A obesidade em todo o mundo é atualmente um dos mais graves problemas de
saúde pública, apesar de não ser dispensada a ela devida importância.
Portanto, sua incidência vem crescendo acentuadamente nas últimas
décadas, inclusive nos países em desenvolvimento, o que levou-a à
condição de epidemia global.
Estudos epidemiológicos em
populações latino-americanas têm relatado dados alarmantes. À medida que
se consegue erradicar a miséria entre as camadas mais pobres da
população, a obesidade desponta como um problema mais freqüente e mais
grave que a desnutrição. É o fenômeno da transição nutricional, que
sobrecarrega nosso sistema de saúde com uma demanda crescente de
atendimento a doenças crônicas relacionadas com a obesidade, como o
diabetes tipo 2, a doença coronariana, a hipertensão arterial e diversos
tipos de câncer. É provável que 200.000 pessoas morram anualmente em
decorrência destas complicações na América Latina (EBERLIN FILHO, 1998).
O tratamento da obesidade, entretanto,
continua produzindo resultados insatisfatórios, em grande parte por
estratégias equivocadas e pelo mau uso dos recursos terapêuticos
disponíveis.
Faz-se
necessário, também, que sejam adotadas medidas de prevenção para conter o
surgimento de casos novos e evitar que a prevalência da obesidade
continue crescendo a despeito de todos os esforços com seu tratamento.
O Documento do Consenso
Latino-Americano em Obesidade (COUTINHO, 1998), produzido pelo trabalho
conjunto de dezenas de especialistas de 12 países latino-americanos, das
áreas de Medicina, Nutrição, Psicologia e Educação Física, representa
uma revisão dos diversos aspectos relacionados com a obesidade e seu
tratamento. São apresentados dados sobre a prevalência, os riscos e os
custos associados com a obesidade, são sugeridas medidas que possam
contribuir para a prevenção da doença e, finalmente, são analisados os
métodos atualmente disponíveis para a avaliação e o tratamento do
paciente obeso. Este documento é destinado principalmente a médicos,
nutricionistas, psicólogos, professores de educação física e outros
profissionais de saúde que lidam com pacientes obesos. É dirigido também
a autoridades governamentais, a jornalistas da área de Saúde e a todo
profissional que possa contribuir, direta ou indiretamente, para o
combate a este grave problema que é a obesidade.
Pesquisas recentes tem apontado
a inevitável relação entre indivíduos obesos e descontrole alimentar
episódico (binge eating, na língua inglesa). Portanto, existem
dificuldades para a definição operacional e de compreensão desse
fenômeno, segundo BRUCE E WILFLEY (1996, apud MIGLIOLI, 1998).
ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA OBESIDADE
CAMPOS (1993) descreve que não há um perfil
definido ou uma estrutura mental única para os indivíduos obesos, sendo
temerária a generalização dos problemas psicológicos para todos os casos
de obesidade.
O enfoque dos aspectos psicológicos do obeso
está mais especificamente ligado ao excesso de ingestão alimentar, ou
seja, todo o contexto de vida do indivíduo tem base na sua relação com o alimento.
CAMPOS (1993) diz que a maneira como a
relação mãe-filho se desenvolve tem íntima ligação com o modo que o
indivíduo vai lidar com o seu tipo de alimentação no futuro.
Ainda de acordo com o autor, o vínculo
mãe-filho depende dos conflitos não resolvidos da mãe em sua família de
origem. Este fato vai determinar muitas das fantasias e temores com
relação a não vir a ser bem-sucedida no papel de esposa e mãe.
Neste caso, a mesma dificuldade pode estar
presente no filho por entrar com a bagagem genética e as suas
necessidades presentes a partir do nascimento (id.).
A estes aspectos adicionam-se às dificuldades
que podem aparecer no momento do parto, acompanhado de sofrimento
físico ou psíquico, isso no instante em que se mescla com o medo da mãe
de não ser capaz (id.).
Nos aspectos psicodinâmicos, em meio a essas dificuldades acima citadas, se
a mãe não puder ser tranqüilizada e orientada, a relação se complica e a
amamentação não é satisfatória para ambos elementos da dupla, o que
pode apressar o desmame. Sentimentos de que a mãe lhe nega algo tão
desejado e que está sendo privado de algo tão precioso, acarretam uma
sensação de perda, de vazio que justamente por fazer parte da fase onde a
boca e o sugar são muito importantes, pode adquirir um significado de
que há uma necessidade concreta de completar-se através da ingestão
excessiva de alimentos (CAMPOS , 1993).
O obeso tenta evitar emoções delicadas
associadas à perda sofrida, comer demais passa a ser sentido como fazer
um grande estoque contra todas as perdas ou, então, a busca incessante
de um prazer infantil perdido.
A criança, ainda sem um aparelho psíquico
maduro, faz uma associação com a frustração ou desconforto à ingesta
alimentar. Quando o alimento é substituto de afetos da mãe, a criança
pode aprender que o alimento é a solução para todos os
conflitos, angústias, ansiedades e dores. Com isso, leva pela vida afora
a necessidade de alimentar-se para obter respostas de seus problemas,
dos quais às vezes, não se dá conta, fixando-se numa etapa anterior do
desenvolvimento, como na fase oral, onde a gratificação é fornecida
através da boca (id.).
CAMPOS (1993) acredita que a superproteção na
conduta alimentar pode ser também observada em outras condutas
maternas, nas quais a mãe não deixa o filho enfrentar a falta, correndo
para atender todos os desejos da criança, podando a criança de exercer a própria criatividade para a solução de suas necessidades.
Esses aspectos mantêm as crianças obesas emocionalmente regredidas, não facilitando que elas possam
lidar com suas experiências de forma mais simbólica que corporal. Isso
significa que a criança fica restrita ao período sensório motor do
desenvolvimento, continuando a lidar com o mundo através do seu próprio
corpo, no caso através da boca, não conseguindo abstrair (id.).
Segundo CAMPOS (1993) esse aspecto
primitivo do obeso não permite que ele consiga adiar nenhum tipo de
fome. Ele não consegue deixar de comer para possuir um corpo
esteticamente aceito, tendo dificuldades em obter prazer nas relações
sociais.
O mesmo autor pontua que o prazer número
um para o obeso é comer, ficando as relações sociais em segundo plano.
Isso faz com que surja um círculo vicioso: comer – obesidade –
dificuldade para ter um tipo diferenciado de prazer. Este
círculo sustenta o prazer oral como forma permanente de adquirir prazer,
não conseguindo o obeso conectar-se em outros tipos de prazeres, como o
social, por exemplo (CAMPOS, 1993).
São observados também, segundo o mesmo autor,
transtornos no esquema corporal dos obesos, que são caracterizados por
distúrbios no reconhecimento das medidas e funções corporais e na
discriminação de seu papel sexual.
Conseqüentemente, há uma depreciação na imagem que os obesos têm de si mesmos, deixando-os
inseguros e criando a fantasia de que é desprezado pela sociedade.
CAMPOS (1993) refere que a sociedade termina por considerar os obesos
são pessoas sem força de vontade, de ego fraco e fora de moda.
O mesmo autor afirma que nos obesos existem
dificuldades relacionadas a esfera sexual: com a feminilidade e com a
masculinidade. Em alguns casos de obesidade, quando surgem as
dificuldades sexuais, estas contribuem para o aumento da obesidade, pois
os jovens terminam por refugiar-se na comida, como tentativa de negar
seus impulsos sexuais emergentes.
CAMPOS (1993) pontua que esta conduta mantém o
obeso infantilizado e por este motivo ele acaba por não desenvolver
outros papéis, como escolher algo que vá substituir o amor que não seja a
mãe, como por exemplo um namorado.
Os obesos podem acreditar que o prazer sexual
é uma coisa má e proibida, desse modo adquirem o hábito de substituí-lo
pelo alimento. Pois nesta condição, a obesidade serve como uma
barreira, dificultando as relações sexuais, isto faz com que o prazer
genital seja substituído pelo oral da alimentação.
Algumas vezes, o obeso enfrenta dificuldades
em lidar com a agressividade, se utilizando da sua capa protetora de
gordura, para se defender, pois essa gordura adquire um valor simbólico
de defesa (CAMPOS, 1993).
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