De onde vêm a gula e a obesidade na evolução?
Ter um apetite insaciável é algo vantajoso para a sobrevivência numa savana que seja modesta na produção de caça, frutos e raízes, como era o ambiente em que nasceu a humanidade há cerca de 200 mil anos no leste africano. Se as pessoas variassem em apetite, e se esta variação tivesse base genética, teriam maior sucesso na sobrevivência e reprodução as pessoas com maior apetite.
O ambiente mudou rápido (porque a cultura evolui rápido independente dos genes), e o instinto que foi esculpido por milênios não teve como mudar junto. Então, na época da bonança (ao menos bonança para quem está nas regiões desenvolvidas ou em desenvolvimento sócio-econômico hoje) este instinto pode levar ao excesso de peso, quiçá à obesidade e outros problemas de saúde relacionados à dieta opulenta. Toda essa história é muito bem contada e melhor referenciada no livro "El mono obeso" (O macaco obeso, tradução livre) de José Enrique Campillo Álvarez.
Em 2010, os pesquisadores Francisco Mauro Salzano, Maria Cátira Bortolini e Tábita Hünemeier, do Laboratório de Evolução Molecular e Genética de Populações Humanas da UFRGS, publicaram um estudo inédito, em parceria com dezenas de outros pesquisadores ao redor do mundo, identificando uma nova variante do gene ABCA1 em nativos americanos. Este gene codifica uma proteína ligada à membrana celular que faz parte de um sistema de expulsão do colesterol para fora das células.
Os pesquisadores descobriram que este alelo do ABCA1 - chamado de alelo C230 - é exclusivo de povos ameríndios, particularmente aqueles cuja dieta dependia do consumo do milho (que foi domesticado e selecionado neste continente). As técnicas de evolução molecular mostraram que o alelo C230 foi um alvo da seleção natural positiva*. É o primeiro caso documentado de seleção positiva em nível molecular atuando no genoma humano nesta região do planeta.
E o interessante é que este alelo está associado a um alto índice de massa corporal (IMC) em seus portadores modernos! Células que têm este alelo em vez do alelo selvagem mostraram 27% de redução no efluxo (saída) de colesterol de dentro delas.
Uma reflexão importante remonta a quantos de nós ainda estamos à mercê da carestia dos nossos antepassados. À parte fontes concebíveis de seleção como o sedentarismo e a dieta, vale lembrar que bilhões de pessoas vivem em situações deploráveis: fome, falta de abrigo, vulnerabilidade a microorganismos patogênicos, etc. Segundo a ONU, uma em quatro crianças no mundo em desenvolvimento é desnutrida.
2. Acuna-Alonzo, V., Flores-Dorantes, T., Kruit, J., Villarreal-Molina, T., Arellano-Campos, O., Hunemeier, T., Moreno-Estrada, A., Ortiz-Lopez, M., Villamil-Ramirez, H., Leon-Mimila, P., Villalobos-Comparan, M., Jacobo-Albavera, L., Ramirez-Jimenez, S., Sikora, M., Zhang, L., Pape, T., Granados-Silvestre, M., Montufar-Robles, I., Tito-Alvarez, A., Zurita-Salinas, C., Bustos-Arriaga, J., Cedillo-Barron, L., Gomez-Trejo, C., Barquera-Lozano, R., Vieira-Filho, J., Granados, J., Romero-Hidalgo, S., Huertas-Vazquez, A., Gonzalez-Martin, A., Gorostiza, A., Bonatto, S., Rodriguez-Cruz, M., Wang, L., Tusie-Luna, T., Aguilar-Salinas, C., Lisker, R., Moises, R., Menjivar, M., Salzano, F., Knowler, W., Bortolini, M., Hayden, M., Baier, L., & Canizales-Quinteros, S. (2010). A functional ABCA1 gene variant is associated with low HDL-cholesterol levels and shows evidence of positive selection in Native Americans Human Molecular Genetics, 19 (14), 2877-2885 DOI: 10.1093/hmg/ddq173
3. Hancock, A., Witonsky, D., Ehler, E., Alkorta-Aranburu, G., Beall, C., Gebremedhin, A., Sukernik, R., Utermann, G., Pritchard, J., Coop, G., & Di Rienzo, A. (2010). Colloquium Paper: Human adaptations to diet, subsistence, and ecoregion are due to subtle shifts in allele frequency Proceedings of the National Academy of Sciences, 107 (Supplement_2), 8924-8930 DOI: 10.1073/pnas.0914625107
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