OBSERVAÇÃO IMPORTANTE:

Os textos a seguir são dirigidos principalmente ao público em geral e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes de cada assunto abordado. Eles não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores às informações aqui encontradas.

Mens sana in corpore sano ("uma mente sã num corpo são") é uma famosa citação latina, derivada da Sátira X do poeta romano Juvenal.


No contexto, a frase é parte da resposta do autor à questão sobre o que as pessoas deveriam desejar na vida (tradução livre):

Deve-se pedir em oração que a mente seja sã num corpo são.
Peça uma alma corajosa que careça do temor da morte,
que ponha a longevidade em último lugar entre as bênçãos da natureza,
que suporte qualquer tipo de labores,
desconheça a ira, nada cobice e creia mais
nos labores selvagens de Hércules do que
nas satisfações, nos banquetes e camas de plumas de um rei oriental.
Revelarei aquilo que podes dar a ti próprio;
Certamente, o único caminho de uma vida tranquila passa pela virtude.
orandum est ut sit mens sana in corpore sano.
fortem posce animum mortis terrore carentem,
qui spatium uitae extremum inter munera ponat
naturae, qui ferre queat quoscumque labores,
nesciat irasci, cupiat nihil et potiores
Herculis aerumnas credat saeuosque labores
et uenere et cenis et pluma Sardanapalli.
monstro quod ipse tibi possis dare; semita certe
tranquillae per uirtutem patet unica uitae.
(10.356-64)

A conotação satírica da frase, no sentido de que seria bom ter também uma mente sã num corpo são, é uma interpretação mais recente daquilo que Juvenal pretendeu exprimir. A intenção original do autor foi lembrar àqueles dentre os cidadãos romanos que faziam orações tolas que tudo que se deveria pedir numa oração era saúde física e espiritual. Com o tempo, a frase passou a ter uma gama de sentidos. Pode ser entendida como uma afirmação de que somente um corpo são pode produzir ou sustentar uma mente sã. Seu uso mais generalizado expressa o conceito de um equilíbrio saudável no modo de vida de uma pessoa.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Mens_sana_in_corpore_sano


sábado, 13 de agosto de 2011

A vida difícil dos ex-gordos - cirurgia de redução de estômago

Matéria sobre a Cirurgia do Jornal "O Globo" de 21/11/04
CAPA DA REVISTA A CIRURGIA DE REDUÇÃO DO ESTÔMAGO
fez multiplicar o número de pessoas que sonham com uma vida saudável, longe do pesadelo da obesidade. O que quase ninguém imagina, porém, é o alto custo da operação, cobrada na forma de restrição alimentar. Dieta para toda a vida: este é o destino de quem faz a cirurgia. A recomendação médica pós-operatória inclui mastigar 50 vezes cada alimento, quantidades pequenas nas refeições, ingestão diária de nutrientes essenciais e o que é pior: os doces devem ser banidos do cardápio, por causa da alta absorção de açúcar. A dura vida dos ex-gordos é o que revela a reportagem de Marcia Cezimbra. É claro que a cirurgia revela-se necessária quando se trata de obesidade mórbida, doença que oferece risco de vida. Mas nada justifica esse tipo de intervenção para quem pode emagrecer com dieta, perseverança e apoio psicoterápico. Esse confronto entre ilusão e realidade é uma reflexão oportuna sobre os efeitos no imaginário de todos nós da ditadura da beleza. Bom domingo. — Marília Martins, editora

A VIDA DO EX-OBESO SUBMETIDO À CIRURGIA DO ESTÔMAGO É UM NOVO REGIME. E MILITAR! UM DOCINHO? NUNCA, DÁ TONTEIRA! UMA LASCA DE CHURRASCO? JAMAIS, PODE ENTUPIR A BOCA DO ESTÔMAGO. O NOVO MAGRO ESTÁ FELIZ, MAS, SE SAIR DA LINHA, PAGARÁ CARO: ANEMIA, DESNUTRIÇÃO, OSTEOPOROSE, VÔMITOS, DESMAIOS, ALCOOLISMO, DEPRESSÃO, NOVAS CIRURGIAS E ATÉ O PIOR: A RECUPERAÇÃO DO PESO. O RIGOR DO PÓS-OPERATÓRIO — RESTRIÇÃO ALIMENTAR SEVERA, EXERCÍCIOS, EXAMES PERIÓDICOS, SUPLEMENTO DE VITAMINAS — DEVE SER MANTIDO PELO RESTO DA VIDA. ALÉM DOS RISCOS DA CIRURGIA (AGRAVADOS PELO FATO DE O PACIENTE GERALMENTE SER DIABÉTICO E HIPERTENSO) O EX-OBESO VAI ENFRENTAR UMA SÉRIE DE NOVOS DESAFIOS. DO CONTRÁRIO, TODO O ESFORÇO PODERÁ SER EM VÃO. ESTA É A CONCLUSÃO DA TESE DE MESTRADO SOBRE OS EX-OBESOS DA PSICÓLOGA MARIANA CHAVES LOPES, DEFENDIDA NO NÚCLEO DE ESTUDOS DE SAÚDE COLETIVA (NESC) DA UFRJ. MAS PARA SE LIVRAR DE 200 QUILOS, QUE IMPEDEM DE TOMAR BANHO SOZINHO E FAZEM PRECISAR DE AJUDA ATÉ PARA XIXI, VALE QUALQUER SACRIFÍCIO! A CIRURGIA É UMA MUDANÇA RADICAL DE VIDA, SEGUNDO A BABÁ IRACEMA PADILHA.

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica, Fernando Barroso, pioneiro da técnica no Rio, a cirurgia troca um problemão por probleminhas, administráveis desde que levados a sério. Cada cirurgia custa de R$20 mil a R$25 mil, o que é atraente para os médicos (a nova sociedade médica já tem 600 membros) e alarmante para planos de saúde e para o SUS, já que o tratamento gera novas necessidades, inclui de três a cinco plásticas e dura até a morte. Para Barroso, cuja equipe já operou 830 obesos desde 1997, o boom da cirurgia bariátrica deve abrir os olhos da sociedade para uma doença perigosa e desprezada: a obesidade, que atinge 17 milhões de brasileiros, dos quais um milhão em estado grave.

Orlando Thomé livrou-se da hipertensào e do DiabetesO BOOM DA CIRURGIA bariátrica surpreende até cirurgiões pioneiros neste tipo de operação, como Fernando Barroso, que trouxe para o Rio a nova técnica introduzida no Brasil pelo médico paulista Arthur Garrido e por uma equipe multidisciplinar da USP. Ele reconhece que o crescimento da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica, de 30 para 600 membros em cinco anos, é “mais um inchaço que um desenvolvimento”. Hoje, a perspectiva de uma explosão de cirurgias caras e pagas por planos de saúde — só no Rio são 86 mil grandes obesos de estado grave — atrai os médicos como há alguns anos ocorreu com a cirurgia plástica.— A cirurgia bariátrica favorece a cirurgia plástica, porque cada intervenção exige depois de três a cinco plásticas, que já começam a ser aceitas por alguns planos de saúde — diz Barroso.A tendência da cirurgia bariátrica, para ele, é crescer ainda mais. No Hospital São Lucas, em Copacabana, o número de operações bariátricas encostou no das de vesícula, a mais realizada no aparelho digestivo. Nos Estados Unidos, onde 30% da população são obesos, a cirurgia bariátrica, segundo Barroso, já ultrapassou a plástica.— A obesidade só cresce. Não há tantas outras indicações cirúrgicas como a bariátrica. Há filas de obesos para operar até no Piauí. No Rio, são três mil na fila e o Hospital de Ipanema só faz uma cirurgia por semana.

O PORTAL DO MUNDO DOS MAGROS A professora Maria Lucia Bosi, psicóloga, nutricionista, doutora em Saúde Pública e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Comportamento Alimentar do Nesc da UFRJ, alerta para o risco de um mercado da cirurgia bariátrica, que poderá, num futuro próximo, ser novo objeto de consumo: alguém que está obeso poderá ser estimulado a ganhar mais peso para ter a indicação médica da cirurgia. Todas estas questões serão discutidas a partir de terça-feira no VI Congresso Brasileiro de Cirurgia da Obesidade, no Hotel Sofitel, no Rio, com a presença do americano Mathias Fobi, criador da técnica mais realizada no Brasil, de anel associado ao grampeamento do estômago e ao bypass do intestino. O evento contará também com cirurgiões da Austrália, do México, da Europa e da América do Sul.A ex-dona de casa Eliana Posato (essa é aquela que foi no Jô soares e falou que não comia carne) é uma das centenas de cariocas que estão no mundo dos magros. Há quatro anos, fez a operação no Hospital de Ipanema e perdeu 78 dos 138 quilos. A primeira atitude foi desfazer o casamento de 28 anos: — Quando fiquei magra, não podia ficar com um marido que não queria sair de casa.Eliana foi uma das 18 pacientes que fizeram a cirurgia do anel gástrico (veja quadro). É a cirurgia menos invasiva e a mais cara, principalmente se for feita por laparoscopia. Para o médico Fernando Barroso, dos 18 que fizeram a operação do anel no Hospital de Ipanema, três pacientes o perderam — um deles absorvido pelo estômago e depois evacuado. Eliana Posato emagreceu e desfez um casamento de 28 anos (Ela que foi no Jô Soares)Mas Eliana seguiu à risca as recomendações e hoje preside a Associação de Apoio a Grandes Obesos (Aago), que já tem sede no Méier. Ainda este ano, a Aago pretende inaugurar um spa em Jacarepaguá para obesos graves que estão na fila da cirurgia, a exemplo do criado no Hospital de Ipanema e hoje desativado.— Não me arrependo de nada. Tem muita gente deprimida e sei até de casos de suicídio. É assim mesmo, quem não toma a devida atenção tem problemas de todos os tipos.O cirurgião Fernando Barroso concorda e adverte que o paciente não deve se iludir:— Costumamos dizer ao paciente que ele trocará uma doença por outra. Uma é incapacitante, tira sua alegria de viver, sua auto-estima, sua cidadania e sua saúde. Outra é uma doencinha que aproveita mal os alimentos, as vitaminas, os sais minerais e, por isso, vai ter que tomar uma polivitamina profilática para o resto da vida. Barroso diz que o spa improvisado no Hospital de Ipanema, no qual obesos emagreciam de 30 a 40 quilos três meses antes da cirurgia, visava a evitar riscos pós-operatórios de pacientes graves, geralmente hipertensos e diabéticos:— Convencemos a direção do hospital de que era mais barato manter pacientes três meses antes com dieta de 800kcals por dia do que cuidar depois das complicações pós-operatórias. Eles ficavam no hospital, subiam escadas, faziam exercícios.

A ETERNA VIGILÂNCIA DOS OPERADOS O atual superintendente do Senac-Rio, Orlando Thomé pesava 170 quilos em 2002 e, depois da cirurgia no Hospital São Lucas, livrou-se de 69 quilos e de problemas como hipertensão, colesterol alto, diabetes, apnéia noturna, sedentarismo e falta de agilidade:— Desde os 18 anos, vivia em dietas e nunca pesei menos que 135 quilos, recuperando depois. Quando começaram os problemas de saúde, minha endocrinologista Vera Cuoco indicou a cirurgia.Thomé come churrasco (bem pequeno, bem mastigado e quase cru), toma bebidas alcoólicas e, se não se cuidar, volta a engordar:— Parei de nadar, ganhei quatro quilos e já perdi. Mastigo bem, como de tudo em pequenas quantidades.

OS TIPOS DE CIRURGIA



Anel ou banda ajustável
É a mais realizada na Europa, na Austrália e no México, feita também por laparoscopia. O anel é um dispositivo de silicone cuja luz interna é insuflada e o calibre da passagem é variável. É a cirurgia menos invasiva, mas, como o aproveitamento dos alimentos não é comprometido, o escape e o ganho de peso são maiores e a perda de peso é menor.


Gastroplastia com bypass
É a mais usada no Brasil. É uma cirurgia gastrorrestritiva, que reduz o estômago com grampeamento e com a colocação de um anel, aliada a um bypass (inutilização de parte do intestino) o que gera moderada disabsorção. Na avaliação do presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica, Fernando Barroso, é a de melhor custo-benefício para os pacientes.


Cirurgia disabsortiva
É uma técnica desenvolvida pelo médico italiano Nicola Scopinaro, que consiste essencialmente na disabsorção dos alimentos. Come-se melhor, mas os alimentos não são aproveitados, exigindo um acompanhamento rigoroso da nutrição do paciente.
 

COM 148 QUILOS, Maria Teresa de Oliveira Santos, de 47 anos, foi a segunda obesa operada pela equipe do médico Fernando Barroso no Hospital de Ipanema. Há oito anos, Teresa entalou na roleta de um ônibus e só pôde ser retirada do veículo na garagem da empresa. Chorou muito e quando o endocrinologista Amélio Godoy, com quem fazia tratamento para emagrecer à base de drogas, falou para ela sobre a cirurgia bariátrica, ela topou na hora:— Entrei de cabeça. Na época, no Hospital de Ipanema, não tinha psicóloga, nem nutricionista, só o médico. Tomei remédios para emagrecer 14 quilos antes de operar, porque nem cabia na mesa de cirurgia. Não sabia nada sobre a cirurgia e nem queria saber. Queria ficar magra. Depois da operação, fiquei um mês internada devido à hipertensão e ao diabetes. Faria tudo de novo.Não é para menos. Teresa perdeu 78 quilos, voltou a trabalhar como cozinheira, passou a sambar, ir a festas e arranjou “muitas paqueras”.— Mudou minha auto-estima e voltei a trabalhar. Hoje eu sou uma cozinheira internacional, só de famosos. Já trabalhei na casa de Irene Mafra, mãe da Paula Lavigne. O Caetano Veloso, por exemplo, nunca reclamou de minha comida baiana. Hoje trabalho para o jogador Edmundo e para o fotógrafo Mário Testino. Antes ninguém me contratava e isso me fazia engordar mais. Hoje descobri que adoro sambar!

 

Desmaios, brancos de memória e cigarro. Mas Teresa não respeitou as regras duras do pós-operatório. Comia muita carne, cujas fibras costumam entupir o anel que reduz a entrada do estômago. Dois anos depois, Teresa fez nova cirurgia para a retirada do anel, cuja entrada estava bloqueada pelo excesso de carne:— Hoje sei que carne vermelha nunca mais. Fiquei com uma calosidade no lugar do anel, que também funciona como um redutor do estômago. Mas quero fazer outra cirurgia para botar o meu anel de novo. Já fiz plástica de abdômen e culote para tirar excessos de pele. A cirurgia está sendo dez! Teresa diz que é daquelas que não conseguem resistir a um docinho, embora saiba que o açúcar dá um efeito semelhante ao desmaio. Já a ansiedade de não poder comer levou-a a beber mais, em média seis garrafas de cerveja gelada ou um garrafão de vinho: — Como a bebida puxa o fumo, passei a fumar também. Já desmaiei várias vezes por comer doce. Todos nós temos aquela gula de comer um docinho. Sem o vinho eu também não fico. Prefiro beber que tomar o antidepressivo Limitrol, mas fico muito sonolenta. Viver depois da operação é muito complicado. Quem não souber, dança. Tenho osteoporose, tendinite, sinto muito frio e tenho brancos de memória por falta de vitaminas. Mas estou feliz.O caso de Teresa é um exemplo dos riscos da cirurgia citados pela professora Maria Lucia Bosi, que orientou a pesquisa “Fugindo do cárcere”, da psicóloga Mariana Chaves Lopes, defendida há um mês, e que teve Teresa como uma das entrevistadas. Maria Lucia diz que os obesos mórbidos vêem a cirurgia como um “portal mágico” para o mundo dos magros e depois da cirurgia pode vir o susto.Para ela, a obesidade é uma epidemia global que não deve ser tratada com a lógica compulsiva de respostas rápidas e reflexões superficiais. Seria preciso uma avaliação criteriosa e interdisciplinar dos riscos de uma cirurgia que altera profundamente a forma corporal e o modo de se relacionar com o corpo, com a vida e com um ato primitivo como o de comer:— Para nós, propor, sem avaliação criteriosa, uma solução cirúrgica para um comportamento em certos casos relacionados à compulsão e a outros transtornos seria o mesmo que, por analogia, cortar o pênis de um estuprador ou de um compulsivo sexual. Queremos saber quais os casos em que a prática, de alto custo e que gera novos custos, é necessária. Parece que o melhor investimento para essa epidemia ainda é a prevenção.

 

Maria GeraldaEMAGRECER MAIS PARA FAZER A PLÁSTICA

O próprio cirurgião Fernando Barroso, que já se aposentou do Hospital de Ipanema, reconhece que o acompanhamento feito pelo SUS é insuficiente e diz que ele próprio já tirou dinheiro de seu bolso para ex-obeso ir para casa: — Quando saí de lá, a psicóloga, o endocrinologista, a fisioterapeuta e a nutricionista eram voluntários. O serviço público chegou a um grau de falência em que falta até comida.O ex-obeso tem ainda outras dificuldades. Maria Clemência Alves Luiz, de 56 anos, pesava 138 quilos e agora tem 98. Mas deve pesar 72 quilos para fazer a plástica de abdômen e não consegue. Come de tudo, de mocotó batido a feijoada, não se priva de nada. Viúva, com quatro filhos, já arranjou até namorado. Mas nem sempre tem dinheiro para sair de casa, em Caxias, e ir ao Hospital de Ipanema:— Tenho que emagrecer para fazer a plástica. É aí que fico nervosa e não paro de lambiscar.
 
CUIDADOS ANTES DE OPERAR

Dentes

O novo magro vai ter que mastigar muito bem suas refeições e precisará de dentes muito bem cuidados. Alimentos mal mastigados formam bolos que obstruem o anel gástrico. É preciso resolver problemas dentários antes da cirurgia.


A técnica ideal


Como não há um consenso sobre a melhor cirurgia, o paciente deve avaliar a experiência anterior do médico e os seus casos de óbitos. A média de óbitos da cirurgia é de 1% a 2%.

 

A indicação


São indicados para a cirurgia obesos com mais de 45 quilos acima da tabela ou índice de massa corporal (IMC) superior a 35. Menos que isso, não há indicação.

 

A NECESSIDADE DA CIRURGIA bariátrica é um dos questionamentos feitos pela psicóloga Mariana Lopes e pela professora Maria Lucia Bosi. Se os pacientes conseguiam emagrecer 40 quilos antes da cirurgia, por que não prosseguir com o programa de emagrecimento e evitar uma técnica invasiva e arriscada?— Eles fazem o spa e no meio do caminho ouvem que a cirurgia, ou seja, o poder médico, cuidará do resto, transferindo a autonomia do obeso para o médico, tornando-o dependente dessa técnica de salvação. Em nossas pesquisas, conhecemos pessoas que emagreceram 40 quilos com terapia, dietas e outras práticas. Por que temos que operar pessoas sem lhes dar uma chance de um tratamento menos arriscado? — pergunta Maria Lucia.Ela diz que, se a cirurgia é indicada a obesos com risco de morte e complicações eminentes, como avaliar os pacientes que ficam três anos na fila e não apresentam esse desfecho? Mariana comenta que nesses três anos eles poderiam se submeter a técnicas alternativas. Para o chefe da equipe do Hospital de Ipanema, o cirurgião bariátrico Marco Antonio Leite, porém, o obeso que precisa perder 40 quilos deve ser operado, porque não vai emagrecer e se manter magro, mas sim continuar a engordar indefinidamente:— Por que esperar que esse obeso chegue a 200 quilos? Os riscos serão maiores.

 

O PERIGO DAS CIRURGIAS Por ser uma técnica relativamente recente e que passou a ser praticada de um dia para o outro aos borbotões, os problemas com os obesos estão começando a aparecer: Magali Alves de Souza, paciente do SUS, pesava 240 quilos em março de 2000 e perdeu 102 quilos. Mas contraiu uma hérnia abdominal e diz que não pode operar antes de um exame cardiológico prévio que não está disponível em hospitais públicos:— Eu preciso ficar com aquele aparelhinho 24 horas, mas não consigo fazer esse exame em lugar nenhum. O SUS me deixou órfã de pai e mãe. Sou uma magra de janela, porque da cintura para baixo estou gorda. Ainda assim, magra de janela, Magali se diz feliz da vida, não se arrepende e faria tudo outra vez. Ela voltou a trabalhar, a se locomover, faz artesanatos, doces e salgados para festas:— Eu vivia sentada dependendo do meu marido e dos meus três filhos para arrastar uma perna e mudar de posição. Dependia de outra pessoa para levantar e até para tomar banho. Cansei de pedir a Deus para morrer de uma vez.

O médico-legista Levi Miranda com familiares de vítimas da cirurgia

Tinha me transformado num monstro.Magali diz que hoje é feliz, tem vaidade, mas adverte que é preciso saber se cuidar:— Ontem comi uma coxa de peru com maionese de cenoura e tive que forçar o vômito, porque fiquei entalada. Passei mal o dia inteiro, porque vomitar causa muitas dores no peito.Maria Geralda dos Santos Cunha, de 58 anos, pesava 220 quilos há dois anos, emagreceu 90, mas ficou um ano internada com complicações e até hoje sua barriga não fechou totalmente:— Deu algo errado comigo. Preciso de ajuda para voltar a viver. Ou então vou me aposentar pelo INSS. Não posso fazer nada. Há casos ainda mais graves, de óbitos, como o de Anderson de Oliveira Costa, morto em 2003 em decorrência de complicações no pós-operatório. Sua mãe, Sonia Ramos de Oliveira Costa, lidera uma campanha sobre os riscos da cirurgia. Criou um site para atrair parentes de vítimas, contratou a advogada Marly Duarte e abriu um processo cível e criminal contra o cirurgião:— Se você não morre, essa cirurgia pode valer a pena, mas não é o que está acontecendo. Meu filho não tinha indicação e foi operado com infecção. Vou lutar até o fim para evitar novas mortes desnecessárias. Através do site, Maria Dalila Mesquita Barbosa e Luiza Helena Monte França também entraram na Justiça contra supostos erros médicos fatais em seus familiares. O médico-legista Levi Inimar Miranda, do Instituto Médico-Legal (IML) e do Hospital Central do Exército, diz que os índices oficiais de óbitos, de 1% a 2%, podem estar subestimados:— Em muitos casos por mim avaliados, a causa mortis foi septicemia. A cirurgia não foi mencionada. Deve haver maior rigor nas notificações.

 

COMO A PSICANÁLISE PODE AJUDAR

Compulsão alimentar

O psicanalista e psiquiatra José Renato Avzaradel, didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise, diz ter experiências com grandes obesos que emagreceram com dieta, exercícios e terapia, sem precisar recorrer ao caráter mágico que não os obriguem a pensar em por que eles comem tanto. Para ele, a obesidade é o sintoma de um distúrbio emocional na relação da pessoa com o mundo e com sua estrutura psíquica. A compulsão alimentar deriva de uma ansiedade que pode ser trabalhada pela psicanálise. Essa ansiedade resulta de distúrbios primitivos que remontam à relação do bebê com a sua mãe em busca da satisfação de sua fome. Se o compulsivo entende a origem de sua ansiedade poderá controlar seu distúrbio. O tratamento psicanalítico, porém, é longo e deve ser associado a dietas prolongadas e à prática de exercícios regulares.

 

CUIDADOS NA ESCOLHA DO MÉDICO
O cirurgião Fernando Barroso reconhece que há índices de mortes entre 1% e 2%, que caem para 0,5% em pacientes de baixo risco. Ele diz que o paciente deve avaliar a experiência dos médicos e perguntar sobre seus óbitos, lembrando que a cirurgia é uma ferramenta: — O paciente deve se cuidar para evitar problemas.Foi o que fez a babá gaúcha Iracema Padilha, de 32 anos. Ela pesava 135 quilos há dois anos e emagreceu 60, mas botou na cabeça que sua vida seria radicalmente diferente. Segue a dieta à risca, faz exames de três em três meses, fez sete anos de terapia e faria tudo outra vez:— Minha vida se divide em antes e depois da cirurgia: era horrível e agora é ótima.




Fonte dessa Matéria: Jornal O Globo - Revista - 21/11/04
 http://www.exgordo.com.br/noticias/oglobo211104.htm

Nenhum comentário:

Postar um comentário