Movimento afirma que a espécie humana não se adaptou à descoberta do fogo e prega consumo exclusivo de comida crua
Guilherme Russo
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SEMEANDO O terapeuta Fernando Travi pretende organizar o primeiro spa crudivorista do Brasil, no interior de São Paulo
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O fogo, domesticado pelos primeiros humanos há cerca de 120 mil anos,
foi um dos fatores determinantes para que a espécie sobrevivesse à era
glacial.Sem o fogo, estaríamos extintos. Mas isso não impede que ele
caia em desuso. O último modismo gastronômico americano, o crudivorismo,
ou raw foodism, prega uma dieta baseada no consumo exclusivo de frutas,
castanhas, folhas, algas, cogumelos, grãos germinados e, eventualmente,
mel. Tudo cru, e de preferência orgânico. A premissa é que o corpo
humano só estaria adaptado a consumir os alimentos como a natureza os
fornece, da mesma maneira que o fazem os animais. A afirmação não tem
base científica, mas os participantes do movimento não se abalam com
isso - segundo David Wolfe, o papa dessa corrente, as universidades não
apóiam sua teoria ''porque ela contraria os interesses das grandes
corporações''.
O movimento, que surgiu no início da década de 90, já fez o prato de
celebridades hollywoodianas como a atriz Alicia Silverstone e o ator
Woody Harrelson. Demi Moore atribui sua forma física à dieta crua (mais
duas horas de malhação por dia), mas há suspeitas de que ela não é
totalmente fiel ao receituário. Independentemente da badalação dos
famosos, a gastronomia sofisticada e instigante inspirada na dieta
radical é a mais efetiva publicidade do movimento. O restaurante
Deloonix, de São Paulo, com inauguração marcada para janeiro, dedicará
40% do cardápio à comida crua. Os pratos brincam com as formas da comida
convencional. A novidade está nos ingredientes e nas maneiras de
processá-los - nada ultrapassa a temperatura de um dia quente de verão.
Resulta em sabores inusitados. Mas este deve ser só o começo: existem
mais de 60 restaurantes de comida crua nos Estados Unidos e pelo menos
cinco no Canadá. A Costa Rica abriga inúmeras oficinas e spas
crudívoros. E o movimento já foi exportado para países da Europa, como
Inglaterra, Holanda e Alemanha.
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AULAS Adeptos do crudivorismo aprendem a fazer suco de
clorofila e preparar grão-de-bico germinado nas oficinas da Fundação
Oswaldo Cruz, onde a médica Maria Luiza (acima, segurando uma folha)
cultiva vegetais numa horta sem agrotóxicos
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#Q: A dieta da pré-história - continuação:#
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VENDA Uma vez por semana, na Feira do Desenho Vivo, no Rio, aprendizes de crudivorismo vendem os pratos experimentais a R$ 2
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O guru David Wolfe, de 34 anos, declara estar longe do cozido há uma
década. ''Só porque conseguimos mastigar algo e viver o suficiente para
contar a história, não significa que estejamos consumindo a melhor
comida'', ironiza. Wolfe tem seis livros sobre o assunto e comanda o
site Nature's First Law (www.rawfood.com), que comercializa mais de 500
itens relacionados à nova dieta. Os crudívoros americanos sustentam que o
ser humano só deve comer frutas, castanhas e folhas verdes. Os
brasileiros complementam com grãos germinados. ''Crudivorismo é
simplesmente a dieta eterna de todas as criaturas da Terra'', prega
Wolfe. Provavelmente ele não liga para as evidências antropológicas. A
partir das arcadas dentárias de nossos ancestrais e de restos
encontrados em sítios arqueológicos, elas apontam para uma dieta
variada, até com carne putrefata. Além disso, estudos mostram que vários
alimentos ''naturais'' e ''orgânicos'' são tão perigosos quanto
qualquer outro quando consumidos em excesso - brotos de bambu podem
conter cianeto e já mataram muita gente, excesso de grão-de-bico causa
até lesões ä neurológicas e soja pode provocar desequilíbrio hormonal em
mulheres. Wolfe, que prega contra as ''grandes corporações'', afirma
não saber se é ou não um homem rico. Mas diz que reinveste 70% do que
ganha e doa 20% para sua ONG, a Fruit Tree Planting Foundation (Fundação
Plantadora de Árvores Frutíferas), cujo objetivo é cultivar 18 bilhões
delas pelo mundo.
''A decadência do homem começou com o uso do fogo. Com uma maçã e amêndoas já temos um almoço''
FERNANDO TRAVI, terapeuta
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Embarcar na nova prática não é tão natural quanto se prega. Para
superar as dificuldades, surgiu a figura do raw-coach, espécie de
treinador aos aspirantes do crudivorismo. O terapeuta Fernando Travi,
praticante da dieta há cinco anos, assessora a mudança gradual dos
interessados. Ele se refere à prática como Biogenia, uma ciência que, ao
pé da letra, significa geração de vida. ''A decadência do homem começou
com o uso do fogo'', afirma Travi. O ex-psicólogo recomenda que os
vegetais sejam consumidos inteiros e que as refeições incluam, no
máximo, três alimentos distintos. ''Com uma maçã e um punhado de
amêndoas já temos um almoço.'' Concorda com os preceitos alimentares de
David Wolfe, mas aconselha também leite fresco de vaca aos pacientes.
Planeja para breve realizar oficinas de crudivorismo em uma fazenda na
região de São Francisco Xavier, no interior de São Paulo. Será o
primeiro spa cru.
No Rio de Janeiro, há até um grupo de estudos. O Biochip foi fundado
por Ana Branco, professora do Departamento de Artes da PUC, que vive de
vegetais crus há dez anos. A dieta já virou princípio artístico. A
partir de extratos das frutas, sementes e hortaliças, Ana cria pigmentos
para compor o visual dos pratos.
Inspirada na experiência de mudança alimentar, a médica Maria Luiza
Nogueira, irmã de Ana Branco, criou na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) o
projeto Terrapia, um campo de experimentação para as descobertas do
Biochip. ''O crudivorismo, ou alimentação viva, trabalha com o conceito
de energia vital'', afirma a médica. ''A dieta se baseia na Biofísica,
que estuda as questões dos elétrons, dos fótons, dos campos
eletromagnéticos. Você alimenta esse campo, não necessariamente a
matéria'', explica. O Terrapia, fundado há sete anos, tem uma horta
orgânica e um centro comunitário, aberto ao público. De segunda a
sexta-feira, os interessados podem aprender a fazer suco de clorofila e
preparar comida crua. Antes de comer, entoam um cântico indígena cujo
refrão, ''biu-porã'', significa ''comida boa''.
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ARTE Pigmentos derivados dos vegetais são usados para embelezar os pratos
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Fotos: CarlosMagno/ÉPOCA
#Q: Mitos e verdades sobre o crudivorismo:#
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