Sobre como frear a obesidade no país
Dra. Rosana Radominski - A primeira ação tem que ser: mostrar a população brasileira que obesidade é doença crônica e que pode matar. Campanhas de esclarecimento são fundamentais (da mesma forma que ocorre com o tabagismo). Por exemplo , o slogan da campanha da ABESO contra obesidade infantil é "A graça termina quando as doenças começam".
Terceiro: um plano global que inclua todos os setores do governo, englobando Ministério da Saúde, Educação, Transportes, etc. e o envolvimento de setores não governamentais para levar as informações necessárias, disponibilizar professores, locais para atividades físicas, segurança, etc.
Quarto: Todo o projeto deve ser feito objetivando resultados em longo prazo e amarrado de tal forma que não sofra influências de trocas de governo ou de integrantes do governo.
Dr. Amélio de Godoy-Matos - Estudos recentes mostram que, de fato, o consumo de carboidratos nos EUA aumentou nas últimas décadas, enquanto diminuiu o consumo de gorduras. Ao mesmo tempo, a obesidade continua aumentando. Com a maciça campanha contra as gorduras, o fat-free típico do americano, o que se observa é que a compensação é feita comendo mais carboidratos. Aqui, embora não seja esse o fenômeno, pois o brasileiro não está tão alerta para os fat-free, a pesquisa mostra que o carboidrato compõe a maior parte do problema.
O combate à obesidade deve partir de ações do governo, com campanhas de educação e orientação sobre os riscos dos alimentos. Aqui e lá fora, só poderá haver uma saída se a população ascendente na escala social for educada no sentido mais amplo e, em particular, informada sobre a boa pratica alimentar. Não é uma coisa fácil de se obter, mas, definitivamente, o Ministério da Saúde deve se organizar junto com às sociedades médicas para encontrar os melhores meios de difundir estes conhecimentos. As escolas primárias devem ser o alvo imediato, para que as crianças já sejam orientadas.
Dra. Rosana Radominski - Os pilares do tratamento da obesidade são adoção de mudanças de estilo de vida, com orientação dietoterápica e aumento da atividade física. No entanto, apenas 30% a 40% dos obesos conseguem bons resultados com as medidas conservadoras. Precisam de medicamentos. É importante ressaltar que o uso destes fármacos controla a doença, melhora a aderência às medidas comportamentais, mas não cura a obesidade.
Dr. Amélio de Godoy-Matos - A proibição dos remédios em nada ajuda a resolver o problema. O tratamento da obesidade sempre será baseado nas mudanças de estilo de vida, principalmente na orientação alimentar. Mas, todos os estudos, com qualquer droga, comparada a dieta e exercícios, mostram que as drogas são superiores a dieta e exercício isoladamente. Nas diretrizes da ABESO, demonstramos claramente que esses são os fatos. Droga segura? As drogas para obesidade são seguras! A dificuldade em reconhecer isso parte de uma tremenda falta de conhecimentos básicos da medicina baseada em evidência. E de uma dose extrema de preconceito. Os remédios em geral trazem riscos à saúde. Os da obesidade não são piores. Quer exemplos? Um anticoncepcional oral aumenta em 250 vezes o risco de uma mulher jovem sofrer um acidente vascular cerebral. Os anti-inflamatórios aumentam em até 3 vezes ( ou risco relativo de 300%) o risco de infarto em pessoas saudáveis e mais ainda naqueles que já têm doença coronariana. A aspirina aumenta o risco de hemorragia digestiva e de sangramento no cérebro. Em estudos nos EUA, mostrou-se que atendimentos em serviços de emergência por eventos associados a drogas tem a digoxina e a warfarina como os primeiros lugares. Mas, drogas como amoxicilina e outros antibióticos estão nos primeiros lugares. Logo, sejamos coerentes, o médico que prescreve tem de conhecer os riscos dos remédios para emagrecer, mas esses riscos não são maiores do que outros que usamos mesmo sem receita, como acetaminofen.
Dr. Amélio de Godoy-Matos - É o que eu chamo de “efeito lei seca”. Aqui me refiro à lei seca da década de 30, quando proibido o consumo de bebidas alcoólicas. O contrabando e o mercado negro cresceu assustadoramente. É o que já está acontecendo. Estes suplementos que são vendidos como antiobesidade estão, na maioria, escondendo as mesmas drogas que estão proibindo. Um estudo publicado no British Journal of Clinical Pharmacology descreve 66 casos de intoxicação por “suplementos” para emagrecer, alguns com morte. Examinados os ingredientes, continham doses muito altas de anorexígenos, hormônios de tireoide, laxantes e até drogas imitadoras da sibutramina mas que nunca foram testadas em humanos! A Anvisa não vai ter como deter isso, simplesmente. O FDA lá, muito mais aparelhado, não está dando conta! O que veremos a seguir deve pesar na consciência dos “técnicos” que estão proibindo e depois não terão como domar a enxurrada de produtos ilícitos. Que fique bem claro: não gosto de fórmulas para emagrecer. Não as uso! O médico sempre deve alertar o seu paciente sobre os riscos de qualquer remédio, seja para dor de cabeça, seja para emagrecer, desde que o faça sem assustar. Estas fórmulas, além de não ter bula, são em geral prescritas sem esclarecer o que contêm. E, pior, os tais “suplementos” que são vendidos por internet. Quem hoje não recebeu pelo menos 3 e-mails sugerindo que alguém perdeu 15kg em 2 meses “sem passar fome” ?
Nos tratamentos conservadores, consideramos um bom resultado: a perda de aproximadamente 4 quilos por mês (um kg por semana). Mas é bom lembrar que 2 quilos por mês, equivalerá a 20kg após 10 meses. Vale a pena persistir. Nas intervenções cirúrgicas, a perda de peso mensal é bem maior.
Dr. Amélio de Godoy-Matos - Sem dúvidas, a forma mais segura é essa. Mas emagrecer diante das câmeras do Fantástico é muito fácil. Há um enorme jogo de influências nesse caso. Não precisa ser para o Fantástico. Há vários exemplos na nossa prática, como mães se preparando para entrar no vestido do casamento da filha. Elas emagrecem bem, porque têm uma grande motivação. A prática diária é outra conversa. Os protagonistas do Fantástico têm 90% de chance de voltar a engordar em 2 anos. Um remédio poderia facilitar a manutenção, mas isso é encarado como um sacrilégio. Tomar remédios para manter o peso? Ora, tomamos remédios por toda a vida para manter a pressão arterial, para manter a glicose, para controlar as gorduras no sangue. Mas, a causa disso tudo, a obesidade, não pode?
Existem vários mecanismos, chamados de contrarreguladores do peso, que são desencadeados quando iniciamos uma dieta: os principais são diminuição da leptina, um hormônio produzido pela gordura que inibe a fome e aumenta o gasto de energia, por exemplo. Isto faz com que o indivíduo passe a ter mais fome e não consegue sustentar a perda. Alguém que perde 5% do peso, diminui 10% do gasto metabólico e isto dificulta a manutenção. Ficar a vida inteira controlando o que comer, mas tendo fome, não é tarefa fácil. Nós temos mais de 250 genes associados com obesidade. A maioria atua exatamente na saciedade e na fome, agindo no cérebro. Por isso é que qualquer remédio pra emagrecer vai, obrigatoriamente, agir no cérebro. Os que não entendem isso, não podem ser membros de Câmara Técnica sobre Medicamentos para Obesidade. Ainda temos a diminuição da atividade do sistema nervoso simpático (aquele da adrenalina), a diminuição dos hormônios da tireoide ativos (por isso alguns adoram prescrever estes hormônios em “fórmulas individualizadas”). Num programa sério e seguro de redução de peso, o ideal é uma perda em torno de 4 a 5 kg no primeiro mês e depois algo em torno de 2 a 3 kg. A diminuição da velocidade de perda é normal, haja visto os mecanismos discutidos acima. Isso acontece porque uma perda muito rápida se acompanha de perda de massa magra (músculos principalmente, mas também água endógena e osso), mesmo que o paciente esteja fazendo exercícios. A massa magra responde por cerca de 70% do gasto calórico de repouso ( isto é o que gastamos sem fazer qualquer atividade) - pode ser chamado de metabolismo basal. Além disso, uma perda de massa magra muito grande pode ser perigoso pra saúde.
Sobre novos medicamentos
Dra. Rosana Radominki - A maior parte das pesquisas estão sendo feitas nos EUA. Existem várias linhas:
A que persiste pesquisando medicamentos anorexígenos ou sacietógenos orais, isolados (lorcaserina, tesosenfine) ou associados com outros fármacos (topiramato com fentermina, bupropiona com naltrexona) A grande maioria está sendo rejeitada pelo FDA pelas mais diversas razões.
Dr. Amélio do Godoy-Matos - Existem poucas indústrias hoje interessadas em pesquisar remédios para emagrecer. Eles não querem mais arriscar em pesquisas de bilhões de dólares, para depois não terem os produtos aprovados por exigências inalcançáveis. Há três medicamentos na linha da aprovação, nos EUA, que já foram rejeitados em primeira instância, porque o FDA quer mais e mais estudos. São dois com combinações de medicamentos que já existem no mercado com outras indicações; um é a combinação do topiramato com a fentermina (este é um “ anfetamínico” que nunca saiu do mercado lá). Outro combina naltrexona ( usado para controlar alcoolismo) associado com bupropiona, um antidepressivo. Veja, eles já existem e são aprovados, mas para tratar obesidade. Aí eles exigem mais estudos porque dizem que não há provas da segurança!
Sobre a utilização dos fármacos na melhora da aderência às medidas comportamentais
Dra. Rosana Radominski - Qualquer medicamento que melhore os resultados do placebo, chegando a 5% do peso, pode ser considerado eficaz. A sibutramina faz mais do que isto. Mas os médicos que são favoráveis à retirada da sibutramina não interpretaram corretamente os estudos.
Veja exemplos com referências:
APFELBAUM, 1999 – O uso de sibutramina, por 12 meses após dieta restritiva por 6 semanas:
• Perda de peso do grupo sibutramina: -5,2kg, no grupo placebo: +0,5kg
• Perda de 5%: 86% no grupo sibutramina, 55% no grupo placebo
• Perda de 10%: 54% no grupo sibutramina, 23% no grupo placebo
• Perda de 20%: 17% no grupo sibutramina, 3% no grupo placebo
WIRTH, 2001 – Objetivo foi comparar ao tratamento contínuo versus o intermitente com sibutramina em pacientes obesos - 44 semanas de duração após 4 semanas de run-in com 15mg de sibutramina:
• Perda de peso (48 semanas) do grupo sibutramina contínua: -7,9kg, do grupo sibutramina intermitente: 7,8kg e no grupo placebo: 3,8kg
• Perda de 5%: 65% no grupo sibutramina contínua, 63% no grupo sibutramina intermitente e 35% no grupo placebo
• Perda de 10%: 32% no grupo sibutramina contínua, 33% no grupo sibutramina intermitente e 13% no grupo placebo
• Perda de peso do grupo sibutramina: -8,1kg, no grupo placebo: 5,1kg
• Perda de 5%: 62,6% no grupo sibutramina, 41,4% no grupo placebo
• Perda de 10%: 40,8 no grupo sibutramina, 19% no grupo placebo
MaCNULTY, 2003 – 12 meses de duração, objetivo: avaliação dos efeitos de de 15 ou 20 mg de sibutramina na perda de peso, controle metabólico e pressão arterial, em diabéticos com obesidade ou sobrepeso, em uso de metformina:
• Perda de peso (12 meses) do grupo sibutramina 15 mg/d: -5,5kg, do grupo sibutramina 20mg: -8,0kg e no grupo placebo: -0,02kg
• Perda de 5%: 46% no grupo sibutramina 15mg, 65% no grupo sibutramina 20mg e 12% no grupo placebo
• Perda de 10%: 14% no grupo sibutramina 15mg, 27% no grupo sibutramina 20mg e 0% no grupo placebo
SMITH: já descrito anteriormente:
• Perda de peso: -4,4kg (10mg sibutramina) e -6,4kg (15mg de sibutramina), .grupo placebo-1,6kg
• Perda de 5%: 39% no grupo sibutramina 10mg, 57% no grupo sibutramina 15mg e 20% no grupo placebo
• Perda de 10%: 10% no grupo sibutramina 10mg, 34% no grupo sibutramina 15mg e 7% no grupo placebo
Sobre o mercado negro
Dra. Rosana Radominski - O mercado negro existe para todo o tipo de droga (estimulantes e rebites, medicações para disfunção erétil, abortivos, etc.). A tendência é piorar porque ,não tendo alternativas legais, as pessoas de alguma forma vão procurar comprar medicações milagrosas para emagrecer, seja por internet, contrabando, etc. A demanda é muito grande. Metade dos brasileiros tem excesso de peso. Não havendo prescrição ética, vão procurar outra forma para emagrecer.
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