Nem todos sabem que o colesterol é uma
substância necessária para o organismo. Sem ele, as células não formam a
membrana que as envolve. No entanto, o desequilíbrio na produção desse
tipo de gordura pode ter sérias implicações no organismo.
O intrigante é que existem dois tipos de colesterol: o HDL, ou bom
colesterol, que protege contra ataques cardíacos e o LDL, ou mau
colesterol, que facilita a formação de placas de ateroma nas veias e
artérias e favorece o aparecimento de doenças cardiovasculares.
Nem sempre os níveis de colesterol são determinados pela dieta e
estilo de vida. Colesterol alto não dá sintomas a não ser quando o
estrago já está feito, o que torna seu controle uma medida indispensável
para evitar riscos, uma vez que há relação entre colesterol elevado e
acidentes cardiovasculares, no Brasil, a principal causa de morte em
homens e mulheres.
COLESTEROL TOTAL
Drauzio – Em termos gerais, o que é colesterol?
Protásio Lemos da Luz – Colesterol é um constituinte
normal do organismo, essencial para a função de todas as células. É
importantíssimo, por exemplo, para os hormônios sexuais, entre eles, a
testosterona. Sem colesterol, não viveríamos. Problemas aparecem quando
há alteração no nível do colesterol plasmático especialmente se ele
subir muito.
Nas últimas décadas, demonstrou-se a associação entre níveis elevados
de colesterol no sangue e ocorrência de doenças cardiovasculares.
Veja
bem, estou dizendo cardiovasculares e não apenas cardíacas. Isso
significa que acidentes cerebrais e a insuficiência vascular periférica
também fazem parte desse conjunto de enfermidades cujo denominador comum
é a aterosclerose, doença ligada à elevação do colesterol que provoca
entupimentos nas artérias e veias, ou seja, gera redução de luz e
obstrução no interior das artérias e, consequentemente, diminuição do
fluxo sanguíneo.
Níveis elevados de colesterol causam entupimento de artérias e veias. Ilustração: James Benet/iStock
A aterosclerose é causa, por exemplo, de ataques cardíacos como
infarto do miocárdio e angina (o principal sintoma é dor intensa no
peito), de intervenções como pontes de safena e angioplastias e é causa
também de acidentes vasculares cerebrais. Portanto, estamos falando de
uma patologia, a aterosclerose, que tem como um dos fatores
desencadeantes o colesterol aumentado.
FRAÇÕES DO COLESTEROL
Drauzio – Na segunda metade do século XX, verificou-se que
pessoas com colesterol elevado tinham maior probabilidade de desenvolver
problemas cardiovasculares. Depois, ficou provado pelo fracionamento
dessa substância que existe o bom colesterol com efeito protetor e o mau
colesterol que é nocivo ao organismo. O que são realmente essas
frações?
Protásio Lemos da Luz – Quando se mede o colesterol do plasma, obtém-se o valor do colesterol total. Nele estão incluídas a fração HDL (High Density Lipoprotein), ou bom colesterol, e a fração LDL (Low Density Lipoprotein),
o mau colesterol. Vários estudos demonstram que, nas pessoas com HDL
aumentado ou nas faixas superiores do que é considerado normal, a
ocorrência de doenças cardiovasculares é menor.
Curiosamente, são as
mulheres, especialmente antes da menopausa, que apresentam níveis
elevados de colesterol bom. Esse é, provavelmente, um dos mecanismos que
explica por que no período fértil elas ficam relativamente protegidas
contra os ataques cardíacos. Depois disso, a incidência desses eventos é
igual nos dois sexos.
Não se discute mais que o nível elevado do bom colesterol é um fator
de proteção. O tempo demonstrou que se ele estiver abaixo de
determinados valores constitui fator de risco importante. No momento, no
laboratório do Incor, estamos pesquisando especificamente as alterações
associadas aos níveis baixos do HDL.
Drauzio – O que se considera nível baixo do HDL?
Protásio Lemos da Luz – Abaixo de 40 para os homens e
de 45 para as mulheres. Com frequência, encontramos indivíduos com
níveis de HDL inferiores a 25 e doença cardiovascular precoce instalada.
Esse dado importante tem implicação prática, pois para avaliar
adequadamente o risco é necessário conhecer os valores das frações do
colesterol.
Drauzio – E o mau colesterol, como funciona?
Protásio Lemos da Luz – A longo prazo, o LDL, ou mau
colesterol, estabelece relação clara com a ocorrência de doença
cardiovascular. O estudo de Fremingham, nos Estados Unidos, que analisou
ao longo de muitos anos mais de cinco mil pessoas, começando o
acompanhamento quando elas eram ainda adolescentes ou estavam iniciando a
fase adulta, demonstra a indiscutível relação entre doença
cardiovascular e níveis aumentados do colesterol.
Diante de tal evidência, tentou-se avaliar o que aconteceria se esses
casos fossem tratados a longo prazo, quer dizer, o que aconteceria se
conseguíssemos baixar suficientemente o nível de LDL nas pessoas que
sofreram infarto, têm doença coronariana documentada por coronariografia
ou se submeteram a cirurgia das coronárias. A conclusão a que mais de
20 estudos chegaram foi uniforme e constitui a chamada prevenção
secundária.
A diminuição dos níveis de LDL, de fato, reduz a ocorrência
de eventos cardiovasculares, ou seja, reduz a incidência de infartos
fatais e não fatais, a necessidade de cirurgia e de angioplastia e a
mortalidade. E mais: reduz também os índices de mortalidade por outras
causas. Essa informação indica que a pessoa com LDL aumentado,
especialmente se já manifestou algum problema cardíaco, precisa ser
tratada.
Na segunda etapa da investigação, procurou-se analisar o que
aconteceria com uma parcela significativa da população que não tem
doença cardíaca manifesta, mas apresenta nível de LDL aumentado. A
resposta foi a mesma. Baixando o nível de LDL suficientemente, haverá
redução dos eventos cardiovasculares e da mortalidade global dentro de
quatro ou cinco anos. Curioso é que essa conclusão se aplica a homens e
mulheres, jovens e adultos, fumantes e não-fumantes, hipertensos e não
hipertensos.
Essas duas informações nos obrigam a difundir a idéia de que a pessoa
precisa medir os níveis de colesterol, pois se estiverem fora das
faixas adequadas, corrigir essa anormalidade leva a uma redução
substancial de eventos patológicos.
IDADE IDEAL PARA MEDIR O COLESTEROL
Drauzio – No passado, recomendava-se medir os níveis de colesterol a partir dos 40 anos de idade. Esse conceito ainda permanece?
Protásio Lemos da Luz – Isso mudou porque hoje
estamos lidando com os chamados grupos de risco. Por exemplo, um
adolescente ou mesmo uma criança que pertença a um grupo de risco porque
a mãe, o pai ou ambos apresentaram alguma doença cardíaca, precisa ser
analisada muito mais cedo, aos 15, 20 anos. Sabemos hoje que a
dislipidemia (alterações dos níveis das gorduras no sangue) pode
manifestar-se precocemente até em crianças com alterações genéticas
específicas.
Mesmo que a pessoa não apresente nenhum fator de risco, os níveis de
colesterol devem ser avaliados a partir dos 30, 35 anos de qualquer
maneira, porque o tratamento a longo prazo é importante e a prevenção
pode ser feita por mudanças no estilo de vida, controle da dieta,
exercícios físicos e uso de medicamentos.
A alteração do colesterol no plasma, isoladamente, não causa
sintomas. Não há um mecanismo de alerta para indicar que o nível está
aumentado. Portanto, a conduta mais sensata é fazer exames regulares.
IMPACTO DO EXERCÍCIO FÍSICO E DA DIETA
Drauzio – Você mencionou dieta e exercício físico. Qual é o impacto da atividade física e da dieta nos níveis de colesterol?
Protásio Lemos da Luz — Grande parte do colesterol
plasmático é produzido pelo fígado e depende do tipo de metabolismo da
pessoa. O impacto da atividade física nos níveis de colesterol é
pequeno. No entanto, o exercício ajuda em vários aspectos. Ajuda a
circulação de modo geral e ajuda a gastar energia. Em muitos casos, a
programação que o médico estabelece para auxiliar na redução dos níveis
de colesterol, inclui a queima de calorias por meio da prática de
exercícios.
O impacto da dieta sobre os níveis de colesterol também não é muito
grande. É da ordem de 15% a 20%. Portanto, num indivíduo com elevação
moderada de colesterol, o efeito da dieta é relativamente pequeno.
Aqueles, porém, com 280 ou 300, mesmo obedecendo a uma dieta rigorosa e
baixando 15% a 20% desses níveis, vão continuar com hipercolesterolemia.
Por isso, associar a dieta aos medicamentos que controlam o colesterol é
muito importante. Não é raro receber no consultório pessoas que tomam
remédio, mas não fazem dieta, o que não está certo. As duas medidas são
necessárias porque nesse tipo de alteração estamos lidando com hábitos
adquiridos há muito tempo e é fundamental uma mudança no estilo de vida
que inclua a dieta.
GORDURAS SATURADAS
Drauzio – Quais são os tipos de gordura mais perniciosos para os níveis de colesterol?
Protásio Lemos da Luz – Costumo resumir a questão
para os leigos numa única frase: cuidado com as gorduras de origem
animal. Quais são elas? A gordura da carne, aquela que vêm na picanha e
na costela, e a gordura dos laticínios presente na manteiga, nos queijos
e no leite. Reduzir a ingestão desses alimentos pode significar 90%
menos gordura saturada no organismo.
Drauzio – Você não proíbe completamente a ingestão desses alimentos?
Protásio Lemos da Luz – Não necessariamente. É
preciso considerar os níveis de colesterol total e de LDL. Há pessoas
que, embora comendo gordura saturada, não têm elevação do colesterol
plasmático. Essas não necessitam de restrições na dieta. Entretanto, na
maioria das vezes, há uma relação direta entre a quantidade de gordura
saturada que a pessoa ingere e a elevação do colesterol, a ocorrência de
doenças cardiovasculares e o índice de mortalidade.
DIETA MEDITERRÂNEA E DIETA CONVENCIONAL
Drauzio – Gostaria que você discutisse três componentes da dieta: óleo de oliva, grãos e fibras de modo geral e álcool.
Protásio Lemos da Luz – O óleo de oliva contém
principalmente ácido oléico, um ácido monoinsaturado. Esse é um tipo de
ácido graxo benéfico, também encontrado no óleo de canola e no abacate,
por exemplo.
Quanto ao uso de álcool, está provado que a longo prazo a tendência é
aumentar o HDL. No entanto, tentar esse método é perigoso por causa dos
efeitos que o uso inapropriado da bebida produz.
Recentemente, um estudo realizado no Incor que serviu de base para a
tese da pós-graduanda Dra. Silmara Coimbra, comparando a ingestão de
vinho tinto e suco de uva na reatividade vascular da artéria braquial de
pessoas cuja única alteração era o colesterol aumentado, demonstrou que
ambos apresentam bons resultados. Ou seja, é possível obter efeitos
benéficos no sistema circulatório tomando suco de uva que não contém
álcool. Entretanto, a ingestão de uma quantidade moderada de álcool pode
ser benéfica para pessoas acostumadas a tomar vinho e que não
apresentem contra-indicações como diabetes, arritmia, miocardiopatia ou
insuficiência cardíaca.
No que se refere ao consumo de grãos, a vantagem é incorporar o
número necessário de calorias por uma via que não envolve a ingestão de
gordura saturada. Nesse aspecto, a dieta mediterrânea é benéfica, pois é
composta basicamente por grãos, frutas e vegetais.
Drauzio – Na Finlândia, onde se consome muita gordura
saturada e poucos vegetais, a incidência de doenças cardiovasculares é
altíssima. Qual é a relação entre o consumo de vegetais e menor
frequência de ataques cardíacos?
Protásio Lemos da Luz – De fato, nos estudos que
mostram a relação entre consumo de gordura saturada e ocorrência de
doenças cardiovasculares, a Finlândia ocupa posição de destaque. Essa
constatação serve de fundamento para concluir que quanto mais gordura a
pessoa come, mais sujeita está a essas enfermidades.
Por outro lado, um trabalho feito na Holanda estabeleceu a relação
entre o consumo de flavonóides existentes nos vegetais de modo geral e
nas frutas (maçã, casca de uva, chá, cebola, tomate, etc.) e a menor
incidência dessas doenças. Na mesma linha, pode ser citado, ainda, o
estudo francês que analisou a ocorrência desses eventos comparando
pessoas tratadas com dieta mediterrânea ou com dieta convencional. O
efeito da dieta mediterrânea foi tão extraordinário na redução inclusive
de infarto e morte, que o estudo foi interrompido.
COLESTEROL ELEVADO EM CRIANÇAS, MULHERES E IDOSOS
Drauzio – Você poderia abordar sumariamente o problema do colesterol nas crianças, adolescentes, mulheres e pessoas de idade?
Protásio Lemos da Luz – Vamos começar pelas crianças
e adolescentes. Se pertencem a famílias que já apresentaram alguma
doença cardiovascular ou com alterações genéticas de
hipercolesterolemia, o que é raro, devem ser analisados muito
precocemente. É preciso medir os níveis de lípides e de colesterol.
Ultra-som da artéria carótida é uma indicação simples e não invasiva
para verificar se há ou não uma doença já instalada. Fora desses grupos,
em geral, adolescentes não vão apresentar problemas e passarão a ser
analisados quando adultos.
Em relação às mulheres, existe um conceito fundamental que pouca
gente conhece. A principal causa de morte no sexo feminino, maior do que
os cânceres ginecológicos ou qualquer outra doença, é o acidente
cardiovascular. Por isso, ela precisa dos mesmos cuidados que os homens
especialmente depois da menopausa.
Em certas circunstâncias, a evolução
da doença na mulher é pior porque as alterações aparecem mais tarde,
quando a probabilidade de serem diabéticas e/ou hipertensas é maior.
Nos idosos, a causa mais frequente de morte também é a
cardiovascular, mas muitos chegam aos 70, 80 anos sem grandes alterações
de lípides e sem doença cardiovascular. Para esses não há por que
indicar condutas rigorosas, penalizando-os com restrições
desnecessárias.
No entanto, se o indivíduo tiver lípides francamente
alterados, sobretudo se estiverem associados a outros fatores de risco
como hipertensão, fumo e diabetes, ou se já tiver sofrido acidente
cardíaco ou cerebral, precisa de tratamento. Nesses casos, não há regra
geral. Cada pessoa deve ser analisada individualmente, sabendo que o
colesterol aumentado é um componente importante da principal causa de
morte nesse grupo etário.
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