Nunca vi tanta gente obesa, como na semana passada, no interior dos Estados Unidos. Lá, a epidemia é visível: a maior parte dos transeuntes está acima do peso; não são poucos os que mal conseguem andar por causa da gordura. Que erros foram cometidos para que essa tragédia social acontecesse justamente no país que mais investe em saúde?
Alimentos a preços acessíveis e o conforto da vida moderna são causas usualmente citadas para explicar por que o Homo sapiens, até ontem caçador-coletor que vivia com fome, sucumbiu às tentações da mesa e ao prazer de passar o dia sentado. Esses argumentos, no entanto, não explicam por que nos Estados Unidos o excesso de peso da população assumiu proporções assustadoras.
É provável que a raiz do problema esteja ligada a um conceito estabelecido nos anos 1950, segundo o qual o consumir carne vermelha elevaria os níveis sanguíneos de colesterol, o que, por sua vez, aumentaria o risco de morte por doença coronariana.
Em 1909, A. Ignatowski alimentou ratos com quantidades excessivas de carne, ovos e leite. Ao sacrificar os animais, encontrou alterações nas artérias, que lembravam as placas de aterosclerose depositadas nas coronárias humanas. Em seguida, foi demonstrado que tais placas continham seis vezes mais colesterol livre do que as paredes das artérias normais.
Em 1913, o russo N. Anitschkow produziu lesões semelhantes em coelhos, alimentando-os com gema de ovo durante dois meses.
Placas desse tipo jamais foram obtidas em animais carnívoros, detalhe largamente ignorado.
Até 1920, os ataques cardíacos eram responsáveis por menos de 10% das mortes entre os americanos. Perto de 1950, inesperadamente, o número foi para mais de 30%.
Numa conferência realizada em Roma, o americano Ancel Keis perguntou à platéia se a epidemia de doenças cardiovasculares, que se disseminava entre homens de meia-idade, poderia ser explicada por modificações em hábitos alimentares. Um professor da Universidade de Nápoles respondeu que não encontrava tal tipo de morte em sua terra.
Keis viajou a Nápoles, e constatou que ataques cardíacos em pessoas com menos de 60 anos, de fato, eram raros. As únicas exceções ocorriam entre a minoria mais rica que comia carne todos os dias, em contraste com os demais que o faziam uma vez por semana, no máximo. Verificou, ainda, que a média dos níveis de colesterol dos napolitanos era mais baixa do que a dos americanos.
A partir desses dados empíricos, concluiu existir uma associação direta entre o consumo de carne gordurosa, os níveis de colesterol e os ataques cardíacos -como o até então obscuro Anitschkow havia proposto.
No leste da Finlândia, em que a população apresentava níveis médios de colesterol da ordem de 260, o número de ataques cardíacos fatais entre mil homens observados durante 10 anos, foi 70. No Japão, esse número caía para menos de 5.
Keis atribuiu essa diferença ao baixo consumo de gordura na dieta japonesa: 2,5% do total de calorias ingeridas, contra 20% no caso finlandês. Essas idéias provocaram uma avalanche de estudos sobre o papel da gordura na dieta, os níveis de colesterol e a formação de placas nas coronárias. Keis foi capa da “Time“, e ficou conhecido como “Senhor Colesterol”.
Nenhuma atenção foi dada ao fato de que, na França, o consumo de gordura saturada era três vezes maior do que no Azerbaijão, embora o número de ataques cardíacos fosse mais baixo. Ninguém estranhou o fato de que, apesar de consumirem a mesma quantidade de gordura que os finlandeses, os suíços apresentavam quatro vezes menos infarto do miocárdio.
Em 1984, os National Institutes of Health, dos Estados Unidos, realizaram uma conferência para chegar a um consenso a respeito do tema.
Como resultado, foi lançado um programa para orientar os médicos a controlar os níveis de colesterol de seus pacientes, a aconselhá-los a adotar dietas pobres em carne vermelha e gordura e a substituir manteiga por margarina. A repercussão na mídia foi imediata e retumbante.
Apoiadas em conhecimentos científicos para lá de duvidosos, estavam lançadas as bases para a atual epidemia de obesidade.
Alguma coisa as pessoas precisam comer. Se cortarmos a carne, elas comerão o quê? Cenoura? Alface?
Carboidratos, foi a resposta da população: pão, batata frita, massas, biscoitos, refrigerantes, doces e chocolates. Deu no que deu.
Obesidade e Hipertensão (Dr. Dráuzio Varella)
George Lins
A cada ano, 300 mil pessoas morrem de doenças cardiovasculares no Brasil. A causa de metade dessas mortes é a hipertensão, a pressão alta.
Hipertensão não respeita idade, cor, sexo, nem religião. Negro, branco, oriental, mulher, homem, velho, moço, rico ou pobre, qualquer um pode ter pressão alta. No Brasil, a doença atinge 45 milhões de pessoas. E metade delas nem desconfia que sua pressão está alta.
Creuza Maria Pereira da Silva, 61 anos, doméstica, 70,9 quilos.
- Sua pressão está 19,5 por 12, bem acima do que a gente considera normal, que seria 14 por 9”, avalia o médico que a examinou.
Creuza – Quando eu fico nervosa eu sinto que ela sobe um pouquinho.
Muita gente acha que, quando a pressão sobe, a pessoa tem dor de cabeça. Não é verdade! Geralmente a pessoa não sente nada. Pressão alta é um assassino silencioso.
Sônia e Eremildes sempre gostaram de comer bem.
- Ele me conquistou com uma lasanha maravilhosa que preparou para mim. Com molho à bolonhesa e catupiri e ainda escreveu ‘eu te amo’ com catupiri, diz a assistente financeira Sônia Kiseliovas Santos.
Quando ainda eram namorados, os dois tinham uma vida mais ativa.
Sonia – Quando a gente começou a ficar junto, começou a fazer comida boa um pro outro, né? Resultado: eu tinha 20 quilos menos, mais ou menos isso.
Por que a obesidade faz subir a pressão? Porque quanto maior a quantidade de gordura, maior a resistência à passagem do sangue pelos vasos. O coração é uma bomba que impulsiona o sangue oxigenado através da aorta, a artéria que dá ramos para irrigar o organismo inteiro. Na pessoa hipertensa, o coração encontra mais resistência para fazer a corrente sanguínea progredir através do sistema. Por isso é obrigado a fazer mais força. Faz tanta força que empurra a aorta para cima e para trás.
A distribuição da gordura no corpo pode determinar se existe probabilidade de complicações cardiovasculares. Quem tem culote, quadril largo, coxas grossas – a forma de pêra – corre menos risco. Quando a gordura está concentrada na barriga – corpo em forma de maçã – a chance de ter ataques cardíacos e derrames cerebrais é maior. Nos homens, a circunferência da cintura, medida na altura do umbigo, não deve ultrapassar 102 centímetros. Nas mulheres, deve fica abaixo de 88 centímetros.
Dr. Drauzio – Como a Sônia descobriu que era hipertensa?
Sonia – Uma vez eu fui fazer um check-up normal. O médico mediu minha pressão e eu estava com 24 por 13, mas eu não sentia absolutamente nada. Sinceramente, eu nem sabia que eu tinha pressão alta”.
Dr. Drauzio – Hipertensão é doença traiçoeira. Com 24 de pressão, você poderia ter tido um problema sério, um ataque cardíaco, um derrame cerebral.
Quando se mede a pressão, o aparelho marca dois números. O maior mede a pressão sobre as artérias quando o coração se contrai para bombear sangue para o resto do corpo. O número menor corresponde à pressão do sangue sobre as artérias quando o coração está na fase de relaxamento.
A pessoa sofre de pressão alta quando a máxima é igual ou maior do que 14 e a mínima, igual ou maior do que nove. O ideal é que a mínima esteja em torno de 8 e a máxima não passe de 12.
Para medir a pressão, existem dois tipos de aparelhos. O aparelho normal é usado em qualquer pessoa sem excesso de peso. Mas, pessoas obesas precisam usar outro, que é mais longo. Se não, dá diferença. O aparelho mais longo dá a volta melhor no braço e comprime-o melhor.
Quando descobriu que era hipertensa, num exame de rotina, Sônia levou um susto. Com razão. No Brasil, as doenças do aparelho circulatório são a principal causa de morte entre as mulheres.
Sonia – Eu fiquei bastante preocupada, mas, às vezes, o dia-a-dia da gente, a correria, não deixa a gente tomar a sintonia que devia tomar. Agora é que a gente está começando a fazer.
- O ecocardiograma que você trouxe mostra que o coração já está sofrendo um pouquinho com a hipertrofia devido à pressão alta , diagnostica a médica que está acompanhando o caso.
Para mostrar o estrago que a pressão alta faz no coração, o doutor Drauzio Varella compara dois corações. A diferença do coração normal para o coração de um hipertenso está na espessura da parede, do músculo do coração, que é muito maior no coração do hipertenso.
Por que o coração fica musculoso? Porque para vencer a resistência representada pelas artérias, que vão conduzir o sangue, é obrigado a fazer muito mais esforço. Isso provoca aumento de suas dimensões e, com o passar do tempo, seu enfraquecimento.
- Toda vez que uma pessoa ganha peso, a pressão sobe. E quando ela perde peso, a pressão cai. É uma relação nítida. E a perda de peso não precisa ser muito grande Muitas vezes, perder 10%, às vezes 5% do peso, já determina uma redução da pressão arterial , explica o médico Décio Mion, chefe da Unidade de Hipertensão do Hospital das Clínicas da USP.
Sonia – Difícil é parar com tudo isso. Acho que a gente hoje está comendo tudo isso porque ainda não foi na endocrinologista. A gente se gosta demais e quer viver muito ainda pra aproveitar a vida.
Para controlar a pressão, é essencial perder peso. E para perder peso, você já sabe, tem que comer menos e exercitar-se mais. Mesmo emagrecendo, algumas pessoas precisam tomar remédio diariamente, às vezes pela vida inteira. É chato, mas é fundamental para evitar as complicações da hipertensão.
Dr. Dráuzio Varella
Fonte: http://drauziovarella.ig.com.br/qpeso/qpeso8.asp
http://georgelins.com/2009/06/15/obesidade-e-hipertensao-dr-drauzio-varella/
Drauzio Varella: ‘A obesidade anda de mãos dadas com o diabetes’
Nas pessoas obesas, a insulina encontra mais dificuldade para transportar a glicose para dentro das células. Com isso, sobra glicose na circulação.
Diabetes é uma doença do metabolismo, causada pelo aumento da quantidade de açúcar no sangue. É uma enfermidade muito comum. Quase todo mundo tem um caso na família. O diabetes, hoje, é uma epidemia mundial. No Brasil, atinge 7% da população adulta. Mas muita gente pensa que a doença não tem muita importância.
“Se a glicemia, isto é, o açúcar no sangue, não estiver muito alta, ela realmente não vai ter manifestações clínicas muito importantes. O grande perigo é que, não percebendo isso, ela pode querer compensar bebendo líquidos que têm muito açúcar”, explica o médico Marcelo Bronstein, professor de endocrinologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).
“O mais difícil é cortar o açúcar”, confessa a dona de casa Elaine Cristina Borancelli. “Tenho diabetes desde os 19 anos. São onze anos. Foi na gravidez que descobri. Já estava obesa antes de ficar grávida.”
Só agora, aos 30 anos, Elaine resolveu finalmente se cuidar. A primeira consulta foi há nove meses, no Hospital das Clínicas, em São Paulo.
“O seu tipo de obesidade é bem característico de quem fica diabético. A gente pode ver que você tem bastante gordura na região da barriga e a perna fininha. Sua obesidade está praticamente toda na barriga. E esse tipo de gordura que fica na barriga é o mais perigoso”, diagnostica a médica.
Quando falamos sobre hipertensão, explicamos que a medida cintura não deve passar de 102 centímetros nos homens e dos 88 centímetros nas mulheres. A mesma coisa vale para o risco de desenvolver diabetes. O tecido gorduroso que se acumula na cintura geralmente está associado à presença de gordura entre as vísceras abdominais.
“A gordura tem um papel muito importante para o desenvolvimento do diabetes. A gordura, principalmente a abdominal, que se localiza entre as vísceras, funciona como uma barreira para a ação da insulina”, afirma Bronstein.
Dos adultos acometidos pela forma mais comum de diabetes, de 80% a 90% estão acima do peso. O tecido gorduroso aumenta a resistência à entrada da glicose na célula. Toda vez que o diabético engorda fica mais difícil controlar a glicemia, a taxa de açúcar no sangue. Quando emagrece, a glicemia cai. A obesidade anda de mãos dadas com o diabetes.
Como os automóveis, as células precisam de combustível para funcionar. O principal combustível do organismo é a glicose da alimentação. Mas a glicose não consegue vencer sozinha a barreira representada pela membrana das células. Precisa de ajuda para entrar. Essa ajuda é dada pela insulina no pâncreas.
Nas pessoas obesas, a insulina encontra mais dificuldade para transportar a glicose para dentro das células. Sobra glicose na circulação. O pâncreas reage fabricando mais insulina. Quanto mais glicose sobra, mais insulina é necessária. Com o tempo, o pâncreas pode chegar à exaustão.
“Você sabe que a pele do frango e a gordura que fica embaixo dela são as partes mais gordurosas do frango. Se quiser tirar a gordura, tem que tirar a pele do frango fora. A recomendação é que uma família de quatro pessoas consuma, no máximo, entre uma lata e uma lata e meia de óleo por mês”, alerta o doutor Drauzio Varella.
Esse tipo de diabetes associado à obesidade é chamado de diabetes tipo 2. Ele é resultado da resistência à ação da insulina e da produção insuficiente deste hormônio pelo pâncreas. O diagnóstico é feito num exame de sangue, colhido pela manhã, em jejum. O exame mede a taxa de glicose na circulação.
A glicemia feita em jejum estará normal quando ficar entre 70 e 99. Se o resultado em jejum for de 100 a 125, existe intolerância à glicose, isto é, entre 100 e 125 está aberta a porta para o diabetes. Se em jejum ela passar de 125, o diabetes está instalado.
“Minha mãe era obesa, meu pai nem tanto. Ele tinha, assim como eu, o corpo fino, as pernas finas, e aquela barriga. Minha mãe era bem obesa mesmo. Os dois eram diabéticos. Meus avós, tanto maternos quanto paternos, também”, conta Elaine.
Cristiane, a irmã de Elaine, tem só 34 anos. Descobriu que era diabética aos 19, quando pesava 140 quilos. Durante esses 15 anos, Cristiane não se cuidou adequadamente, não fez dieta. “Comia doce, pão, refrigerante, massa. Tudo o que vinha na frente eu comia. E o açúcar ficou o tempo todo descontrolado”, confessa.
Sem fazer exame, o diabético não percebe quando a glicose está elevada. Os sintomas só aparecem quando ela está muito alta. Glicemia fora de controle provoca doenças cardiovasculares, insuficiência renal, feridas que não cicatrizam, principalmente nas pernas e pés e perda da visão.
“Meu pai e minha mãe faleceram assim. Meu pai enfartou aos 51 anos e minha mãe sofreu derrame aos 52”, diz Elaine.
Decidida a viver de forma mais saudável do que o resto da família, Elaine está seguindo direitinho as orientações que recebeu no Hospital das Clínicas. Está controlando a alimentação e começou a praticar exercícios.
“A atividade física deve fazer parte do dia-a-dia do diabético, com mais ênfase até do que no obeso que não tem diabetes. Vale qualquer exercício, principalmente aeróbico. Ele deve manter atividade muscular regular. Não adianta ser um atleta de fim de semana. Ao contrário, isso pode ser perigoso”, alerta Bronstein.
Doutor Drauzio Varella constata que, depois de nove meses de cuidados, a glicose de Elaine baixou para 102. “Estou mais alegre, mais contente. A minha família também, de me ver mais feliz. Eu era muito triste, tinha depressão de me olhar. Agora eu gosto de me olhar, é muito bom”, comenta Elaine.
A história da Elaine mostra que o diabetes é uma doença crônica. Não tem cura, mas pode ser controlada. E controlar o diabetes, manter a quantidade adequada de açúcar no sangue, evita muitas complicações. Domingo que vem, vamos ver como o diabetes não controlado pode se tornar uma doença muito grave.
http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL694616-15605,00.html
Obesidade inexorável
Drauzio VarellaAos médicos faltam o conhecimento e os incentivos para combater a ameaça à saúde representada pela obesidade. Os sistemas biológicos que coordenam a frequência das refeições e a quantidade de alimentos que ingerimos são altamente complexos e mal esclarecidos. Assim começa o editorial de uma revisão sobre obesidade publicada pela revista “Science“, em fevereiro de 2003.
Recentemente, foram descritos diversos mediadores químicos envolvidos na regulação do apetite e do peso corpóreo. Anos atrás, foi identificado o primeiro deles: um hormônio liberado pelo intestino em resposta à chegada do bolo alimentar, a colecistoquinina, que nos indica a hora de sair da mesa.
No ano 2000, pesquisadores da Universidade de Osaka descobriram a grelina, um potente estimulador do apetite liberado pelo estômago vazio uma ou duas horas antes das refeições. Injeções de grelina em voluntários causam aumento significativo do apetite. Naqueles que fazem regime para emagrecer, os níveis de grelina na circulação sobem, explicando em parte as queixas de apetite exacerbado dos que se submetem a essas dietas.
Em 2002, na Universidade de Oregon, foi descrito outro hormônio produzido pelo intestino – batizado de PYY – e dotado de ação oposta à da grelina. Injeções de PYY em voluntários provocam perda de apetite. Dietas gordurosas parecem estimular maior produção de PYY do que as ricas em carboidratos, explicando talvez por que ficamos saciados por mais tempo depois do almoço na churrascaria do que depois da macarronada do domingo.
Colecistoquinina, grelina e PYY fazem parte de um sistema de mediadores encarregados de regular o peso corpóreo no dia a dia. As ações desses hormônios, produzidos pelo aparelho digestivo nos centros cerebrais que controlam o equilíbrio ajustado entre apetite e saciedade, são responsáveis pela quantidade média de calorias que nos sentimos compelidos a ingerir nas refeições diárias.
Ao lado desse mecanismo subjacente às necessidades energéticas imediatas, entretanto, existem outros encarregados de acompanhar as variações do peso corpóreo a longo prazo: a insulina, secretada pelo pâncreas, e, principalmente, a lepitina, hormônio produzido pelas células do tecido gorduroso, descoberto em 1994, por Jeffrey Friedman, na Universidade Rockfeller.
Quando as reservas de tecido gorduroso diminuem, a produção de lepitina cai. Receptores localizados em neurônios reguladores do apetite detectam a redução de seus níveis na corrente sanguínea e tomam duas providências imediatas: estimulam o apetite e reduzem o metabolismo, isto é, diminuem a quantidade de energia que o organismo gasta para exercer as funções de rotina.
Infelizmente, o efeito oposto, que seria a diminuição do apetite e o aumento do gasto energético em resposta ao acúmulo de tecido gorduroso, é insignificante. Ao corpo interessa manter a integridade de todas as células, exerçam elas a função mais nobre ou estejam meramente agrupadas em depósitos pouco estéticos ao redor da cintura.
Tal ação da lepitina explica por que os regimes alimentares de baixo conteúdo calórico provocam perda significativa de peso nas primeiras semanas e dificuldade progressiva de mantê-la daí em diante. Explica ainda por que, ao desistirmos dessas dietas, recuperamos em poucos dias os quilos que penosamente perdemos ao longo de meses.
A liberação dos mediadores que estimulam o apetite envia sinais que serão captados por uma circuitaria de neurônios específica, que os conduzirá para um centro cerebral localizado nas imediações do hipotálamo (importante para o funcionamento da memória). Os mediadores responsáveis pela saciedade, por sua vez, agirão no mesmo centro, mas serão conduzidos através de outros circuitos neuronais.
As características individuais dessas interações neuronais de alta complexidade são geneticamente controladas. Além de lamentar a sorte, nada podemos fazer contra a tendência à obesidade ou à magreza herdada de nossos antepassados.
No decorrer de milhões de anos, a espécie humana enfrentou a fome e a competição com predadores. O corpo humano foi obrigado pela seleção natural a sofrer adaptações em virtude da ameaça permanente da fome. Desenvolveu mecanismos para garantir a ingestão do maior número de calorias disponíveis com o objetivo de armazená-las sob a forma de gordura, destinada a suprir as necessidades energéticas nos períodos de vacas magras.
Ao detectar a perda dessas reservas, o organismo reage ativamente para recuperá-las: faz cair dramaticamente a energia gasta no metabolismo basal e dispara estímulos inexoráveis para consumirmos a maior quantidade possível de calorias.
Como o desafio enfrentado por nossos antepassados era a falta, e não o excesso, de comida, a seleção natural não levou em conta o mecanismo oposto: aumentar o gasto energético e diminuir o apetite em caso de excesso de gordura. Os sinais biológicos que deveriam surgir em resposta ao acúmulo de peso são extremamente discretos. Não há aumento da energia gasta em repouso, diminuição do apetite ou estímulo para aumentar a energia gasta em atividade. Ao contrário, sobrecarregados pelo peso da gordura, ficamos mais sedentários.
Como consequência da adaptação ao longo processo de competição e seleção natural, o cérebro humano tende a proteger os reservatórios de gordura e a forçar o corpo a retornar ao peso mais alto já atingido. O que representou sabedoria extrema em tempos de penúria virou insanidade diante da geladeira cheia.
http://drauzio.estacaomedicina.com.br/doencas-e-sintomas/obesidade/obesidade-inexoravel/
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