Influência negativa das propagandas sobre a alimentação das crianças preocupa especialistas. Essa semana, Câmara dos Deputados promove encontro para discutir o tema, dentro do processo de tramitação de um projeto de lei
- Thaís Lobo Estagiária convênio PUCGO
Elas estimulam o consumismo e a alimentação inadequada nos pequenos. “As crianças, através da publicidade, são apresentadas a uma série de alimentos não saudáveis por meio de estratégias que promovem a identificação dela com o produto. Muitas vezes são alimentos que não fariam parte da rotina alimentar, mas como são mostrados na publicidade como algo interessante, as crianças adquirem a memória desse produto e passa a solicitá-lo para os pais”, explica Renata Alves Monteiro, pesquisadora do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição da Universidade de Brasília.
Renata desenvolveu uma série de estudos que mostram a relação entre publicidade e o hábito alimentar das crianças. “Mais de 95% dos produtos mostrados na televisão são de alimentos não saudáveis. Quanto mais tempo a criança passa em frente a TV, além de ficar exposta a essas peças publicitárias, ela fica também mais sedentária. Nos últimos 20 anos, as crianças reduziram o gasto de energia e aumentaram o consumo de gordura e açúcar”, ressalta a especialista.
E o impacto dessa mudança de hábitos é grande. De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, a obesidade dobrou nos últimos 10 anos e estima-se que 40% das crianças em Goiânia estejam acima do peso, sendo que 10% delas estão obesas. “É grave isso, porque tem os riscos imediatos como o diabetes, colesterol e triglicérides altos, problemas ortopédicos, etc. Mas a longo prazo tem o risco muito maior, inclusive de sofrer derrames e infarto mais recentemente”, alerta a endocrinologista infantil Renata Machado.
Canadá, Inglaterra, Noruega, Suécia e dezenas outros países desenvolvidos já possuem restrições nas propagandas voltadas para os pequenos. No Brasil, o projeto de lei (PL) n° 5921/2001 ainda não emplacou, mas já deu o que falar.
Com a proposta de proibir a publicidade com foco na comercialização de produtos infantis, o PL, em mais de 10 anos em tramitação, recebeu algumas emendas e provocou a discórdia entre o setor publicitário e os defensores dos direitos das crianças e adolescentes.
Dentro do processo de tramitação do projeto de lei, o assunto entrará em debate na próxima quinta-feira, 9, durante o 1º Seminário Infância Livre de Consumismo. O encontro está sendo promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados e será realizado no plenário 9 da Casa.
Atualmente, o controle, monitoramento e a retirada de publicidades no Brasil é feito pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar). Contudo, o relator do projeto, deputado Salvador Zimbaldi, já declarou publicamente que dará parecer positivo à proposta, pois considera o trabalho da entidade ineficiente.
Opinião semelhante é a do coletivo Infância Livre de Consumismo. “O Conar se concentra em julgar denúncias de empresas contra empresas, defendendo interesses corporativos. As denúncias feitas pela sociedade raramente são analisadas e, quando são, os pareceres são dados meses depois da campanha publicitária já ter deixado de veicular. Já fizemos denúncias que nem foram apreciadas e outras que sofreram apreciação tardia, fazendo com que propagandas totalmente inadequadas atingisse milhares de crianças sem responsabilização nenhuma das empresas e agências”, critica Ana Cláudia Bessa, integrante da entidade.
O Conar foi procurado pela reportagem do Escola, mas segundo informou sua assessoria de imprensa, o órgão mantém, desde 2009, a postura de não responder nada relacionado a esse assunto.
Em nota publicada em janeiro desse mesmo ano, a entidade afirma que a última reforma realizada em seu código “atendeu ao propósito de manter elevados os padrões éticos da comunicação e, principalmente, dar respostas apropriadas às justas preocupações da sociedade com a formação da suas crianças e adolescentes, integrando-se aos esforços para a formação de cidadãos responsáveis e consumidores conscientes e na difusão de hábitos de vida saudável, secundando o insubstituível papel dos pais, professores e das autoridades.”
A Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) sai em defesa do Conar. “Se algum caso escapar do Conar, sempre se pode levar à Justiça e aplicar o rigor da lei atual. O que não tem acontecido, pois não existe essa situação catastrófica que os radicais e os hiper controladores alegam existir”, afirma Rafael Sampaio, vice-presidente da instituição.
Em relação ao impacto financeiro no setor publicitário, Sampaio alega que será pequeno, pois não há muitas propagandas dirigidas às crianças. “Mas o princípio da livre iniciativa e de que todo produto, legalmente fabricado e comercializado, tem o direito de ser promovido, ficaria seriamente comprometido. O mercado publicitário vai trabalhar com todas as forças para evitar o banimento. Acreditamos que, durante sua discussão na Câmara e no Senado, chegue-se, pelo menos, a um conteúdo aceitável. Caso contrário, ainda haverá a etapa de buscar o veto da presidente da República e, em último recurso, o Judiciário.”
Sampaio ainda afirma que a propaganda funciona mais disputando a participação de mercado para cada marca do que, necessariamente, criando hábitos. “É uma influência pequena, comparando a cultura, a família, a escola, os amigos, os meios de comunicação, as necessidades de cada indivíduo e outros fatores”, ressalta.
Psicóloga e integrante do Conselho Federal de Psicologia, Roseli Goffman concorda que a publicidade não traz prejuízos para os adultos, que já têm uma capacidade de escolha, mas o mesmo não acontece com a garotada. “As impressões para a criança são meio reais, meio imaginárias. Até os 6 anos elas não conseguem diferenciar o anúncio de uma programação. Nós sabemos que as propostas são diferentes, mas elas não! Se elas estão assistindo um desenho infantil e entra um anúncio, aquilo tudo faz parte do mesmo processo, porque elas têm uma imaginação muito aguçada. É como se fosse uma atitude indevida você oferecer comerciais para uma população que é considerada na Constituição como vulnerável”, alerta.
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