Artigo
O médico canadense Ben Williams, que chegou a pesar 145 quilos, conta como precisou de ajuda para deixar de ser obeso
Ben Williams*
Diante de um paciente obeso, é tentador explicar a matemática: eles
precisam comer menos e se exercitar mais. Por mais que isso seja
verdade, é quase inútil. Eu também quero que esses pacientes deixem de
lado os Venti Mochas (bebida de café altamente calórica) e
coloquem suas roupas de academia. Mas eu tento me lembrar de que esse
conselho não foi útil para mim, e dificilmente será para meus pacientes
obesos. Durante toda a minha vida, dos meus seis anos até dois anos
atrás, eu era realmente gordo. Agora não sou mais.
Quando vejo fotos antigas, percebo que algo grande aconteceu com a
minha família quando eu estava entrando na idade escolar. Nós crescemos.
Bem, as crianças cresceram verticalmente, mas a família inteira cresceu
horizontalmente. Eu mais do que todos. No ensino fundamental, eu ganhei
apelidos nada elogiosos. No ensino médio, eu estava próximo dos 136
quilos.
Depois do ensino médio, eu estudei canto, onde não era incomum ser
gordo. E eu ainda estava na extremidade mais elevada da escala. Mais
tarde, trabalhei como auxiliar de um político nos últimos dias de
governo do Partido Democrático da Columbia Britânica (British Columbia
New Democratic Party, NDP, um partido de orientação social democrata do
Canadá). Na política, aparência importa, e embora homens acima do peso
fossem uma norma, minha obesidade estava acima da média.
Em 2001, o NDP ficou reduzido a duas cadeiras na legislatura, e meu
hábito de fumar tinha aumentado para dois maços por dia. Depois que
parei de fumar, meu peso aumentou ainda mais. Quando mais tarde voltei a
estudar, indo a uma universidade comunitária à noite e trabalhando
durante o dia, nunca consegui achar tempo para ter um estilo de vida
saudável. Eventualmente, fui aceito na faculdade de medicina onde era
tudo menos normal ser gordo.
Antes mesmo da faculdade de medicina, eu já sabia muito sobre dieta.
Tive sessões particulares com nutricionistas, tentei o Vigilantes do
Peso e fiquei sabendo tudo sobre a dieta Atkins. Eu era bom em perder
peso: perdi 13,6 quilos em uma dieta com baixa gordura, mas recuperei 18
quilos. Perdi quase 23 quilos em uma dieta com baixo carboidrato, mas
ganhei quase 25 quilos de volta. Perder peso era a parte fácil, manter
era o desafio. Ah, e eu me exercitei muito também; eu só comia muito
mais.
De volta para a faculdade de medicina. Meus colegas de sala me apoiavam
muito na luta contra o peso. Ninguém nunca disse nada ruim sobre meu
peso, mas o assunto surgia todo dia. Cardiologia: a obesidade está
correlacionada com hipertensão e dislipidemia (eu já tinha as duas
condições). Endocrinologia: aumento nos tecidos adiposos leva à
resistência à insulina (minha glicemia de jejum era 6,2). Reumatologia:
conforme a população aumenta, o mesmo acontece com o ônus da
osteoartrite. Respirologia, nefrologia, urologia... Tirando ginecologia,
tudo era motivo de preocupação.
A extensão da minha obesidade estava bem escondida: eu comprava roupas
caras, sabia quais hospitais tinham roupas cirúrgicas em tamanhos
extragrandes, e ainda usava o humor para rir do meu tamanho. Mas eu
ainda era gordo, e isso era uma droga.
Durante meu estágio, meu preceptor cirúrgico tentou me convencer de que
a cirurgia era mais promissora do que remédios: cortar é curar. Ele me
disse que poderia curar o diabetes. Achei que ele estava falando sobre o
transplante de células, mas ele se referia à cirurgia bariátrica. Dois
meses depois, eu procurei o cirurgião e perguntei se ele poderia me
avaliar em relação à cirurgia de redução de peso. Houve uma pequena
espera, alguns contratempos, mas minha vez chegou. No dia 26 de maio de
2010 me graduei na faculdade de medicina. No dia 27, eu fiz uma
gastrectomia vertical, um tipo de cirurgia de redução do peso
restritiva.
Já faz 20 meses. Perdi quase 50 quilos e espero conseguir manter. Me
sinto saudável, as pessoas dizem que estou bonito, e ainda consigo
vencer meus filhos em uma corrida. Ano passado, aprendi a correr, algo
que minhas articulações haviam desaprovado fortemente. Este ano, eu
tenho feito até esqui, um esporte que me parecia imprudente com 145
quilos, mas que é divertido com 95 quilos.
Como meus colegas, eu conto aos meus pacientes que eles precisam se
exercitar mais, comer menos, e perder alguns quilos. Mas sei que muitos
irão falhar e irão continuar precisando do meu apoio e encorajamento.
Alguns veem as pessoas gordas como preguiçosas: eu era ambicioso e
trabalhador para manter uma posição sênior em um emprego público aos 22
anos e, depois, ser aceito na faculdade de medicina. Outros são mais
caridosos e acham que os pacientes gordos são ignorantes: eu continuei
gordo apesar de aprender tudo sobre a obesidade na faculdade. Eu era
gordo porque eu comia muito, e meu cirurgião me ajudou a fazer algo que
não conseguia por conta própria.
Alguns pacientes realmente precisam ser lembrados de que seus pesos
estão aumentando, porque eles consomem mais do que gastam. Outros
precisam que a gente vá além e chegue na caixa de ferramentas
antiobesidade.
* "Este artigo foi publicado originalmente na versão online do periódico Canadian Medical Association Journal (CMAJ) de 10 de abril de 2012. Republicado com a permissão do CMAJ"
Entrevista
'Depois de 25 anos tentando emagrecer, concluí que era incapaz de conseguir sozinho', diz médico canadense
Há dois anos, Ben William
pesava 145 quilos. Após 25 anos de tentativas frustradas de perder
peso, passou por uma uma cirurgia bariátrica e agora está 50 quilos mais
magro
Vivian Carrer Elias
À esquerda: Ben Williams em 2010, antes da cirurgia de
redução de peso, pesando 145 quilos. À direita: foto atual do canadense,
50 quilos mais magro
(Arquivo Pessoal)
Desde que era criança, Ben Williams sofria com o excesso de peso. Sua
história seria mais uma entre tantas, se Williams não fosse médico e se
não tivesse a exposto nesta semana, no periódico da Associação Médica
Canadense. Algo raro para um médico,
Ben escreveu um artigo relatando sua trajetória e as dificuldades que um obeso enfrenta na tentativa de emagrecer — e permanecer assim.
Como o próprio Williams relata, toda vez que se vê tentado a aconselhar
um paciente que deseja emagrecer a 'comer menos e se exercitar mais',
lembra-se de que esse tipo de conselho não foi útil para ele quando
enfrentava a obesidade. Seu enredo é parecido com o de muita gente:
sabia tudo sobre dietas e por várias vezes conseguia emagrecer, mas não
era capaz manter o novo peso por muito tempo. Ao entrar na faculdade de
medicina, onde não era nada comum ser obeso, Williams teve contato com
várias informações sobre os danos da obesidade ao corpo. Também foi ali
que conheceu um professor que veio a ser o médico que realizou sua
cirurgia de redução de peso.
Ele chegou a pesar 145 quilos quando decidiu fazer a cirurgia
bariátrica, no dia 27 de maio de 2010, apenas um dia depois de sua
formatura em medicina na Universidade da Columbia Britânica. Atualmente,
o canadense de 33 anos pesa 95 quilos e está no segundo ano de
residência de medicina de família na mesma instituição. Em entrevista ao
site de VEJA, Ben Williams fala sobre como a obesidade mudou sua
relação com os pacientes e as principais mudanças em sua vida após ele
ter se tornado um médico com o peso ideal.
Como ter passado pela obesidade ajuda a sua relação com pacientes que sofrem com o esse problema?
Uma consulta é sobre o paciente, e não sobre mim. Então, quando atendo
alguém, procuro não falar sobre a minha experiência, mas me concentrar
em seu caso e buscar a melhor maneira de usar a ciência a seu favor. Mas
eu valorizo a minha trajetória, acredito que ela abre janelas que me
ajudam a tomar certas decisões em relação ao paciente.
Quais decisões? Sei que não é tão simples dizer a uma
pessoa obesa para comer menos e se exercitar mais — embora isso seja
tentador — pois quando eu tinha o problema esse conselho não funcionava
para mim. Esse conselho deve ser dado, mas eu busco ser o mais
específico possível para aquele indivíduo, ou seja, adaptar esses
conselhos para a rotina de cada um. Por exemplo, se o único exercício
que um paciente faz é andar do carro até o trabalho, eu sugiro que ele
estacione o mais longe que puder para que se force a caminhar. O ideal
também é que uma pessoa sedentária comece aos poucos, com algumas
atividades por semana, para depois intensificá-las.
Você acredita que ter entrado na faculdade de medicina foi fundamental para você ter emagrecido?
Antes de entrar na universidade, eu tinha muitas informações sobre o
que deveria ou não comer, sabia que precisava me exercitar e que a
obesidade é ruim para a saúde, assim como eu tinha consciência de que
fumar também era prejudicial. Eu fumava e consegui largar o cigarro
sozinho, mas não fui capaz de deixar de ser gordo sozinho. Eu aprendi
muito mais coisas nas aulas de medicina, especialmente sobre os
prejuízos do problema para a saúde em relação a todo o corpo: cérebro,
coração, fígado, intestino e etc. Porém, acredito que a diferença de ter
entrado na universidade, e a minha sorte, foi ter encontrado um
professor de cirurgia que também realizava a cirurgia bariátrica. Foi
para ele que eu liguei pedindo para ser seu paciente e passar pelo
procedimento, e ele aceitou.
O que te levou a tomar essa decisão? Acho que eu
estava cansado de trabalhar tão duro para perder peso e depois
recuperá-lo tudo de novo. Depois de 25 anos da minha vida tentando
emagrecer, concluí que eu simplesmente não tinha capacidade de conseguir
isso sozinho. Além disso, eu estava com medo das consequências da
obesidade para a minha saúde física.
Por que é tão difícil emagrecer? Ganho e perda de peso
é algo complicado e envolve genética, ambiente e comportamento. Hoje em
dia as pessoas são mais sedentárias do que eram há cem anos, tanto no
trabalho quanto em casa, e os alimentos calóricos estão cada vez mais
acessíveis e baratos. Mas não está claro. Há uma ciência emergente sobre
os fatores que envolvem a obesidade, e talvez essas respostas venham à
tona e ajudem nos tratamentos. Tudo o que sei é que, quando eu fumava e
antes da cirurgia, o meu desejo de ir a um restaurante e comer muito era
mais forte do que a minha vontade de fumar um cigarro.
Em seu artigo,
você diz que, antes de fazer a cirurgia, era bom em perder peso, mas
não era capaz de mantê-lo. Quais eram as principais dificuldades em
manter o peso? Eu passei pela trajetória típica de uma pessoa
com sobrepeso: me empenhava em fazer dieta e atividade física, conseguia
emagrecer, mas não era capaz de manter o que havia conquistado. E,
depois, não só voltava aos velhos hábitos e ao meu peso antigo, mas
ganhava ainda mais alguns quilos. O meu problema não era o que eu comia,
e sim a quantidade. Eu gostava de comer muito e o tempo todo. Ainda
assim, eu gostava de me exercitar, mas a minha saúde física não permitia
que eu fizesse muitas atividades sem que eu sentisse dores. Não culpo
ninguém e nem nada para o fato de eu não ter conseguido emagrecer
sozinho, apenas a minha falta de capacidade de seguir em frente com uma
dieta.
Seguir dietas não fez com que você alcançasse seu objetivo. Você acredita que dietas nunca funcionam para pessoas obesas? Acredito
que não há evidências consistentes que indiquem que uma determinada
dieta ajude pessoas obesas a perder muitos quilos, embora existam muitas
pessoas que conseguiram emagrecer muito e manter o peso novo, o que é
algo muito bom. Essa é a maneira mais saudável de superar a obesidade,
mas eu não fui um dos indivíduos que conseguiu o resultado por esse
caminho. Eu não recomendo dietas particulares, como aquelas com baixa
ingestão de carboidratos ou de gordura. Para mim, o fator mais
importante para tornar alguém saudável são as atividades físicas, mais
do que dietas.
Você recomendaria a cirurgia bariátrica para seus pacientes? Apenas para alguns. Penso que um paciente, para passar por um processo como esse, deva ter ao menos um IMC maior do que 40 (
clique aqui para calcular seu IMC).
Ele deve ter esgotado todas as possibilidades e tentativas para perder
peso, como dietas alimentares, prática de atividade física, participação
em grupos de emagrecimento. Essa pessoa deve demonstrar-se capaz de
seguir instruções de médicos e ter disciplina para comparecer às
consultas após a cirurgia. O procedimento não serve para todos. Há
pessoas que, mesmo obesas, estão impedidas de fazê-lo por motivos de
saúde.
O que mudou na sua vida após você ter se tornado magro?
Antes, eu tinha pressão e colesterol altos, quadros pré-diabéticos e
era tão pesado que não conseguia me exercitar o tanto quanto gostaria
pois sentia dores. Esses problemas essencialmente se resolveram. Eu
passei a ter um estômago de tamanho menor, então, mesmo que eu queira,
eu não consigo comer tanto quanto estava acostumado, então é mais
difícil retornar ao peso que eu era antes. E pelo fato de estar mais
magro, consigo me exercitar mais. Eu sempre gostei de praticar
atividades físicas, mas não conseguia antes.
Além disso, eu não sou mais aquele médico gordo, mas sim sou um médico
como qualquer outro. Eu era diferente, e por isso todos sabiam o meu
nome no hospital. Hoje em dia, não é incomum me confundirem com outro
jovem médico e, para mim, trocarem o meu nome é algo muito bom. De
maneira geral, sou muito mais feliz. Me sinto mais confortável em
comprar roupas em lojas comuns e consigo correr e interagir junto com
meus filhos. Se eu continuasse com meu peso anterior, isso não
aconteceria.
Você tem três filhos pequenos. Como sua mudança de vida influencia na educação de seus filhos?
Meus filhos, de quatro, seis e sete anos, sabem que o pai deles era
gordo e agora não é mais, e entendem que eu me preocupo com a
alimentação da nossa família e que todos nós nos exercitemos muito. Na
minha casa, estabelecemos alguns hábitos saudáveis, como comer frutas e
legumes antes da refeição principal e passar o maior tempo possível em
atividades ao ar livre.
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