Bala
Arranjo das balas de Victoria Granof
Os americanos gastaram 32 bilhões de dólares em doces em 2011; o
consumo per capita foi de 11 quilos. Os doces, que eram um luxo para
ricos, tornaram-se acessíveis com o declínio dos preços do açúcar e a
produção em massa no século 19. A palavra inglesa candy (bala) tem
origem no termo árabe qandi (confeito de açúcar.)
O FUNDO DO COPO
Elas tinham de ir embora. A máquina de refrigerante, a de petiscos, a
fritadeira industrial. Içadas e arrastadas pelos corredores, foram para a
calçada é lá ficaram, assim como outros refugos, sob o desolador céu
cinzento, atrás da Kirkpatrick, uma de várias escolas de ensino
fundamental de Clarksdale, no sul dos Estados Unidos. Isso foi há sete
anos, quando os administradores se deram conta da magnitude do problema.
Clarksdale, célebre cidade no delta do Mississippi que legou ao mundo a
era de ouro do blues, com seus algodoais e suas planícies ondulantes
margeando o rio e suas ainda belas mansões vitorianas, está no centro de
uma colossal crise de saúde. Obesidade, diabetes, pressão sanguínea elevada, doenças cardíacas: para alguns especialistas, esse é um legado do açúcar,
um produto que trouxe acorrentados para o Novo Mundo os ancestrais da
maioria dos negros americanos, dos habitantes de Clarksdale aos do
interior do Brasil. “Sabíamos que tínhamos de tomar alguma providência”,
me diz a diretora da Kirkpatrick, SuzAnne Walton.
Nascida e criada em Clarksdale, SuzAnne me conduz a uma volta pela
escola enquanto fala sobre como seu pessoal está tentando ajudar os
alunos, que, em sua maioria, faz duas refeições por dia na cantina:
assados em vez de frituras, frutas em vez de doces. Ela está de avental
de médico, o traje habitual dos professores nas segundas- feiras, para
reforçar o comprometimento da escola com a saúde e o bem-estar. O
alunato é 91% afro-americano, 7% branco “e três latinos” – os 2%
restantes. “As crianças comem o que dão a elas, e quase sempre isso
significa guloseimas doces e baratas: bolos, cremes, balas. Pelo bem dos
alunos, era preciso mudar”, explica ela.
É o caso de Nicholas Scurlock, que está na quinta série e começou a
estudar na escola de ensino médio Oakhurst. Nick mal alcançou a altura
mínima para poder andar na montanha-russa de qualquer parque de
diversão, mas já pesa 61 quilos. “Ele tem pavor das aulas de educação
física”, me conta SuzAnne. “Tem dificuldade para correr, para respirar. O
menino sofre com tudo.”
Encontro Nick na cantina, sentado ao lado da mãe, Warkeyie Jones, uma
beldade de 38 anos. Ela me conta que mudou seus hábitos alimentares por
interesse próprio e para dar exemplo a Nick. “Eu comia doce o dia
inteiro, porque trabalho sentada, e o que mais podia fazer? Mas agora
como aipo”, comenta ela. “Os outros vêm me dizer: ‘Ah, você está fazendo
isso porque arrumou namorado’. E respondo: ‘Não, estou fazendo isso
porque quero viver e ter saúde’.”
Pegue um copo d’água, ponha açúcar até a borda, espere cinco horas.
Quando voltar, verá que os cristais assentaram no fundo do copo.
Clarksdale, uma cidade gorda em um dos condados mais gordos no estado
mais gordo do país industrializado mais gordo do mundo, é o fundo do
copo americano, onde o açúcar assenta no corpo de crianças como Nick
Scurlock.
Os Estados Unidos têm registro de 2 mil marcas de cereal matinal.
Embalados como alimento integral saudável nos anos 1800, esses
derivados, na maioria das vezes do milho, começaram a evoluir, nos anos
1920, para vários tipos: flocos açucarados, bolinhas, rosquinhas... -
Foto: Robert Clark
MESQUITAS DE MARZIPÃ
No começo, na ilha da Nova Guiné, onde a cana-de-açúcar foi domesticada
há 10 mil anos, as pessoas cortavam a planta e a comiam em estado
bruto: mastigavam o caule até a doçura explodir na boca. Uma espécie de
elixir, a cura para todos os males, resposta a qualquer estado de
espírito, o açúcar figurava com destaque nos antigos mitos da Nova
Guiné. Em um deles, o primeiro homem faz amor com um talo de cana e gera
a raça humana. Em cerimônias religiosas, os sacerdotes bebiam água
açucarada em cascas de coco; a bebida foi mais tarde substituída nas
cerimônias sagradas por latas de Coca-Cola.
O produto difundiu-se de ilha em ilha e chegou ao continente asiático
por volta de 1000 a.C. Na Índia, em 500 d.C., era beneficiado e
transformado em pó para ser usado como remédio para dor de cabeça,
espasmos estomacais, impotência. Durante muitos anos, a ciência da
refinação permaneceu secreta, passada de mestre para aprendiz. Em 600, a
arte havia chegado à Pérsia, onde os governantes recebiam seus
convidados com uma profusão de doces. Quando exércitos árabes
conquistaram a região, levaram para casa o conhecimento e a adoração ao
açúcar. Foi uma onda irresistível: primeiro aqui, depois ali, o produto
acabou aparecendo onde quer que Alá fosse cultuado. “Em todos os lugares
que estiveram, os árabes levaram tanto o produto quanto a tecnologia de
produção”, escreve Sidney Mintz em Sweetness and Power (“Doçura e
Poder”). “Dizem que o açúcar seguiu o Corão.”
Os califas muçulmanos criavam espetáculos nos quais o marzipã era o
astro: amêndoas moídas e açúcar esculpido em invenções exóticas que
exibiam a riqueza do Estado. Um escritor do século 15 descreveu uma
mesquita inteira de marzipã, encomendada por um califa. Os pobres a
admiraram, entraram para orar e depois a devoraram. Os árabes
aperfeiçoaram seu refino e o transformaram em indústria. O trabalho era
brutal. O calor do canavial, as centelhas das foices, a fumaça da casa
das caldeiras, o esmagamento nas moendas. Em 1500, com a demanda em
alta, o trabalho era considerado próprio apenas para o escalão mais
inferior da mão de obra. Muitos dos trabalhadores em canaviais eram
prisioneiros de guerra, europeus do leste capturados durante embates dos
exércitos cristãos e muçulmanos.
Os primeiros europeus que se apaixonaram pelo açúcar talvez tenham sido
os cruzados ingleses e franceses que foram ao Oriente arrancar a Terra
Santa das mãos dos infiéis. Voltaram cheios de visões, histórias e
lembranças. Como a cana não se dá bem em climas temperados – precisa de
terras tropicais encharcadas pela chuva para prosperar –, o mercado
europeu desenvolveu-se com base em um fluxo irregular de fornecimento
muçulmano. O açúcar que chegava ao Ocidente era consumido apenas pelos
nobres, uma raridade classificada como especiaria. Mas, com o
crescimento do Império Otomano nos anos 1400, o comércio com o Oriente
ficou mais difícil. Para a elite ocidental enfeitiçada pelo produto,
havia poucas opções: negociar com os pequenos fabricantes da Europa
meridional, derrotar os turcos ou providenciar novas fontes.
Na escola, chamam esse período de era das explorações: a busca por
territórios e ilhas que levou os europeus a todos os cantos do mundo. Na
realidade, em boa medida, tudo não passou de uma procura por terras em
que a cana pudesse prosperar. Em 1425, o príncipe português Henrique, o
Navegador mandou mudas à Madeira com um grupo inicial de colonos. Logo, a
cana se instalou em outras ilhas recém-descobertas no Atlântico: Cabo
Verde, Canárias. Em 1493, quando Colombo partiu em sua segunda viagem ao
Novo Mundo, levou a planta. Assim nasceu a grande era do açúcar, das
ilhas antilhanas e das plantações escravistas, que abriram caminho, mais
tarde, para as grandes usinas fumacentas, o consumo em massa, as
crianças obesas e os homens de agasalho esportivo tamanho GGG se
locomovendo em cadeiras de rodas elétricas.
http://viajeaqui.abril.com.br/materias/acucar-doce-vicio-crise-de-saude?utm_source=redesabril_viagem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_ngbrasil
Bala
Arranjo das balas de Victoria Granof
Os americanos gastaram 32 bilhões de dólares em doces em 2011; o
consumo per capita foi de 11 quilos. Os doces, que eram um luxo para
ricos, tornaram-se acessíveis com o declínio dos preços do açúcar e a
produção em massa no século 19. A palavra inglesa candy (bala) tem
origem no termo árabe qandi (confeito de açúcar.)
Cereal
Os Estados Unidos têm registro de 2
mil marcas de cereal matinal. Embalados como alimento integral saudável
nos anos 1800, esses derivados, na maioria das vezes do milho, começaram
a evoluir, nos anos 1920, para vários tipos: flocos açucarados,
bolinhas, rosquinhas...
Xarope
Em sopa, refrigerante e muitos outros
produtos, viscosas ondas de xarope de milho com alto teor de frutose
(abreviado como HFCS) inundam a paisagem dos alimentos industrializados.
O HFCS é mais barato e doce que a sacarose, açúcar feito de cana ou
beterraba. Há diferença biológica? “Nada digno de nota”, diz Marion
Nestle, professora de nutrição da Universidade de Nova York. “Faria bem
para todos comer menos de quaisquer desses tipos.”
Iogurte
O feliz acidente do iogurte
provavelmente aconteceu na Ásia, talvez quando alguém se esqueceu de
guardar o leite e ele fermentou com o calor. Comercializado pela Danone
em 1919, o produto era vendido em farmácias para assegurar a
longevidade. A adição de frutas e açúcar impulsionou as vendas. E elas
aumentaram ainda mais, a partir dos anos 1970, com o iogurte congelado.
De início, os americanos rejeitaram o sabor azedo — compensado com mais
açúcar.
Cupcake
O Dia Nacional do Cupcake é 15 de dezembro, exceto nas escolas da cidade
de Nova York, que combate seu consumo como parte de uma campanha em
prol da saúde. Este minibolo debutou nos livros de receita americanos em
1826 e virou moda em 2000, quando a personagem Carrie Bradshaw, de Sex
and the City, mordiscou um deles, coberto com glacê cor-de-rosa. Em uma
recente série de TV, Cupcake Wars, os duelos de receitas incluem
ingredientes como chá doce e chocolate efervescente.
O olykoek, um bolinho holandês frito do século 16, é o precursor do sonho e da rosca. O buraco no meio veio depois.
Algodão-doce
Este figurante assíduo dos
parques de diversão, apelidado por muito tempo pelos americanos de fairy
floss (“penugem de fada”), nada mais é que açúcar colorido. Seus
precursores, os “fios de açúcar”, eram uma forma de arte na Veneza do
século 15, onde os doceiros os moldavam como animais, aves e prédios
para maravilhar os comensais.
Refrigerante
Com gás é mais gostoso – era o
que pensavam os usuários de estâncias hidrominerais, que bebiam a água
efervescente para curar seus males. A descoberta, no século 18, de que o
gás carbônico era responsável pelas borbulhas da água levou à
fabricação de água gaseificada, e depois de bebidas doces, como a cola e
o guaraná. Um refrigerante de 355 mililitros, em geral, contém de 35 a
40 gramas de açúcar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário