Foto: AFP
Michelle apresenta nova proposta nutricional no Departamento de Agricultura, em Washington
Não entendeu? Quer que eu desenhe? As duas perguntas podem ser
usadas sem conotação pejorativa dentro dos consultórios de nutrição. Se
os especialistas da área abraçarem a causa da primeira-dama Michele
Obama, traduzir com canetinha e papel o modelo de alimentação saudável
será ainda mais fácil.
Para combater um problema crônico na sociedade americana, o governo
propôs recentemente a substituição da pirâmide alimentar pelo desenho de
um prato colorido, dividido em quatro partes desiguais. Nele, a
refeição deve incluir legumes, vegetais e grãos em grande quantidade,
além de proteínas e frutas . Fora do prato, um copo de leite garante a
quantia necessária de cálcio.
“A facilidade de compreensão com o prato será certamente mais
acessível. O prato é um instrumento do dia a dia. Todo mundo come no
prato. É mais fácil tê-lo como base e reproduzir", acredita Raquel
Pimentel, nutricionista da consultoria Educa&Nutri.
Antes de incorporar a metodologia, porém, é preciso impor algumas
mudanças na proposta americana. O ideal, segundo ela, é trocar o leite
indicado no modelo por um copo de água e beber apenas no intervalo entre
as refeições, nunca durante.
“Na nossa alimentação, o leite já está presente no café da manhã.
Além disso, a base brasileira é o arroz com feijão, combinação
riquíssima em ferro. O consumo de cálcio durante a refeição pode
prejudicar a absorção do ferro. Ingerir bebidas durante a refeição
também não é a orientação mais indicada, pois pode atrapalhar o processo
digestivo.”
Público X privado
Mesmo com as adaptações necessárias, dentro dos consultórios
particulares o desenho pode vir a somar, mas não é ferramenta
fundamental, explica a especialista. Para ela, o trabalho do
nutricionista deve ser sempre individualizado."Não existem recortes
universais de peso, medidas e calorias. Cada organismo requer uma dieta
específica."
Raquel revela que pretende usar tal simbologia no atendimento à
populações mais carentes. Na visão da dela, o desenho do prato é
pedagógico principalmente no trato com famílias menos escolarizadas, que
pouco sabem sobre alimentação saudável e têm mais dificuldade para
colocar em prática na rotina as recomendações dos médicos, entender o
valor das porções.
“É possível comer bem independente da classe social e do poder
aquisitivo. Infelizmente, no Brasil, há pouquíssimos programas de
educação alimentar.”
A nutricionista aponta que o guia alimentar da população brasileira,
feito pelo Ministério da Saúde, também é uma fonte de referência. Apesar
de bem-feito, a apresentação em logos textos o torna difícil de
incorporar, assim como a pirâmide alimentar.
“O modelo da pirâmide está ultrapassado. A ideia e o conteúdo são
mantidos, mas de uma forma didática, mais interessante, adaptável.
Entretanto, não podemos acreditar que tais modelos vão esclarecer e
deixar a população ciente das necessidades nutricionais. São apenas
paliativos que devem ajudar.”
Muito pouco ou quase nada?
Uma réplica da pirâmide alimentar, feita de acrílico, com miniatura
de alimentos no seu interior foi utilizada durante longos anos no
atendimento aos adolescentes no ambulatório de obesidade da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp).
O serviço gratuito tenta converter compulsão alimentar e obesidade
em saúde. Segundo Isa Sampaio, nutricionista, professora da faculdade e
coordenadora do serviço, mais de 1500 jovens são atendidos anualmente no
ambulatório.
A entidade segue as orientações estabelecidas pelo CDC – Center
Disease Control – instituição americana aliada à primeira-dama dos EUA
no projeto Myplate – e deve, no curto prazo, aderir ao desenho do prato,
deixando a réplica da pirâmide no fundo do armário.
Embora defenda o valor pedagógico da medida, principalmente para o
público jovem, Isa também é cautelosa ao projetar resultados com a
mudança. Na visão da professora, estabelecer um prato colorido como
padrão alimentar é muito pouco para combater o avanço da obesidade
mundial.
“As pessoas não comem por saúde, comem os alimentos palatáveis, e os
que têm mais sabor são as gorduras e carboidratos. A variedade, a oferta
e o preço acessível de alimentos pouco nutritivos são os grandes vilões
da obesidade mundial. O desenho ajuda no entendimento, mas não serve
para conter o avanço da obesidade no mundo.”
Copie e refaça
Um atropelamento foi responsável pela mudança no comportamento
alimentar de Rafael Freitas Santos, de 15 anos. Apaixonado por futebol, o
garoto jogava bola com os amigos quase todos os dias da semana. Após o
acidente, foi obrigado a deixar o esporte de lado, e incorporar uma vida
mais caseira e sedentária.
Dentro de casa, e menos ativo, o menino passou a comer guloseimas e
alimentar-se fora de hora. Hoje, já recuperado e de volta às peladas
diárias, ele luta para recuperar a forma física.
Embora não se considere obeso - apenas gordinho -, Rafael sabe que
mantém uma alimentação pouco adequada para sua saúde. A falta de
conhecimento do valor dos alimentos, porém, dificulta o emagrecimento do
menino. “Adoro carne cozida, bolacha recheada, e sanduíches. Sei que
não são alimentos legais, mas não tenho muita noção de como montar um
prato nutritivo e pouco calórico. Vou pela minha fome mesmo e tenho
muita fome após praticar atividade física.”
Entre o desenho da pirâmide alimentar e o prato colorido, Rafael
escolhe a segunda opção. Para o adolescente, o desenho do prato dá a
medida do que ele deve comer durante o almoço e jantar. “É mais fácil de
seguir, copiar. Acho até que posso fazer sozinho.”
A mesma escolha é feita por Kamila Barbosa Nunes, 13 anos. A garota
reconhece que precisa ingerir legumes, vegetais e frutas, mas não sabe o
que é uma refeição balanceada. “Acho que preciso perder uns 20 quilos
em função do que eu como. Tomo muito refrigerante e adoro salgadinhos.
Quero deixar de ser gorda, mas não sei muito bem como fazer.”
Com o colesterol alto, e acima do peso, Kamila chegou aos 81 quilos.
Ao deparar-se com o desenho do prato, a menina arrisca em dizer que
conseguirá seguir a proposta, desde que o nutricionista deixe claro qual
a quantidade permitida em cada refeição, e dê exemplos do que são grãos
e proteínas.
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