O inimigo somos nósA herança ancestral nos quer mais roliços do que pede o espelho. A opção é dieta com exercício. A vida inteira Aida Veiga |
Há exatamente 100 anos, o médico americano Horace Fletcher inventou a primeira dieta para emagrecer dos tempos modernos. Numa época em que curvas roliças ainda imperavam como padrão de beleza, perder peso não era exatamente um assunto momentoso. Mas com seu método chamado "fletcherizing", um misto de truques marotos ("Mastigue cada pedaço vinte vezes") com pitadas de auto-ajuda ("Não coma nada quando estiver bravo ou triste"), o médico dava partida em uma obsessão de proporções planetárias: a busca do peso ideal, invariavelmente situado alguns quilos abaixo daquilo que aponta a balança de cada um. Neste sofrido século de frustrações estéticas, a silhueta perfeita caminhou numa direção e o corpo das pessoas comuns, em outra. Para contornar o abismo, apela-se para as dietas, uma vez, duas vezes, dez vezes, num infla-encolhe constante. Pois, como sabe qualquer pessoa que já tenha feito uma (alguém não fez?), perder peso é fácil, manter é que são elas. O que fazer? Alguns regimes – passar semanas a líquido, chá e shake, abolir de vez pão e macarrão, viver à base de fruta – são violentíssimos. E até funcionam. "Quem faz um regime radical e passa dias sem comer vai emagrecer, é claro", reconhece o endocrinologista Walmir Coutinho, vice-presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade, Abeso. "Mas irá recuperar os quilos perdidos e ganhar outros em curto espaço de tempo." As pessoas não fazem dietas de choque por masoquismo e sim porque apela mais à psicologia humana a idéia de se submeter a um sacrifício pesado durante duas, quatro, oito semanas, e depois aproveitar o corpinho afinado. A alternativa real é distribuir o sofrimento, relativamente reduzido, no tempo: a reeducação alimentar, a mastigadíssima receita composta de carne magra, verdura, legume, fruta e carboidrato em doses controladas, tudo regado a exercício regular. É tarefa para uma vida inteira e não deixa espaço para ilusões. Uma vez de regime, de regime para sempre. Antepassados – Trata-se, infelizmente, de uma realidade comprovada e recomprovada em pesquisas. A mais conhecida, que desde 1991 assombra a vida de qualquer roliço bem informado, conclui que 90% das pessoas que fazem dieta recuperam tudo, e mais um pouco, no prazo de um ano. A coisa pode estar piorando. De 200 casos acompanhados em 1995 por uma equipe da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, só dez seguiram a dieta, religiosamente, até o fim. Passados doze meses, apenas um solitário, e feliz, paciente continuava magro. Regime é, nos círculos bem alimentados, provavelmente o tema mais comum de conversas nas festas, no cafezinho (com adoçante), no cabeleireiro, na academia de ginástica. Quem não faz pensa em fazer. Quem já fez vai fazer de novo. VEJA acompanhou durante dois meses a dieta de nove pessoas (veja o depoimento de algumas nos quadros que ilustram a reportagem), nas mais variadas fórmulas. Todas já haviam fechado a boca antes. Todas perderam peso, entre 5 e 12 quilos. Todas estão mais ou menos conformadas: vão engordar de novo. A atriz Cristiana Oliveira, 35 anos, em ótima forma aos sete meses de gravidez, é veterana – já perdeu 40 quilos duas vezes. "Sei que terei sempre de agüentar o sofrimento que é viver em dieta", suspira, resignada.
As pessoas engordam, basicamente, por dois motivos: comem muito e comem mal. "Ninguém mais aprecia uma fruta madura ou uma massa com molho simples, só de tomate", constata Antonio Herbert Lancha Júnior, coordenador do Laboratório de Nutrição e Metabolismo do Exercício da Universidade de São Paulo, USP. "Parece que o sabor mudou de gosto e foi parar nos alimentos industrializados, nas frituras e gorduras." Também contribui, e muito, a vida sedentária. "Não é uma questão de ser atleta. Há trinta anos, qualquer pessoa se exercitava mais com as atividades do dia-a-dia do que os malhadores de agora", avalia Walmir Coutinho. Só de não ter de levantar para atender ao telefone e mudar o canal da televisão, e por dirigir carro com direção hidráulica e usar escada rolante e elevador, o roliço moderno deixa de gastar cerca de 200 calorias por dia. No fim de um ano, serão 3 quilos acumulados à toa, sem ter sequer o prazer de um bom prato de feijoada. Mas, se todo mundo faz tanto esforço para emagrecer, por que, afinal, o corpo trai e engorda com tanta facilidade? Porque o inimigo das silhuetas idealmente esguias somos nós mesmos. Está no sangue, ou nos genes. "É uma característica que vem dos nossos ancestrais", explica o e presidente da Abeso. Os antepassados pré-históricos eram poupadores natos de energia porque precisavam dela para sobreviver: caçar, lutar, percorrer terrenos selvagens, acumular reservas em épocas de escassez. Assim fomos formados e assim – mesmo tendo à mão comida, roupa, teto e relações mais ou menos civilizadas – permanecemos. "O ser humano está geneticamente preparado para poupar energia. Como atualmente ele gasta muito menos do que seus antepassados, acaba engordando", conclui Halpern. Também é fator de peso o componente hereditário que muitos reconchudos e rechonchudas carregam no organismo. "Mas ter tendência para engordar não é desculpa para ser gordo", decreta, sem dó nem piedade, o endocrinologista Saulo Cavalcanti da Silva, professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. "Algumas pessoas, de fato, têm mais facilidade para ganhar peso. Se, porém, mantiverem uma dieta balanceada e fizerem exercícios, ficarão em forma."
Automedicação – Para aumentar o tormento, "ficar em forma" significa ser cada vez mais magro. Foi durante a I Guerra (1914-1918), por falta de tecido e pela exigência prática no desempenho do trabalho em fábricas e plantações, que as mulheres trocaram os vestidões rodados por calças compridas e roupas mais justas ao corpo. Quando, na década de 20, Chanel exigiu uma figura longilínea, de quadris finos e busto pequeno, para caber em seus elegantérrimos tailleurs, o mundo bem nutrido de antanho estava perdido. "A proliferação das dietas é resultado da maior exposição na rua e no âmbito profissional", aponta a nutricionista Tânia Rodrigues. "Não é à toa que o consultório lota às vésperas do verão, quando todo mundo quer ficar magro para poder mostrar o corpo." Nos primeiros cinqüenta anos deste século, a silhueta afinou. Não tinha ainda, no entanto, perdido as curvas. Isso só aconteceu com o esquelético advento de Twiggy, a modelo inglesa de 1,73 metro de altura e ínfimos 42 quilos que ditou a moda no fim dos anos 60. O tipo pegou, tanto que as modelos, que há vinte anos pesavam 8% menos do que a média das mortais, hoje pesam 23% menos.
Com padrões de beleza tão inimitáveis, a batalha é pesada. Do arsenal de quem luta contra a balança (e quem não luta?) constam petardos como as anfetaminas, presentes nos moderadores de apetite, que afetam o sistema nervoso e podem viciar. Quanto mais gente quer emagrecer, mais os laboratórios buscam fórmulas que permitam perder peso com menos perigo para a saúde. Ainda sem sucesso. Uma revolução nos últimos anos foram os medicamentos que estimulam a serotonina, hormônio responsável pela sensação de saciedade. O mais potente, Isomeride (Redux, nos Estados Unidos), empolgou meio mundo antes de ser recolhido, por suspeita de prejudicar quem tem problemas cardíacos. A estrela do momento é o Xenical, o primeiro a não agir no cérebro – atua diretamente sobre a gordura ingerida, impedindo que 30% dela seja absorvida pelo organismo. O efeito colateral mais sentido até agora é a incontrolável diarréia que acomete quem derrapa no regime, responsável por acidentes terrivelmente constrangedores para homens e mulheres de pouca força de vontade. "Remédios existem para ser usados, mas só por quem precisa, e sempre sob orientação médica", alerta Marcello Bronstein, professor de endocrinologia da Faculdade de Medicina da USP. É meio chover no molhado, para uma população que desafia todos os conselhos médicos e se automedica à vontade – não por acaso, em janeiro, seu primeiro mês nas farmácias, 300.000 caixas de Xenical (a 190 reais cada uma) foram vendidas no Brasil, um recorde mundial.
Peso ideal – Além de tediosa, ingrata e cheia de tropeços, a luta para emagrecer é, por obra e graça (pouca graça) da natureza, desigual. Sem comer 1 grama a mais, a partir dos 30 anos todo mundo ganha, em média, 4 quilos por década. "Como o metabolismo fica mais lento, a queima de calorias é menor", explica Alfredo Halpern. Para quem não aspira à juventude eterna, a opção é aceitar a obra do tempo. É o que tenta pôr em prática o ator Tony Ramos, que, aos 50 anos, oscila entre 75 e 80 quilos (uns 10 a mais que na época em que era o filho, e não o pai, nas novelas). "Não posso querer pesar como um garoto de 20 anos", conforma-se ele, que, quando avança nas calorias, faz esteira em casa para queimar o excesso. Por sorte, Tony Ramos não está muito distante da esfera do "peso ideal", uma fórmula em que a divisão do peso da pessoa por sua altura ao quadrado deve dar algum número entre 20 e 25. Chegando-se a ele, dizem os médicos, tudo fica bem, pois o organismo funciona como um termostato: às vezes se engorda 1 ou 2 quilos, em outras se perde mais um tanto, mas, na média, sempre se volta ao ponto "programado". O único senão desse raciocínio é que o peso ideal, cientificamente falando, está sempre uns 5 quilos acima do peso certo, pelos padrões estéticos vigentes, em especial para as mulheres. Sendo assim, resta fechar a boca e seguir a fórmula da dieta moderada mais exercício físico. Mas todo santo dia? Não, concordam os especialistas. Extrapolar uma vez por semana – no domingo, por exemplo – não faz mal nenhum. Depois, é só agüentar segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado... |
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