Aos
27 anos, no auge da sua obesidade, Sílvia (com 1,81m e 167 kg) recebeu
um ultimato de seu médico: ou ela perdia peso ou poderia morrer. O aviso
não foi dado simplesmente para assustá-la - e, quem sabe, motivá-la a
fechar a boca. A antropóloga já sofria com diabetes tipo 2, hipertensão e
hipotireoidismo, desencadeados pelos quilos em excesso, e o seu estado
de saúde só poderia piorar.
Por
conta dessas doenças, aliás, ela também foi obrigada a abrir mão de
inibidores de apetite e da redução de estômago. Ou seja, sua única saída
foi recorrer à boa e velha recomendação: reeducação alimentar e a
prática de exercícios físicos. Antes, porém, de começar a se mexer
Sílvia precisou lidar com o peso das emoções.
"Foi muito dolorido, eu tinha uma relação emocional muito forte com a comida, e tiraram isso de mim, de uma só vez",
conta. A antropóloga se refere a todas as questões psicológicas que
envolvem a obesidade (uma doença que está longe de ser um problema
apenas estético e físico). Não foi à toa que, durante o processo de
emagrecimento, a autora precisou contar com a ajuda de um psiquiatra,
além do endocrinologista e de um médico especialista em tireóide,
diabetes e hipertensão.
Segundo
Sílvia, essa ajuda foi essencial para que ela começasse a se aceitar, a
recuperar sua auto-estima e a lutar contra o problema. Foi o psiquiatra
que a ajudou a superar a ansiedade e os sintomas de depressão.
A
antropóloga sempre foi aquela criança gordinha que a família tanto
gosta. Os familiares adoravam agradá-la com guloseimas e a incentivaram
bastante a ter gosto pela comida. "As pessoas herdam não somente os genes, mas o ambiente também",
concorda o endocrinologista Márcio Mancini, presidente do Departamento
de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia
(SBEM) e da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade (Abeso).
"A criança internaliza os costumes de alimentação da família", explica.
O
problema é que, na escola, Sílvia e tantos outros gordinhos como ela
precisaram lidar com as discriminações, os apelidos, a humilhação. Esse
sentimento de não pertencer ao grupo costuma ser combatido, então, com a
comida.
"O ato de comer ativa a área da recompensa e do prazer no cérebro que, quando estimulada, faz você se sentir feliz",
explica a neurologista Denise Menezes, professora do curso de
Psicologia do Desenvolvimento da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP). "É a mesma área estimulada com o uso de drogas ou
quando se está apaixonado. Ela proporciona uma sensação de bem-estar,
felicidade, plenitude."
Comer, portanto, era um vício para Sílvia. "Fiquei escrava da comida, às vezes, nem percebia que estava comendo", desabafa. Silvia ingeria quatro mil calorias, diariamente, e reduzir esse nível para duas mil calorias foi um sacrifício. "No começo, eu me declarei morta, porque perdi a única relação que eu ainda tinha com o mundo, que era com a comida", conta.
Processo lento e difícil;
Desde
pequena, a maneira que Sílvia encontrou de se proteger dos olhares
preconceituosos e das provocações externas foi tornar-se uma menina
agressiva, isolada. E esse jeito fez com que o processo de emagrecimento
se tornasse ainda mais difícil.
Ela
lembra que precisou, primeiro, admitir que precisava de ajuda e começar
a enxergar quem era e por que estava agredindo a si própria
(descontando suas frustrações na comida, inclusive) e as pessoas ao
redor. "A maior dor da minha vida foi quando descobri que ninguém
iria me salvar, que eu deveria tomar uma atitude. Chorei por três dias
seguidos",conta.
Buscar
ajuda na terapia foi o primeiro passo para Sílvia começar a mudar suas
atitudes frente à mesa e à vida. Segundo a neurologista Denise, quando o
prazer de comer é uma tentativa de suprir alguma carência, a comida
ingerida nunca será suficiente, porque sempre ficará a sensação de
vazio.
"Nesse caso, uma boa terapia ajuda a investigar qual é, afinal, a razão dessa compulsão alimentar",
garante a especialista. Decifrada a mensagem, o tratamento fica mais
fácil, não há mais razão para associar a comida a essa necessidade.
O endocrinologista Mancini concorda, mas seu conselho é procurar ajuda o quanto antes. "Uma
criança obesa tem mais chance de ter enfarte na idade adulta. A maior
parte das crianças gordinhas vai ser um adulto gordinho", avisa.
Além disso, de acordo com o médico, histórias de sucesso, como essa de
Sílvia -- sem ajuda de qualquer recurso da medicina -- são muito
difíceis.
A volta por cima;
No início do tratamento, a antropóloga não conseguia caminhar por um quarteirão sem ficar exausta. "Eu
não conseguia me levantar para tomar banho de tantas dores no estômago e
nas pernas. Também sofria com dores de cabeça horríveis. sem contar que
me sentia pequena, humilhada", confessa.
O
esforço demorou a proporcionar resultados - foram quatro anos de luta.
Mas valeu a pena. Hoje, Sílvia não consulta mais o psiquiatra. Aliás,
ela é o tipo de mulher que exala segurança e auto-estima por onde
passa. "Eu tenho prazer de dizer que fui obesa, porque, se a
obesidade não tivesse entrado na minha vida, eu nunca teria descoberto a
Silvia, e a Silvia é tão bacana...", orgulha-se.
Sua
rotina, atualmente, é acordar às 5h30 para uma caminhada de 8km e
controlar a alimentação, sem grandes sacrifícios: ela garante que come
de tudo, menos fritura, porque passa mal.
Também
continua na companhia de dança flamenca que começou a freqüentar
durante o tratamento. "Vou todos os dias. E só saio de lá quando me
arrancarem as pernas", brinca. "A pessoa precisa se adaptar às
atividades físicas que lhe dão prazer. O importante é pensar que o que
você vai ganhar com isso compensa a obrigação e rotina às quais você se
impõe", ensina.
Quanto ao seu estado de saúde, Sílvia diz que só continua tomando o remédio para o controle do hipotireoidismo, nada mais. "Eu estou curada, espero continuar assim até meus 100 anos", comemora.
Lições de uma ex-obesa;
Por
entender que a luta contra a balança é mesmo bem difícil e admitir que
muitas vezes pensou em desistir, Sílvia dá algumas dicas para quem quer
vencer a obesidade.
- O primeiro passo é assumir o seu peso. Diga "eu tenho 180 quilos, não estou feliz e quero ser melhor".
- Não ter medo de enfrentar o processo com a ajuda de um psiquiatra. Controlar a depressão e a ansiedade é fundamental;
- Não
ter medo de abrir o jogo com amigos e família para exigir respeito
deles. Não tenha medo de falar o que está se passando, que você está
lutando contra isso;
- Mesmo que erre, mesmo que desista em algum momento, tente recuperar as forças. Levante a cabeça e siga em frente.
Silvia
Bonini Regiani - antropóloga - Autora de Mulhersegura.com - 102 quilos a
menos sem redutores de apetite e sem cirurgias, que pode ser adquirido
pelo site da autora, na Livraria Porto e em breve também na Livraria
Cultura
Márcio
Mancini - presidente do departamento de obesidade da Sociedade
Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e presidente da Abeso e
endocrinologista do Hospital das Clínicas da USP
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