido à menor atividade da lipase hormônio-sensível.
Em outro estudo mais recente, Awad e Chattopadhyay (68) demonstraram
que a dieta rica em ácidos graxos saturados altera a composição do
triacilglicerol nos adipócitos, modificando a posição dos ácidos
graxos. Deste modo, os autores acreditam que uma possibilidade para a
redução na atividade lipolítica resultante da dieta rica em ácidos
graxos saturados seja conseqüência de uma menor afinidade entre a
lipase hormônio-sensível e o triacilglicerol modificado. Outros
autores já demonstraram que a ingestão de ácidos graxos saturados
promove acúmulo de adiposidade por diminuição da atividade da
lipoproteína lipase devido a uma redução da atividade simpática no
tecido adiposo marrom, coração e músculo esquelético (66,69). A
atividade do complexo carnitina palmitoil-transferase (CPT) e,
conseqüentemente, a b oxidação também
foram reduzidas com a ingestão de ácidos graxos saturados (69). Na
revisão escrita por Pan e cols. (70) sobre diferentes tipos de ácidos
graxos, alterações nas membranas fosfolipídicas e obesidade, os
autores descrevem que, além dos ácidos graxos saturados serem
oxidados mais lentamente devido, parcialmente, à reduzida taxa de
absorção pelas células intestinais, e subseqüente reduzida taxa de
reesterificação, estes ácidos graxos promovem alterações nas
membranas celulares que, por fim, reduzem a taxa metabólica basal
destes animais contribuindo para o aumento da adiposidade dos mesmos.
Estas alterações nas membranas decorrem de redução nas atividades de
enzimas que participam da biossíntese de ácidos graxos denominadas
de desaturases, em adaptação à alta ingestão de ácidos graxos
saturados. Esta redução resulta em maior disponibilidade de ácidos
graxos saturados, que acabam compondo as membranas celulares em maior
quantidade, aumentando sua saturação. Já foi de monstrado que o
aumento da saturação das membranas celulares alteram a funcionalidade
da bomba de sódio e potássio, reduzem o transporte de elétrons nas
membranas mitocondriais, entre outras modificações na função de
permeabilidade e regulação de transportes pela membrana celular.
Sabe-se que, por exemplo, a importância quantitativa do transporte de
sódio no consumo energético celular contribui com 20% da taxa
metabólica basal em humanos. Segundo Pan e cols. (70), estas
alterações na composição das membranas celulares, por fim, reduzem as
taxas metabólica basais de animais e humanos que ingerem grande
quantidade de ácidos graxos saturados, contribuem para o aumento da
adiposidade nestas situações.
Obesidade e Intolerância à Glicose
A
obesidade é comumente associada a um conjunto de doenças
metabólicas, como hipertensão, arterosclerose, dislipidemia e
diabetes mellitus tipo 2 (9). Esta síndrome tem sido denominada
"Síndrome Metabólica" ou "Síndrome X" (71). Os componentes dessa
síndrome são caracterizados pela hiperinsulinemia e por diferentes
intensidades de resistência à insulina, que explicam a relação entre
várias anormalidades e a obesidade (72).
A
distribuição da gordura corporal parece exercer grande influência
nas anormalidades associadas à obesidade. Resistência à insulina
(73-75), anormalidades do perfil glicídico e lipídico (76), dos
ácidos graxos livres (AGL) (73) e de seus metabolismos são mais
prováveis em indivíduos que possuem obesidade central (abdominal) em
relação àqueles com obesidade inferior (femoral). Mulheres com
obesidade central, por exemplo, são mais propensas a diabetes do que
aquelas que possuem obesidade menor na área abdominal. Recente estudo
(77) realizado com a população japonesa que reside no Brasil
demonstrou que pessoas portadoras de distúrbios na tolerância à
glicose, dislipidemia ou hipertensão, tendiam a possuir IMC maior na
fase adulta e ganhavam mais peso em espaço menor de tempo. Estes
indivíduos também apresentaram maior relação cintura-quadril. O
estudo também demonstrou que o risco de desenvolver distúrbios na
tolerância à glicose isoladamente ou associado à hipertensão e à
obesidade abdominal aumentou para 2% e 15%, respectivamente, por
unidade percentual de ganho de peso quando comparado com indivíduos
que mantiveram o peso estável. Outro estudo realizado por Smith e
cols. (78) demonstrou correlação positiva entre a concentração de
insulina e o balanço lipídico durante ingestão de dieta rica em
lipídio e baixa em carboidrato por indivíduos normais.
Os
dois tipos principais de diabetes são: tipo 1, que é originário da
destruição auto-imune nas células pancreáticas produtoras de insulina
(células b) levando, geralmente, a uma
deficiência sistêmica dessehormônio; e tipo 2, que corresponde
predominantemente à resistência à ação da insulina (79,80).
Resistência à insulina significa uma diminuição na capacidade da
insulina em estimular a utilização de glicose (81), seja com
deficiência no receptor de insulina ou com defeito em algum mecanismo
pós-receptor durante sua utilização (80). Há também um estágio
intermediário entre a homeostase normal da glicose e o diabetes, que é
a intolerância à glicose ou tolerância à glicose prejudicada ou
diminuída (80). Fatores ambientais estão descritos como causas dessa
condição, tais como infecções, citotoxicidade ou outras lesões nas
células b, sedentarismo, obesidade,
desnutrição, estresse, hormônios, doenças pancreáticas entre outros
(78). O diabetes tipo 2 é o mais comum, atingindo mais de 90% dos
casos de diabetes (82), e é o tipo de diabetes associado com estilo
de vida e hábitos da cultura moderna (83).
O
transporte de glicose para as células de mamíferos é essencial para a
sobrevivência. Grande parte da glicose circulante no estado
pós-absortivo é captada por órgãos independentes da insulina: cérebro
(50%) e órgãos esplânicos (25%), sendo que apenas o restante (25%) é
utilizado em tecidos dependentes de insulina, principalmente a
musculatura esquelética, e, em segundo lugar, o tecido adiposo (84).
No entanto, qualquer desequilíbrio nesta captação de glicose
periférica pode levar à intolerância à glicose ou mesmo ao diabetes
mellitus. A principal forma de entrada de glicose nas células é
através de difusão facilitada, com participação de proteínas de
membrana específicas, tais como GLUT 1 e GLUT 4 (85-87). A insulina
age no receptor localizado na membrana plasmática, desencadeando uma
cascata de sinais intracelulares, envolvendo principalmente reações
de fosforilação citosólica (87,88), provocando a translocação das
vesículas contendo GLUT 4, que finalmente captam a glicose circulante
para o interior da célula.
Como
afirmado anteriormente, em ratos alimentados com excesso de gordura,
já se observou desenvolvimento de obesidade (89-92), aumento da
pressão arterial (93-95) e redução na ação da insulina sistêmica
muscular e em adipócitos (90,96-102). No entanto, alguns trabalhos
demonstraram que alterações na resistência à insulina são
independentes da adiposidade, mas estão estreitamente relacionadas
com a ingestão de gordura (98,103) ou com o tipo de gordura ingerida
(102,104-108). Este é um dado muito importante, visto que alguns
trabalhos demonstram que alteração na ação da insulina seria
responsável por desencadear as outras conseqüências da síndrome X. As
pressões sistólica e diastólica em indivíduos obesos foram reduzidas
significativamente com a redução na insulinemia (109), e a resposta
insulinêmica durante o teste oral de tolerância à glicose em
indivíduos obesos e hipertensos foi fortemente correlacionada com a
pressão arterial elevada encontrada neste grupo (110). Deste modo,
muitos autores acreditam que a resistência à insulina, por si só ou
agindo através da hiperinsulinemia, seria responsável pelas
alterações na pressão sangüínea em indivíduos obesos através de
alterações como: aumento da retenção de sódio e reabsorção de água
pelos rins, ativação do sistema nervoso simpático e alteração no
transporte de eletrólitos através da membrana celular entre outras
(9). Nesta mesma linha, outros estudos demonstraram que a resistência
à insulina e a hiperinsulinemia ocorrem antes de outras
manifestações da síndrome metabólica, podendo ser o fator
determinante e desencadeador desta síndrome (9,111). Essa observação é
muito próxima do interessante estudo de Barnard e cols. (112) sobre
efeitos da dieta hiperlipídica com açúcar refinado em aspectos da
síndrome metabólica. Para isso, os autores compararam esta
alimentação com a dieta controle (hipolipídica e rica em carboidratos
complexos) em ratas fêmeas durante 2 semanas, 2 meses e 2 anos sobre
o transporte muscular de glicose estimulado pela insulina, a
insulinemia, a pressão arterial, os triacilglicerol e glicerol
séricos, o peso corporal e a gordura corporal. Os autores
demonstraram que a resistência à insulina e a hiperinsulinemia
ocorrem antes das outras manifestações da síndrome metabólica, e que a
dieta, e não a obesidade, foi a primeira causa. Nesta mesma linha,
Haffner e cols. (111) sugeriram que a síndrome X fosse nomeada de
síndrome da resistência à insulina, a fim de reforçar o fato de que
esta resistência é o fator determinante para iniciar o processo de
estabelecimento desta síndrome.
Uma
das explicações para o desenvolvimento da resistência periférica à
ação da insulina nos indivíduos obesos estaria relacionada à maior
ingestão de lipídios, comum na dieta de pessoas obesas, que não seria
acompanhada por aumento imediato de sua oxidação, mas o excesso de
ácidos graxos livres (AGL) seria estocado em diferentes tecidos, além
das células adiposas. Muitos estudos comprovam que há aumento da
oxidação lipídica em pacientes obesos que possuem grande ingestão de
lipídios e elevadas taxas de lipólise (diretamente correlacionada com
o estoque de gordura corporal) (113,114). Essa preferência de
utilização de AGL derivados dos estoques de triacilglicerol como
substrato energético (115,116), seria responsável pela diminuição da
mobilização de glicose via glicogênio. Isto levaria a um feedback
negativo do glicogênio muscular e hepático sobre a atividade de
glicogênio-sintetase e, conseqüentemente, no estoque de glicose. O
resultado seria a intolerância à glicose e a resistência periférica à
ação da insulina. O quadro de diabetes se desenvolve em obesos após
período de intolerância à glicose, quando a glicemia se mostra acima
dos valores normais (117), o que conduz, na maioria dos casos, a um
estado de hiperinsulinemia.
O
estudo da ingestão hiperlipídica vem recebendo muita atenção,
especialmente quanto às alterações na ação da insulina. Já foram
observadas tais alterações em ratos que permaneceram consumindo ração
hiperlipídica por 7 dias (97), 10 dias (96), 3 semanas (102), 4
semanas e 32 semanas (100). Em cachorros, a captação de glicose
(µmol/kg-1/min-1), medida através de clamp
euglicêmico-hiperinsulinêmico, diminuiu de 72 ± 6 para 49 ± 7 após 1
semana de alimentação hiperlipídica, e para 29 ± 3 após 3 se manas
(99). O uso de um análogo de glicose marcada (2-deoxiglicose-H3)
possibilitou o estudo da ação da insulina em tecidos isoladamente
(118). Usando esta técnica, trabalhos demonstraram que a resistência à
insulina ocorre primeiramente no fígado em um período de tempo
muito curto (3 dias), seguido de prejuízo na ação insulínica em
diversos tecidos como músculos esqueléticos (116,119) e tecido
adiposo branco e marrom em 3 semanas (119).
Esses
efeitos são dependentes não apenas da quantidade de gordura
ingerida, mas também do tipo, em especial ao tamanho e número de
insaturações (120). A exposição prolongada de adipócitos a ácidos
graxos saturados causou resistência à ação da insulina nestas células
(121). Enquanto que a maior relação entre lipídios w-6 e w-3
ingeridos na dieta aumentou a insulinemia de jejum, apontando para
um efeito protetor dos lipídios polinsaturados do tipo w-3 (122-124).
Muitos
estudos tentaram identificar as causas das alterações na captação de
glicose em função da alimentação hiperlipídica; no entanto, ainda há
muita controvérsia. Alguns autores acreditam que esta redução na
ação da insulina, quando decorrente de alta ingestão de ácidos graxos
saturados (121,125), é conseqüência de uma modificação no perfil
lipídico da membrana celular onde, quanto mais saturada a membrana
fosfolipídica muscular, maior a resistência à ação da insulina neste
tecido (123). Neste sentido, alguns trabalhos demonstram que, quanto
maior o grau de obesidade, maior a saturação da membrana muscular
(126). Por outro lado, alguns trabalhos indicam um efeito protetor de
lipídios polinsaturados de cadeia longa do tipo w-3
(98,122). Wilkes e cols. (102) encontraram resistência à ação da
insulina na musculatura esquelética de ratos alimentados com dieta
hiperlipídica; no entanto, na ausência de insulina, houve aumento da
captação basal de glicose nos músculos esqueléticos com maior teor de
fibras oxidativas. Estes resultados levaram os autores a postularem
que este aumento da captação basal de glicose poderia ser um efeito
compensatório devido ao prejuízo na captação de glicose estimulada
pela insulina, visto que, de acordo com o estudo de Storlien e cols.
(104), este prejuízo foi mais evidente em músculos esqueléticos com
característica predominantemente oxidativa. De acordo com resultados
posteriores deste mesmo grupo (127), o aumento na captação basal de
glicose em músculos com maior característica oxidativa é decorrente
da composição de ácidos graxos na dieta, visto que os autores também
encontraram esta elevada captação basal, mas após suplementação de
ácidos graxos w-3 na dieta hiperlipídica
rica em ácidos graxos saturados. Em acordo com estes resultados,
Storlien e cols. (123) demonstraram que, quanto maior a relação w-6/ w-3
na ingestão alimentar, maior a insulinemia de jejum. Nesta mesma
linha, relação positiva entre ingestão de ácidos graxos
polinsaturados w-6 e insulinemia de jejum já
foram demonstradas (108), enquanto um efeito benéfico no controle
glicêmico em indivíduos diabéticos foi observado por Raheja e cols.
(128) quando houve redução na relação w-6/ w-3 ingerida por estes indivíduos.
O
trabalho de Hansen e cols. (129) estudou possíveis alterações em
algumas vias da cascata de sinalização insulínica em conseqüência do
consumo crônico de dietas hiperlipídicas. Incubando músculos
epitrocleares de ratos alimentados por 8 ou 30 se manas com tal
dieta, os autores não observaram alterações na captação de glicose
via GLUT-1, no conteúdo de receptores de insulina e de IRS-1, e na
atividade de tirosina-quinase do receptor de insulina (apenas nas 8
semanas, já houve redução nesta atividade nos animais acompanhados
por 30 semanas). No entanto, o resultado mais interessante observado
pelos autores foi que, em 8 semanas de alimentação rica em lipídios,
houve redução na translocação de GLUT-4 tanto mediada pela insulina
como pela contração muscular. Alguns autores acreditam que esta
redução na translocação de GLUT-4 seja conseqüência de uma adaptação
do metabolismo energético a um aumento das concentrações de
triacilglicerol nos tecidos musculares e/ou ácidos graxos livres
plasmáticos em conseqüência da dieta hiperlipídica, resultando em
aumento da oxidação de lipídios (81,98,115,116,127,130-132). Pan e
cols. (115) demonstraram, em humanos, que a resistência à insulina
estava significativamente relacionada com o conteúdo muscular de
triacilglicerol, independentemente de medidas de obesidade como IMC.
Pagliassotti e cols. (103) demonstraram resultados semelhantes com
ratos alimentados com dieta hiperlipídica, onde a redução da ação da
insulina ocorreu independente de alterações na gordura corporal dos
animais.
Acredita-se
também que uma alteração nos transportadores de glicose possa ser a
causa do defeito na ação da insulina, principalmente pela redução nas
atividades do transportador de glicose, GLUT-4, em músculos
(129,133) e também no tecido adiposo (57) após a administração de
dietas hiperlipídicas em ratos. Alguns autores supõem que os
aminoácidos poderiam ter importantes implicações nos mecanismos
pós-receptor de insulina que dificultariam a translocação das
vesículas portadoras de GLUT-4 (134). Lancha Jr. (135,136) encontrou
transporte de glicose prejudicado no músculo esquelético de ratos wistar
que foram suplementados com aspartato (45mg/kg/dia) e asparagina
(45mg/kg/dia) durante 5 semanas, quando comparados com grupo controle
(sem suplementação). Como não foi encontrada, nos ratos
suplementados, nenhuma alteração na atividade da enzima
tirosina-quinase (responsável pela alteração conformacional do IRS-1
durante os primeiros eventos intracelulares) (134), os aminoácidos
podem ter interferido em qualquer um dos numerosos episódios
pós-receptor (116).
Desta
forma, o elevado consumo de lipídios e baixo consumo de carboidratos
na dieta dos indivíduos obesos (82) poderia ser responsável por
elevar a concentração plasmática de ácidos graxos (AG) e reduzir a
glicemia. A elevada trigliceridemia favorece a disponibilidade de
ácidos graxos livres (AGL) pela ação da lipoproteína lipase (LPL),
resultando em maior oxidação de lipídios (113,114), como descrito
anteriormente. No entanto, para que este processo seja desencadeado e
o Ciclo de Krebs aconteça regularmente, há necessidade do
fornecimento de oxaloacetato na mesma proporção que acetil-CoA. Em
condições normais, quem faz este papel é, inicialmente, o glicogênio
com pouca participação da glicose plasmática e, depois, quando ocorre
redução destes estoques, a glicose plasmática assume esta função de
fornecimento de oxaloacetato através da via glicolítica (137).
Contudo, quando a concentração de glicose está reduzida devido ao
jejum ou ao baixo consumo de carboidratos na dieta, por exemplo, o
fornecimento de oxaloacetato passa a ser feito através do
processamento de aminoácidos como isoleucina, valina, aspartato e
asparagina, que podem ser processados no tecido muscular a fim de
gerar intermediários do Ciclo de Krebs (como succinato e
oxaloacetato), mantendo o funcionamento do mesmo por vias anapleróticas
(138-141). Estes aminoácidos cedem sua cadeia carbônica para gerar
intermediários do ciclo e liberam amônia no interior do tecido
muscular (142). Neste caso, a amônia liberada na célula muscular será
deslocada para o a-cetoglutarato, gerando
o glutamato e, com mais uma amônia, glutamina. Esta é normalmente
utilizada como fonte energética pelas células intestinais e do
sistema imunológico. No entanto, mediante a sua alta produção, ocorre
estímulo da via das hexosaminas (143,144), que, por fim, gera
glicosamina-6-fosfato além de outros produtos (145). Esta substância
poderia glicosilar algumas proteínas pós-receptor de insulina
prejudicando a captação de glicose (146-148).
Recentemente,
muitos estudos têm sido direcionados para obesidade e metabolismo de
carboidratos e lipídios. No entanto, poucos têm discutido a relação
do acúmulo de gordura corporal e o metabolismo de aminoácidos. No
estudo desenvolvido por Solini e cols. (149), os autores afirmam, em
suas conclusões, que a oxidação de proteína tem correlação positiva
com a oxidação de glicose e negativa com a de lipídios em mulheres
obesas, e que estas alterações são decorrentes de resistência à
ação da insulina sobre a piruvato e a a-cetoácido-desidrogenase.
Estas alterações metabólicas propostas por Solini e cols. (149)
estão em desacordo com a hipótese da glicosilação descrita acima,
decorrente de maior oxidação de aminoácidos devido à restrição de
carboidratos nesta população. No entanto, Solini investigou apenas a
oxidação de leucina, aminoácido ramificado que fornece acetil-CoA
através da ação da leucina-aminotransferase, que normalmente é
inibida alostericamente pelo aumento da concentração de acetil-CoA,
fato comum no metabolismo de indivíduos obesos que possuem maior
participação lipídica no fornecimento de energia. Por outro lado,
outros estudos demonstraram que a taxa de proteólise corporal total
de mulheres obesas é elevada em relação a mulheres não obesas
(150,151), e que esta taxa é reduzida em decorrência da diminuição,
com conseguinte manutenção, do peso corporal resultante de dieta
balanceada e incentivo a prática regular de atividade física (151).
Alguns estudos demonstraram que a suplementação de aspartato e
asparagina em ratos saudáveis desencadeia alterações na
ultra-estrutura muscular (152) e resistência à ação da insulina
(135,136,153,154), que foi revertida com a introdução de atividade
física (155-157). De acordo com a hipótese proposta por Traxinger e
Marshall (145) e aceita por outros (143,144), a maior ativação da via
das hexosaminas seria responsável pela resistência à insulina neste
processo.
Por outro
lado, alguns autores acreditam na hipótese da glicotoxicidade onde a
hiperglicemia crônica poderia provocar falência das células b
das ilhotas de Langerhans sem um aumento compensatório na taxa de
síntese destas células, resultando em deficiência na secreção de
insulina (158,159). A hiperglicemia crônica poderia levar a várias
alterações como: redução dos transportadores de glicose localizados
nas células b (GLUT-2), redução da
quantidade de transportadores GLUT-4 nos tecido musculares
esqueléticos ou da capacidade de cada transportador carrear glicose,
ou ainda de uma glicação de algumas proteínas e/ou enzimas envolvidas
no metabolismo da glicose, como a glicoquinase, localizada nas
células b, que age como "sensor de
glicose" nestas células (158). Yki-Järvien, em sua revisão sobre
toxicidade da glicose (160), relata vários estudos onde, após a
hiperglicemia ser mantida por 24 horas ou mais, a taxa de captação de
glicose estimulada pela insulina foi reduzida principalmente nos
tecidos musculares de ratos. Após a correção seletiva da
hiperglicemia com a utilização de florizan, que diminui a reabsorção
de glicose no túbulo proximal provocando a glucosúria, houve aumento
de GLUT-4 na membrana plasmática, sugerindo que a glicotoxicidade
pode envolver alterações neste transportador de glicose. No entanto,
pouco se sabe sobre os efeitos da hiperglicemia em humanos, devido às
dificuldades encontradas para realização deste tipo de experimento,
visto que a quantidade de tecido muscular obtida nestes casos é
limitada, além da toxicidade do florizan. Deste modo, as conclusões
sobre glicotoxicidade em humanos são indiretas e deduzidas com base
nas seguintes evidências: 1) a sensibilidade periférica à insulina é
normal em pacientes com diabetes mellitus do tipo 1 normoglicêmicos;
2) a hiperglicemia produz, em 24 horas, defeito na captação de
glicose pelo tecido muscular, o que tipicamente caracteriza
resistência à insulina nestes pacientes; 3) a resistência à ação
periférica da insulina pode ser amenizada nestes pacientes com melhor
controle da glicemia sem aumentar a dose de insulina (160).
MODELOS EXPERIMENTAIS DE OBESIDADE
O
estudo da obesidade em humanos, provavelmente, responderia muitas
dúvidas correntes neste tópico. No entanto, pesquisas com humanos têm
óbvias limitações éticas, financeiras, além de estudo em animais
permitir grande quantidade de pesquisas e resultados. Além disto,
animais de laboratório podem ser mantidos em condições rigidamente
controladas consumindo dieta controlada e mantidos livre de patógenos
e germes. O fato de animais de laboratório também se tornarem obesos
espontaneamente, se alimentando de ração comercial, ou através de
outras manipulações, abriu novas áreas para pesquisa na área da
obesidade. Mesmo que estes modelos animais não possam ser
considerados exatamente os modelos de obesidade em humanos, eles
ainda são de grande valor no estudo das condições bioquímicas,
fisiológicas e patológicas necessárias para o acúmulo excessivo de
adiposidade. Nos últimos 20 anos, aumentou muito o conhecimento sobre
diversos fatores que contribuem para o desenvolvimento da obesidade,
e as conseqüências endócrinas e metabólicas desta doença. Muito
deste conhecimento foi derivado de estudos em modelos de obesidade
animal. Estudos sobre as causas e tratamentos da obesidade têm sido
desenvolvidos em animais que apresentam esta característica através
de lesão neural, alterações endócrinas, anormalidades genéticas e
alterações alimentares (89).
Atualmente,
mais de 30 modelos genéticos de obesidade animal estão descritos na
literatura. A obesidade pode ser herdada através de defeito de um
único gene ou de múltiplos genes (conhecida como herança poligênica).
No primeiro caso, a obesidade é resultado da alteração ou perda de
um único peptídeo que, teoricamente, deveria ser detectado e
corrigido, mas, na prática, esta primeira lesão desencadeia tantas
anormalidades metabólicas que, por fim, impossibilitam sua detecção
(161). Neste grupo, encontram-se ratos com mutações que afetam
tecidos periféricos como ocorre em animais que apresentam expressão
aumentada da GPDH (glicerol 3-fosfato desidrogenase). Esta
enzima catalisa a redução de dihidroxiacetona a glicerol 3-fosfato,
um precursor da síntese de triacilglicerol. Ratos que possuem a
atividade desta enzima aumentada de 50 a 200 vezes apresentam peso
corporal normal, mas com excessivo acúmulo de adiposidade no tecido
marrom subescapular. Camundongos, que apresentam expressão aumentada
de GLUT-4 especificamente no tecido adiposo, têm sido utilizados no
estudo da obesidade por apresentarem maior quantidade de gordura
corporal devido à hiperplasia do tecido adiposo. Alguns animais que
não possuem lípase hormônio-sensível (enzima que hidrolisa
triacilglicerol em glicerol e ácidos graxos) devido à alteração
genética, apresentam aumento de 65% no tecido adiposo marrom comparado
com controle. Estes camundongos também têm sido utilizados nos
estudos da obesidade. Além destas alterações, as mutações de um único
gene podem afetar o sistema nervoso central, funções
neuroendócrinas, mecanismos periféricos de saciedade entre outros
(162).
Todavia, casos de
obesidade humana caracterizados por esta herança monogênica são
raros. A determinação poligênica da obesidade é decorrente de
alterações que influenciam diversos fatores, como taxa metabólica,
apetite, taxa de crescimento, que, por fim, desencadeiam o quadro de
obesidade. Alguns roedores (como ratos Sprague-Dawley), que são
particularmente propensos a desenvolver obesidade através da dieta
rica em gordura ou dieta de cafeteria, também estão classificados
neste grupo de obesidade poligênica. A linhagem C57B1/6J, por
exemplo, se torna obesa quando alimentada com alto teor de gordura,
além de apresentar hiperglicemia, hiperinsulinemia e hiperlipidemia.
Do mesmo modo, a linhagem AKR/J tem suas células adiposas aumentadas
em decorrência de dieta hiperlipídica (162).
Estas
predisposições genéticas para o desenvolvimento da obesidade através
de dietas com alta densidade energética são um modelo mais realista e
apropriado para o estudo da obesidade humana do que a alteração de
um único gene (161,163). No entanto, algumas alterações encontradas
na obesidade em humanos não ocorrem nestes modelos genéticos de
obesidade animal. Normalmente, o aumento do tecido adiposo é
acompanhado de aumento da massa magra em humanos, justificada por
alguns autores como uma adaptação do organismo frente à necessidade
de carregar uma carga maior; no entanto, no caso da obesidade
desencadeada geneticamente em animais, a massa magra é normalmente
pouco desenvolvida, o que, em alguns casos, representa uma
característica da síndrome (164). Além disto, algumas diferenças
hormonais também distanciam os modelos genéticos de obesidade animal
da obesidade humana. A função da tiróide em ratos ob/ob,
por exemplo, é diminuída e, conseqüentemente, a concentração dos
hormônios tiroideanos também. Na obesidade humana é diferente: o
hipotiroidismo dificilmente representa a causa da obesidade, e as
concentrações de T4 e T3 tendem a ser mais
altas ao invés de reduzidas (164). Desta maneira, fica claro que o
estudo da obesidade em animais que possuem alterações genéticas tem
diversas limitações e, sendo assim, alguns modelos podem ser
utilizados apenas na avaliação de alterações específicas decorrentes
da obesidade, podendo ser considerados inapropriados para outras
investigações sobre esta mesma doença.
Além
disto, devido ao fato do rápido aumento mundial nos casos de
obesidade ter sido relacionado com sedentarismo (39,83,165) e maior
disponibilidade e consumo de alimentos (1,83,166), muitos estudos têm
sido realizados com modelos denominados de "modelos não-genéticos de
obesidade". Entre estes modelos, podemos identificar a indução de
obesidade através da alimentação e da indução química e cirúrgica
(que normalmente desenvolvem o quadro de obesidade mais leve do que
ocorre em modelos geneticamente predispostos como ratos Zucker ou ob/ob)(167).
Lesões
hipotalâmicas podem produzir a denominada obesidade hipotalâmica,
através de diversas alterações metabólicas como hiperfagia,
hiperinsulinemia, prejuízo da termogênese, além de desordens
funcionais no sistema nervoso autônomo (168). As lesões podem ser
desenvolvidas quimicamente (glutamato monosódico, thioglicose) ou
cirurgicamente; no entanto, requerem muita habilidade a fim de
provocarem as lesões necessárias sem provocar a morte do animal,
visto que, normalmente, a dose de produto necessária para promover
obesidade é muito próxima da dose tóxica ao animal. Além disto,
quando as lesões são feitas cirurgicamente, é muito difícil
identificar se o núcleo ventro medial foi lesado total ou parcialmente
(169). Depois de realizadas as lesões, é preciso observar com muito
cuidado os animais, pois é inevitável que alguns não desenvolvam
obesidade, seja porque a dose do agente químico não foi suficiente
para aquele animal, ou porque a lesão cirúrgica não foi extensa o
suficiente. O problema é que algumas lesões hipotalâmicas
desencadeadas por agentes químicos provocam aumento de adiposidade
que só é detectado após análise do conteúdo de gordura na carcaça, o
que dificulta a separação dos animais obesos (167). Também é preciso
levar em consideração que lesões em diferentes regiões do hipotálamo
desencadeiam obesidade; no entanto, as alterações metabólicas e a
patogênese da obesidade diferem bastante de acordo com a região
lesada, que muitas vezes é de difícil identificação (169). Alguns
autores, porém, afirmam que a obesidade humana é raramente associada a
lesões hi potalâmicas, mas está estritamente relacionada à
disponibilidade de alimentos palatáveis e sedentarismo e, sendo
assim, a obesidade dietética em animais seria um modelo mais apropriado
para o estudo da obesidade em humanos (89). Tanto a obesidade
hipotalâmica co mo a induzida por dieta afetam o patamar superior do
peso corporal, mas com lesões hipotalâmicas esta alteração é
decorrente de redução do efeito inibitório sobre o apetite,
resultando em maior consumo de alimentos pelos animais, enquanto que a
alteração de peso nos animais obesos a partir da dieta é resultado
de maior ingestão alimentar (provavelmente devido a maior
palatabilidade dos alimentos oferecidos nesta situação). Sendo assim,
embora a etiologia da obesidade dietética e hipotalâmica sejam
diferentes, o ba lanço final (aumento de peso devido ao aumento de
adiposidade) é o mesmo, contribuindo para a similaridade entre as
duas síndromes (170). Segundo Sclafani e Springer (89), pessoas
obesas são comedores exigentes, têm menor disposição para procurar e
selecionar seus alimentos e são menos responsivos a redução da
ingestão alimentar do que indivíduos com peso normal. No estudo
realizado por estes autores (89), ratos que se tornaram obesos após
serem alimentados com grande variedade de alimentos palatáveis
apresentaram estas características.
De
acordo com os dados acima, o desenvolvimento da obesidade em ratos
através de manipulação dietética é um fenômeno que tem recebido muita
atenção recentemente. Estudos em ratos demonstram que, quando estes
animais são alimentados desde o nascimento com grande quantidade de
gordura, existe uma maior predisposição a se tornarem obesos
posteriormente, assim como já demonstrado em humanos que possuem uma
alimentação semelhante a esta na infância (167). Deste modo, muitos
estudos têm tentado desenvolver obesidade em animais de laboratório
apenas com alteração na ingestão alimentar, o que provocaria aumento
desta ingestão, aumento de peso e obesidade (171). No entanto, em
roedores, por exemplo, é muito difícil aumentar a quantidade calórica
ingerida voluntariamente, mesmo quando a dieta é flavorizada. Assim,
foram desenvolvidas duas técnicas para tentar aumentar esta
ingestão: alteração na freqüência alimentar e alimentação enteral. No
primeiro caso não houve sucesso em aumentar a quantidade de alimento
ingerido, mas os animais que dispunham de apenas 2 horas para se
alimentar tiveram aumento da quantidade de gordura quando comparado
com o grupo ad libitum. Na tentativa de utilizar a sonda, a
necessidade do líquido ser pouco viscoso aumentou muito o volume a
ser ministrado, excedendo a capacidade gástrica do animal. Além
destas dificuldades, as duas técnicas são pouco práticas para induzir
obesidade em grau suficiente em animais a fim de desenvolver um
estudo científico (167).
Contudo,
o desenvolvimento da obesidade é possível mesmo sem aumento da
quantidade de alimento ingerido, pois mudanças na composição de
nutrientes ou na forma da dieta podem alterar a eficiência na
utilização do alimento e, conseqüentemente, aumentar os estoques de
gordura por caloria consumida. Na prática, o aumento da densidade da
dieta pode resultar em aumento do total calórico ingerido ou em
aumento da ingestão de calorias de um determinado macronutriente,
resultando na obesidade. Dietas com alto teor de carboidratos e/ou alto
teor de lipídios, além da dieta de cafeteria, têm sido utilizadas
para desenvolver obesidade em ratos. O grau de obesidade desencadeada a
partir do aumento da disponibilidade de carboidratos para os animais
varia de acordo com o tipo e a forma do carboidrato. Um grande número
de fatores pode influenciar o desenvolvimento da obesidade com esta
ingestão, como, por exemplo, a hidratação da dieta (171). Além disto,
a eficiência encontrada em roedores para estocar carboidratos na
forma de gordura não é semelhante à encontrada no ser humano, o que
dificulta o surgimento de obesidade a partir desta ingestão em
humanos e afastam este modelo experimental da obesidade humana (172).
Muitos
estudos foram desenvolvidos utilizando a chamada dieta de cafeteria,
quando vários alimentos normalmente encontrados em supermercados
(como cookies, chocolate, salame, queijo etc.) são colocados à
disposição dos animais. Esta técnica tinha como objetivo aproximar o
consumo dos ratos do consumo feito pelas sociedades modernas, onde
grande parte das refeições é feita em cafeterias, fast foods,
caracterizando uma ingestão com alto teor de gordura denominada de
"dieta ocidental" (1,5,18, 20,34). De fato, alguns trabalhos
demonstram aumento da quantidade de gordura em animais alimentados com
este tipo de ração (89), mas algumas limitações são encontradas
neste tipo de alimentação. A dificuldade em medir a ingestão e a
variabilidade na seleção dos nutrientes entre os animais submetidos a
esta alimentação tem sido motivo de muita controvérsia,
principalmente em estudos sobre a indução da termogênese pela dieta
(173-176).
Este aumento
no conteúdo de gordura corporal pode ser alcançado aumentando a
quantidade de gordura na dieta; porém, é preciso evitar a redução da
relação proteína/energia a fim de não prejudicar o desenvolvimento e
crescimento dos animais estudados. Na prática, dietas contendo 60% de
gordura e 30% de proteína foram utilizadas inicialmente com a
mistura de ovos e manteiga, mas recentemente tem-se utilizado banha
de porco e caseína a fim de reduzir os custos da preparação da ração
(177). Esta composição também permite uma alta ingestão de ácidos
graxos saturados semelhante à observada em dietas ocidenta lizadas,
dados que estão em acordo com os encontrados por nosso grupo após
avaliar a ingestão alimentar de mulheres obesas, onde 62,43% da
ingestão de lipídios da dieta era composta por ácido graxo saturado,
23,76% ácido graxo monoinsaturado e 13,81% polinsaturado (observações
não publicadas). Na tentativa de desenvolver modelos experimentais
que permitam o estudo da obesidade e suas conseqüências, esta alta
ingestão de ácidos graxos saturados é muito interessante, visto que
já foi demonstrada a contribuição deste tipo de gordura no prejuízo
da sensibilidade à insulina decorrente da obesidade (121,125). Esta
alteração insulinêmica parece ter alta correlação com outras doenças
associadas, como hipertensão, dislipidemia (111) e aterosclerose (9),
como descrito anteriormente. Pereira e cols. (178) desenvolveram uma
ração hiperlipídica com alto teor de ácidos graxos sa turados, com
base nos dados de ingestão alimentar de mulheres obesas brasileiras
(30-35). Esta ração foi capaz de gerar obesidade (178,179) e
intolerância à glicose em ratas wistar saudáveis (178),
permitindo assim o estudo das conseqüências deste consumo alimentar,
característico da sociedade moderna.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Hábitos
da cultura humana moderna, tais como alimentação inadequada
(1,36,83,166) e sedentarismo (36,39,83,165), atingem também países em
desenvolvimento como o Brasil, onde a denominada transição nos
padrões nutricionais (ocidentalização destes padrões), com decorrente
redução da desnutrição e aumento da obesidade, considerada uma
epidemia mundial (1,3), já podem ser identificados (4,6,7). Isso se
torna um problema de saúde pública, uma vez que a obesidade é um dos
principais fatores de risco para inúmeras doenças prevalentes na
sociedade moderna (14), incluindo dislipidemia e diabetes mellitus
(80).
De acordo com
alguns autores, as causas do aumento significativo da obesidade nos
últimos 20 anos são predominantemente ambientais, com componente
genético contribuindo de maneira reduzida (16,17). Deste modo, a vida
sedentária e o aumento da ingestão de gordura na alimentação têm
grande importância no crescente número de casos de obesidade no mundo
(1,18,19). Diversos modelos experimentais de obesidade têm sido
desenvolvidos com o intuito de permitir o estudo desta doença de
maneira mais completa. Atualmente, existem vários modelos de
obesidade animal e, embora nenhum possa ser considerado exatamente
igual aos modelos de obesidade humana, todos têm grande valor no estudo
das causas e conseqüências da obesidade.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27302003000200003
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