Índice e Carga Glicêmica
Rita de Cássia de Aquino, Elizabeth Mieko Egashira e Sonia Tucunduva Philippi
É fato que os efeitos dos alimentos após sua digestão sobre a concentração da glicose no sangue são variados e não dependem apenas da quantidade de carboidratos que contém. Vários fatores influenciam na resposta glicêmica e ao longo dos anos esse tema tem sido muito estudado e seus resultados, ao mesmo tempo em que não são conclusivos, evidenciam efeitos epidemiológicos importantes.
O efeito da digestão na glicemia pode ser avaliado por um valor numérico denominado índice glicêmico dos alimentos (IG). O IG é um valor que permite classificar alimentos segundo a avaliação da glicemia após o seu consumo. Expressa o aumento da glicose sanguínea após 2 horas da ingestão de uma porção que contenha 50 g de carboidrato “disponível”, em relação à mesma quantidade de carboidrato de um alimento de referência (pão branco ou glicose).
Alimentos de alto IG são rapidamente digeridos e absorvidos com maior efeito na glicemia. Certos tipos de amido, como os presentes na batata e pão branco , por exemplo, provocam alterações glicêmicas maiores e mais rápidas do que até mesmo o açúcar. Quando o alimento referência é o pão, os alimentos que apresentam IG menor ou igual a 75 são considerados de baixo IG e os com IG maior ou igual a 95 de alto IG. Quando a glicose é utilizada como controle, estes valores devem ser multiplicados por 0,7 (MENEZES e LAJOLO, 2003).
No entanto, os alimentos que possuem seus valores de IG determinados não são consumidos isoladamente e o uso de IG não é prático e fácil de ser utilizado no dia a dia, apesar de ser possível determinar o IG da refeição ou da dieta consumida.
Vários fatores interferem no aproveitamento dos carboidratos do alimento e da refeição, e podem provocar diferentes respostas glicêmicas e aumentar ou diminuir o tempo de digestão, assim como o valor do IG: estrutura e tipo de amido presente (alguns tipos de grânulos de amidos são mais resistentes à degradação pela alfa amilase pancreática); processamento e/ou armazenamento do alimento (o processamento do alimento pode facilitar a digestão do amido); tamanho da partícula (grãos intactos e partículas grandes dificultam a digestão do amido); presença de proteína e gordura (aumentam o tempo de esvaziamento gástrico e diminuem o impacto na glicemia) e quantidade de fibra alimentar (as fibras retardam a digestão do amido e o aumento da glicemia).
O IG de um alimento é determinado pela avaliação de várias pesquisas e disponibilizado em tabelas, desde os trabalhos iniciais de JENKINS e col. (1981) e mais atuais de FOSTER-POWELL e col. (2002).
Como já exposto, a avaliação do IG é realizada com uma porção do alimento que disponibilize 50g de carboidrato, mas na maioria das vezes, essa quantidade não é compatível com a porção usual do alimento. Assim, foi desenvolvido o valor de carga glicêmica (CG), que tem o objetivo de relacionar o IG com a forma e a quantidade que o alimento é ingerido. A CG é calculada pelo produto do IG do alimento e a quantidade de carboidrato disponível presente na porção consumida, divididos por 100. Assim, o valor de CG seria mais indicado para ser utilizado, pois nem todo alimento de alto IG apresenta também alta CG. A CG de uma dieta mista é calculada pela somatória da CG dos alimentos que a compõem e a classificação da CG do alimento e da dieta, utilizando a glicose como alimento referência, pode ser observada no quadro 1.
CG do alimento = (IG x carboidrato disponível na porção)
100
Quadro 1-Classificação da CG do alimento e da dieta utilizando a glicose como alimento referência.
CLASSIFICAÇÃO
| CG DO ALIMENTO | CG DA DIETA |
BAIXA
| Menor ou igual a 10
| Menor ou igual a 80
|
ALTA
| Maior ou igual a 20
| Maior ou igual a 120
|
Fonte: SUGIRS (2004), citado por LAJOLO e MENEZES (2006).
A importância atual do estudo do IG e da CG dos alimentos está relacionada aos possíveis efeitos preventivos e terapêuticos de dietas com baixo IG para indivíduos portadores de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), principalmente a obesidade, apesar de dados e indicações serem ainda controversos.
Estudos realizados com indivíduos obesos, portadores de diabetes e dislipidemia têm evidenciado possíveis efeitos fisiológicos e terapêuticos de dietas de baixo IG. O último informe da Organização Mundial de Saúde (WHO, 2003), sobre a prevenção de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), evidencia estudos em que os alimentos de baixo IG estão associados com melhor controle da glicemia em portadores de diabetes tipo 2 e com a proteção contra a obesidade.
A utilização do IG para avaliar os efeitos dos alimentos sobre a resposta glicêmica é contestada por alguns pesquisadores que propõem uma redefinição do IG com a finalidade de facilitar a seleção de alimentos no controle da glicemia pós-prandial. Uma dificuldade de ordem prática é que a determinação do IG baseia-se em porções de alimentos que contém a mesma quantidade de carboidrato disponível, ou seja, no planejamento alimentar as substituições ou comparações deve-se observar as quantidades de alimentos que forneçam quantidades iguais de carboidratos disponíveis.
Com relação à CG, não há tabelas disponíveis, pois as porções consumidas variam no dia a dia do indivíduo. A CG pode ser calculada e disponibilidade em lista de alimentos e substituições, como a lista proposta por PHILIPPI (2008) em seu guia alimentar Pirâmide dos Alimentos (Tabela 1), segundo o grupo alimentar.
Tabela 1- Lista de Equivalência da Pirâmide dos Alimentos (PHILIPPI, 2008), segundo quantidade de carboidratos, Índice Glicêmico(IG) e Carga Glicêmica (CG) no grupo de frutas.
FRUTAS
1 porção = 70 kcal
Alimentos |
Peso (g) |
Medidas usuais de consumo
| CHO (g) | IG | CG |
Abacaxi
| 145,0 | 1 fatia
| 18,0 | 59 ± 8 | 10,6 |
Ameixa
| 130,0 | 2 unidades
| 16,9 | 39 ± 15 | 6,6 |
Banana prata
| 75,0 | 1 unidade
| 19,5 | 52 ± 4 | 10,1 |
Cereja
| 96,0 | 24 unidades
| 15,9 | 22 | 3,5 |
Damasco desidratado
| 30,0 | 4 unidades
| 18,5 | 31 ± 1 | 5,7 |
Kiwi
| 115,0 | 1½ unidades
| 17,1 | 53 ± 6 | 9,1 |
Laranja
| 144,0 | 1 unidade
| 16,6 | 42 ± 3 | 6,9 |
Maçã argentina/fuji/gala/verde
| 120,0 | 1 unidade
| 18,4 | 38 ± 2 | 7,0 |
Mamão papaia
| 180,0 | ½ unidade
| 17,7 | 59 ± 1 | 10,4 |
Manga bordon
| 110,0 | ½ unidade
| 18,4 | 51 ± 5 | 9,4 |
Melancia
| 220,0 | 2 fatias
| 13,6 | 72 ± 13 | 9,8 |
Morango
| 235,0 | 10 unidades
| 16,5 | 40 ± 7 | 6,6 |
Pêra
| 120,0 | 1 unidade
| 16,8 | 38 ± 2 | 6,4 |
Pêssego
| 165,0 | 1½ unidades
| 18,3 | 42 ± 14 | 7, |
Suco de laranja
| 187,0 | ¾ copo (*)
| 19,5 | 52 ± 3 | 9,7 |
Uva itália
| 100,0 | 8 bagos
| 17,8 | 46 ± 3 | 8,2 |
(*) Copo = 200 mL
No Quadro 2 encontram-se o IG e a CG dos principais alimentos-fonte de carboidratos citados por EGASHIRA e LEONI (2008).
Quadro 2. Valores de IG e CG de alimentos contendo carboidratos.
ALIMENTO | IG | CG |
Glicose (=100) | Pão (=100) | Tamanho da porção | Carboidrato por porção (g) | CG por porção |
Medida usual | (g) |
Arroz branco cozido
(tipo não especificado)
| 64+7 | 91+9 | 3 colheres de servir | 150 | 36 | 23 |
Arroz integral cozido
(Orysa sativa)
| 55+5 | 79+6 | 2 colheres de servir | 150 | 33 | 18 |
Batata cozida
(branco, descascada, cortada em cubos, cozida com sal por 15 minutos)
| 101+15 | 144+22 | 1 unidade grande | 150 | 17 | 17 |
Batata assada
(sem gordura:
média de 4 estudos)
| 85+12 | 121+16 | 1 1/3 xícara de chá | 150 | 30 | 26 |
Batata frita
(congelada)
| 75 | 107+6 | 3 colheres de servir | 150 | 29 | 22 |
Mandioca cozida
(com sal)
| 46 | 65+12 | 3 colheres sopa | 100 | 27 | 12 |
Pão francês
(farinha de trigo branca)
| 70+0 | 101+0 | ½ unidade | 30 | 14 | 10 |
Pão integral
(branco, rico em fibras:)
| 68+1 | 97+1 | 1 fatia | 30 | 13 | 9 |
Biscoito cream cracker
(Brasil)
| 65+11 | 93 | 4 unidades | 25 | 17 | 11 |
Biscoito cookies
(banana, aveia e mel)
| 28+5 | 40 | 6 unidades | 30 | 23 | 6 |
Pizza de queijo
| 60 | 86+5 | 1 fatia média | 100 | 27 | 16 |
Macarrão espaguete
(cozido)
| 42+3 | 60+4 | 3 colheres de servir | 180 | 47 | 20 |
Fonte: FOSTER-POWEL K e col. (2002)
Apesar das controvérsias sobre a validade e a praticidade do IG e CG na orientação nutricional, o uso desses parâmetros pode contribuir com a realização de uma dieta adequada e equilibrada, imprescindível para a promoção da saúde da população.
REFERÊNCIAS CONSULTADAS
FAO (Food and Agriculture Organization) and WHO (World Health Organization) Carbohydrates in human nutrition. Report of a Joint FAO/WHO expert consultation. Food and Nutrition Paper 66. Rome; 1998.
Foster-Powel K, Holt Sha, Brand-Miller JC. International table of glycemic index and glycemic load values. Am J Clin Nut. 2002; 76: 5-56.
Jenkins DJA, Wolever TMA, Taylor RH, Baker H, Fielder H, Baldwin JM, Bowling AC, Newman HC, Jenkins AL, Golf DH. Glycemic index of food: a physiological basis for carbohydrates exchange. Am J Clin Nutr 1981; 34: 362-6.
Lajolo FM, Menezes EW. Carbohidratos em Alimentos Regionales Iberoamericanos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; 2006.
Monro J. Redefining the glycemic index for dietary management of postprandial glycemia. J. Nutr. 2003; 133: 4526-8.
Philippi ST. Pirâmide dos alimentos: princípiops básicos da nutrição. Nutrição e Técnica Dietética. Barueri: Manole; 2008.
WHO- World Health Organization/Food and Agriculture Organization. Diet, Nutrition and Prevention of Chronic Diseases. Geneve, 2003. (WHO- Technical Report Series, 916).
Nenhum comentário:
Postar um comentário