O P90X, um programa radical de exercícios físicos, começa a conquistar praticantes no Brasil. Mas as aulas em DVD têm riscos

No Brasil, a moda começa a chegar pelas mãos de entusiastas como Natsumeda, que conseguiu os vídeos e segue as instruções em inglês. Ele gostou tanto dos resultados que já repetiu o ciclo de 90 dias três vezes. O esforço surtiu efeito e já ao fim do primeiro ciclo o rapaz franzino ganhou envergadura: seus 64 quilos viraram 71quilos. “As pessoas me perguntam onde fica a academia que eu frequento”, diz. “É na sala lá de casa mesmo.” Essa comodidade é um dos grandes atrativos do P90X – e seu principal diferencial em relação a outras formas de fazer exercício. O programa faz parte de uma leva de atividades que ganha espaço, os chamados exercícios calistênicos. Eles se valem essencialmente do corpo e dispensam o uso de equipamentos elaborados. Podem ser feitos em casa e, por isso, atendem um grupo crescente de pessoas que não têm tempo, dinheiro ou paciência para frequentar academias ou turmas de pilates. Horton, o criador do método e animador oficial dos DVDs, percebeu que essa turma formava um belo nicho de mercado, e virou uma espécie de Jane Fonda dos anos 2000. A atriz americana inaugurou a onda de exercícios pela TV ao lançar, em 1982, fitas VHS com aulas de aeróbica.


O lado negativo da malhação solitária é conhecido: ele tem uma tendência a reforçar o isolamento social, que pode, inclusive, reduzir os efeitos benéficos do exercício físico. Uma pesquisa recente realizada na Universidade Princeton usou dois grupos de ratos para demonstrar como a neurogênese – criação de novos neurônios, nesse caso em função da prática de exercícios – é afetada pelo convívio social. Os dois grupos fizeram o mesmo tempo de exercício em rodinhas giratórias, mas os ratos que viviam na companhia de outros registraram neurogênese muito mais rápida e mais intensa do que os que ficavam sozinhos em sua gaiola. De alguma maneira, a solidão solapou os benefícios da corrida. O ideal, para ratos e humanos, é que as horas prazerosas de exercício solitário fossem acompanhadas por momentos igualmente agradáveis de convívio físico.
Alimentadas pelas redes sociais, algumas dessas ginásticas domésticas do estilo “faça você mesmo” se tornaram virais (leia o quadro abaixo). Outras se beneficiaram do apoio de alguma celebridade e ficaram populares fora da rede. É o caso da P90X, que, além do político Paul Ryan, tem uma lista de adeptos famosos nos EUA. Inclui celebridades como a atriz Demi Moore – que disse em sua conta no Twitter que seguia o P90X – e Ashton Kutcher, seu ex-marido, outro entusiasta confesso. A cantora Pink, conhecida pelos músculos em alto-relevo, disse seguir o programa desde que seu irmão, um integrante da Força Aérea americana, adotou a rotina de exercícios.

Horton gosta de afirmar que o P90X se baseia no conceito da “confusão
muscular”. A ideia é variar os exercícios, impedindo que os músculos se
acostumem ao esforço. Isso evitaria o que ele chama de “efeito platô”,
quando os músculos, acostumados à rotina de treino, deixam de se
desenvolver. A expressão “confusão muscular” não consta da literatura
médica, mas Paulo Zogaib, professor da Universidade Federal de São Paulo
e fisiologista do Palmeiras, diz que o princípio é um velho conhecido.
Sempre que é obrigado a realizar algum tipo de esforço ao qual não está
habituado, o corpo se modifica. “Os órgãos criam adaptações para
suportar a nova carga”, diz Zogaib. Os pulmões captam mais oxigênio, que
é transferido para os músculos de maneira mais eficiente. A musculatura
se desenvolve. Esse processo é gradativo e só ocorre se o estímulo
permanecer por tempo bastante para as transformações acontecerem. Mas,
se a intensidade não variar e se o estímulo for sempre o mesmo, não
haverá necessidade de adaptação.O P90X é dividido em três blocos. A cada bloco, espera-se que a pessoa seja capaz de fazer mais repetições e consiga levantar mais peso. Horton ensina que o exercício deve ser feito até o limite da exaustão: se depois de 15 flexões de braço seus músculos começam a doer, faça 17. E estabeleça metas mais altas a cada dia. As séries não têm nada de inovador: são flexões de braço, exercícios na barra fixa e posições de ioga. As sessões de treino duram de 50 minutos a uma hora e meia. Em intervalos que variam de 30 segundos a um minuto, o exercício muda. A cada dia, trabalha-se um grupo muscular diferente. No primeiro, peito e costas. No segundo, as pernas recebem a maior parte do impacto. O abdome é exercitado três vezes por semana. A intenção é evitar lesões, permitindo que ao menos uma parte do corpo descanse. Isso não impede que as pessoas terminem as sessões exauridas – isso quando conseguem ir até o fim.

Depois de ouvir falar sobre como o P90X era puxado, decidi eu mesmo
testar os exercícios. Aos 22 anos, sempre fui muito magro – com 1,79
metro, peso só 60 quilos. Sou também sedentário por convicção. O máximo
esforço que faço consiste em subir correndo, sem ofegar, as escadas do
metrô. O P90X parecia ideal. Afinal, alguma atividade física – e, quem
sabe, alguns músculos – viria bem a calhar. No primeiro dia de treino,
que deveria durar 50 minutos, bastaram dez minutos para eu começar a
suar em bicas. Meu alívio foi ver que não era o único. Durante aquela
sessão, Horton era acompanhado por três ajudantes, dois homens e uma
mulher. Os três ofegavam. Durante um exercício de rotação do braço,
Horton perguntou para a moça como ela estava se saindo: “Está doendo”.
Diante da resposta, preferiu mudar os rumos da conversa: “Está doendo,
mas está doendo de um jeito bom. Foi isso o que ela quis dizer”,
afirmou. Depois do aquecimento, flexões de braço. Cada pessoa deveria
fixar um número como meta e tentar alcançá-lo. Todos fizeram mais de 30.
Cheguei a 25. A seguir, exercícios na barra fixa. Por não ter o
aparelho, usei o elástico. Já estava desanimado demais para contar as
repetições. Depois, mais flexões de braço. Foram oito antes de desistir.A designer Carolina Cintra sentiu seu condicionamento físico melhorar depois de aderir ao P90X. Aos 25 anos, Carolina conta que tinha vergonha de praticar esportes por causa do fôlego curto. Por muito tempo, conformou-se em ser “uma gordinha feliz”. Até que as roupas tamanho G começaram a ficar apertadas. Procurando pela internet, descobriu o P90X. O começo foi terrível. Sedentária, Carolina mal conseguia completar os primeiros dias de treino. Isso mudou conforme as semanas passavam. “O corpo muda o tempo todo. Você se sente mais forte e mais resistente”, diz. Ela perdeu 9 quilos e ganhou massa muscular. A garota que fugia de atividades físicas, por medo da chacota dos colegas, agora sente orgulho do próprio desempenho: “A gente fica até metida. O que antes era uma tortura agora virou prazer.”

O segundo risco do P90X – assim como de outros exercícios de alto impacto – é machucar músculos e articulações. Por envolver muitos saltos, pessoas com sobrepeso podem lesionar os joelhos. Além disso, como o programa é feito sem a orientação de um profissional in loco, a repetição rápida de movimentos, feita de maneira errada, pode provocar distensões musculares, rompimento de tendões e até fraturas provocadas pelo esforço. O fisiologista Michael Bergeron, professor da Universidade de Dakota do Sul e diretor executivo do National Institute for Athletic Health and Performance, diz que, em casos raros, a ruptura de tecido muscular pode causar até falência dos rins. A presença de células musculares no sangue sobrecarrega os rins. “Será que vale a pena arriscar?”, diz Bergeron.
O maior risco de programas de exercícios domésticos como o P90X está na dificuldade de estabelecer os limites do próprio corpo. Ou respeitá-los. Ao fazer exercícios em casa, acompanhando um DVD, a pessoa corre o risco de imitar o treinador fortão e ir além do que seu corpo é capaz de suportar. A população é heterogênea, e o mesmo nível de esforço é inadequado para pessoas diferentes. Por isso, quem optar por fazer ginástica em casa deve se submeter a uma consulta médica e uma avaliação física rigorosa antes de começar os exercícios.
Victor Freitas só descobriu seus limites quando os ultrapassou. O designer de 25 anos, que chegou a pesar 127 quilos, começou a usar o P90X porque não encontrava horários para frequentar uma academia. “O resultado em três meses me animou”, diz. Para acompanhar o programa, Victor e um amigo chegaram a criar um blog. O progresso de ambos era documentado em vídeo. “Logo que chegava em casa, nem sentava no sofá. Ia treinar direto.” O desejo de emagrecer rapidamente custou-lhe um joelho lesionado. O machucado não foi muito sério – o joelho ficou inchado e dolorido –, mas o preço foi passar uma semana sem treinar. “Voltei pegando um pouco mais leve”, diz Victor. Ele perdeu 12 quilos com o P90X e já se prepara para mais uma rodada de 90 dias. O maior desafio do P90X talvez seja, justamente, não chegar ao X.

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