OBSERVAÇÃO IMPORTANTE:

Os textos a seguir são dirigidos principalmente ao público em geral e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes de cada assunto abordado. Eles não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores às informações aqui encontradas.

Mens sana in corpore sano ("uma mente sã num corpo são") é uma famosa citação latina, derivada da Sátira X do poeta romano Juvenal.


No contexto, a frase é parte da resposta do autor à questão sobre o que as pessoas deveriam desejar na vida (tradução livre):

Deve-se pedir em oração que a mente seja sã num corpo são.
Peça uma alma corajosa que careça do temor da morte,
que ponha a longevidade em último lugar entre as bênçãos da natureza,
que suporte qualquer tipo de labores,
desconheça a ira, nada cobice e creia mais
nos labores selvagens de Hércules do que
nas satisfações, nos banquetes e camas de plumas de um rei oriental.
Revelarei aquilo que podes dar a ti próprio;
Certamente, o único caminho de uma vida tranquila passa pela virtude.
orandum est ut sit mens sana in corpore sano.
fortem posce animum mortis terrore carentem,
qui spatium uitae extremum inter munera ponat
naturae, qui ferre queat quoscumque labores,
nesciat irasci, cupiat nihil et potiores
Herculis aerumnas credat saeuosque labores
et uenere et cenis et pluma Sardanapalli.
monstro quod ipse tibi possis dare; semita certe
tranquillae per uirtutem patet unica uitae.
(10.356-64)

A conotação satírica da frase, no sentido de que seria bom ter também uma mente sã num corpo são, é uma interpretação mais recente daquilo que Juvenal pretendeu exprimir. A intenção original do autor foi lembrar àqueles dentre os cidadãos romanos que faziam orações tolas que tudo que se deveria pedir numa oração era saúde física e espiritual. Com o tempo, a frase passou a ter uma gama de sentidos. Pode ser entendida como uma afirmação de que somente um corpo são pode produzir ou sustentar uma mente sã. Seu uso mais generalizado expressa o conceito de um equilíbrio saudável no modo de vida de uma pessoa.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Mens_sana_in_corpore_sano


domingo, 2 de dezembro de 2012

O Peso da Obesidade: O Excesso de Peso como Sintoma


Resumo: A presente pesquisa trata do assunto da obesidade, com o objetivo de discutir sobre os aspectos psicológicos presentes na pessoa com excesso de peso, mostrando a relação entre o excesso de peso, os aspectos culturais e os aspectos emocionais ligados ao comportamento alimentar. Este trabalho deixa de lado o campo médico e clinico do tratamento da obesidade para buscar um entendimento do excesso de peso pela ciência psicológica e também com enfoque psicanalítico, onde a obesidade é vista como reflexo de sintomas psicológicos que podem ser formados pelo inconsciente como forma de resistir às pressões das pulsões e angústias vividas pelo indivíduo durante seu desenvolvimento psíquico.
Palavras-chave: Obesidade. Compulsão. Objeto. Psicanálise
Para além do corpo biológico e da fome fisiológica, existe um corpo que demanda, mas não se sacia. (CRISTIANE SEIXAS, 2009)
Não é difícil perceber que quase todos os materiais que abordam a obesidade referem-se a ela como epidemia do século ou ainda como um grave problema de saúde publica. Realmente é visível o progressivo crescimento da obesidade na população mundial. Mas o que se percebe ao olhar com mais atenção para as pessoas que apresentam problemas com o excesso de peso, é que elas não estão felizes.
O que fez despertar o interesse sobre o tema da obesidade foi a escassa disponibilidade de referencial bibliográfico com enfoque nas questões psicológicas que acarretam a obesidade. Outro motivo foi a compreensão de que são os próprios conflitos desenvolvidos pelo ser humano desde sua concepção, e principalmente na sua infância, que podem desencadear a construção de um corpo obeso.
Esse corpo obeso pode ter incontáveis significados que o indivíduo carrega dentro de si sem ao menos dar-se conta disso. E a investigação do espaço interno à procura das verdadeiras razões de “ser” de cada indivíduo é um caminho que a psicanálise ajuda a trilhar.
Esta pesquisa deixa de lado o campo médico, e clinico do tratamento da obesidade, e propõe através de revisão bibliográfica sobre o tema, promover a visão da obesidade como representante de um estado de doença e sintoma. Será exposta a relação mente-corpo na formação de sintomas e que, a relação de um indivíduo com seu corpo está além da noção de um corpo biológico. Sobretudo, o objetivo maior é pesquisar sobre como a obesidade pode ser articulada à concepção psicanalítica de formação de sintomas.
A obesidade será vista aqui como resultado da alimentação exagerada que pode ter, por trás dela, motivos desassociados da alimentação como forma de sobrevivência. Esse apetite exagerado representa muitas vezes, os papéis distorcidos que a comida alcança na vida de pessoas que sofrem com a obesidade.
O que se pode constatar, é que para alguns indivíduos, o alimento se transforma ao longo da vida, em objeto das relações dessas pessoas. A conseqüência dessa relação é que o alimento perde seu papel essencial de nutrição, e passa a servir como instrumento que alivia os momentos de ansiedade e medo.

O que é obesidade

A obesidade é considerada uma síndrome multifatorial, e de acordo com o INBIO (Instituto Brasileiro Interdisciplinar da Obesidade), nessa síndrome, a genética, o metabolismo e o ambiente interagem, assumindo diferentes quadros clínicos, nas diversas realidades sócio-econômicas.
Romaneli (2006), ressaltou que para a OMS (Organização Mundial de Saúde), a obesidade é o acúmulo excessivo de tecido adiposo (gordura) no organismo, atingindo hoje, cerca de um terço da população mundial. A OMS considera a obesidade um dos dez principais problemas de saúde publica do mundo e a classifica como epidemia, sendo que suas causas são múltiplas, envolvendo fatores genéticos, metabólicos, comportamentais, emocionais, culturais e sociais, suscitando a atenção de profissionais de diversas áreas, e embora a diferença entre a normalidade e o excesso de peso seja arbitrário, é prudente considerar como medida o quanto à saúde física e psicológica são afetadas e a expectativa de vida é reduzida em função do aumento do peso.
Mascarenhas (1985), constatou que das pessoas que sofrem com algum tipo de obesidade, 2% derivam de causas endocrinológicas, outros 8% são diabéticos e não produzem insulina no organismo suficiente para metabolizar os alimentos. Existem também aproximadamente 10% de pessoas com tendência genética a obesidade, portanto herdam a gordura de seus antepassados e provavelmente mais uns 10% que são obesos na vida adulta por terem sido crianças gordas [1]. E ainda pode-se contar 10% que desenvolvem a obesidade por aspectos culturais sejam esses aspectos hábitos familiares, sociais ou étnicos.
Assim, os dados acima descrevem as causas de 40% das pessoas com problemas de obesidade, restam 60% das pessoas obesas que certamente desenvolveram esse problema devido a causas emocionais. Ainda de acordo com Mascarenhas (1985), dizem os médicos que as pessoas engordam apenas por comerem em excesso ou porque descontam suas ansiedades, carências e depressões na comida, mas nem sempre consegue-se explicar porque que esses problemas levam as pessoas a comerem demais.
A falta do entendimento clínico do porque a pessoa obesa come demais mesmo que lhe traga sofrimento e complicações, se torna um impasse na experiência clinica, de acordo com Seixas (2009), variados métodos são utilizados para diagnosticar, e estabelecer tratamentos da obesidade, e que a maioria destes métodos está baseada em critérios científicos e fisiológicos estabelecendo, na maioria das vezes, um tratamento baseado em dados objetivos, desprezando os fatores subjetivos que possam interferir nesses resultados.
De um modo geral, a abordagem da obesidade está alicerçada no binômio saúde-doença, e busca através do emagrecimento o restabelecimento de um estado em que a saúde é associada ao corpo magro. Para Seixas (2009), a vinculação do binômio é marcada pela idéia recorrente de que a doença principal é a obesidade, e que ela é que desencadeia outras doenças associadas, chamadas comorbidade. A conseqüência dessa perspectiva é o crescimento de atitudes e crenças naturalizadas tanto no meio médico como no social, de que o obeso não emagrece por preguiça, desleixo ou falta de “força de vontade”.
Cataneo (2005), por sua vez, mencionou que os aspectos psicológicos ligados à obesidade também devem ser levados em conta, visto que os casos de obesidade causados por patologias endócrinas ou genéticas bem definidas, constituem um percentual muito pequeno.
Ainda que a intenção dessa pesquisa não seja promover o aspecto orgânico da obesidade, é necessário uma rápida explicação de sua classificação clinica. Seixas (2009), explica que a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO), utiliza o sistema de classificação por Índice de Massa Corporal (IMC) calculado segundo a fórmula IMC = peso (kg)/altura (metros). Os valores de referência apresentados seguem a descrição abaixo:
Classificação IMC                            (kg/m²)                                   Risco de Comorbidade
Baixo peso                                       < de 18,5                                 Baixo
Normal                                            18,5 - 24,9
Sobrepeso                                        25 - 29,9                                  Aumentado
Obesidade Classe I                             30 - 34,9                                  Moderado
Obesidade Classe II                            35 - 39,9                                  Grave
Obesidade Classe III                           > 40                                        Muito grave
O Índice de Massa Corporal, descrito acima é um cálculo matemático onde divide-se o peso do paciente (em quilos) pelo quadrado da sua altura (em metros). Uma pessoa com IMC até 25 é considerada normal, acima desse valor a pessoa é considerada obesa.
Kahtalian (1992), acrescenta que a obesidade simples é incluída na Classificação Internacional de Doenças (CID) como condição médica geral, não aparecendo no DSM-IV porque não foi estabelecida associação consistente com síndrome psicológica ou comportamental.
Entretanto, quando existem evidências da participação de fatores psicológicos na etiologia ou curso de determinado caso de obesidade, isto pode ser indicado anotando-se a presença de fatores psicológicos que afetam a Condição Médica.

Um breve histórico sobre alimentação e obesidade

A obesidade vem alcançando na atualidade muita amplitude por significar um problema que afeta boa parte da população mundial, no entanto, a obesidade acompanha a humanidade desde as sociedades pré-históricas. Tanto que assim como ressaltou Seixas (2009), as representações artísticas da época de 25.000 anos a.C. já faziam referencia a corpos volumosos [2] . E que a obesidade e sua evolução esta intimamente ligada ao contexto social em que aparece, pois é profundamente marcada por significações culturais.
A autora afirma ainda, que a história da alimentação remete a uma sociedade que se expressa através dos hábitos alimentares, e que a atual configuração da obesidade foi influenciada diretamente por mudanças culturais, políticas e econômicas das sociedades.
Dessa forma, vale destacar os sentidos diversos da alimentação durantes os anos. Flandrin e Montanari (1998), concluíram que na Grécia, o principal aspecto da alimentação era a importância dada ao banquete por sua estreita ligação com o processo de reprodução do corpo social, pois definia a condição de humano e diferenciava os gregos das demais sociedades. Assim como os gregos, os antigos egípcios associavam a preservação da saúde à quantidade de comida ingerida.
Seguindo a evolução dos tempos, Mazzini (2000), acrescenta que na Idade Média essas exigências passam a definir as classes sociais a que cada pessoa pertence, pois a sociedade cristã ajudou na proliferação das orientações alimentares e do seu impacto social, quando associou a comida ao pecado da gula.
Flandrin e Montanari (1998), afirmam que foi nos séculos XVII e XVIII, que as elites permitiram um afrouxamento nas regras alimentares favorecendo a entrada de novos alimentos no cardápio, e também uma busca pela satisfação do gosto em detrimento da boa saúde, associando ao gosto do alimento um valor estranho, ou seja, um sentido figurado para discernir o comestível do não comestível [3] .
Continuando a seguir o raciocínio de Flandrin e Montanari (1998), na passagem do século XVIII ao século XIX, houve o crescimento demográfico, o desenvolvimento das cidades e a industrialização, além da ampliação dos mercados e a conquista de novas terras. Tais fatos fizeram surgir na figura da burguesia ascendente, a gordura como símbolo de riqueza e distinção social.
É desde a antiguidade também que se preocupa com o excesso de peso. Tanto que um dos primeiros cientistas a encarar a obesidade como doença, de acordo com o INBIO (Instituto Brasileiro Interdisciplinar da Obesidade), foi Hipócrates que divulgou em seus estudos que a morte súbita atingiria mais facilmente os gordos do que os magros, e também que as mulheres gordas são menos férteis que as magras.
De acordo com Sobreira (2008), Galeno, o maior médico da antiguidade, identificou e descreveu dois tipos de obesidade: a moderada, uma forma natural de gordura; e a imoderada, uma forma patológica. Já os Romanos viam o obeso uma pessoa boba ou de má índole. A medicina já reconhecia a obesidade como doença, porém a desprezava.
No entanto, de acordo com Seixas (2009), a obesidade começou a ter maior relevância no panorama médico a partir dos anos de 1980, em função dos elevados gastos nos tratamentos das doenças associadas à obesidade e ao sobrepeso.
Independentemente de fatores biológicos ou hereditários, o importante é que nunca o ser humano teve tanto acesso a alimentos como acontece atualmente. Junto com a disponibilidade de alimento, está a procura do ser humano pelo prazer. Uma vez que o ato de comer está associado à sensação de prazer, o individuo acaba comendo mais do que necessita. E desta forma indivíduos que perdem o controle quando começam a comer, tornam-se comedores compulsivos, desenvolvem a obesidade assim como diversos transtornos alimentares, e precisam de ajuda para superar essa dificuldade.

A obesidade como reflexo de um sintoma psicológico

A obesidade pode ser considerada uma doença epidêmica de conseqüências comprometedoras tanto para a saúde física quanto para a saúde mental. Este distúrbio revela desordens físicas e psíquicas que se manifestam através do corpo. Assim, a obesidade nos deixa conhecê-la como uma manifestação de doença e sintoma.
Kahtalian (1992), declarou que na década de 30 a obesidade era incluída somente dentro dos distúrbios das glândulas endócrinas [4], e foi a partir das décadas de 40 e 50, que a aproximação com a questão psicológica começou a receber maior ênfase, e mais recentemente é que os fatores emocionais começaram a ter importância para os profissionais que lidam com o excesso de peso.
Declarou também, que quando se fala em fatores psicológicos, as pesquisas se voltam para a influência da cultura, ambiente, história familiar, estrutura de personalidade e o inconsciente [5] das pessoas com excesso de peso. Contribuindo para o entendimento dos fatores de personalidade que podem conduzir ou manter o excesso de peso. No entanto, o exato mecanismo pelo qual alguns destes fatores contribuem para o excesso de peso, ainda não foi claramente explicado.
Alguns autores questionam a relação entre excesso de peso e distúrbios psicológicos. Entre eles podemos citar Mustagoki (1987 apud ESTEVES, 2009), que argumenta que os estudos feitos sobre o assunto são realizados a partir de sujeitos que estão em tratamento ou que passam por consultas psiquiátricas. Quando os pacientes de outras especialidades da medicina e da área nutricional são estudados, os resultados se modificam.
Esta relação também é questionada no artigo de psicopatologia e obesidade feito por Wadden e Stukard (1987 apud ESTEVES, 2009), que reforça a percepção de que as psicopatologias são comuns entre obesos. Contudo, investigações recentes vêm demonstrando que os distúrbios psicológicos são mais freqüentemente ligados às conseqüências da obesidade do que às causas.
Esses estudos expressam que as pessoas com excesso de peso podem experimentar dificuldades emocionais que não são mensuradas por testes psicológicos. Tais dificuldades podem se relacionar com questões específicas tais como frustrações pelo excesso de peso ou solidão, devido ao abandono de amigos por não entenderem o seu problema, e que estas dificuldades podem acarretar alguns distúrbios emocionais.
Pensando sobre a questão do indivíduo obeso estar em contínuo sofrimento psíquico ao ter que enfrentar problemas como a frustração, o abandono, a solidão e a incompreensão, chega-se ao questionamento do porque o indivíduo continua com o comportamento de consumo exagerado de alimentos se é exatamente esse o motivo que desencadeia o seu sofrimento.
Tentando responder a questão acima é possível considerar o que Dalgalarrondo (2008), explica sobre a obesidade ser uma condição complexa no ser humano, e que na pessoa obesa existe uma disfunção dos mecanismos de saciedade e que o obeso não come de forma precipitada ou voraz, mas que ele come de forma continua enquanto houver comida disponível não sendo capaz de parar de comer.
Segundo Esteves (2009), indivíduos com excesso de peso, em função de sua conduta impulsiva frente à comida, apresentam diferentes maneiras de fazer contato com a realidade devido às dificuldades de obter insight [6] reais e mecanismos de defesa especiais, e por isto, podem ser incluídos dentro das psicopatias.
Para Berg (2008), do ponto de vista psicológico, a obesidade é uma expressão física de um desajustamento emocional. Pessoas obesas podem utilizar a alimentação compulsiva como meio para lidar com seus problemas internos. Um perfil psicológico comum presente em muitos casos de obesidade inclui características como: auto-estima baixa, carência afetiva, insegurança, autopiedade, ausência de autocontrole, vergonha, não aceitação do problema, temor de não ser aceito ou amado, culpa, desamparo, intolerância, passividade e submissão, o que a pessoa pensa sobre si mesma e como internaliza a opinião alheia, entre outros.
Para Dalgalarrondo (2008), o obeso é descrito classicamente, do ponto de vista emocional como uma pessoa imatura e muito sensível a frustração, ou seja um indivíduo que recorre à comida como forma de compensação do afeto que carece e que sente que nunca recebe o afeto da maneira que merece.
Outro aspecto que o autor defende é que o obeso é alguém que tem sua sexualidade fortemente reprimida, ou que utiliza obesidade como defesa de seus impulsos sexuais, ou ainda um indivíduo que utiliza a obesidade como defesa contra a frustração e contra a exposição aos relacionamentos sociais. De um modo geral, os obesos têm a auto-estima muito baixa e sentem que as outras pessoas o desprezam.
Um ponto relevante para esta pesquisa é o fato de que os obesos têm dificuldade em gerenciar a fome e a distingui-la de sensações desagradáveis como desconforto, ansiedade. De um modo geral classifica qualquer mal-estar falsamente como fome, talvez por fazer a ligação da comida com o objeto que nutri e logo conforta as sensações desagradáveis, ao mesmo tempo que remete inconscientemente ao amparo materno.
Seixas (2009), descreve que a pessoa gorda não é simplesmente alguém que nasceu com apetite enorme e só pensa em comer. Pensar assim decorre em uma visão superficial dos fatos que descreve o aparente, mas não descreve o que está implícito nas atitudes das pessoas. Leva em conta apenas os efeitos e não busca as causas. É preciso perceber que a obesidade cria uma enorme carga psicológica, e que esta carga pode ser o maior efeito adverso da obesidade, visto que a literatura mostra que a obesidade está relacionada a fatores psicológicos como o controle, a percepção de si, a ansiedade e o desenvolvimento emocional.
Para Serra (2006), a obesidade pode ser conseqüência de severas perturbações no comportamento alimentar, e deve ser caracterizada como um transtorno alimentar que constitui uma manifestação bio-psico-social influenciada por diversos aspectos em que o ser humano é envolvido. Dentre esses aspectos cita: a genética, o estresse, a baixa auto-estima, a pressão cultural para uma forma corporal magra, a exposição a comportamentos disfuncionais relativos a alimentação, as dificuldades nas relações interpessoais, e ressalta que esses aspectos conjugados a outros aspectos particulares do individuo resultam na instalação e manutenção desse tipo de transtorno.
Além dessas características expostas acima, para Dalgalarrondo (2008), é possível dizer ainda que o obeso eventualmente apresente também transtornos emocionais como depressão e ansiedade, e distúrbios orgânicos como os cardiológicos, hidroeletrolíticos e dentários, que associados as conseqüências do transtorno alimentar podem levar até a morte do portador.
A obesidade pode estar ligada á compulsão alimentar, visto que apresenta episódios freqüentes de consumo descontrolado de alimentos. Serra (2006), informa que o transtorno da compulsão alimentar [7] tem sido descrito atualmente pela literatura pela sua característica de episódios recorrentes da compulsão alimentar, onde uma quantidade grande de alimento é consumida em tempo curto, não satisfazendo porém, critérios de dieta excessiva e preocupação excessiva com forma e peso corporais.
A compulsão alimentar será discutida mais a frente nessa pesquisa. O que se pretendeu neste primeiro capitulo, foi demonstrar o quanto a obesidade insere-se em uma relação muito íntima com os conflitos psicológicos que uma pessoa com excesso de peso apresenta. No capítulo seguinte, a intenção é apresentar os possíveis sentimentos e significados em que o alimento e o ato de se alimentar podem se assumir na vida da pessoa obesa.

O Alimentar-se e seus Significados

Parte-se do pressuposto de que para todos os animais o ato alimentar é fundamental para a nutrição e a manutenção do corpo. No entanto, para o homem, durante o curso natural de sua vida, o alimento pode assumir sentidos e significados que se colocam muito além da simples nutrição.
Romaneli (2006), ressaltou que o comportamento alimentar do homem deveria manter sua principal função, que é a de matar a fome. No entanto, se o ato de saciar a fome é natural, as práticas alimentares, não são naturais, mas situam-se na esfera dos sistemas simbólicos, e relações sentimentais que cada pessoa cria ao se alimentar. É como se, em torno do alimento, cada indivíduo conseguisse elaborar suas próprias regras fundadas tanto no senso comum, em preceitos religiosos, em conhecimentos médicos, quanto no contexto cultural e familiar em que vivem. E esse comportamento, pode constituir-se na maioria das vezes, em atividades sociais e construir representações de si próprio através dos hábitos alimentares.

Significado cultural do alimento

O ato de se alimentar é essencial para a sobrevivência do ser humano, é uma prática complexa que ultrapassa o comer em si, contemplando, assim, além dos aspectos biológicos e psicológicos, os fatores históricos, sociais e culturais. Dos Anjos (1983), lembrou que o homem em sua luta pela sobrevivência sempre buscou o alimento. Porém no decorrer dos tempos, a humanidade tornou-se escrava da comida e o ato da alimentação passou a significar mais que um ato instintivo e fisiológico, e se tornou cultural.
Comer é o início da socialização, e para Carneiro (2005), o costume alimentar pode revelar inúmeras características de uma civilização, desde seus costumes sociais, políticos e econômicos até seus critérios morais na organização da vida cotidiana. Historicamente, o significado mais conhecido do alimento foi o comercial. Os alimentos tinham valor econômico nos intercâmbios e sistemas de troca que antecederam a criação da moeda. Outro significado marcante para o alimento é o religioso, pois cada religião trata de forma especifica o ato alimentar.
Para Braga (2004), o comportamento alimentar liga-se diretamente ao sentido que conferimos a nós mesmos e à nossa identidade social. Alimento é algo universal e geral, ajuda a estabelecer uma identidade, definindo, por isso mesmo, um grupo, classe ou pessoa. O que se come, quando, com quem, por que e por quem é determinado culturalmente, transformando o alimento (substância nutritiva) em comida. É a comida de criança, comida de domingo, comida de festa etc. Assim fica claro que o ato de comer não é apenas uma mera atividade biológica, a comida e o comer são, acima de tudo, fenômenos sociais e culturais.
É possível dizer, que o ser humano deixou de comer para sobreviver e passou a apenas comer. O alimento acompanha as pessoas em todos os momentos, as famílias se reúnem em torno do alimento,e ele é indicador de bem receber as pessoas, é item obrigatório nos cinemas e acompanhante agradável para assistir televisão.
É como se as pessoas deixassem de se relacionar com outras pessoas para se relacionarem com a comida. O alimento se tornou companheiro das alegrias, sofrimentos e vitorias. O ato da alimentação perdeu o significado de nutrir, de salvar, de manter a vida e ganhou significados os mais diversos possíveis, e os mais distorcidos possíveis, chegando a destruir as relações entre os seres humanos, deformar imagens corporais e confundir processos mentais.

Significado afetivo do alimento

O homem nasce com o instinto de liberdade, sem idéia de regras de conduta ou qualquer outra, porem, ao nascer é automaticamente inserido em um mundo complexamente organizado. Esse mundo não se adapta ao homem, é o homem que tem que se adaptar ao mundo novo. De acordo Belmonte (1986), geralmente o homem encontra dificuldades em se adaptar ao que o mundo e a sociedade proporcionam, e desenvolve mecanismos de compensação para encontrar formas primarias de prazer. E o alimento é a fonte mais próxima de prazer primário, visto que foi o primeiro contato do homem com o mundo externo.
Ou seja, na infância o individuo é submetido a muitas exigências do meio em que vive, dos integrantes da família e dos meios de comunicação. Após já ter percebido que sua principal fonte de amor é a mãe, sempre que se sente pressionado pelo meio externo, sai em busca do vínculo materno, vínculo este que faz mais sentido para o indivíduo através do alimento.
Porque desde o nascimento o alimento é associado com sensações de prazer, alegria relaxamento e conforto. Uma criança recém-nascida sente uma sensação desagradável, traduzindo-se em dor física quando sente fome. Esta criança chora, porque essa sensação é expressa através do choro. Quando recebe o alimento a sensação desagradável, de dor, é eliminado e substituído por uma sensação de prazer e conforto. Associa-se também uma sensação de aconchego e carinho durante a amamentação, onde existe o contato físico com a mãe.
Desta forma, é no ato de alimentar-se que o indivíduo sente inconscientemente que está seguro. Depois de encontrar no alimento o amor, o individuo na infância encontra também uma forma de comunicar-se com o outro ou ainda de manifestar suas vontades e de contestar as regras vindas do meio.
Assim como escreveu Senise (1982), na hora da alimentação a criança vê a oportunidade de desafiar os pais tanto não comendo o que lhe é imposto, quanto comendo em excesso. Ou ainda percebe também uma forma de agradar os pais ao comer a quantidade e o tipo de alimento que eles oferecem. É como se usasse o alimento, como um meio de dialogar, talvez porque ainda não aprendeu a falar, ou se já aprendeu não se deu conta da importância da comunicação verbal. Então o alimento é uma maneira de contestação, em muitos casos contra a imposição de critérios que não se quer aceitar.
Fato comum é que a maioria das famílias, tem uma excessiva preocupação com a alimentação da criança e a alimentam de forma exagerada, criando um hábito alimentar que pode se perpetuar. Keppe (2005), acrescenta que às vezes, a alimentação é recompensada e elogiada de forma acentuada, criando na criança uma sensação de bem estar e afetividade associada ao alimento. Portanto, o alimento está associado ao afeto e, muitas vezes, quando buscamos afeto, buscamos também algum alimento, fazendo esta associação de forma inconsciente. Quando a pessoa não tem o afeto desejado, ela pode buscar este afeto através do alimento, muitas vezes sem se dar conta.
Enfim, para Belmonte (1986), são inúmeros os exemplos em que o indivíduo se apóia na comida para se sentir seguro em suas relações sociais. Mas o principal e talvez mais perigoso significado do alimento para o homem, é ver na comida a solução para os conflitos, para o demasiado sofrimento, e buscar na alimentação o meio de se proteger das exigências do mundo.

Distorções nos significados do alimento

A comida está muito ligada às emoções, uma vez que o inconsciente registra aprendizados de toda a vida e já nos primeiros dias de vida durante a amamentação, por exemplo, o olhar da mãe para o filho transmite segurança e proteção. Para a UNAEE (União Nacional de Apoio ao Equilíbrio Emocional), se por algum motivo essa vivência for conturbada, existe a chance de marca a vida adulta e contribuir para o desenvolvimento de um quadro de compulsão alimentar.
Perturbações na alimentação podem ser interpretadas como perturbações no estabelecimento de vínculos. Berg (2008), explicou que a principal fonte de amor do indivíduo é a relação que teve com a mãe na infância, e o indivíduo transpõe essa lógica para a vida adulta, como um modelo para vínculos futuros, possibilitando assim que o comer seja atividade de sobrevivência, de prazer e de estabelecimentos de novos laços sociais. Essa ligação acontece, pois assim como bem descreveu Freud, a fase oral revela o fato de que a primeira forma de prazer do bebê é através da boca e especificamente do ato de sugar o leite materno. A interação da mãe com o bebê e, posteriormente a interação da família com a alimentação da criança, constitui fator fundamental no surgimento de alguns casos de obesidade.
Desta forma é possível ressaltar que o alimento se transforma para o homem em um objeto carregado de significados simbólicos e puramente afetivos, que permite a projeção de estados emotivos e servindo de anteparo defensivo para as fraquezas e frustrações humanas, assim como relatou Senise (1982, p. 25):
Constitui-se mesmo num verdadeiro símbolo de independência, uma vez que garantiria uma autonomia, simbolizada por uma fortaleza representada pelo excesso de peso. Seria, portanto, um símbolo de proteção contra as agressões de toda espécie.
Para Dos Anjos (1983), a pessoa pode estar buscando no alimento uma fuga às suas angústias. E estas dificuldades podem ter se originado na infância, quando começa a diferenciar os alimentos, associando-os a erros alimentares e conflitos internos. Se a criança se sente rejeitada, por causa das exigências do meio que não consegue corresponder, pode gerar um mecanismo psicológico de compensação oral, onde de certa forma encontra um meio de aprovação no ambiente ao comer. E como a alimentação por si só não satisfaz, mas esta registrada em seu inconsciente como algo confortável, continua a comer sempre mais.
Esse comportamento pode estender-se até a fase adulta, e em estado latente, manifestando-se toda vez que a pessoa for submetida a angústias, conflitos emocionais, medo, insucesso ou frustração. Até mesmo os desajustes e fracassos financeiros podem disparar o mecanismo.
Sendo assim, o que se pretendeu neste capítulo foi apresentar alguns dos possíveis significados que permeiam o alimento e o ato de alimentar-se, e como esses fatores interagem para o desenvolvimento dos casos de obesidade. No próximo capitulo será feita a discussão sobre a compulsão alimentar.

Compulsão Alimentar

Toda experiência de aprendizagem se inicia com uma experiência afetiva. É a fome que põe em funcionamento o aparelho pensador. Fome é afeto. O pensamento nasce do afeto, nasce da fome. Afeto, do latim "affetare", quer dizer "ir atrás". É o movimento da alma na busca do objeto de sua fome. É o Eros platônico, a fome que faz a alma voar em busca do fruto sonhado. (RUBEM ALVES)
De acordo com médicos do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP, a compulsão alimentar está para ser incluída pelo DSM-IV, como uma nova categoria entre os transtornos alimentares, denominada transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP). Encontra-se no Apêndice B do DSM-IV e, até o presente estudo, é diagnosticada nos transtornos alimentares sem outra especificação.
Especifica ainda que a caracterização desse transtorno baseia-se na presença de compulsão alimentar com subseqüente angústia devido à ausência de comportamentos para eliminação do excesso alimentar. A compulsão alimentar é definida atualmente por “ingestão, em um período limitado de tempo, de uma quantidade de alimentos maior do que a maioria das pessoas consumiria num período similar, sob circunstâncias similares, com sentimento de falta de controle sobre o consumo alimentar durante o episódio”.
Estudos epidemiológicos descrevem uma prevalência de TCAP em 2% da população geral e cerca de 30% de obesos que procuram serviços especializados para tratamento de obesidade.
O DSM-IV, para diagnosticar o transtorno, requer a presença de episódios recorrentes de compulsão alimentar, sendo que um episódio de compulsão alimentar é caracterizado por ambos os seguintes critérios:
  • Ingestão, em um período limitado de tempo (por exemplo, dentro de um período de duas horas), de uma quantidade de alimentos definitivamente maior do que a maioria das pessoas consumiria em um período similar, sob circunstâncias similares;
  • Um sentimento de falta de controle sobre o episódio (por exemplo, um sentimento de não conseguir parar ou controlar o que ou quanto se come).
O alimento aparece assim, como um caminho aceitável para suportar ou superar as angústias, e a compensação oral serve para se proteger do meio, como um “escudo de alimentos e de gordura” para desviar o sofrimento causado por emoções fortes. Uma forma também de proteger o Ego que com certeza está fragilizado.
Para Azevedo (2004), a compulsão alimentar é diferente da perda de controle ao se alimentar e comer exageradamente uma vez ou outra, pois para a Psiquiatria o comer compulsivo designa um padrão recorrente e associa-se a perda de controle, e que para se caracterizar essa compulsão alimentar como doença é preciso acontecer ao menos duas vezes na semana, e que o indivíduo não sente prazer no ato da alimentação e não tem consciência das atitudes no exato momento em que acontece a compulsão.
A compulsão alimentar também é acompanhada por sentimentos de angústia subjetiva, incluindo vergonha, nojo ou culpa. Sobre isso Belmonte (1986), complementa que o indivíduo que come compulsivamente abrange dois elementos: o subjetivo (sensação de perda de controle) e o objetivo (quantidade do consumo alimentar). E o que o aspecto subjetivo da compulsão é aceito para diagnóstico do transtorno alimentar, mas para o aspecto objetivo há controvérsias em relação ao aspecto objetivo, quanto ao tamanho e à duração de uma compulsão.
Esta incerteza é refletida numa definição imprecisa da grandeza de um episódio de compulsão alimentar, sobre uma quantidade que é definitivamente maior do que a maioria das pessoas comeria e, além disso, seu critério de duração também é polêmico.
O comportamento compulsivo, principalmente o direcionado a compulsão alimentar aparece estreitamente ligado a visão de si próprio, de confusão quanto ao seu valor pessoal, falta de amor próprio. A compulsão, de acordo com Laplanche e Pontalis (2004), é a conduta levada por uma imposição interna, ou seja, um pensamento (obsessão), uma ação ou uma ação de defesa ou ainda uma seqüência complexa de comportamentos, que se não realizadas geram aumento de angústia.
É possível relacionar tal situação onde o impulso controla o indivíduo ao que Freud (1925), determinou como neurose. Já que em situação comum onde por ventura aconteça esse conflito mental, ou seja, quando os impulsos surgem na mente do indivíduo e se defronta com poderosas oposições de outros impulsos, o que normalmente aconteceria é um confronto consciente entre instinto e resistência que resultaria no repúdio do instinto, retirando assim a o direcionamento de energia (catexia), para o impulso.
Dessa forma explica o autor que na neurose, o conflito termina em resultado distinto, pois o ego (pessoa e sua auto-estima), recua no primeiro confronto com o impulso do instinto, impedindo que este mesmo impulso se torne consciente e tenha sua descarga motora natural, ao mesmo tempo o impulso retém seu direcionamento de energia integral (repressão). Esse processo foi nomeado por Freud de mecanismo de defesa.
É necessário explicar que instinto aqui aparece como o impulso à ingestão compulsiva de alimentos, e a resistência por sua vez seriam os motivos que o indivíduo afetado possa ter para não comer.

A compulsão pelo alimento

A obesidade pode se apresentar como conseqüência do transtorno do comer compulsivamente onde se obtém ganho de peso como método compensatório. Esse ato de comer compulsivo é acompanhado pela sensação de falta de controle sobre o próprio ato e também dos sentimentos de culpa e vergonha.
Berg (2008) defende que a origem e a evolução da doença têm profundas relações com questões do desenvolvimento psíquico, assim como com a influência da sociedade e da família. Para a autora, a relação entre corpo, sintoma e psique, é tratada a partir dos estudos de Freud sobre a histeria, uma vez que as idéias se tornam patológicas, após persistirem com muito vigor emocional lhe sendo negados os processos de desgaste normais.
Assim como esclareceu Gondar (2001, p.28), para Freud a compulsão por um lado remete diretamente à neurose obsessiva como resultante “[...] de um conflito psíquico e de uma luta subjetiva entre duas injunções opostas, estando o sujeito impossibilitado de escolher qualquer uma delas.”
É como se a comida ajudasse a suportar a ansiedade, comer para não pensar, pois pensar gera ansiedade, se esta comendo se esquece de todo o resto. para Dowling (1988),  o indivíduo que sofre com a obsessão alimentar, tem consciência de que este comportamento coloca a sua vida em risco e o impede de alcançar o seu desenvolvimento, e também de equilibrar o seu amor próprio, encontra-se constantemente tomado por perturbadoras mudanças de humor. Se a rotina habitual se desequilibra, o indivíduo sente que perde contato com seus sentimentos e essas alterações na sensação de bem-estar se repete na relação que mantém com o alimento.
Pode-se dizer então, que assim concretiza-se uma luta entre momentos diferentes da relação com o alimento. Ora o indivíduo se alimenta em um padrão natural de consumo, ou seja, come para sobreviver, e ora totalmente controlado pelo impulso, sente a violenta necessidade de comer sem nem saber o porquê, ou o que houve neste momento. Como se tal fato fizesse parte dele.
Os momentos livres da compulsão alimentar são rígidos, seguem um padrão pré-determinado pelo próprio indivíduo que nessas ocasiões se sente livre da sua obsessão e tem a ilusão de que a situação está sob controle, porém se surge a vontade incontrolável, nada mais importa e se rende novamente à compulsão seguida pelo sentimento de culpa. Numa tentativa de resgatar a auto-estima, pensa que talvez não tenha se prejudicado tanto. É como se, quando está triste por ser gordo, come mais ainda, porque comer gera inconscientemente, felicidade, aconchego e proteção.
Para Dowling (1988), a dificuldade de controlar o consumo de alimento geralmente está ligada à necessidade do indivíduo de controle externo, ou seja, normas rígidas de uma dieta por exemplo. Sendo assim esse indivíduo não possui naturalmente, inconscientemente o autocontrole e se não se observa constantemente, passa a comer demais e o resultado aparece no corpo, assim como o sofrimento ao se dar conta do aumento de peso.
Para encerrar este capitulo, estão as idéias de Azevedo (2004), ao que se refere à perda de controle do compulsivo alimentar. O autor comenta que a obesidade é evidentemente marcada por uma forma de evitar o mal-estar associado a sensação de fome. Nos casos mais graves a compulsão alimentar faz com que essa sensação seja abolida rapidamente sem que haja por parte do compulsivo qualquer preocupação com o gosto do alimento ou com o prazer obtido através da alimentação. O que importa é sentir-se cheio, podendo muitas vezes levar ao desenvolvimento de outras condutas compulsivas ou outras práticas compensatórias.
A comida parece ser então, repetidamente utilizada como um recurso para conter o sofrimento, sendo vivenciada imaginariamente como o objeto capaz de sanar a angústia suscitada pelo vazio incorporado. E o próprio sintoma compulsivo demonstra a impossibilidade de preenchimento, remetendo sempre a um novo movimento de satisfação.

Enfoque Psicanalítico da Obesidade

A psicanálise é o nome de um procedimento para a investigação de processos mentais que são quase inacessíveis por outro modo... (FREUD) 
Até o momento este trabalhou apresentou resumidamente, algumas inter-relações entre alimentação, aspectos culturais, valores do corpo e sentimentos aliados ao ato de comer. A partir de agora, pretende-se citar a questão da obesidade como sintoma que mostra uma lógica subjacente ao comer, com significado muitas vezes, além da necessidade de cura clinica, de um pedido implícito de socorro.
Para tanto esta pesquisa se apóia nas formulações de Cristiane Seixas em sua tese de mestrado em Ciências Humanas e Saúde, da Universidade Do Rio de Janeiro “Comer, demandar, desejar: Considerações psicanalíticas sobre o corpo e o objeto na obesidade” publicado em 2009. Nela a obesidade é tomada como objeto de estudo frente à questão do corpo que para psicanálise é entendido além da moldura corporal feita pela sociedade, mas como um corpo recortado pela linguagem e resultante da complexa operação de configuração de imagem através da instalação da alteridade, pois a importância que o corpo ganhou na atualidade tem, sem dúvida, efeitos na constituição do eu. Seja pela densidade identitária que o corpo passa a oferecer ao sujeito, seja pela impossibilidade de identificar-se a um corpo com o qual se está sempre descontente.
É importante esclarecer alguns conceitos fundamentais da teoria psicanalista antes de seguir o raciocínio proposto neste capitulo, assim descrevem-se abaixo os conceitos de:
  • Impulsão: de acordo com Laplanche e Pontalis (2004), designa o aparecimento súbito, sentido como urgente, de uma tendência para realizar tal ou tal ato, que se efetua fora de qualquer controle e geralmente sob o império da emoção;
  • Pulsão: Freud, em “Além do princípio do prazer (1920)”, situa a pulsão como o conceito-limite entre o psíquico e o somático, diferenciando-a dos estímulos externos devido a duas características: a força da pulsão que, diferentemente dos estímulos externos, é constante; e a fonte que é sempre corporal, um órgão ou uma parte do corpo. O fato dos estímulos provenientes do corpo serem ininterruptos coloca o aparelho psíquico, sob o domínio do princípio do prazer, e para manter uma homeostase cria os possíveis destinos das pulsões;
  • Fase Oral: primeira fase da evolução libidinal, na qual o prazer sexual está predominantemente ligado à excitação da cavidade bucal e dos lábios que acompanha a alimentação. Nesta fase, a nutrição fornece as significações eletivas pelas quais se exprime e se organiza a relação de objeto, onde a relação de amor com a mãe é marcada pelos significados de comer e ser comido. (LAPLANCHE e PONTALIS, 2004);
  • Objeto: a noção de objeto é encarada pela psicanálise sob dois aspectos principais: a) enquanto correlativo da pulsão onde é o que e o porque da pulsão querer atingir sua meta, um tipo de satisfação, podendo ser uma pessoa, um objeto parcial, um objeto real ou fantasioso; e b) enquanto correlativo do amor, em que se trata da relação da pessoa total, ou da instância do ego, com um objeto visado. (LAPLANCHE e PONTALIS, 2004)
  • Desejo: Freud em sua obra “Além do principio do prazer (1920), caracteriza o desejo, não pela possibilidade de satisfação, mas por aquilo que o objeto pulsional engendra na busca pela satisfação. A definição de desejo em Freud só é delineada com maior precisão no contexto da teoria dos sonhos, mas refere-se, sobretudo, à vivência alucinatória da satisfação. Essa vivência só pode ser reeditada no encontro do objeto, ou de forma mais precisa, no reencontro, dado que o objeto é desde sempre perdido. (SEIXAS, 2009).
Para Seixas (2009), a obesidade é construída por sintomas que colocam o corpo como principal depositário de tudo o que o ser humano precisa mostrar, inclusive o seu fracasso. E o ponto de vista psicanalítico sobre o tema é possível ao considerar que o corpo que padece e sofre por seu excesso de peso reflete sintomas formados pelo inconsciente e que a medicina não cura.
A autora afirma que o campo em que se dá a experiência analítica diferencia o corpo com o qual lida, do corpo da medicina. Ou seja, a verbalização do inconsciente faz o eu consistir onde a razão não está, e a construção teórica das pulsões como o conceito limite entre o psíquico e o somático formam a problemática do corpo da psicanálise por estar invariavelmente marcado pela força pulsional. [8]
O estudo psicanalítico, investiga a obesidade partindo da relação entre os conceitos e as definições de pulsão, corpo representado [9] e função materna, pois de acordo com Berg (2008), a visão psicanalítica não se restringe a um padrão objetivo de corpo obeso concreto (como acontece na medicina).
Em outras palavras, a psicanálise defende que a origem e a evolução da doença têm profundas relações com questões do desenvolvimento psíquico, assim como com a influência da sociedade e da família. Para a autora, a relação entre corpo, sintoma e psique, é tratada a partir dos estudos de Freud sobre a histeria, uma vez que as idéias se tornam patológicas, após persistirem com muito vigor emocional lhe sendo negados os processos de desgaste normais.
Dos Anjos (1983), entende que a obesidade como uma manifestação de neurose, é sempre ligada a ansiedade, depressão e sentimento de culpa, pois os mecanismos psicológicos distorcem os mecanismos cerebrais da culpa e o indivíduo nem chega a apresentar sensação natural de fome, e come exageradamente por uma implicação psicológica.
É interessante pensar sobre a obesidade levando em consideração que os obesos podem possuir inúmeras maneiras de pensar sobre o objeto alimento. E também tentar entender a dinâmica de preenchimento a que os obesos estão ligados, ou seja, como se a ingestão de alimentos fosse uma forma de estar constantemente preenchendo algo.
Seixas (2009), compreende a necessidade de se pensar na obesidade como resultado de sintomas neuróticos, sendo assim, o ato compulsivo ao se alimentar é uma resposta à hesitação imposta pelo conflito, compensando a dúvida. Tanto que a compulsão à repetição, trabalhada por Freud no “Além do Princípio do prazer (1920)”, não se refere a um conflito, mas a uma característica fundamental da pulsão, que precede logicamente a instalação do conflito pulsional e impõe ao sujeito a organização dos impulsos.
Não que o ato represente uma simples obediência à imposição, visto que para Gondar (2001, p.30), “[...] os atos compulsivos são uma tentativa de fazer obstáculo ao cumprimento da injunção cruel, ainda que essa tentativa fracasse: há neles um lampejo de subjetivação que não chega a efetivar-se como afirmação de desejo.”
Dessa forma o consumo alimentar excessivo se apresentaria como uma estratégia frente à frustração intolerável, uma vez que o sujeito carece de recursos simbólicos para lidar com o conjunto de exigências sociais que se traduzem para o obeso em saúde e magreza. E para Seixas (2009), esse comportamento traz para o plano da pulsão, a explicação dessa dinâmica dos sintomas alimentares da obesidade.
Recalcati (2002, apud SEIXAS, 2009), afirma que a dinâmica que acontece na obesidade, de comer em excesso, fornece ao sujeito recursos simbólicos para lidar com a frustração resultante da impossibilidade de preenchimento e satisfação da demanda. Assim o corpo obeso e a própria fome parecem manifestar a pulsão, no ponto em que não há a captura pela linguagem, evidenciando a estreita relação entre o corpo somático e o corpo pulsional da psicanálise.
O autor entende assim, que o indivíduo privado de recursos simbólicos para lidar com o desejo, traduz o conflito psíquico em sintoma, como se o corpo neutralizasse o encontro traumático, separando-se do sujeito e destacando o corpo como um objeto separado do sujeito, uma dificuldade de reconhecimento do corpo obeso como próprio.
A obesidade pode então apresentar-se para o sujeito, como a impossibilidade de recusar a demanda do outro (corpo obeso) e se torna fixo no objeto (comida). Restando ao sujeito a compensação no consumo do objeto alimento.

A representação do corpo e do objeto para obeso

É importante neste momento, a investigação da relação do sujeito com o objeto, para entender que na obesidade não se trata da fome fisiológica, mas de uma sobreposição do objeto da demanda em um objeto de necessidade. Explicando assim que na dinâmica da obesidade, a inscrição psíquica da pulsão acontece na tentativa de preenchimento de um vazio (resposta do sujeito para sua performance), onde a materialidade do preenchimento e da completude obtém a formulação da própria demanda, que se dá a partir da constatação dessa pessoa de que algo falta.
Estando visível que a obesidade pode se apresentar na vida de um indivíduo, primeiramente como um conjunto de manifestações corporais, é preciso pensar sobre duas questões fundamentais que auxiliem no entendimento dessa lógica do comer: o corpo e o objeto.
Seixas (2009), aponta que na obesidade é evidente um sintoma que se articula através da oralidade, podendo parecer que se trata de uma falta que se operou no nível da realidade. E do ponto de vista psicanalítico, é possível garantir uma relação direta com um objeto da realidade (comida), buscando a contingência que, instaura a primazia do objeto oral no enfrentamento da frustração e na busca da satisfação.
Seguindo este raciocínio, a problemática do corpo se inscreve no campo psicanalítico de modo singular, visto que a psicanálise é confrontada ao real do corpo em suas articulações com a cultura, não escapando dessa forma à incidência da linguagem. Sem qualquer margem de dúvida para a psicanálise não se trata do corpo biológico ou cultural, mas do corpo pulsional, do qual não se pode isolar o puro organismo vivo e instintual.
Freud em seu trabalho “Pulsões e destinos da pulsão, de 1915”, alavancou a pulsão [10] como um dos conceitos fundamentais que permitiram a fundação do campo psicanalítico em oposição ao campo médico. Os estudos sobre os sintomas histéricos de conversão que desafiavam a clínica médica apontavam desde o nascimento da psicanálise, a necessidade de constituir um estatuto de corpo diferente do biológico, numa tentativa de apreender essa estreita relação entre o corpo e o psiquismo que diferencia os seres humanos dos animais.
Para Rabinovich (2004), a distinção fundamental que o corpo assume para a psicanálise reside no fato de que o ser humano é essencialmente marcado pela sua inserção no campo da linguagem. O aspecto significante, é o “objeto” da psicanálise: o sujeito que a psicanálise apresenta é um sujeito dividido, fragmentado. É um sujeito que é outro, onde o significante representa um sujeito para outro significante, fixando que o ser humano está sujeito à linguagem e, assim, aprisionado em sua relação com o Campo do Outro [11] .
A autora ainda explica que é na estrutura da linguagem que advém o sujeito do inconsciente, submetido à lei do significante que lhe é preexistente, enfatizando a subordinação do sujeito ao Campo do Outro e, conseqüentemente, sua alienação fundamental ao significante.
A esta questão é possível acrescentar as palavras de Carvalho e Martins (2004), de que a analise da relação de objeto a caracteriza como propulsora da relação do sujeito com o mundo. Ou seja, o sujeito está sempre se relacionando com o mundo (o outro) através do desejo de um objeto.
Lacan (1995), salientou em seus estudos a possibilidade de localizar nos primórdios do sujeito, a dinâmica de uma reivindicação de algo que é desejado, reivindicação do sujeito em busca da satisfação, mas sem referência à possibilidade de ser obtido. Trata-se de um objeto real que é visado (o seio materno) e um dano imaginário que é causado (a frustração), configurando a anatomia imaginária do desenvolvimento do sujeito.
O autor estabelece assim, a disjunção entre demanda e necessidade, pois mesmo sendo o seio materno o objeto real visado miticamente pelo sujeito, é na medida em que desempenha uma função significante que ele abre a dimensão do desejo. Onde afirma que o seio materno desempenha uma função significante para além do organicismo, e nesse sentido a mãe não é o objeto real, mas ela surge a partir dos jogos de domínio do sujeito sobre o objeto. Lacan (1995, p. 67) fala que “[...] este acoplamento de presença-ausência, articulado de modo extremamente precoce na criança, conota a primeira constituição do agente da frustração, que é originariamente a mãe.”
Seixas (2009, p.63), propõe a disjunção necessária entre demanda e necessidade. Na obesidade é no campo da oralidade que aparece essa disjunção, pois é evidente que algo não se satisfaz, como se algo estivesse sempre operando no sentido de não permitir a satisfação, tomando a obesidade referida a uma resposta incessante ao apelo:
Na metapsicologia freudiana essa lógica que se apresenta na relação do sujeito com o objeto comida toma como hipótese que é na medida em que o ato de comer, a própria fome, não é erotizada é que a necessidade se “solda” à satisfação, não veiculando o desejo articulado à castração, mas sim a demanda de satisfação.
Então, em todos os movimentos, o indivíduo inconscientemente está tentanto se relacionar com o seu objeto primário (a mãe), objeto este que lhe forneceu o alimento (o leite através do seio). O alimento se tornou representação da mãe, de afeto, carinho, cuidado, e dessa forma toda vez que, na infância sentiu ausência da mãe e do alimento sentiu-se também tomado pela frustração. É como se agora, na fase adulta, repetisse esse apelo que o sujeito fazia quando o objeto materno estava ausente, e destacando do objeto real os traços que dele restam, o sujeito poderá estabelecer uma relação com um outro objeto (comida).
Essa simbolização do alimento elaborada através da relação com a mãe é marcada por lembranças imaginárias do objeto. E para Birman (2005), se em um primeiro momento o objeto é revestido pelo seio materno, pode se dar na recusa do símbolo do amor uma dialética onde o sujeito constitui a demanda pelo objeto entrando assim no campo da pulsão, ou seja, o sujeito no percurso da entrada no campo da linguagem, constitui sua primeira unidade identitária que se refere ao corpo, e a partir daí se estabelecem os circuitos pulsionais e os destinos das pulsões. Birman (2005, p. 62), ainda esclarece:
O movimento inicial da força pulsional conduz para a descarga. Entretanto, à medida que o Outro puder acolher esse movimento originário, isto é, nomeá-lo e lhe fornecer um campo possível de objetalidade, a força pulsional estabelecerá uma ligação que a fará retornar ao organismo.
Dessa forma, percebe-se que o aparelho psíquico do obeso é marcado por esse movimento originário da pulsão, movimento esse que vai de encontro ao Outro e retorna só após ter encontrado um objeto com o qual retém uma satisfação possível, ainda que parcial, sem que haja, no entanto, um eu separado do objeto. Como se para este indivíduo, a comida fosse parte dele, e sempre há a necessidade de reincorporar esse objeto.
É possível entender, de acordo com Seixas (2009), que a meta de toda pulsão seria a satisfação, onde a pulsão se caracteriza essencialmente por ser uma força constante e a satisfação seria, do ponto de vista biológico, a cessação dos estímulos que seriam sentidos como desprazerosos. O paradoxo da satisfação pulsional começa quando a pulsão, por não situar-se no plano puramente biológico, produz uma modificação na satisfação, ressaltando a função essencial do percurso da pulsão a partir de sua fonte. Assim a pulsão se apoia na necessidade, e desenvolve um tipo de fixação da pulsão a um objeto, ou seja, um objeto poderia passar a “satisfazer” a pulsão, impedindo o deslocamento e a busca por objetos parciais.
Podemos então completar esse raciocínio sobre o objeto da pulsão do obeso, com a idéia de Rabinovich (2004), de que há na obesidade uma satisfação à qual não é possível renunciar, sugerindo uma fixação primeira ao objeto oral, atribuindo desde o início uma equivalência entre a experiência de satisfação e o objeto oral primordial, a saber, o seio materno.
Assim, o objeto pulsional na obesidade esta sempre se vinculando ao alimento como forma de satisfação primordial de todas as necessidades do indivíduo. E em qualquer vestígio de frustração, esse indivíduo fixado em objeto simbólico (alimento), recorre sempre ao ato de comer. O sujeito transforma a comida no objeto que o liberta do sentimento da falta e conseqüentemente da frustração.
Conclui-se então neste ponto da pesquisa, que o alimento para o obeso é ligado de tal forma ao objeto de sua satisfação de forma que essa satisfação é sempre parcial. Pois como ressaltou Seixas (2008), é a ligação a um campo de objetalidade que torna a satisfação parcial, pois ao mesmo tempo faz com que algo do objeto buscado se torne paradoxalmente um objeto perdido.
Simplificando os argumentos da autora, é nessa parcialidade da satisfação pulsional que o objeto passa a ter consistência imaginaria, na qual o sujeito fica fixado. E como na obesidade a demanda do desejo se dá na instauração do objeto perdido, é possível que o obeso encontre um único recurso, que é o de buscar continuamente, na sua concretização de objeto, a satisfação que tanto sente falta.
O que se pode concluir é que o sujeito permanece como se estivesse amarrado à continua demanda ao objeto primordial, e só consegue suportar esses intervalos de vazio que sente, recorrendo ao sintoma alimentar, ou seja, à ingestão de alimentos.

Obesidade e auto-estima

De acordo com Berg (2008), o ato de comer pode ser visto como uma luta entre o que é socialmente exigido e a busca por satisfação e preenchimento de vazio. Ao mesmo tempo em que comer evita o sentimento de aniquilação (pois se come para sobreviver), também impede o estabelecimento de limites entre o Eu e o mundo externo.
Enfatiza ainda a autora que Freud em sua obra “Inibições, sintomas e ansiedade de 1925”, defende que a auto-estima é remanescente do sentimento de onipotência existente na infância. A auto-estima é sustentada pelo ideal e quando esse ideal é um corpo magro e o indivíduo não consegue corresponder à sua própria expectativa, gera nele um sentimento de inferioridade. A percepção do seu corpo obeso gera sentimento de culpa e frustração, e essa evidente ameaça à auto-estima faz com que o psiquismo busque meios de satisfação muitas vezes resgatando sentimentos de felicidade primitivos ligados a amamentação.
Mascarenhas (2005), explica também que a pessoa obesa é alguém que em algum momento da vida, e quase sempre na infância, sentiu que seus anseios não foram correspondidos apenas por ser quem é, que sua simples presença não evoca paixão, e desta forma buscam na alimentação, esse retorno, ou seja, o que se quer explicar aqui é que nenhuma pessoa come demais apenas por comer, ela está buscando nesse alimento algo que não conseguiu com outros recursos e essa busca pode ser por carinho, amor, admiração entre inúmeros outros motivos que podem levar a pessoa a comer muito.
É possível perceber então, através do relato desses autores citados até aqui, que a pessoa que muito come ao ponto de ficar obesa é alguém que talvez não tenha conseguido externar todo seu potencial, que a energia que despenderia em realizar coisas a que tem propensão fica circulando dentro de si próprio sem encontrar saída e acaba se condicionando ou se direcionando apenas ao ato de comer.
De acordo com Mascarenhas (2005), a psicanálise explica que a pessoa que sente o desejo de viver um amor, ou de realizar um sonho começa a desenvolver energia para a concretização de seus anseios, uma vez que eles não acontecem essa energia fica ociosa, ou seja, são emoções intensas que não se realizam e ficam fissuradas e geram apetites intensos que não se refinam não se tornam sofisticados e acabam encontrando resposta nos níveis primários de satisfação, como a satisfação da fome por exemplo.
É como tenta explicar Campos (1993 apud CATANEO, 2005), que em seus estudos sobre a obesidade identificou as seguintes características psicológicas em obesos: passividade e submissão, preocupação excessiva com comida, ingestão compulsiva de alimentos e drogas, dependência e infantilização, primitivismo, não aceitação do esquema corporal, temor de não ser aceito ou amado, indicadores de dificuldades de adaptação social, bloqueio da agressividade, dificuldade para absorver frustração, desamparo, insegurança, intolerância e culpa. afirma ainda que as pessoas obesas são mais regredidas e infantilizadas; tendo dificuldades de lidar com suas experiências de forma simbólica, de adiar satisfações e obter prazer nas relações sociais, de lidar com a sexualidade, além de uma baixa auto-estima e dependência materna.
Então talvez seja por essas razões citadas acima, de dependência e medo da frustração que a pessoa tenha se condicionado ao ato de comer, pois provavelmente prefere a satisfação primária que o alimento traz aos seus desejos do que correr o risco de realizar outros anseios e acabar por não ser aceito, não ser amado e se frustrar.
Para Mascarenhas (1985), a pessoa obesa possui instintivamente um apetite, um desejo enorme de viver, de concretizar seus sonhos e de desenvolver as potencialidades com as quais já nasceu, mas que talvez por motivos desconhecidos não encontra forças para realizar os ideais, se sente limitada e transfere essa intensidade para a alimentação voraz, pois não consegue administrar toda esse energia dentro dela.
A excitação que a pessoa criou não encontra caminho para se desenvolver e dessa forma é muito fácil encontrar satisfação na comida, pois, o alimento pode significar para essa pessoa, uma forma de se sentir amado, protegido e também uma forma de socializar-se com o meio externo. Considerando-se assim, que para os obesos o ato de comer, é tido como tranqüilizador, como uma forma de localizar a ansiedade e a angústia no corpo, sendo apresentadas também dificuldades de lidar com a frustração e com os limites.

Sexualidade, alimento e obesidade

Aqui neste subcapítulo, se faz um breve relato sobre a relação da sexualidade e o alimento para o individuo obeso. Ressaltando que a pesquisa não se aprofundará nesses conceitos, visto que para tanto seria necessário a investigação sistemática de inúmeros postulados psicanalíticos, o que não é a intenção primordial desta pesquisa.
O homem nasce com inúmeras potencialidades e precisa ao longo da vida desenvolver esses potenciais para viver plenamente. No âmbito dessas potencialidades está a sexualidade, a qual é preciso lembrar que tem um significado muito maior do que o ato sexual em si. Enfim, quase sempre o ser humano sentiu a sua sexualidade reprimida pelo contexto moral e social, e busca no alimento uma forma de prazer.
Battaglia (2009), relatou que Freud descobriu em seus diversos estudos clínicos, que maior parte da formação de sintomas (principalmente ligados a histeria), está intimamente ligada à sexualidade, ou seja, o sintoma aparece como defesa necessária contra uma representação sexual intolerável. Assim, a falta de um caminho natural para a sexualidade humana, torna a pessoa sempre insatisfeita frente ao desejo e pode se manifestar por meio de desvios da pulsão. Para exemplificar tal idéia encontra-se a citação da autora (2009, p. 16-17):
A libido é o que penetra, percorre e marca o corpo, sinalizando-o pela premência de ser satisfeito. Freud diz que, no inicio da vida de cada bebê, há um tempo mítico em que El tem suas necessidades todas satisfeitas pela mãe, e que seria o retorna a essa experiência de satisfação que o indivíduo buscaria pelo resto de sua vida, sem jamais encontrar.
Tentando explicar esses conceitos de forma simplificada, é possível dizer que muitas pessoas procuram compensar suas frustrações sexuais com a alimentação exagerada. Explica Dos Anjos (1983), que esse comportamento pode representar uma regressão à fase oral, o que aconteceria em um contexto onde o apetite anormal reflete uma necessidade para compensar frustrações de caráter afetivo e emocional, ou também uma insatisfação ou mesmo a incapacidade de manter um relacionamento sexual.
Talvez esse comportamento possa estar encobrindo uma atitude defensiva perante o ato sexual. É como se inconscientemente, a pessoa esteja desejando não ser desejada, pois teme a manifestação do desejo no outro e (como pode vir a) e a necessidade de lidar com isso, e prefere encobrir-se com a gordura corporal, através da deformação do seu aspecto físico pode justificar sua rejeição diante do sexo e do meio social.
Para Cervelatti (2005, p.6), na obesidade há falta de ligação entre o gozo [12] e o amor, característica do pai edípico que, em sua função simbólica, encobriria o impossível da relação sexual. “A sociedade atual defende uma não-existência do Outro, do empuxe à desinibição pela busca frenética de um gozo a mais, bem diferente do sintoma analisado e decifrado por Freud.” O sexo e a inexistência da relação sexual está escancarada.
Recalcati (2004, apud CERVELATTI, 2005), aponta que na adolescência, é quando geralmente acontece o encontro com o real do sexo e o sujeito se vê sem a proteção do Outro, proteção própria da infância, bem como à tarefa de construir um laço amoroso. Por esse fato é que tornou-se crescente o desenvolvimento da obesidade nesta época da vida, servindo como uma defesa ao gozo do corpo do Outro.
A fome na maioria das vezes, não é apenas orgânica, mas também emocional e sentimental. Dos Anjos (1983), ressalta que para o conceito analítico, a atitude de comer pode ser considerada uma descarga libidinosa e muitas vezes compensadora das frustrações sexuais, ao que Freud denominou de “dupla Função”. Tal mecanismo pode explicar muitos casos de obesidade feminina, que estaria associada a um certo grau de ”frigidez dissociada”, com a incapacidade de se obter satisfação durante a relação sexual.
Assim de acordo com o autor, Freud postula que, para compensar essa vida sexual não gratificante ou ainda angustiante, se volta para a via do “alimento amor”, uma atitude que de certa forma compensa a insatisfação, visto que a relação de amor e desejo pelo alimento é uma condição perfeitamente aceita pelos padrões sociais, e também é um comportamento mais tolerável, visto que esse indivíduo poderia ainda recorrer a outras vias de satisfação como o álcool, as drogas, ou os jogos.
Para Carneiro (2005), a comida e o sexo são duas fontes dos mais intensos prazeres carnais, sendo que o primeiro é indispensável na vida diária de todo ser humano, e que na forma como o ser humano organiza sua energia, ou seja sua libido, esses dois prazeres se aproximam de muitas maneiras, tanto na fase infantil, em que o seio materno é a fonte do máximo prazer, como nas práticas eróticas orais, tais como o beijo, em que o mesmo órgão da nutrição produz gratificação sensual. Nas representações de inúmeras culturas, associa-se sempre o sexo e a comida e o verbo comer costuma possuir um duplo sentido.
Podemos aqui concluir, que nos casos de obesidade, a lógica que se estabelece com o alimento, mostra que o ato de comer ou a própria fome não é libidinizada [13] , e deixa a satisfação da pulsão presa à satisfação da necessidade, sob a dimensão do desejo. Essa compensação entre o peito (que atende à necessidade) e o seio (que exerce a função de objeto) que a libidinização do comer promove, engloba o objeto (que se sente falta) e o ato de comer revela uma tentativa de satisfação concreta, que deixa o sujeito num deslocamento infinito seja na compulsão, tentando aliviar a angustia, seja na busca de soluções para se livrar do sofrimento que a obesidade traz.

Contribuições da psicanálise para a obesidade

Por ser a obesidade, além de subjetivamente complexa, uma condição orgânica da contemporaneidade, é preciso de acordo com Seixas (2008), construir elementos que orientem o manejo clínico e transferencial desses casos. Em outras palavras, é necessário analisar o estatuto do corpo na psicanálise, corpo sobre o qual a linguagem incide criando novas modalidades de sofrimento, e também de cura para esse sofrimento.
Muitos estudos defendem a tendência de acompanhamento psicanalítico da obesidade, porém é de extrema importância se fazer um trabalho em conjunto com outros profissionais e um trabalho de autocontrole do sujeito, a médio ou longo prazo. Para Carvalho e Martins (2004), ao psicanalista cabe acompanhar todo este processo multidisciplinar e fornecer estímulos e técnicas de autocontrole para o paciente em questão.
O acompanhamento psicanalítico no tratamento da obesidade deve observar as associações cognitivas e emocionais feitas pelo indivíduo diante do seu hábito alimentar. De acordo com Rabinovich (2004), essas associações cognitivas são os conceitos associados ao comportamento alimentar. Ressalta que o objetivo maior, é a reinserção da falta que garante a entrada no mundo simbólico, que o ideal não é buscar a cura, como faz a medicina, e tampouco a reinserção dos indivíduos nos dispositivos disciplinares e de controle, mas sim fazer operar o desejo.
A intervenção psicanalítica deve propor um ponto de vista onde o sujeito encontre a possibilidade de mudança e, ao mesmo tempo, de reconhecimento da fragmentação de certezas impostas pelo discurso sociocultural e familiar – tais como: a necessidade de emagrecer por motivos médicos, a certeza do descontrole em relação à comida, entre outros.
Dessa forma, pode se fazer emergir um discurso do inconsciente capaz de se atualizar através da transferência, fortalecendo o laço analítico que permitirá um trabalho de análise, e poderá ampliar o campo de possibilidades subjetivas, e o próprio acesso ao campo dos significados, para que se amplie juntamente a possibilidade de subjetivar o sofrimento, descolando de significados referidos ao corpo para novos significados aos quais o sujeito está impossibilitado de acessar.
Enfim, o intuito maior da psicanálise com relação à obesidade, é proporcionar um processo analítico em que através da relação entre associação livre e interpretação, se consiga reintroduzir o sujeito obeso no ciclo da troca, para que a satisfação venha substituir algo que lhe falta. E poder submeter esse indivíduo a um tratamento, que poderá semear no lugar da dor que a pessoa com excesso de peso sente, a certeza de que ela pode encontrar dentro de si próprio as respostas para preencher seu imenso vazio.

Considerações Finais

A obesidade, um desejo infinitamente insatisfeito, inadequado. Que consome vorazmente o objeto alimento, sem mastigar e muitas vezes sem nem sentir o seu sabor. O indivíduo incorpora o objeto, para continuar ele mesmo, se defendendo do desejo, e aumentando sempre o seu volume corporal na busca de um sinal de amor, sinal do que ou de quem tem falta, e assim se faz existir para o Outro.
“Para fazer existir o sinal de amor, na obesidade o sujeito consome infinitamente os objetos para compensar a falta do Outro.” (SEIXAS, 2009, p.58). E cria um escudo para o desejo do Outro, permanecendo em um modo de satisfação solitária, direcionando todo seu investimento ao corpo em detrimento ao investimento no Outro.
Parece que a intenção do corpo obeso, é mostrar-se por si só, dispensando falas, atos ou opiniões, exemplificando a dinâmica da pulsão de fazer-se ver. E mesmo apesar do excesso, do enorme volume de gordura depositado no corpo, e do sujeito obeso se sentir alvo do olhar do Outro é bem provável que o obeso não sinta-se satisfeito em exibir-se, em se mostrar apenas. A sua intenção em evidenciar o corpo gordo revela o desejo de causar angustia no outro.
Todos os indícios sobre os porquês da obesidade acumulados nesta pesquisa, deixa perceber que a voracidade no devorar o alimento que ocorre na obesidade pode ser a compensação de uma frustração de amor através do objeto real (comida). O indivíduo, em algum momento acredita não ter o dom do amor (simbólico), e consome freneticamente o alimento, num processo de substituição.
Parece até que o corpo da pessoa obesa é feito para tal satisfação demasiada, porém solitária, onde o sujeito sequer olha o corpo no espelho, não aceita esse corpo como seu, como se estivesse escondido de si próprio. Criando um corpo idealizado, fantasiado e investido narcisicamente, mas que sempre se conserva inalcançável, como todo ideal.
A presente pesquisa se encerra acreditando que concluiu seu objetivo máximo, ou seja, de mostrar que o corpo obeso pode ter inúmeros significados dentro do indivíduo que o constrói, que a obesidade é muitas vezes representante de sintomas de desordens no desenvolvimento psíquico, e que o excesso de peso, apesar de todo o sofrimento que acarreta pode ser a única maneira que a pessoa encontra, de externalizar toda sua insatisfação e frustração mediante a não realização de suas potencialidades.
Assim procurou-se discutir a obesidade dentro de um contexto que desenvolve a necessidade de satisfação, e como se dá a busca por objetos dessa satisfação. Colocando em pauta a questão do circuito pulsional que, estabelece o objeto vinculado a uma perda originária que, ao mesmo tempo, constitui o desejo como insatisfeito.
Nesse parâmetro a comida que substitui esse objeto, fornece ao indivíduo um consistente significado ao qual ele permanece preso, e passa a regular todo o seu comportamento de acordo com essa relação intima com o alimento. Conclui-se então, que a problemática da obesidade pode ser acolhida pela psicanálise, que procura fazer com outras problemáticas, visando oferecer um campo de subjetivação que permita a emergência da angústia não somente referida ao corpo e seus excessos, possibilitando a construção de recursos simbólicos necessários à elaboração da pulsão real.
Por fim, é possível dizer que na obesidade, o indivíduo está impossibilitado de se relacionar com objetos simbólicos e transfere esse aspecto para o mundo real através da mortificação do corpo, como se existisse dentro da pessoa, uma tensão física que não consegue penetrar no âmbito psíquico e, permanece no trajeto físico. Esse esquema de insatisfação faz do obeso um sujeito prisioneiro em sua tentativa de evitar a angústia, colocando o objeto buscado no corpo, e impedindo sua captura na fantasia.
O obeso é um demasiado cheio que o sujeito vive como um vazio infinito.
 
 


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