Os textos a seguir são dirigidos principalmente ao público em geral e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes de cada assunto abordado. Eles não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores às informações aqui encontradas.
Mens sana in corpore sano ("uma mente sã num corpo são") é uma famosa citação latina, derivada da Sátira X do poeta romanoJuvenal.
No contexto, a frase é parte da resposta do autor à questão sobre o que as pessoas deveriam desejar na vida (tradução livre):
Deve-se pedir em oração que a mente seja sã num corpo são.
Peça uma alma corajosa que careça do temor da morte,
que ponha a longevidade em último lugar entre as bênçãos da natureza,
que suporte qualquer tipo de labores,
desconheça a ira, nada cobice e creia mais
nos labores selvagens de Hércules do que
nas satisfações, nos banquetes e camas de plumas de um rei oriental.
Revelarei aquilo que podes dar a ti próprio;
Certamente, o único caminho de uma vida tranquila passa pela virtude.
orandum est ut sit mens sana in corpore sano.
fortem posce animum mortis terrore carentem,
qui spatium uitae extremum inter munera ponat
naturae, qui ferre queat quoscumque labores,
nesciat irasci, cupiat nihil et potiores
Herculis aerumnas credat saeuosque labores
et uenere et cenis et pluma Sardanapalli.
monstro quod ipse tibi possis dare; semita certe
tranquillae per uirtutem patet unica uitae.
(10.356-64)
A conotação satírica da frase, no sentido de que seria bom ter também uma mente sã num corpo são, é uma interpretação mais recente daquilo que Juvenal pretendeu exprimir. A intenção original do autor foi lembrar àqueles dentre os cidadãos romanos que faziam orações tolas que tudo que se deveria pedir numa oração era saúde física e espiritual. Com o tempo, a frase passou a ter uma gama de sentidos. Pode ser entendida como uma afirmação de que somente um corpo são pode produzir ou sustentar uma mente sã. Seu uso mais generalizado expressa o conceito de um equilíbrio saudável no modo de vida de uma pessoa.
A apresentadora Astrid Fontenelle, do programa Chegadas e partidas,
do GNT, é uma apaixonada por TV. A TV não faz parte da vida dela só
porque é seu meio de trabalho. Por anos, Astrid só dormia com o aparelho
ligado. “Ficava louca no controle remoto. Sabia que isso me deixava
mais tempo acordada do que deveria, mas não conseguia mudar”, diz. Em
janeiro, Astrid descobriu que tem lúpus, uma doença autoimune que leva o
organismo a destruir as células do próprio corpo. Com o diagnóstico,
decidiu promover várias mudanças em sua vida. Reduziu a jornada de
trabalho de quatro para duas gravações na semana. Perdeu 14 quilos.
Postergou os planos de dar um irmão para seu filho, Gabriel, de 3 anos. E
encontrou na doença a coragem que faltava para mexer na rotina e não
ligar a televisão na hora de dormir. Em vez de ligar o televisor, ela
diz que agora entra no quarto, faz suas orações e lê um livro. Conta que
passou a dormir melhor e ganhou três horas de sono. “Além de mais
tranquila, fico mais culta”, afirma Astrid, em tom de brincadeira.
Hábitos
como ler, assistir à TV ou escovar os dentes fazem parte de nossa vida.
Quase metade de nosso dia é composta deles – mais precisamente 40%,
como mostra uma pesquisa da Universidade Duke, dos Estados Unidos. É
como se voássemos no piloto automático por mais de nove horas do dia.
Boa parte de nossas virtudes e defeitos está calcada em hábitos. Para
nossa sorte, os hábitos são decisões conscientes, que podem ser mudados,
por mais arraigados que estejam. Não é à toa que a filosofia, a
psicologia, a neurolinguística e, mais recentemente, a neurociência
estudam formas de adquirir ou de se livrar de hábitos. Não faltam
estudos sobre hábitos alimentares, do sono, de boa forma e até de como
mudar o humor ou a dinâmica de uma empresa.
Um novo livro promete revolucionar a forma de lidar com eles em todas essas áreas. Em The power of habit
(O poder do hábito), com previsão de lançamento no Brasil em outubro, o
jornalista americano Charles Duhigg, repórter do jornal The New York Times,
afirma que existe um jeito simples e eficiente de mudar hábitos. No
primeiro mês do lançamento, chegou à lista de mais vendidos do próprio Times e
recebeu resenhas positivas de veículos de prestígio. Para escrevê-lo,
Duhigg reuniu centenas de pesquisas de centros de excelência de países
como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Alemanha e entrevistou mais
de 300 pessoas, entre pesquisadores e executivos, de empresas como
Google ou Microsoft. O objetivo era entender como os hábitos se formam e
como podem ser mudados. Foi no Instituto de Tecnologia de Massachusetts
(MIT), um centro de referência no estudo de tecnologias avançadas, que
Duhigg encontrou a tese que sustenta seu livro. A melhor forma de mudar
um hábito, diz ele, é substituí-lo por outro. “As pesquisas com maior
sucesso na mudança de hábitos usaram esse método”, diz Duhigg.
“Transformar um hábito não é necessariamente fácil ou rápido. Mas é
possível. Agora entendemos como.”
O primeiro passo para mudar um hábito é compreendê-lo. Cada hábito,
segundo os pesquisadores, é uma sequência com três etapas. A primeira é o
sinal, ou o gatilho que desencadeia o hábito. A segunda é a rotina, ou o
hábito propriamente dito. A terceira, a recompensa, ou aquilo que
buscamos ao repetir o hábito. Quando iniciou as pesquisas s para o
livro, Duhigg resolveu aplicar o método para mudar um hábito que tinha
lhe dado 3 quilos a mais: comer cookies toda tarde. Passou a anotar o
que fazia antes e depois de sair para a cafeteria. Foi identificando
padrões. Entendeu que a vontade ocorria quando estava entediado. O tédio
era o gatilho para o cookie. Sempre acontecia por volta das 15 horas,
depois de responder a e-mails após o almoço. Era a rotina. Em seguida,
percebeu as recompensas: além de saborear o biscoito, batia papo com
conhecidos no café e dava uma volta no quarteirão. O próximo passo foi
planejar uma maneira de mudar a rotina, sem perder de vista a
recompensa. Nos dias seguintes, Duhigg tentou outras ações quando o
alarme do tédio soava. Primeiro, saiu para dar uma volta. Em outro dia,
comeu outro doce. Noutro, só tomou café e bateu papo. Por fim, descobriu
que sua verdadeira recompensa não era o biscoito em si, mas o momento
de descontração no meio da tarde com conhecidos. Duhigg trocou os
cookies pelo bate-papo sem doces. Isso o ajudou a perder 5 quilos.
Inconscientemente, foi o que Astrid fez, ao trocar a TV por um livro.
Ela reconheceu que o gatilho para seu hábito era a hora de ir dormir,
trocou a TV pelo livro e estabeleceu uma recompensa: mais horas de sono
e, de quebra, tempo para ler.
Cerca de 40% de nossa rotina é feita de hábitos. É como se estivéssemos no piloto automático por mais de nove horas do dia
“Quando
temos consciência do hábito, o superamos mais facilmente”, diz Duhigg.
As universidades Colúmbia, nos EUA, e de Alberta, no Canadá, realizaram
estudos para rastrear como o hábito se consolida. Tomaram como foco de
seu estudo os exercícios. Num dos projetos, 256 pessoas foram convidadas
a assistir a uma apresentação sobre a importância da atividade física.
Metade do grupo recebeu uma aula extra sobre a formação e a estrutura do
hábito. Os pesquisadores pediram que essas pessoas tentassem
identificar o gatilho e a recompensa naquela atividade. Nos quatro meses
seguintes, quem conseguira reconhecer o padrão de seus hábitos praticou
atividades físicas duas vezes mais que os demais.
Hábitos são ações que repetimos com frequência, conscientemente ou não,
como lavar as mãos ou comer um doce depois do almoço. É um
comportamento aprendido, bom ou ruim, que mantemos de forma automática,
sem pensar nele. É impossível viver sem hábitos. Eles facilitam nosso
dia a dia e liberam nossa mente para que possamos aprender coisas novas.
Poupam nossos neurônios de trabalhar para atividades simples, como
lavar as mãos. Imagine se você tivesse de pensar na coordenação dos pés
nos pedais de freio, acelerador e embreagem o tempo todo. Aquela
sensação (terrível) de motorista inexperiente toda vez que fosse
dirigir. O escocês David Hume foi um dos filósofos mais importantes a
estudar a fundo essa questão. Por volta de 1700, publicou uma série de
ensaios sobre o tema. Para Hume, o simples ato de reconhecer os objetos
familiares acontece porque estamos habituados a eles. Segundo ele, se
recebermos à mesa um objeto de cor e consistência parecidas com um pão,
comeremos sem parar para tentar analisar o que temos em mãos. Hume vai
além do cotidiano. Diz que a soma de hábitos de nossa vida define nossa
identidade. “Somos constituídos por uma multiplicidade de hábitos que
faz a trama de nosso viver”, afirmava. Antes, o grego Aristóteles
pregava a importância do hábito. “Somos aquilo que fazemos
repetidamente. Excelência, então, não é um modo de agir, mas um hábito”,
disse ele.
Embora
pareçam sinônimos, hábitos são diferentes de vícios e manias. Hábitos
são atos conscientes ou não, que podem estar sujeitos a nossa vontade.
Podemos deixar de fazê-los quando quisermos. Você pode ter o hábito de
ligar o rádio sempre que entra no carro. Se, por alguma razão seu
mecânico o aconselhar a não fazer isso, você consegue interromper esse
costume sem sofrimento. Com as manias, é mais difícil. Elas envolvem uma
ideia fixa além do controle do indivíduo. É como se você fosse incapaz
de engatar a primeira marcha sem ligar o rádio. No caso do vício, a
situação é ainda pior. O indivíduo é dependente daquele ato ou
substância, mesmo que cause prejuízos (leia o quadro acima).
A
fisioterapeuta Talmai Terra pensou na recompensa para largar um pouco o
automóvel. Mãe de Clara, de 1 ano e 4 meses, moradora de São Bernardo do
Campo, na região metropolitana de São Paulo, Talmai depende do carro
para atravessar os 22 quilômetros até chegar ao trabalho, na capital. A
necessidade criou um hábito, e ela passou a dirigir até para ir à
padaria, a duas quadras de casa. Talmai tentou atividades a pé, como
pegar dinheiro no caixa eletrônico do bairro. Mas desistia por causa da
pressa ou por preguiça. Decidiu, então, se organizar para caminhar nos
fins de semana, sem precisar correr contra o relógio. O marido, André
Terra, veterinário, ajudou no planejamento – e foi junto. “Quando
encontrava uma calçada esburacada com o carrinho da bebê, lembrava a
comodidade do carro”, afirma Talmai. Ela perseverou ao descobrir que
andar a pé era um jeito de passar mais tempo com a família. “As
caminhadas viraram uma curtição.”
Mesmo com uma fórmula testada, acabar com um hábito (ou substituí-lo)
demanda tempo e disposição. “A construção de hábitos é complexa, envolve
inúmeros fatores, mas a mudança é ainda mais desafiadora”, afirma Sueli
Damergian, professora de psicologia das relações humanas da
Universidade de São Paulo (USP). Quando fazemos a troca, reprogramamos
nosso cérebro. Mais especificamente, uma região próxima à nuca, entre o
córtex motor e os núcleos da base, onde os hábitos estão arraigados. Ao
substituir um hábito antigo por um novo, são criadas conexões dos
neurônios. Pode demorar dias, meses e até anos para que o novo hábito
fique automático. “Essa reprogramação cerebral não é simples, porque
envolve esforço”, afirma Marta Pires Relvas, neurobióloga e
psicopedagoga, da Faculdade Integrada AVM, no Rio de Janeiro.
Uma
forma de estimular a mudança é contar com uma rede de apoio, para
incentivar e cobrar resultados. Foi o que fez Renata Ceribelli, quando
concordou em participar do “Medida certa”, um quadro para reeducação
alimentar e atividades físicas do Fantástico, da TV Globo.
“Tinha 1,2 milhão de vigias”, diz ela, ao lembrar a audiência do
programa. Durante três meses, Renata e o apresentador Zeca Camargo foram
acompanhados pelo educador físico Marcio Atalla, colunista de ÉPOCA, e
por um time de profissionais. Ela perdeu 9,5 quilos, mas diz que esse
não foi o feito mais significativo. O melhor foi abandonar o
sedentarismo. “O efeito ansiolítico da atividade física regrada
em minha vida foi revolucionário”, afirma. “A ansiedade sempre me
atrapalhou bastante. Chegava a ser incapacitante.”
Quem
não é apresentador de uma grande emissora, como Renata, pode recorrer às
redes sociais ou ao círculo de amigos. Receber uma ligação toda semana
para acompanhar o progresso ou uma mensagem de texto diária para saber
como foi a corrida ajuda a manter o estímulo. Para tirar o melhor
proveito dessas redes, é importante que as pessoas saibam o que você
espera delas, e vice-versa. Senão, a cobrança pode se tornar excessiva
ou pode faltar estímulo.
Usar o
padrão proposto pelos pesquisadores pode ajudar também a criar novos
hábitos. Foi o que fez o treinador Larri Passos, ex-técnico do tenista
Gustavo Kuerten. Ele sofria de um mau humor matinal incontrolável, capaz
de atrapalhar o rendimento e o relacionamento com as pessoas. Sentia-se
ansioso e agitado. Por consequência, era reservado e, muitas vezes,
ríspido. Em 1994, levou uma equipe de tenistas a Portugal. Em sua
primeira manhã no país, acordou com a cabeça latejando com um ataque de
sinusite. “Sabia que era tensão. Naquele momento, decidi que não queria
mais viver daquela forma.” Larri adotou algumas das técnicas propostas
nos livros do neurolinguista americano Anthony Robbins. Descobriu que a
tensão da manhã era efeito de sua cobrança excessiva por resultados.
Decidiu que planejaria seu dia na noite anterior. Passou a dedicar no
mínimo 15 minutos tentando enxergar as atividades do próximo dia “como
num filme”. Planejava mentalmente seu dia antes de ir dormir. O objetivo
era formar uma imagem mental da rotina. O ritual não deu resultado no
início. Mas Larri insistiu. Com o tempo, passou a acordar mais
tranquilo. “Já cheguei a ouvir de mais de uma pessoa que estou sempre de
bom humor pela manhã.”
Mesmo
cercando-se de centenas de cientistas e pesquisas, Duhigg não escapou
das críticas. O pesquisador americano Timothy Wilson, professor de
psicologia da Universidade de Virgínia, nos EUA, afirma que Duhigg pecou
ao subestimar a história particular de cada um, que não pode ser
dissociada da formação dos hábitos. Para Wilson, a teoria do livro é
superficial ao sugerir que dá para reduzir todos os casos ao esquema
gatilho-rotina-recompensa. Em Redirect: the surprising new science of psychological change
(Redirecione: a surpreendente mudança da ciência psicológica), ele
sugere que a pessoa perceba que todos temos histórias pessoais sobre
quem somos. Muitas não são conscientes. “A maioria nos ajuda a ser
otimistas. Às vezes ficamos presos a experiências que nos induzem a uma
visão derrotista”, diz Wilson. Antes de mudar os hábitos, é preciso
investigar essas narrativas e, se for o caso, reeditá-las. “Em casos
graves, isso pode exigir psicoterapia”, afirma.
Wilson
fez um teste com universitários que enfrentavam dificuldades
acadêmicas. Os alunos foram divididos em dois grupos. Um deles assistiu a
vídeos sobre o desenvolvimento acadêmico. Tinham mensagens positivas,
lembrando que mesmo estudantes com dificuldades no início podem virar
bons alunos e conseguir uma carreira frutífera. O objetivo era ajudar os
alunos a relativizar a experiência passada e a entender que, mesmo
tendo ido mal até então, não estavam condenados a continuar assim. No
semestre seguinte, todos desse grupo alcançaram notas melhores. No outro
grupo, que não viu o vídeo, alguns melhoraram e outros não, como numa
turma comum. Enquanto Duhigg defende a substituição de uma atitude por
outra, Wilson é a favor da reprogramação. As propostas não são
contraditórias. Para quem quer mudar um hábito, elas podem ser usadas de
forma complementar.
Um
ponto não abordado por Duhigg é a importância dos primeiros anos na
formação de bons hábitos. Nascemos sem hábito algum. A criança os
adquire em sua criação. “Depende do tipo de estímulo, dos valores que
pais e demais pessoas que cuidam dela oferecem”, afirma a psicanalista
Silvana Rabello, professora da Pontifícia Universidade Católica
(PUC-SP). Ensinar bons hábitos é tão importante quanto tê-los. Se os
pais não gostam de ler, em quem o filho vai se inspirar? Vários estudos
comprovam o efeito do exemplo dos pais para a aquisição dos hábitos da
leitura, do sono e da alimentação. Um levantamento da Faculdade de Saúde
Pública da Universidade de São Paulo mostrou que muitas crianças tinham
os mesmos maus hábitos alimentares dos pais.
A
designer gráfica Alessandra Oliveira, de Sobradinho, no Distrito
Federal, tinha o hábito de cutucar a pele em volta das unhas das mãos.
Acontecia à noite, quando ela começava a pensar nos afazeres do dia
seguinte. “Era um momento de ansiedade. Não conseguia relaxar”, afirma.
Sem perceber, levava os dedos à boca. O marido chamou a sua atenção para
algo que acontecia ao lado dela. A filha, Sofia, de 2 anos, imitava a
mãe. “Fiquei em choque”, diz Alessandra. No mesmo dia, Sofia mostrou uma
pele que insistia em não sair. Alessandra fez com a filha o que não
fazia com ela mesma. Foi buscar um alicate, cortou a pele e disse que
ela não deveria puxar peles ou comer unha. Desde então, mãe e filha não
cutucam mais os dedos. Em vez de esperar a ansiedade chegar, Alessandra
aproveita para se ocupar com projetos que lhe dão prazer. “Mando
orçamentos, busco ideias e aprendo coisas novas. Agora, minhas noites
são proveitosas.”
Mudar
não é simples. Em qualquer contexto exige esforço, estratégia e
persistência, mas é possível. “Basta entender como funcionam e aceitar o
trabalho duro”, diz Charles Duhigg. “Hábitos não são destino.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário