INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES
Sobrepeso e obesidade
são os distúrbios nutricionais mais comuns nos países desenvolvidos, e
tal tendência já se observa em vários países em desenvolvimento,
inclusive o Brasil. Nos Estados Unidos, mais de 30% da população é obesa
e cerca de 60% têm sobrepeso. A obesidade é uma doença crônica, de
tratamento complexo e, muitas vezes, ineficiente, associada a diversas
condições médicas potencialmente graves e até fatais. O impacto
econômico deste conjunto de doenças para a Saúde Pública é imenso.
O
diagnóstico é dado pelo índice de massa corpórea (IMC), determinado
pelo quociente entre o peso (em quilogramas) e o quadrado da altura (em
metros). A Tabela 1 resume o consenso mundial para diagnóstico de obesidade baseado nos valores do IMC.
Tabela 1: Classificação com base no índice de massa corpórea (IMC)
IMC
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Condição
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Classificação
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Risco
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< 18,5
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Abaixo do peso
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Aumentado
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18,5 a 24,9
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Peso normal
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Normal
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25 a 29,9
|
Sobrepeso
|
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Aumentado
|
30 a 34,9
|
obesidade
|
Classe I
|
Alto
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35 a 39,9
|
Classe II
|
Muito alto
|
> 40
|
Classe III
|
Extremamente alto
|
Inúmeros
trabalhos já demonstraram que a obesidade localizada principalmente na
região abdominal ou acima da cintura, chamada de andrógena ou central,
está relacionada a maior risco de complicações como diabetes melito,
hipertensão arterial, dislipidemia
e doença isquêmica cardíaca, ao contrário da obesidade que se concentra
principalmente na região coxofemoral (abaixo da cintura), ou obesidade
ginoide. A medida da circunferência abdominal reflete a massa gorda
visceral e, consequentemente, o risco de complicações. Valores maiores
do que 102 cm para homens e 88 cm para mulheres determinam maior risco metabólico e também cardiovascular.
Também
de importância é o fato de que a atual “epidemia” de obesidade no mundo
não acomete somente os adultos. Estudos observacionais feitos na
população norte-americana e também em diversos outros países mostram
crescentes números de obesos na população infantil e em adolescentes,
além do aumento na incidência das doenças relacionadas à obesidade nesta
faixa etária, como diabetes tipo 2, dislipidemia, esteato-hepatite
não-alcoólica, apneia do sono, doenças ortopédicas e outras. É
necessário lembrar a baixa prevalência destas doenças em uma população
não-obesa nesta faixa etária. O diagnóstico de obesidade em crianças é
definido pelo IMC superior ao percentil 95 para idade e sexo, de acordo
com a tabela revisada pelo CDC (Tabela 2).
Tabela 2: Curvas de IMC para crianças e adolescentes, de acordo com a idade
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
A
etiologia da obesidade está relacionada principalmente a um
desequilíbrio do metabolismo energético. Em outras palavras, a ingesta
calórica diária total tende a ser maior que o gasto energético total
(GET), que inclui o gasto energético basal (GEB) ou de repouso, a
energia utilizada para realização de atividade física e a energia
dispensada para a digestão alimentar.
A
epidemia mundial de obesidade tem como principal causa a mudança nos
hábitos relacionada com estilo de vida ocidental: baixa necessidade de
atividade física no trabalho associado a todo tipo de adequação que visa
diminuir ao máximo o esforço físico das atividades mais corriqueiras
(como atender ao telefone ou mudar o canal da televisão). Além disto,
passa-se mais tempo dentro de casa ou onde se dispõe de atividades de
lazer de baixíssimo nível de esforço físico. Estas atividades competem e
consequentemente diminuem o tempo dispensado em atividades esportivas
para o lazer. O outro componente, e talvez o principal deles, é a
mudança dos hábitos alimentares da população. Nunca houve tantas opções
de alimentos densamente calóricos, com alto conteúdo de gorduras e alto
índice glicêmico, que caracteristicamente são fáceis de comer durante o
trabalho, descanso ou praticamente qualquer atividade da rotina diária.
Além disso, eles são baratos, prontos para consumo e livremente
disponíveis para a população. Como são ricos em gordura e açúcar, tendem
a agradar ao paladar, especialmente dos mais jovens. Todos estes
fatores fazem geram uma tendência em se consumir mais alimentos do que
seria necessário. O aumento da ingesta energética associado à diminuição
do gasto calórico resulta em um balanço energético positivo, que é
estocado principalmente na forma de triglicerídios no tecido adiposo. É
importante ressaltar que não é necessário um grande desequilíbrio
calórico para se obter excesso de peso. Mesmo um aumento mínimo da
ingesta calórica média diária, da ordem de 5%, pode, ao longo de 1 ano,
levar a um ganho estimado de 5 kg de tecido adiposo e a ganhos ainda
maiores em períodos mais prolongados.
O
excesso de peso pode ainda ser causado, ou ao menos facilitado, por
alterações hormonais. Endocrinopatias como o hipotireoidismo podem
lentificar o metabolismo, resultando em menor gasto energético de
repouso, consumo de oxigênio e utilização de substratos. Outras
deficiências hormonais também podem diminuir a taxa metabólica, como
ocorre no pan-hipopituitarismo. É bem conhecida a relação entre
hipogonadismo e déficit de hormônio de crescimento (GH) com obesidade
central ou abdominal. Estes pacientes também tendem a ter o perfil
lipídico mais aterogênico e maior risco cardiovascular. Pacientes com a
deficiência comprovada devem ser considerados para tratamento com a
reposição hormonal, visando melhora clínica, bioquímica e psicológica.
Por outro lado, não é recomendado submeter pacientes desnecessariamente a
uma investigação prolongada e sujeita a riscos. Assim, indivíduos sem
características clínicas sugestivas de déficits hormonais e com funções
normais da hipófise anterior e das glândulas-alvo (T4 livre e TSH, LH e
FSH, prolactina) dificilmente precisam de investigação mais detalhada.
Em
contrapartida, o excesso hormonal patológico também pode levar ao
aumento de peso. O exemplo mais típico é o hipercortisolismo, que leva
ao depósito de gordura troncular com os membros de aparência afinada,
pelo consumo muscular. Esta condição pode se acompanhar de face
pletórica e arredondada, hirsutismo com alopécia frontal, fraqueza
muscular tipicamente proximal, fragilidade capilar, fraturas vertebrais,
hipocalemia, hipertensão arterial e diabetes melito. Estas
características, mais ou menos pronunciadas, sobretudo rapidamente
progressivas e em pacientes jovens, podem estar associadas ao
hipercortisolismo e devem ser investigadas. Outro exemplo menos típico, a
acromegalia não se associa fortemente com a obesidade, mas o excesso de
peso pode ser uma queixa destes pacientes. A suspeita diagnóstica,
portanto, não deve ser firmada somente neste achado clínico, mas sim em
fácies característica, aumento das extremidades, excesso de sudorese e
transpiração, artralgias e sintomas compressivos do túnel do carpo,
comprometimento do campo visual e outros componentes metabólicos da
doença, como diabetes melito ou intolerância à glicose.
Entretanto,
outros aspectos provavelmente influem na capacidade de acumular
energia. É descrito que o perfil genético de uma pessoa pode explicar
uma pequena parte da variação da massa corpórea. Existem também causas
genéticas de obesidade que foram descritas em pouquíssimos casos e devem
ser sempre consideradas um diagnóstico de exclusão. Alguns exemplos
destas são as deficiências no gene da leptina ou do seu receptor, as
mutações do receptor de melanocortina (MC4R) e a síndrome de
Prader-Willi, esta última a causa mais frequente de obesidade
sindrômica, que se associa a hipoatividade fetal, hipotonia, retardo
mental, baixa estatura, hipogonadismo hipogonadotrófico e mãos e pés
pequenos.
ACHADOS CLÍNICOS
É
claro que a obesidade está fortemente associada a uma série de
complicações médicas que diminuem a qualidade de vida, aumentam os
custos de saúde pública, aumentam significativamente a morbidade geral
destes pacientes e, finalmente, podem levar à morte prematura. Para fins
didáticos, estas situações que acompanham a obesidade podem ser
categorizadas pelos diferentes sistemas acometidos, embora elas possam
dividir muitos mecanismos fisiopatológicos na sua evolução.
Doenças Endocrinológicas e Metabólicas
Síndrome Metabólica ou de Resistência à Insulina
A síndrome metabólica
foi descrita inicialmente em 1988 por Reaven, que denominou “síndrome
X” um conjunto de fatores de risco cardiovascular que frequentemente se
associava à obesidade. Embora os critérios diagnósticos variem de acordo
com a instituição que os propõe, como mostrado na Tabela 3, as características gerais incluem resistência à ação da insulina, obesidade central, alterações do perfil lipídico e hipertensão arterial sistêmica.
Tabela 3: Critérios diagnósticos de síndrome metabólica por diferentes entidades mundiais
OMS 1998
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NCEP/ATP III 2001
|
IDF 2004
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Diabetes, IOT, GJA ou resistência insulínica mais 2 dos seguintes:
|
Três ou mais dos seguintes:
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obesidade central*
Homens > 94 cm
Mulheres > 80 cm
Mais 2 dos seguintes:
|
IMC > 30 kg/m2
RCQ
Homens > 0,9
Mulheres > 0,85
|
Circunferência abdominal:
Homens > 102 cm
Mulheres > 88 cm
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HDL-colesterol:
Homens< 40 mg/dL
Mulheres < 50 mg/dL ou tratamento específico prévio
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Pressão arterial > 140/90 mmHg
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Pressão arterial > 130/80 mmHg
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Pressão arterial > 130/85 mmHg ou tratamento prévio
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Triglicerídios > 150 mg/dL
|
Triglicerídios > 150 mg/dL
|
Triglicerídios > 150 mg/dL ou tratamento específico prévio
|
HDL-colesterol:
Homens < 35 mg/dL
Mulheres < 39 mg/dL
|
HDL-colesterol:
Homens < 40 mg/dL
Mulheres < 50 mg/dL
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Glicemia de jejum > 100 mg/dL ou diagnóstico prévio de diabetes tipo 2
|
Microalbuminúria:
EUA = 20 mcg/mL ou
Alb:Creat 30 mg/g
|
Glicemia de jejum: > 110 mg/dL
|
|
*As
definições de obesidade central pelo critério do IDF são específicas
para a etnia dos pacientes. Citados nesta tabela estão os valores
considerados para descendentes de europeus. Os valores para
norte-americanos provavelmente continuarão seguindo a orientação do
NCEP/ATP III. Para sul-americanos devem ser considerados 90 cm para homens e 80 cm
para mulheres, como a população sul-asiática, até que se tenham números
mais concretos. Considerar sempre a origem étnica do paciente sobre seu
lugar de moradia ao escolher valores de circunferência abdominal.
Maiores informações em www.idf.org.
OMS
= Organização Mundial da Saúde; NCEP/ATP III = National Cholesterol
Education Program/Adult Treatment Panel III; IDF = International
Diabetes Foundation; IOT = intolerância oral à glicose; GJA = glicemia
de jejum alterada; IMC = índice de massa corpórea; RCQ = relação
cintura-quadril; HDL = high-density lipoprotein; EUA = excreção urinária
de albumina; Alb:Creat = relação albumina:creatinina.
Embora
os mecanismos que relacionam obesidade, síndrome metabólica e suas
complicações estejam cada vez mais bem compreendidos, ainda não estão
completamente elucidados. Várias evidências apontam para a teoria do
depósito ectópico ou não-adiposo de triglicerídios, especialmente no
compartimento intramiocelular da musculatura esquelética e também no
fígado e na célula beta. Existe uma relação direta entre conteúdo de
triglicerídios muscular, por exemplo, e resistência insulínica, que se
manifesta neste tecido pela menor captação de glicose. Estudos recentes
indicam que o excesso de triglicerídios intramiocelulares ativa vias de
sinalização que envolvem o diacilglicerol (DAG) e a proteína-quinase C
(PKC). Um dos desfechos desta ativação é a fosforilação do receptor de
insulina e do seu substrato (IRS-1) em resíduos serina e treonina, o que
compromete o seu funcionamento normal. Como consequência, há redução da
expressão de transportadores de glicose na superfície da célula
muscular (GLUT-4), e menor captação da glicose pelo tecido.
A
importância do reconhecimento da síndrome metabólica é enorme, pelo
potencial aterogênico que os seus componentes acarretam. Além disso,
outras alterações, como aumento da apolipoproteína B, presença de
partículas de LDL-colesterol pequenas e densas, aumento dos níveis de
PAI-1 e consequente alteração fibrinolítica e aumento de diversas
citocinas pró-inflamatórias e pró-trombóticas, como IL-1, IL-6,
TNF-alfa, estão frequentemente associadas à síndrome metabólica,
determinando, em associação aos outros fatores de risco supracitados,
condições propícias para aterosclerose acelerada e contribuindo, assim,
para o risco cardiovascular destes pacientes.
Outro
ponto que vale a pena ser ressaltado é que não apenas indivíduos
francamente obesos e com grandes circunferências abdominais estão
sujeitos ao diagnóstico de síndrome metabólica e seus riscos. É
conhecida a possibilidade de indivíduos com peso normal virem a
apresentar os critérios característicos da síndrome, talvez por
apresentarem maior proporção de gordura visceral.
Diabetes Melito tipo 2
O
aumento da prevalência de obesidade nas últimas décadas se relaciona,
em grande parte, com o aumento de 25% na prevalência do diabetes mellito
tipo 2 nos Estados Unidos neste mesmo período. Estudos americanos
mostraram que até 2/3 da população diabética americana tem IMC = 27 kg/m2.
Embora a maior parte dos indivíduos insulino-resistentes não
desenvolvam diabetes tipo 2, eles se encontram em muito maior risco que a
população insulino-sensível de se tornarem francamente hiperglicêmicos
no futuro, a ponto de a hiperinsulinemia, usada como marcador de
resistência insulínica, ser reconhecida com preditor independente de
desenvolvimento de diabetes tipo 2. Este risco aumenta linearmente com o
IMC, especialmente na presença de obesidade visceral. O desenvolvimento
do diabetes é evitado à custa de uma hipersecreção pancreática de
insulina, que pode se manter por períodos variáveis. Esta
hiperinsulinemia compensatória evita a hiperglicemia e o aumento dos
níveis de ácidos graxos. Porém, alguns indivíduos não conseguem manter a
hiperinsulinemia compensatória e evoluem para falência pancreática com
consequente hiperglicemia. Diversos mecanismos estão envolvidos na
falência da célula beta, alguns geneticamente determinados (como se
observa em parentes de 1º grau de diabéticos tipo 2, que podem
apresentar redução da resposta da insulina à glicose mesmo sendo
normoglicêmicos) e outros determinados pelo ambiente (glicotoxicidade,
lipotoxicidade, estresse oxidativo, alteração da secreção de outros
peptídios como GLP-1 e depósitos de amiloide nas ilhotas de Langerhans).
Dislipidemia
Como
citado anteriormente, a obesidade, especialmente visceral, e a síndrome
metabólica se associam a hipertrigliceridemia, hiperlipemia
pós-prandial, baixos níveis de HDL-colesterol e proporções aumentadas de
partículas de LDL-colesterol pequenas e densas, com maior potencial
aterogênico. O aumento do aporte de ácidos graxos ao fígado condiciona
uma maior liberação de partículas de VLDL, ricas em triglicerídios. Além
disso, como há resistência à ação da insulina, a atividade da
lipoproteína-lipase (LPL), enzima localizada no endotélio vascular e
responsável pela hidrólise de triglicerídios das partículas circulantes,
está francamente diminuída. Assim, a meia-vida das partículas ricas em
triglicerídios (VLDL e quilomícrons) fica prolongada. Este excesso de
partículas ricas em triglicerídios favorece a interação entre estas e as
partículas ricas em colesterol (HDL e LDL), intermediada pela proteína
de transferência de ésteres de colesterol (CETP). O resultado é uma
depleção de ésteres de colesterol das partículas de LDL e HDL,
originando as partículas de LDL pequenas e densas (que são mais
dificilmente reconhecidas pelo receptor de LDL e mais suscetíveis à
oxidação e, portanto, mais aterogênicas) e reduzindo os níveis de
HDL-colesterol.
Função Endócrina na Obesidade
Diversas
alterações hormonais podem ocorrer na obesidade. Estas tendem a ser
dinâmicas e reversíveis com a perda de peso, podendo acometer qualquer
dos eixos endócrinos. Existem poucas evidências concretas de que
pequenas variações subclínicas de qualquer um dos eixos hormonais podem
vir a causar ou mesmo perpetuar a obesidade, mas estas possibilidades
permanecem alvo de estudos.
O
excesso de peso está associado com menores níveis dosados de
testosterona em homens, por exemplo. Nas situações de sobrepeso e
obesidade mais brandas isto pode ser justificado por menores
concentrações de globulina carreadora de hormônios sexuais (SHBG). De
fato, apenas a testosterona total (a maior parte desta está ligada à
SHBG) está reduzida, e a fração livre (biologicamente ativa) está dentro
da normalidade na maior parte dos obesos não-mórbidos. Porém, em faixas
maiores de IMC, os níveis de testosterona livre também caem e não se
observa um aumento de seu estimulador hipofisário, o hormônio
luteinizante (LH), sugerindo um componente central na fisiopatologia do
hipogonadismo. Ainda, testes estimulatórios do eixo com GnRH (hormônio
liberador de gonadotrofinas) ou clomifeno comprovam a integridade do
eixo gonadotrófico, sugerindo alterações funcionais do mesmo. Estas
alterações são reversíveis com o emagrecimento, reforçando sua relação
direta com a obesidade.
Em
mulheres, a obesidade é uma característica comum da síndrome dos
ovários policísticos (SOPC). Aproximadamente 50% das mulheres com a
síndrome são obesas. A fisiopatologia da SOPC é multifatorial, e envolve
redução da sensibilidade à insulina com hiperinsulinemia, anovulação
crônica, aumento da pulsatilidade do LH e da síntese de andrógenos
ovarianos e adrenais e redução dos níveis circulantes da SHBG, com
consequente aumento da fração livre dos andrógenos. A resistência à ação
da insulina das mulheres com SOPC pode se manifestar com intolerância à
glicose e diabetes melito, conferindo risco aumentado para doença
cardiovascular. Medidas que melhorem a sensibilidade à insulina, como a
perda de peso ou o tratamento com sensibilizadores da ação insulínica,
são capazes de reduzir os níveis de testosterona, proporcionar melhora
da irregularidade menstrual e diminuir os riscos de desenvolver
distúrbios do metabolismo de carboidratos.
Devido
à importância dos hormônios tireoidianos no metabolismo energético,
discorreremos brevemente sobre o assunto. Indivíduos obesos em geral
mantêm níveis de T4 e TSH normais. O T4 tem pouca atividade biológica e é
convertido na periferia em T3 ou T3 reverso (rT3), inativo
biologicamente, pelas enzimas deiodinases. É descrito aumento dos níveis
de T3 em obesos, mas este pode ser um efeito da ingesta calórica
aumentada, especialmente de carboidratos. Quando o balanço energético
tende a se tornar negativo, existe um aumento relativo da conversão de
T4 em rT3, com menor formação de T3, hipoteticamente em uma tentativa de
diminuir a taxa metabólica e conservar energia.
O
eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) também já foi examinado na
obesidade, inicialmente porque diversas características dos pacientes
com síndrome de Cushing eram também observadas nos obesos e resistentes à
insulina, como obesidade abdominal, defeitos na homeostase glicídica,
hipertensão e dislipidemia. Esta constatação gerou a hipótese que um
distúrbio na forma de hipercortisolismo funcional poderia colaborar para
a obesidade central e suas consequências. No entanto, estudos mostraram
que o eixo permanece intacto na obesidade, exceto nos quadros de
obesidade mórbida e em especial naqueles acompanhados de depressão,
ansiedade crônica ou etilismo, em que pode ocorrer a ativação do eixo
gerando o estado de pseudo-Cushing, que deve ser diferenciado da
síndrome de Cushing verdadeira. Nestes casos, pode ser necessária a
dosagem de cortisol livre urinário ou teste de supressão com
dexametasona.
Após
a exposição destes argumentos, é importante sempre considerar a baixa
probabilidade de um paciente obeso ter uma doença endocrinológica,
reservando então a investigação aos casos em que outros dados clínicos,
além da própria obesidade, suscitem a hipótese.
Doenças Cardiovasculares
Hipertensão Arterial e Aterosclerose
Existe
uma relação direta entre o IMC e a pressão arterial, comprovada por
grandes estudos clínicos. A prevalência de hipertensão aumenta
linearmente com a obesidade, com referências de até 50% da população de
obesos apresentarem níveis pressóricos acima do normal ou estarem em
tratamento para a hipertensão, o que é mais que o dobro da prevalência
em pessoas magras. Os principais determinantes fisiopatológicos da
hipertensão arterial associada à obesidade são o aumento do tônus do
sistema nervoso simpático e a maior retenção de sódio e água pelos rins.
O
risco de doenças cardiovasculares relacionadas à aterosclerose também é
aumentado em obesos, especialmente naqueles com depósitos abdominais de
gordura. O risco começa a aumentar a partir de faixas normais de IMC –
23 kg/m2 em homens e 22 kg/m2 em mulheres – e é
independente de outras alterações metabólicas geralmente associadas à
obesidade, como hipertensão, dislipidemia e alterações do metabolismo
glicídico. Para qualquer IMC, o risco parece ser maior para os
indivíduos com maiores valores de relação cintura/quadril (RCQ) ou
circunferência abdominal (CA).
O
risco de doenças cerebrovasculares isquêmicas fatais e não-fatais
também é aproximadamente 2 vezes maior em pessoas obesas em comparação
com magros. Esta relação também é diretamente proporcional ao peso. O
risco de doenças tromboembólicas também é aumentado e pode estar
relacionado com o estado pró-inflamatório e pró-trombótico associado a
resistência insulínica, obesidade e finalmente aterosclerose.
Doenças Pulmonares e Respiratórias
A
obesidade pode levar a restrição ventilatória por aumentar a pressão
sobre a parede torácica, diminuindo a complacência ventilatória e
aumentando o trabalho respiratório. Isto pode ser observado em estudos
espirométricos por diminuição da capacidade pulmonar total, capacidade
vital forçada e capacidade inspiratória máxima. Isto se torna ainda mais
pronunciado na posição horizontal, quando a pressão sobre o diafragma
aumenta substancialmente. Cronicamente pode haver hipoventilação e maior
tolerância à hipercapnia, hipóxia ou ambos. Uma descrição clássica
deste fenômeno é a síndrome de Pickwick, uma forma grave da síndrome de
hipoventilação relacionada à obesidade, que envolve obesidade grave,
irregularidade ventilatória, sonolência, cianose, policitemia e
insuficiência ventricular direita.
Outra
condição bastante prevalente entre obesos é a síndrome da
apneia/hipopneia do sono, quando acontecem dificuldades ventilatórias
apesar de esforços inspiratórios presentes, devido a obstrução parcial
ou completa das vias aéreas altas. Nestas situações, a hipóxia e a
hipercapnia resultantes desencadeiam uma importante descarga adrenérgica
com consequente pico hipertensivo e aumento do risco de arritmias
ventriculares e morte súbita. Como o sono é interrompido frequentemente
(microdespertares), o paciente não experimenta as fases mais profundas
do sono, queixando-se, então, de graus variáveis de sonolência diurna,
que podem diminuir drasticamente sua qualidade de vida e mesmo limitar
suas atividades laborais. A escala de sonolência diurna de Epworth (Tabela 4) é um bom teste de rastreamento para apneia do sono, que deve ser diagnosticada por meio de polissonografia.
Tabela 4: Escala de sonolência diurna de Epworth
Pontuar cada pergunta de acordo com a probabilidade de cochilar:
|
Nenhuma: 0 ponto
|
Pouca: 1 ponto
|
Moderada: 2 pontos
|
Muita: 3 pontos
|
Qual a sua probabilidade de cochilar durante as seguintes atividades?
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Lendo sentado?
|
Assistindo televisão?
|
Sentado em lugar público (cinema ou reunião)?
|
Como passageiro em um carro numa viagem de 1 hora?
|
Deitado à tarde quando as circunstâncias permitem?
|
Sentado, falando com outra pessoa?
|
Sentado, após uma refeição sem álcool?
|
Dirigindo, enquanto parado no trânsito por alguns minutos?
|
Interpretação do teste: uma pontuação igual ou maior que 10 sugere que o paciente está apresentando sonolência diurna excessiva.
Doenças Gastrintestinais
Função Hepática
A
obesidade está relacionada com um espectro de alterações da função
hepática chamadas atualmente de doença hepática esteatótica
não-alcoólica (NAFLD), que se relacionam com a obesidade visceral e
incluem hepatomegalia, esteatose hepática, esteato-hepatite
não-alcoólica (NASH), fibrose e cirrose hepáticas. Embora as
aminotransferases sejam as enzimas mais frequentemente alteradas nesta
situação, elas não se correlacionam com a gravidade da alteração
histológica. Este fato deu partida à discussão das indicações de biópsia
hepática em obesos e indivíduos com a síndrome metabólica, uma vez que
pacientes acima do peso normal mostraram, à biópsia, 75% de prevalência
de esteatose, 20% de esteato-hepatite e 2% de cirrose hepática
oligossintomática. Já foram descritos casos de cirrose com indicação de
transplante hepático causados por esteato-hepatite secundária à
obesidade e suspeita-se que muitos casos de cirrose idiopática no
passado possam ter sido casos não diagnosticados de NASH. A perda de
peso em geral leva à regressão da maioria das alterações (exceto
fibrose), mas perdas súbitas ou alterações cíclicas do peso podem
predispor à NASH.
Colecistopatia Calculosa
A
formação de cálculos biliares é uma das complicações da obesidade
reconhecidas há mais tempo. Existe uma clara relação entre o excesso de
peso e a calculose biliar, especialmente em mulheres, e este risco
aumenta exponencialmente com a perda rápida de peso. Com um risco
aumentado de cálculos biliares, é de se esperar um maior risco de
pancretite em obesos, embora poucos estudos tenham mostrado isto
claramente. Melhor esclarecido é o maior risco de complicações locais
durante um episódio de pancreatite em relação a pacientes magros.
Complicações Articulares
Osteoartrite e Gota
Alterações
ósseas degenerativas são mais frequentes em obesos. As articulações
mais acometidas são os joelhos, pois muito mais carga é transmitida aos
joelhos do que às articulações do quadril durante atividades simples,
como caminhar. As mulheres têm uma chance maior do que homens obesos de
desenvolver osteoartrite. Gota e hiperuricemia também são mais
prevalentes em obesos.
Risco de Câncer
Dados
epidemiológicos mostram que sobrepeso e obesidade, especialmente
localizada no abdome e no tronco superior, aumentam o risco de câncer do
esôfago, vesícula biliar, cólon, rins, mama, endométrio, colo uterino e
próstata. O risco de câncer de mama aumenta com o excesso de peso a
partir dos 18 anos, enquanto o risco de câncer endometrial aumenta
especialmente após a menopausa.
Estes
dados, entretanto, podem não ser totalmente específicos, uma vez que
dietas ricas em gordura e pobres em fibras, bastante relacionadas com a
obesidade, são um fator de risco conhecido para diversos tipos de
câncer.
Risco Cirúrgico
Indivíduos
obesos estão sujeitos a maior risco de complicações ao serem submetidos
a um procedimento operatório quando comparados a indivíduos de peso
normal. Todas as etapas de uma cirurgia – anestesia, ato operatório e
recuperação – têm maior chance de complicação quando realizadas em um
indivíduo obeso. As doses de medicações são muito maiores e as drogas
lipofílicas estão sujeitas a maior ligação ao tecido adiposo e liberação
lenta a seguir, aumentando o tempo de efeito em algumas horas. O tempo
intraoperatório pode ser complicado pelo grande panículo adiposo de
alguns e podem requerer material especial apropriado. No pós-operatório,
existe um aumento da taxa de complicações da ferida operatória em
obesos, como coleções líquidas provenientes do tecido adiposo
manipulado, infecções de parede e, posteriormente, maior chance de
hérnias incisionais e resultado estético pouco satisfatório. Além disto,
existe o risco de tromboembolismo pulmonar, aumentado em obesos e uma
das principais causas de mortalidade pós-operatória nesta população.
TRATAMENTO
Tratar
a obesidade é tarefa difícil, mas altamente recompensadora. Observa-se
melhora da autoestima, do bem-estar psicológico, da qualidade de vida e,
principalmente, diminuição do risco cardiovascular e de outras
complicações. Existem inúmeras evidências de que a perda de peso, mesmo
que modesta (de 5 a
10% do peso inicial), reflete melhora de diversos parâmetros clínicos
associados a risco, como sensibilidade à insulina, perfil lipídico,
pressão arterial, marcadores inflamatórios circulantes, entre outros.
Entretanto, a taxa de recidiva e o “efeito-sanfona” são grandes, e
poucos pacientes conseguem seguir perdendo ou mesmo manter a perda por
mais de 1 ano de acompanhamento, apesar do uso de medicações. O uso
isolado do tratamento medicamentoso tem chances ainda menores de sucesso
quando comparado com programas que o associam a mudanças
comportamentais e do estilo de vida.
O
tratamento da obesidade, com raras exceções, deve ser encarado como o
de tantas outras doenças crônicas. Deve envolver medidas muitas vezes
impopulares e que devem ser postas em prática diariamente e por longos
períodos de tempo, muitas vezes por toda a vida. Muitos obesos conseguem
perder peso no início de um novo programa de emagrecimento, seja com
orientação médica ou não, e o sucesso destas tentativas está muito
provavelmente ligado ao alto grau de motivação, geralmente presente nas
semanas ou meses iniciais de qualquer proposta de emagrecimento
definitivo. A taxa de sucesso em longo prazo, no entanto, é bem menor. O
popularmente conhecido “efeito-sanfona” ou alteração cíclica do peso,
embora possa trazer alguns malefícios em termos de consequências à
saúde, não deve impedir pessoas obesas de iniciar uma nova tentativa de
emagrecer.
Podemos
classificar o tratamento da obesidade em modificações no estilo de vida
(dieta apropriada e atividade física), terapia comportamental, medidas
farmacológicas e procedimentos cirúrgicos. Estas modalidades devem ser
empregadas seguindo uma lógica que envolve o grau de obesidade e a
presença e a gravidade de complicações. Casos mais graves devem receber
tratamentos mais agressivos e radicais, conforme ilustra a Tabela 5.
Tabela 5: Progressão do tratamento da obesidade
Tratamento
|
Indicação
|
Dieta
|
Todos os pacientes
|
Atividade física
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Todos os pacientes
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Dieta de baixíssimo valor calórico
|
IMC > 25 kg/m2
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Medidas farmacológicas
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IMC > 30 kg/m2 ou IMC > 27 kg/m2 associado a comorbidades
|
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IMC > 40 kg/m2 ou IMC > 35 associado a comorbidades
|
Modificações do Estilo de Vida (MEV)
O
principal objetivo das MEV é diminuir o balanço energético diário
visando à utilização dos estoques de triglicerídios do tecido adiposo
como fonte de energia e consequente perda ponderal. Isto é conseguido
mais prontamente, na maioria dos obesos, com modificações quantitativas e
qualitativas dos alimentos.
Tratamento Dietético
O
objetivo principal de qualquer alteração na dieta é a redução
energética total. As dietas podem ser classificadas, de acordo com seu
conteúdo calórico, em:
balanceadas – apropriada proporção entre macronutrientes com mais de 1.500 kcal/dia;
hipocalóricas
– contêm entre 800 e 1.500 kcal/dia e podem consistir de comida
convencional, fórmulas comerciais líquidas e barras nutricionais, em
qualquer proporção;
muito hipocalóricas – conteúdo energético menor que 800 kcal/dia.
Estas
últimas geralmente são preparados líquidos comerciais com alto conteúdo
proteico e baixa taxa de gorduras e estão associadas, segundo vários
estudos, a altas taxas de recuperação do peso inicial após 1 ano de
acompanhamento. De acordo com o consenso médico do National Institutes
of Health (NIH), pessoas com sobrepeso e mais de 2 fatores de risco
cardiovasculares e obesos classe I (IMC entre 25 e 29,9 kg/m2)
devem diminuir sua ingesta calórica em 500 kcal/dia, o que
proporcionaria uma perda ponderal de cerca de 500 g/semana e 10% do peso
em 6 meses. Casos de obesidade mais graves, classes II ou III, devem
reduzir sua ingesta calórica em 500 a 1.000 kcal/dia, levando à perda de até 1 kg/semana e os mesmos 10% do peso em 6 meses.
Embora
muito se tenha discutido ultimamente sobre mudanças nas proporções dos
macronutrientes que mais facilitariam a perda ponderal, o padrão ainda
continua a busca do menor conteúdo calórico possível. Os principais
alvos de restrição, atualmente, são as gorduras e as proteínas. A
maioria dos autores recomenda dietas hipogordurosas, justificando esta
estratégia no fato da sua densidade calórica ser muito menor – gorduras
têm praticamente o dobro de calorias por grama do que carboidratos, por
exemplo. Além disso, dados populacionais sistematicamente correlacionam
consumo de gordura saturada com aumento da obesidade e suas
complicações. Nos últimos anos, dietas desarmônicas, como as dietas sem
carboidratos (Low-Carb Diet, de Atkins), ganharam muitos adeptos graças à
divulgação na mídia e à possibilidade de perda de peso sem sacrifício. A
redução do índice glicêmico das refeições, levando a menor liberação de
insulina endógena e a menor ingesta calórica por geração de cetose e
monotonia dietética, são os mecanismos propostos para os que defendem
esta abordagem dietética.
Contudo,
não há nenhum estudo em longo prazo que avalie o risco das dietas
pobres em carboidratos e, como já foi mencionado, dados epidemiológicos
associam fortemente consumo de gorduras e risco de adoecimento. Assim,
não é recomendável esta abordagem terapêutica.
A Tabela 6 resume as recomendações dietéticas para tratamento do sobrepeso e da obesidade, segundo o consenso do NIH.
Tabela 6: Recomendações dietéticas iniciais
Nutriente
|
Recomendação diária
|
Calorias
|
Redução de 500 a 1.000 kcal no consumo habitual
|
Gorduras totais
|
30% ou menos do conteúdo total de calorias
|
Ácidos graxos saturados
|
8 a 10% do conteúdo total de calorias
|
Ácidos graxos monoinsaturados
|
Até 15% do conteúdo total de calorias
|
Ácidos graxos poliinsaturados
|
Até 10% do conteúdo total de calorias
|
Colesterol
|
< 300 mg/dia
|
Proteínas
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Aproximadamente 15% do conteúdo total de calorias
|
Carboidratos
|
> 55% do conteúdo total de calorias
|
Sódio
|
< 2,4 g (aproximadamente 6 g de NaCl)
|
Cálcio
|
1.000 a 1.500 mg
|
Fibras
|
20 a 30 g
|
Álcool
é fonte desnecessária de calorias e costuma substituir alimentos mais
nutritivos. O consumo de álcool está associado epidemiológica e
experimentalmente à obesidade. O impacto do consumo de calorias
provenientes do álcool precisa ser avaliado individualmente e controlado
quando houver indicação.
Alimentos
light (com pouco conteúdo de gorduras totais) podem ser úteis desde que
também tenham baixo valor calórico e que seu consumo não seja
compensado por calorias provenientes de outros alimentos. Pacientes com
hipercolesterolemia necessitam redução de gorduras totais abaixo de 7%
do conteúdo total de calorias e do colesterol abaixo de 200 mg/dia.
A proteína da dieta deve ser de origem vegetal ou animal com baixo conteúdo de gordura.
Atividade Física
É
praticamente consenso que a presença de atividade física diária é
importante em impedir o ganho de peso ou auxiliar um programa de
emagrecimento. Exercícios aeróbicos ou treinamento de resistência
parecem ser importantes, assim como de igual importância parece ser o
estilo de vida que engloba rotineiramente altos níveis de atividade
física. Infelizmente, atividade física isolada só consegue promover
emagrecimento se realizada diariamente e em sessões longas, o que a
maioria das pessoas não é capaz de seguir. Como a melhora da capacidade
cardiorrespiratória secundária ao treinamento físico relaciona-se com
menor risco de doença cardiovascular, diabetes, câncer e até depressão,
um programa de treinamento deveria ser seguido pela maioria das pessoas
obesas e até por aquelas sem problemas com o peso. O tipo de atividade
física deve seguir os gostos do paciente, de preferência sendo
facilmente disponível e que não prescinda de companhia para ser
realizada. Grandes estudos demonstraram que indivíduos que obtêm sucesso
na perda ponderal sustentada tendem a ser aqueles que se exercitam mais
de 1 hora por dia.
A Tabela 7 mostra exemplos de atividade física recomendados para a maior parte dos pacientes com sobrepeso ou obesidade.
Tabela 7: Exemplos de atividades físicas de intensidade moderada
Atividades cotidianas
|
Atividades esportivas
|
Lavar e encerar o carro por 45 a 60 minutos
|
Voleibol por 45 a 60 minutos
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Lavar janelas ou assoalho por 45 a 60 minutos
|
Andar 2,8 km em 35 minutos
|
Jardinagem por 30 a 45 minutos
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Arremesso de bola ao cesto por 30 minutos
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Andar de cadeira de rodas por 30 a 40 minutos
|
Pedalar 8 km em 30 minutos
|
Empurrar um carrinho de bebê por 2,5 km em 30 minutos
|
Dançar (ritmo acelerado) por 30 minutos
|
Caminhar 3,2 km em 30 minutos
|
Hidroginástica por 30 minutos
|
Subir e descer escadas por 15 minutos
|
Natação por 20 minutos
|
|
Basquetebol por 15 a 20 minutos
|
|
Correr 2,4 km em 15 minutos
|
Terapia Comportamental
Serão
brevemente comentadas algumas técnicas comportamentais que devem ser
aplicadas pela equipe assistente do paciente obeso como complemento ao
tratamento clínico e medicamentoso.
1. Diário
alimentar: estimular o paciente a anotar detalhada e sinceramente toda
sua ingesta alimentar diária, durante as refeições e fora delas. Isto
pode ser comparado com a dieta orientada previamente.
2. Modificação
da dieta: escolha ativa dos alimentos, tendendo a utilizar
principalmente os pouco gordurosos e com baixa densidade calórica.
3. Introdução
de atividade física na rotina: orientação de atividades recreacionais
programadas, visando ao balanço calórico negativo e ao ganho de massa
muscular. Atividades físicas não-recreacionais (descer do ônibus alguns
pontos antes, estacionar o carro mais longe, utilizar menos escadas
rolantes e elevadores etc.)
4. Atenção
durante o ato de comer: lembrar-se de comer lentamente, mastigar bem o
alimento, evitar comer enquanto realiza outras tarefas, como ver
televisão.
5. Suporte social: ajudar o paciente a conseguir apoio dos familiares para atingir seus objetivos.
6. Lidar com problemas: identificar pontos de dificuldade e ajudar a resolvê-los ou contorná-los.
Terapia Farmacológica
O
tratamento da obesidade, ao contrário de outras doenças crônicas, ainda
é baseado sobretudo em medidas comportamentais, já discutidas. As
opções farmacológicas são, até o momento, bastante limitadas em número e
eficácia, especialmente quando comparadas com medicações contra a
hipertensão e o diabetes melito, por exemplo. Elas devem ser utilizadas
somente em associação com alterações dietéticas e na atividade física,
visando a melhor chance de sucesso possível, quanto estas medidas
comportamentais isoladamente falharam em diminuir o peso. Devem ser
observadas, antes do início do tratamento, as contraindicações ao uso de
drogas visando ao emagrecimento (Tabela 8).
Tabela 8: Contraindicações ao uso de drogas contra obesidade
Gestação ou lactação
|
Doença cardíaca instável
|
Doença clínica ou psiquiátrica instável
|
HA não-controlada (> 180/110 mmHg)
|
Glaucoma de ângulo fechado (relativa)
|
Anestesia geral
|
Uso de outras drogas incompatíveis
|
IMAO, antienxaquecosos, agonistas adrenérgicos
|
Antecedente de anorexia nervosa
|
As
drogas tradicionalmente utilizadas no tratamento da obesidade podem ser
classificadas em catecolaminérgicas, serotoninérgicas, com efeitos
combinados, as modificadoras do metabolismo de nutrientes e os
bloqueadores do sistema endocanabinoide.
Drogas Catecolaminérgicas (Anfepramona, Femproporex, Mazindol)
As medicações desta classe, com exceção do mazindol,
são derivados betafenetilamínicos ou anfetamínicos. Sua estrutura
molecular é semelhante a dos neurotransmissores, como a dopamina, a
noradrenalina e a adrenalina. O principal efeito, que é dose-dependente,
observado após seu uso é a diminuição do apetite com consequente perda
de peso. Todas apresentam resultados semelhantes, com perdas de até 10%
do peso inicial em estudos que duraram até 1 ano. Alguns autores sugerem
que o mazindol pode ser discretamente mais eficaz, com perdas de até
13% do peso inicial em estudos controlados em médio prazo (até 1 ano).
Embora não existam muitos estudos controlados em longo prazo voltados a
sua eficácia, tolerabilidade e segurança, outras evidências clínicas
parecem garantir bons parâmetros de segurança. Por sua ação
estimulatória sobre o SNC, efeitos colaterais podem envolver agitação
neuropsicomotora, irritabilidade, labilidade emocional e insônia. Em
pacientes predispostos, podem desencadear reações psiquiátricas sérias,
como depressão ou surtos psicóticos, o que torna indispensável o
acompanhamento médico em todos os casos.
Drogas Serotoninérgicas (Fluoxetina, Sertralina)
São
inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) na fenda
sináptica, normalmente indicados para o tratamento de depressão e
bulimia nervosa. Embora não haja recomendação formal de seu uso no
tratamento da obesidade, estudos realizados por outros motivos
(principalmente em depressão) demonstraram, em curto prazo, maior perda
de peso após o uso dos ISRS quando comparado com outras medicações.
Portanto, seu uso em situações especiais (obesos deprimidos, bulímicos
ou que tenham comportamento alimentar compulsivo) pode ser uma
alternativa terapêutica no tratamento medicamentoso. Os efeitos
colaterais, geralmente incomuns e leves, podem ser agitação e
irritabilidade, diminuição da capacidade de concentração, alterações do
sono e diminuição da libido e da função sexual. Entretanto, alguns
autores sugerem que, após 6 a
9 meses de uso, estas medicações podem perder seu efeito anorexigênico e
inclusive vir a induzir ganho de peso, o que demanda atenção do médico
assistente.
Outras
drogas serotoninérgicas, como a fenfluramina e a dexfenfluramina, foram
retiradas do mercado há alguns anos e não serão discutidas aqui.
Droga com Mecanismos de Ação Combinados (Sibutramina)
A sibutramina
talvez seja a droga para obesidade mais estudada nas últimas décadas.
Trata-se de um inibidor da recaptação sináptica tanto de serotonina
quanto de noradrenalina capaz de induzir perda de peso de 6 a 10% do inicial em 1 ano, em doses de 10 a
15 mg/dia. Como efeitos colaterais principais, observam-se cefaleia,
boca seca, insônia e constipação. Como se trata de um agonista
adrenérgico, podemos observar aumento da pressão arterial em até 10 mmHg,
especialmente nos pacientes já hipertensos previamente ao início da
medicação. Também pode ocorrer aumento da frequência cardíaca em 4 a 6 bpm na média dos estudos, mas que podem resultar em sintomas para o paciente.
Drogas Modificadoras do Metabolismo de Nutrientes (Orlistate)
O orlistate
é um análogo da lipstatina, um inibidor das lipases gastrintestinais
que atua no passo inicial da absorção e digestão das gorduras no
intestino delgado. Como o orlistate se liga covalentemente ao receptor
da lipase intestinal, cerca de 30% das gorduras ingeridas não são
absorvidas, atravessando o intestino para serem eliminadas nas fezes.
Praticamente não há absorção nem ação sistêmica da droga, mas esta se
mostrou capaz de modificar hábitos alimentares, principalmente devido
aos seus efeitos colaterais na presença de ingestão importante de
gordura alimentar, como cólicas, flatulência, diarreia, urgência e
incontinência fecais. Estudos iniciais mostraram capacidade de promover
perdas entre 8 e 11% do peso inicial em 1 ano de tratamento,
especialmente nos primeiros 6 a
8 meses, quando se nota lento e progressivo ganho de peso em até 30%
dos pacientes. Um autor sugere que aqueles pacientes que mantêm a
ingesta de gordura apesar dos efeitos colaterais tendem a manter a perda
de peso. Entretanto, é comum que os pacientes “aprendam” a substituir a
gordura alimentar por carboidratos para minimizar os efeitos colaterais
e, então, passem a ganhar peso novamente.
Drogas Bloqueadoras do Sistema Endocanabinoide (Rimonabanto)
O
sistema endocanabinoide é composto de um grupo endógeno de agonistas de
curta duração derivados de fosfolipídios, incluindo a anadamida e o
2-araquidonoil-glicerol (2-AG), e 2 tipos de receptores canabinoides, CB1 e CB2. Em seres humanos, a expressão do receptor CB1 ocorre no cérebro e no tecido adiposo, enquanto o CB2 se expressa predominantemente em células imunológicas.
A
estimulação dos receptores endocanabinoides regula o balanço energético
mediante aumento da ingestão de alimentos e alteração do metabolismo
lipídico e glicêmico. Assim, promove ganho de peso por meio de
mecanismos centrais e periféricos. O sistema endocanabinoide está
hiperativo em modelos animais de obesidade e pacientes obesos.
O rimonabanto é a primeira droga que age bloqueando seletivamente o receptor endocanabinoide do tipo CB1,
no sistema nervoso central e na periferia. Assim, age tanto por
inibição do apetite quanto por modificação do metabolismo de gorduras e
carboidratos.
Os
efeitos do rimonabanto foram avaliados em mais de 6.600 pacientes
acompanhados em 4 estudos internacionais randomizados com duração de 1 a
2 anos (RIO-Diabetes, RIO-Lipids, RIO-Europe e RIO-North America). Como
resultados, constataram-se redução de peso superior ao grupo placebo
(entre 6 e 8 kg) e melhora de parâmetros metabólicos como HDL-colesterol
(aumento de 15 a 22%), hemoglobina glicada (redução de 0,7% em
pacientes diabéticos com uma A1C inicial de 7,3%), triglicerídios (redução de 5 a 13%) e pressão arterial (redução de até 2 mmHg na PA sistólica).
Os
efeitos adversos mais comuns são náusea, diarreia, tontura, ansiedade,
insônia e alteração de humor. Depressão foi observada em 3,2% dos
pacientes tratados com rimonabanto (contra 1,6% no grupo placebo) e, na
maior parte dos casos, foi de intensidade leve a moderada, com melhora
após tratamento corretivo ou interrupção do tratamento. Contudo, como
não há dados que mostrem segurança da droga em pacientes com transtornos
psiquiátricos, ela é contraindicada em pacientes com depressão maior em
atividade ou em uso de antidepressivos, e deve ser usada com cautela em
pacientes com antecedente pessoal de depressão.
A Tabela 9 contém as principais drogas usadas no tratamento farmacológico da obesidade.
Tabela 9: Tratamento farmacológico da obesidade
Classe
|
Droga
|
Nome comercial
|
Dose diária
|
Efeitos adversos
|
Catecolaminérgicos
|
|
Desobesi-M®
|
25 a 50 mg
|
Agitação, irritabilidade, depressão, obstipação intestinal, insônia, boca seca.
|
|
Inibex S®, Dualid S®
|
50 a 120 mg
|
mazindol
|
Fagolipo®, Absten S®
|
0,5 a 3 mg
|
Serotoninérgicos
|
Fluoxetina
|
Prozac®, Daforin® etc.
|
20 a 60 mg
|
Boca seca, náusea, euforia, redução de libido, insônia.
|
Catecolaminérgico + serotoninérgico
|
sibutramina
|
Reductil®, Plenty®, Vazy® etc.
|
10 a 15 mg
|
Aumento da pressão arterial, taquicardia, boca seca, cefaleia, obstipação intestinal.
|
Bloqueador da lipase
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orlistate
|
Xenical®
|
360 mg
|
Diarreia, esteatorreia, dor abdominal, flatulência.
|
Bloqueador do CB1
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rimonabanto
|
Acomplia®
|
20 mg
|
Depressão, irritabilidade, ansiedade, náuseas, diarreia.
|
Tratamento Cirúrgico da Obesidade
As
diversas técnicas cirúrgicas utilizadas no tratamento da obesidade são
chamadas, em conjunto, de cirurgias bariátricas. Elas podem se valer de
modificações restritivas à capacidade gástrica ou de alterações que
causem certo grau de má-absorção dos alimentos ao longo do trato
digestivo. Qualquer que seja a técnica utilizada, o tratamento cirúrgico
da obesidade deve seguir indicações rígidas, pois envolve um paciente
de grande risco cirúrgico e com grande potencial para complicações. As
indicações para a cirurgia constam na Tabela 10.
Tabela 10: Indicações para o tratamento cirúrgico da obesidade
Estar bem informado e motivado
|
IMC > 40 mg/kg2
|
IMC > 35 mg/kg2 associado a comorbidades (diabetes, apneia do sono, artropatia)
|
Risco cirúrgico aceitável
|
Falha nas tentativas prévias não-cirúrgicas
|
As opções técnicas mais utilizadas atualmente estão demonstradas na Figura 1 e são:
Bypass gástrico em Y de Roux (técnica de Fobi-Capella): provoca grande restrição gástrica e leve componente mal-absortivo.
Gastroplastia vertical por banda (procedimento de Mason): trata-se de uma técnica unicamente restritiva.
Bandagem
gástrica ajustável laparoscópica (procedimento de Kuzmak): colocação de
uma banda elástica envolvendo a parte superior do estômago, que pode
ser ajustada para regular sua capacidade volumétrica.
Procedimentos
disabsortivos (técnica de Scopinaro): consiste na redução volumétrica
moderada do estômago seguida de um longo desvio intestinal que permite
um “canal comum” dos alimentos com os sucos biliopancreáticos de
aproximadamente 1,5 m de comprimento.
Figura 1: Técnicas de Cirurgia bariátrica.
Adaptado de Maggard et al., 2005.
Dados
americanos indicam que quase 50% das cirurgias de bypass gástrico são
realizadas por via laparoscópica e podem levar a perda de 40 a 60% do excesso de peso, o que, em média, representa pouco mais de 40 kg de peso após 12 meses. A Tabela 11 mostra a média de perda de peso verificada em uma meta-análise realizada na UCLA (Maggard et al., 2005).
Tabela 11: Perda de peso após Cirurgia bariátrica
Procedimento
|
Perda de peso (média)
|
Derivação biliopancreática (Duodenal Switch)
|
53 kg
|
Bypass gástrico com Y de Roux
|
Aberta
|
42 kg
|
Laparoscópica
|
38 kg
|
Banda gástrica ajustável
|
35 kg
|
Gastroplastia com banda vertical
|
32 kg
|
Com
o emagrecimento, há uma importante e significativa melhora de
parâmetros metabólicos, como diminuição de glicemia, insulinemia,
triglicerídios, pressão arterial e ácido úrico, além de aumento dos
níveis de HDL-colesterol. Muitos destes pacientes diminuem bastante a
dose necessária de medicações para controle da glicemia, hipertensão e
dislipidemia, enquanto outros chegam a normalizar estes valores mesmo
sem a necessidade de tratamento medicamentoso.
Outros
efeitos observados nos pacientes operados são a menor ingesta calórica,
maior nível de atividade física e maior nível de satisfação, autoestima
e qualidade de vida. Na população específica de obesos mórbidos, o
risco operatório e de complicações está cada vez mais justificado em
vista do maior risco acarretado por sua própria condição. Quando bem
indicada e realizada por uma equipe experiente, os resultados cirúrgicos
têm grande chance de serem satisfatórios e trazerem benefícios para o
paciente obeso.
Recentemente,
dois estudos concluíram que a perda de peso resultante da Cirurgia
bariátrica cursa com redução da mortalidade em 7 a 10 anos em 24 a 40%.
Além disso, a mortalidade específica nos pacientes operados foi 56%
menor para a doença coronariana, 92% menor para diabetes e 60% menor
para câncer. Contudo, observou-se aumento de 58% na mortalidade por
acidentes e suicídios nos pacientes operados.
Seguimento do Paciente Submetido à Cirurgia Bariátrica
As
mortalidade perioperatória da Cirurgia bariátrica é baixa, entre 0,2 e
1,9%, e decorre, em 75%, dos casos de deiscências anastomóticas com
consequente peritonite bacteriana e, em 25%, de tromboembolismo
pulmonar. Estas complicações podem ser evitadas com a atuação de uma
equipe cirúrgica bem treinada e com o emprego de profilaxia de trombose
venosa profunda, como a heparina de baixo peso molecular.
As
principais complicações tardias da Cirurgia bariátrica são os vômitos, a
síndrome dumping e os estados carenciais vitamínicos e minerais.
1. Vômitos e Síndrome Dumping
Vômitos
são comuns no 1º ano após a cirurgia, especialmente nos primeiros 3
meses. Geralmente ocorrem menos de 3 vezes/semana e decorrem de uma
ingestão alimentar mais exagerada ou por falta de mastigação adequada.
Havendo um quadro de vômitos mais persistentes, o paciente necessita de
avaliação quanto aos níveis séricos de potássio e magnésio, devendo
receber reposição, caso necessário. O médico deve estar atento para
identificar o paciente com uma possível estenose de boca anastomótica;
nestes casos, os vômitos acompanham-se de verdadeira intolerância para
sólidos, que se desenvolve depois de 6 meses da cirurgia. A endoscopia
está indicada para efetuar o diagnóstico e o tratamento por meio de
dilatações com balão.
Síndrome
dumping é um achado extremamente comum após a Cirurgia bariátrica. A
passagem de alimentos com alto teor osmótico (como doces) do estômago
para o intestino delgado causa um influxo de fluidos do vaso para a luz
intestinal. Consequentemente, há ativação de um reflexo vagal que causa
hipotensão, sudorese e sensação de fraqueza. Liberação de peptídios e
outras substâncias vasoativas pelas células endócrinas do intestino
também participam da fisiopatologia deste tipo de dumping, que, por
ocorrer até 2 horas após a alimentação, é conhecido como dumping
precoce. A principal forma de tratamento é evitar a ingestão de
alimentos como doces ou massas.
Há
também um tipo de síndrome dumping que ocorre mais tardiamente (após 2
horas) e que se acompanha de hipoglicemia e sintomas hipoglicêmicos
autonômicos ou neuroglicopênicos leves. Este dumping tardio, também
conhecido como hipoglicemia reativa pós-alimentar, decorre da liberação
de peptídios insulinotrópicos ou incretinas pelo íleo distal em resposta
a um maior aporte de nutrientes. A abordagem é dietética (dieta
fracionada pobre em carboidratos simples) ou farmacológica (acarbose,
diazóxido, bloqueadores de canais de Ca+2 e análogos de somatostatina).
Recentemente
foi descrito um quadro de hipoglicemia hiperinsulinêmica que se instala
após a Cirurgia bariátrica. Diferentemente do dumping tardio, os
sintomas hipoglicêmicos são graves e não respondem a medidas dietéticas
ou farmacológicas.
2. Litíase Biliar
A
formação de cálculos biliares é muito comum após a Cirurgia bariátrica,
podendo atingir mais de 70% dos pacientes. Recomenda-se a
colecistectomia profilática quando houver litíase biliar, mesmo que
assintomática, na ocasião da Cirurgia bariátrica. Caso a vesícula seja
mantida intacta, terapia profilática com ácido ursodeoxicólico deve ser
instaurada por 6 meses a fim de reduzir o risco de litíase.
3. Deficiência de Ferro e Vitamina B12
Conforme
a velocidade de perda de peso diminui, o risco de deficiências de ferro
e de vitamina B12 começa a aumentar. Estes estados carenciais são os
mais importantes que se instalam após a Cirurgia bariátrica, e comumente
não respondem ao suplemento convencional com polivitamínicos.
A
deficiência de ferro pode atingir até 50% dos pacientes operados,
geralmente acomete mulheres durante a menacme e decorre de uma redução
da capacidade de absorção do metal por intolerância a alimentos ricos em
ferro (especialmente da carne), redução da secreção ácida gástrica e
comprometimento de sua absorção devido ao bypass do estômago e duodeno.
Assim, no tratamento, pode ser necessária administração parenteral de
ferro, uma vez que a biodisponibilidade oral do mineral está
prejudicada.
A
absorção da vitamina B12 é prejudicada pela Cirurgia bariátrica devido a
comprometimento da produção de fator intrínseco, redução da secreção
ácida gástrica e intolerância a alimentos ricos em vitamina B12 (como
carne e laticínios). Assim, após 1 ano, cerca de 30% dos pacientes
apresentam a deficiência vitamínica, o que pode chegar a mais de 70% em
10 anos. A reposição pode ser feita por via oral, embora a injeção
intramuscular seja mais eficaz em repor os estoques.
4. Deficiência de Cálcio e Vitamina D e Hiperparatireoidismo Secundário
A
Cirurgia bariátrica prejudica a absorção de cálcio e vitamina D, o que
causa elevação compensatória dos níveis de paratormônio (PTH). Este
hiperparatireoidismo secundário pode levar a perda de massa óssea, a
qual pode ser evitada com suplementação de cálcio (1.000 a 1.500 mg/dia)
e vitamina D (400 UI/dia). Devido à redução da secreção ácida gástrica,
o citrato de cálcio é preferível ao carbonato de cálcio como forma de
suplementação do mineral.
Recomendações para Seguimento dos Pacientes no Pós-operatório
A Tabela 12 ilustra a recomendação para avaliação metabólica após a Cirurgia bariátrica.
Tabela 12: Seguimento do paciente após Cirurgia bariátrica
|
Mês 1
|
Mês 3
|
Mês 6
|
Mês 12
|
Mês 18
|
Mês 24
|
Anualmente
|
Bioquímica completa
|
X
|
X
|
X
|
X
|
X
|
X
|
X
|
Magnésio
|
X
|
X
|
X
|
X
|
X
|
X
|
X
|
Hemograma completo
|
X
|
X
|
X
|
X
|
X
|
X
|
X
|
Ferro e ferritina
|
X
|
X
|
X
|
X
|
X
|
X
|
X
|
Vitamina D
|
|
|
|
X
|
X
|
X
|
X
|
PTH
|
|
|
|
X
|
X
|
X
|
X
|
Densitometria óssea
|
|
|
|
X
|
|
X*
|
X*
|
* Se a massa óssea for reduzida ou se houver redução significativa da massa óssea, repetir a densitometria óssea anualmente.
INDICAÇÕES DE SUSPENSÃO DO TRATAMENTO DA OBESIDADE
Como
qualquer modalidade de tratamento da obesidade pode expor o paciente a
determinados riscos, devemos definir claramente os critérios para a sua
suspensão. Como a perda de peso é o principal critério de sucesso, caso o
paciente não consiga perder peso após ter aderido às medidas propostas,
vários autores e agências reguladoras recomendam a suspensão do
tratamento. Entretanto, a falha deve ser documentada por outros métodos
que não somente a pesagem. Alterações na composição corpórea, que são o
objetivo de dietas hipocalóricas e do aumento da atividade física e se
associam com melhora de parâmetros metabólicos, podem acontecer sem
alteração na massa medida na balança. O período após o qual devemos
considerar a parada das medicações antiobesidade é controverso, mas
aparentemente não deve ser menor do que 3 meses. Outra particularidade é
que o fato de a perda de peso não ter existido ou não ter sido
satisfatória, para muitos, pode ser preferível ao ganho continuado de
peso em termos de manutenção da saúde e prevenção de complicações. Pelo
exposto, a suspensão do tratamento da obesidade com medidas gerais
provavelmente nunca deve ser considerada. Já em relação a suspensão das
medicações, embora não haja dados cientificamente concretos sobre o
assunto, provavelmente deve acontecer após o alcance dos objetivos
previamente propostos, de forma bastante lenta e progressiva,
possivelmente ao longo de meses a anos e sob observação atenta da
resposta de cada paciente. A Tabela 13 cita alguns dos possíveis critérios para a parada do tratamento da obesidade.
Tabela 13: Critérios de suspensão do tratamento antiobesidade
Gerais
|
Presença
de eventos adversos ou efeitos colaterais importantes ao tratamento;
perda de peso inadequada em paciente com peso previamente estável
|
Específicos
|
Tratamento
dietético; intolerância grave à dieta; não-adesão, em longo prazo, à
dieta; presença de sérias complicações ou efeitos adversos; atividade
física; intolerância à atividade física; decisão pelo paciente de parar a
atividade física; presença de sérias complicações ou efeitos adversos;
drogas antiobesidade; presença de sérias complicações ou efeitos
adversos; emagrecimento ou perda de peso insuficientes; perda < 5% em
3 meses em paciente com peso previamente estável; ausência de melhora
das complicações da obesidade; necessidade de se iniciar tratamento com
drogas incompatíveis com as drogas antiobesidade
|
TÓPICOS IMPORTANTES
Está
bem estabelecido que o sobrepeso e a obesidade reduzem de forma
significativa a sobrevida e a qualidade de vida. Embora os mecanismos
envolvidos na fisiopatologia sejam complexos, a modificação de estilo de
vida é a intervenção preventiva mais efetiva em termos de Saúde
Pública.
Além
disso, as medidas comportamentais envolvendo dieta e atividade física
são fundamentais para o tratamento dos casos de obesidade já
estabelecida. Em situações especiais e quando não há contraindicações, o
tratamento medicamentoso pode ser associado ao tratamento dietético. Em
casos extremos e refratários às medidas conservadoras, a Cirurgia
bariátrica está indicada.
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